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ASPECTOSSOCIAISETECNOLÓGICOSDAS
ATIVIDADESDEINOVAÇÃO
ThalesNovaesdeAndrade
Ainovaçãoéumconceitoquevemadquirindograndeespa- çonasCiênciasSociais.Apartirdosanos90,diversosauto-respassaramadiscutirasarticulaçõesdasnovastecnologias informáticasebiológicascomosprocessosreprodutivos,o financiamentoestataleascondiçõesambientais,paradar alguns exemplos (Maciel, 1996; Martins, 2003; Castells, 2003;Trigueiro,2002;Latour,2000).
Nos países avançados, essa problemática adentrou na agendadediferentessetorescomogovernos,corporações, universidades, centros de pesquisa e movimentos sociais. Desdeosanos80,ospaísesdaOrganizaçãoparaaCoope- raçãoeDesenvolvimentoEconômico(OCDE)vêmalteran-doopadrãodeapoioàindústria,incorporandomedidasde inovaçãoqueintegramapolíticadecomérciointernacional comaindustrialetecnológica.Aoinvésdesubvencionarem empresasatravésdecontratosdePesquisa&Desenvolvimen-toespecíficosepontuais,osgovernosdessespaísespassaram acriarcondiçõesparaqueaatividadeprodutivaseorganize deformasistêmicaeintegrativa(Cassiolato&Lastres,2000).
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agendadepesquisa.Otemadainovaçãomantém-semais ligadoapreocupaçõesdeordemeconômica,comocom-petitividade,pressõesdademanda,investimentoeanálises prospectivas.Persistemosestudosdecasoeanálisesdeseto-resdeatividadesquefocamespecificamenteaatuaçãode empresas,agênciasincubadoras,órgãospúblicosdefomen-to e instituições de pesquisa (Barbieri, 2005; Mowery & Rosenberg,2005).
Alguns autores têm chamado atenção para o desafio preementedeseincluirvariáveissocioculturaisnasavalia- çõeseestudossobreaimplementaçãodainovaçãoemcon-textoslocaisenacionais(Maciel,2002;Albagli&Maciel, 2004).Apresençadeatoresdasociedadecivilnaprática inovativarepresentaatualmenteumdosgrandestemasa serem investigados. Mais do que espectadores ou consu-midoresdeinovaçõesouequipamentosnovos,osdiversos atoresdasociedadecivilconstituemelementos-chaveparaa viabilidadeounãodedeterminadosprojetostecnológicos, efaz-senecessárioadministrarmelhoraatividadeinovati-vaparacriarambientesdecirculaçãodeinformaçãomais abertoseeficientes.
Atualmenteaquestãodagestãodapráticatecnológica eosarranjosinstitucionaisparafacilitarosfluxosdeconhe-cimentotêmocupadoocentrodasatençõesdoscientistas sociaisligadosaotemadainovação(Gibbonsetal.,1994).
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palavras,éviáveldiscutirainovaçãosocialseparadadaino-vaçãotecnológica?
Opresenteartigopretendedebateressastendências,par-tindodoprincípiodequeosestudoseconômicos,sociológicos efilosóficosacercadainovaçãotecnológicaprecisamadqui-rirmaiscoerênciademodoasolucionarosimpassesteóricos presentesnadiscussãoatual.Eleprocurarátratarexatamente dessesimpassesqueenvolvemaincorporaçãodosdiferentes atoressociaisnaconstruçãodainovaçãotecnológica.Emum primeiromomento,serátratadaarelaçãoentrefatoreseco-nômicosesociaisnoprocessodeinovação.Posteriormente serãodiscutidasquestõesenvolvendoinovaçãoegestãodo conhecimento,umassuntoqueatualmenteconcentragrande partedospesquisadoresatentosàdinâmicaentrecomporta- mentocoletivoedesenvolvimento;eporfimretomaradiscus-sãosobreaimportânciadatecnicidadeedaconfiguraçãodos objetostécnicosparaseentenderoprocessoinovativo.
Espera-seaofinaldessatrajetórialançarquestõessobre aproblemáticadaimponderabilidadedoprocessoinovati- vo,econseqüentementeaarticulaçãoentreaspectostécni-cosesociaisnaconstruçãodainovação.
Inovação:entreoeconômicoeosocial
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Degrandedestaquenasúltimasdécadas,aperspectiva schumpeterianadeanáliselevouàformulaçãodediversos modelosdeinovaçãoeprojeçõesmacroeconômicas.Ocru-zamentodeinformaçõessobrepatenteamentodeprodutos einvestimentospúblicoseprivadosnaáreatecnológicaper-mitiuaelaboraçãodefórmulasemodelosparaseavaliaros efeitosdomercadosobreaspráticasdeinovação,acélebre problemáticadainduçãopelademanda(Flichy,1995).
OtermoinovaçãofoicunhadonoâmbitodaOCDEnos anos70comvistasapromoverumainteraçãomaisefetiva entreosetorprodutivoeasáreasdePesquisaeDesenvolvi-mento(P&D).Issoocorreunomomentoemqueaabertura demercadoseoaumentodacompetitividadeinternacio- nalincitaramempresasegovernosaestabeleceremsiner-giasenvolvendopesquisatecnológicaepolíticaindustrial, paraamanutençãodastaxasdecrescimentoeconômico. Christopher Freeman defende que o processo inovativo devepropiciarascondiçõesparaqueempresaegoverno estabeleçamintercâmbiosderecursoseinformaçõespara efetivarumbomdesempenhonaeconomiainternacional frenteàsoscilaçõesdemercadoeameaçasdaconcorrência. (VerFreeman,1992;1982.)
Diferentes perspectivas de análise foram construídas paraselidarcomaquestãodainovação.Umadasprimeiras vertentesdapesquisasobreinovaçãofoiateoriadahélice tripla,quesepropunhaaentenderosprocessosinovadores apartirdaconjugaçãodetrêssegmentos:empresas,univer- sidadeseoEstado.Oencontroentrepesquisadores,formu- ladoresdepolíticaseempresáriosgarantiriaodesenvolvi- mentodeempreendimentoscruzadosdeatividadecientífi-caetecnológica.
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atividadetecnológica,ossetoresprodutivos(clusters),esua
capacidadedeentradanomercado,independentemente dosformatosinstitucionaissubjacentesacadaprocessode inovaçãoeosimpactossociaisdecorrentes(Maciel,2001).
Apartirdosanos80,oseconomistaspassaramamudar oenfoquedeanálise.Osprodutosespecíficosaseremdesen-volvidoseosefeitosdaofertaderecursosedademandade trabalhonainduçãoàinovaçãodeixamderepresentaro centrodasatençõesdapráticainovativa.Comaglobalização daeconomiaeaflexibilizaçãodosformatosorganizacionais envolvendo empresas, agências estatais e centros de pes-quisa,aformaçãoedesenvolvimentoderedeseossistemas nacionaisdeinovaçãopassamasertemascentraisparaos pesquisadores(Freeman,1992;Cassiolato&Lastres,2000).
Outrotemasalientesobreaquestãodainovaçãocon- sistenareferênciarecorrenteàproblemáticadodesenvolvi- mento.Apartirdoviésschumpeteriano,osteóricosdocres-cimentoreduziramaquestãodainovaçãoagastoscomP&D ecapitalhumanoàbuscademodosdeprojetareproduzir bensapartirdareferênciadosprópriosagentesprodutivos, oquemantémaênfasenapesquisaindustrialenocompor-tamentoempresarialcomoliderançanapráticainovativa (Mowery&Rosenberg,2005).Aperspectivaincremental dessasabordagenstrataoprocessodeavançotecnológico comoalgodadoeincontestável,paraoqualgovernos,ins-titutosdepesquisaeempresasdevemconfluir.(Nicolas& Mytelka,1994:7)
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formastêminstigadooscientistassociaisefilósofosinteres-sadosnaproblemáticadainovaçãotecnológica.
Umprimeiroproblemaquesecolocanarelaçãoentre inovaçãoedesenvolvimentoéqueesteúltimoseancoraem umpostuladoontológico,oqualsetornaessencialenor- mativoparaassociedadesmodernas.Aideologiadesenvol-vimentistaquevigorounoideárioeconômicoepolíticodo Pós-Guerrapossibilitouanormatizaçãodapráticasocialem tornodepreceitoscomocrescimento,avançooumoder-nização.Esseidealdedesempenhoeconômicoesocialfoi estabelecido como a expressão dominante dos enfoques econômicosepolíticosduranteváriasdécadas,tendocomo exemploateoriadadependência,ostrabalhosdaCepale asteoriasdocrescimento.
Oproblemadodesenvolvimento,apesardeapresentar diversoslimitesecontratendências,adquireumestatutode existênciaquesetornainquestionável.Épossíveldiscutiras variáveisdocrescimentoeconômicoeosfatoresestruturais deestagnaçãoerecessãoatravésdemodeloseescalas,mas aocorrênciaprópriadodesenvolvimento,enquantoforma cumulativa,linearecontínuadedesempenhoprodutivoé indiscutíveldentrodatradiçãoeconômicaesociológicadas últimasdécadas(Nicolas&Mytelka,1994).
Aoseadentrarnaperspectivadainovaçãotecnológica, essaontologianãoexiste,ousemanifestadeformasdife-rentes.Diferentementedalógicadainvenção,ainovação nãosebaseianabuscadenovaspropriedadestécnicasou novosprodutos.Suaênfaserecaisobreacompatibilização entreoavançotecnológicoeasinstituiçõessociaisexisten-tes,ou,nostermosdeGille,entreosistematécnicoeos outrossistemassociais(Gille,1978).
ceuarelaçãodecontinuidadeenvolvendo:progressocientí-145
fico–invenção–inovação,demodoqueoprocessoinovativo representaofinaldeumacadeia,emqueapráticatecnoló-gicasearticulacomosoutrossistemassociais,provocando resistênciasere-significandoasdiferentesinstituições.
Ainovaçãoseconstituientãoemumaarenaderelações imprevisíveis,umencontroderacionalidadesdiversasque adquiremumaconformaçãocircunstancialapartirdatro-cadeexperiênciasentresetoresprodutivos,consumidores,
gestorespúblicos,expertsentreoutros.Ouseja,nãoexistem
princípiosevolutivosquedeterminemaprioristicamenteos rumosdoprocessoinovativo.
A tendência atual, contudo, de constituição de uma tecnociênciaalteradecisivamenteessepanorama.Aligação entreoscomponentesdoavançotecnológicoseorganiza daseguinteforma:invenção–inovação–crescimento.A inovaçãopassaaseromeioeoinstrumentoparaefetivação docrescimentoeconômico.Issoimplicaráemumainstru-mentalizaçãodapráticainovativacomvistasunicamenteao crescimento,tornando-ocontidoeprogramável.
Asociologiaconstrutivistafoiresponsávelporumsério questionamentodaperspectivaschumpeteriana,quedefen-deaaproximaçãododesenvolvimentoeconômicoàlógica dainovação.
OstrabalhosdePinch&Bijker(1987),Latour(2000) eCallon(1987),apesardesuasdiferenças,oferecemum olharespecialàrelaçãoentretecnologiaeeconomiaque modificouamplamenteacompreensãodadinâmicainova-tiva.Odeterminismopresentenodebateeconômicosobre alógicaeosmodelosdeinovação,relacionadoànoçãode difusãoeracionalidadedosagentes,precisamdarlugara umaabordagemcontextualemultilinear,quenãoaceitase limitaraosparâmetrosdasescolhaseconômicas.
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einteressesdosdiversosgruposesetoresestratégicosquese encontramnaatividadetecnológica.Feenberg(1999)cor-roboraosargumentosdosconstrutivistaseafirmaque:
“...aescolhaentrealternativasnãodependeessencialmenteda eficiênciatécnicaoueconômica,masdo“encaixe”entreosaparelhose osinteressesecrençasdosváriosgrupossociaisqueinfluemnoprocesso dedesign.Oqueéespecíficoemumartefatoéasuarelação comoambientesocial,enãoalgumapropriedadeintrínseca...” (Feenberg,1999:79,grifooriginal.)
Nessesentido,osinteresseseconômicosacompanham, masnãodeterminamorumodainovação.Oconceitode ambientesdeinovaçãorepresentaumenfoquediferenciado acercadaspossibilidadesdeconstruçãodapráticadainova-ção,visandoarticulartecnologia,economiaevidasocialde umamaneiradiferenciadaeaberta,distantedopadrãoque relacionaainovaçãotecnológicaexclusivamenteaosetor produtivo(Maciel,2001).
Eleconsistedeumespaçoinstitucionalederelações deforçasabertaseintangíveisqueumgrupodisponibiliza paraimplementarpráticasquesejaminovadoras.Segundo adefiniçãodeMacieloambientedeinovação
“...procuradarcontadoconjuntodecondições–limites, obstáculos,possibilidades,estímulos–dainovaçãoemuma determinadaformaçãosocial.Ambientedeinovaçãorefere-se,portanto,aoconjuntodefatorespolíticos,econômicos, sociaiseculturaisqueestimulamoudificultamainovação...” (Maciel,1997:109)
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Em seu trabalho sobre o caso italiano nos anos 80, Maciel (1996) utiliza a noção de ambiente e detecta um importante componente cultural e estético que explica ograndeimpulsoàinovaçãoqueopaísatravessou,inde-pendentementedocontextomacroeconômicoregionaldo período.Naquelepaísseconstituiuumambientedeino-vaçãoespecialmentepropícioparaarranjosinstitucionaise diálogosentreempresas,governoseincubadorasdeforma pluralecriativa,oqueemoutrospaísesnãosedeunames-maintensidade.
Empresas,órgãosgovernamentais,trabalhadores,uni-versidades,partidoseinstitutosdepesquisaconformaram umagranderede,disformeecambiante,quepossibilitou aconstruçãodeummodeloespecífico,frutodearranjos interdisciplinareseinterinstitucionaispropíciosaoincre-mento das inovações tecnológicas. Sem essa conjugação deesforçoseinteresses,específicosaocasoitalianoemum determinado período, o desempenho da Itália provavel-mentenãoteriaomesmoefeito.
Aentradadoscientistassociaisnodebatesobreinova-çãoedesenvolvimentoapartirdosanos80propiciouuma sériacríticaaoincrementalismoschumpeterianoeapossi- bilidadedeestabelecimentodeumanovaagendadepes-quisa,centradanosfluxosdeconhecimento.
Inovaçãoeconhecimento
quemaispuramenteadministrativasougerenciais,sãocon-148
sideradasnoperíodoatualcomoparâmetrosdeinovação (Lemos,2000).
Aconstruçãodenovosformatosorganizacionaiseaênfa- seematividadesdeparceria,prestaçãodeserviços,intercâm- bioseconvêniosenvolvendoempresas,governos,universida-des,incubadorasecentrosdepesquisaemregrasmúltiplas evariáveispassamaconstituirapré-condiçãoparaqualquer inovação.Acríticaaospadrõeslinearesesimplistasdeino-vação,queenfocavamasrelaçõesestritasentremercadoe indústria,permitiuaconstruçãodeumaagendadepesquisa centradanadifusãodeinformaçõeseconhecimentoenovas variáveisdeanálise(Nicolas&Mytelka,1994).
Portanto,ocorreumaabrangênciacadavezmaiordo conceitodeinovação,quepassaaincorporarbensintangíveis emadiçãoàsvariáveiseconômicaspresentesnasdiscussões anteriores.Aproduçãoecirculaçãodeconhecimento,tácito oucodificado,passaaserconsideradaumelementoessencial paraaefetivaçãodaspráticasdeinovaçãotecnológica.Apas-sagemdeformasdeconhecimento,ematuaçãopúblicaou privada,redefinemosentidodainovação,demodoque
“acapacidadedegerar,deadaptar/recontextualizarede aplicarconhecimentos,deacordocomasnecessidadesde cadaorganização,paíselocalidade,é,portanto,central. Dessemodo,tãoimportantequantoacapacidadede produzirnovoconhecimentoéacapacidadedeprocessar erecriarconhecimento,pormeiodeprocessosde aprendizado;e,maisainda,acapacidadedeconverter esseconhecimentoemação,ou,maisespecificamente,em inovação...”(Albagli&Maciel,2004:10)
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Deacordocomessacorrentedepensamento,ainova-çãodependemenosdeinvestimentointensivodecapitale inventividadetécnica,emaisdacriaçãoderedesdecircu-laçãodeinformaçãoeconhecimento.Aproblemáticada inovação torna-se menos tecnológica e mais pedagógica, adquireumsentidoeconômico(distributivo)esocial(coe-são)quetranscendeosditamesoperacionaisefuncionais dosobjetostécnicos.SegundoLemos,
“...comopotencialoferecidopelosnovosmeiostécnicos disponibilizadoscomastecnologiasdeinformação, intensifica-seageraçãoeabsorçãodeconhecimento easpossibilidadesdeimplementaçãodasinovações. Asexigênciasdeespecializaçãoaolongodacadeiade produçãosetornamcadavezmaiores.Asnovastecnologias acarretam,assim,tantoosmeiosparaacooperação,comoa necessidadedecriaçãodemaisintensivasevariadasformas deinteraçãoeaprendizadointensivo.”(Lemos,2000:170)
Osarranjosorganizacionaiseosformatosinterativos entreagentescientíficoseeconômicostomamocentrodo debateinovativo.Oconteúdoespecíficodeumadetermi-nadatecnologianãoétãorelevantequantooarcabouço gerencialeosistemacooperativocriadoemseuentorno. Aindasegundoaautora,
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deidéias,respondereseadequaràsrápidasalterações, comapromoçãodemudançaseaperfeiçoamentosnas estruturasdepesquisa,produçãoecomercialização.” (Lemos,2000:170)
Apráticadagestãoecompartilhamentodoconheci-mentoedosbensintangíveisconstituiomeioeofimda atividadedosinovadores.Faz-senecessárioexpandirocon-ceitodeinovaçãodeformaaincluirascondiçõescoletivas para a qualificação de profissionais, aperfeiçoamento de
parceriaseagilidadecorporativa(Maciel,2002;Gibbonset
al.,1994).
Castells&Hall(1994)discutemaconstituiçãodeuma geografiadainovaçãoespalhadapordiversascidades,onde seformammeiosinovadoresresponsáveispelainterconexão deprodutoseprocessosdentrodeumaarticulaçãointerde- pendenteehierarquizada.Constata-seque,naanálisedes-sesmeiosinovadores,comooValedoSilício,sobressaem agentesaltamentetecnológicos,articuladosentreempresas ecentrosdepesquisadepontadentrodeformatosmúlti-ploseinconstantes.
As formas de utilização e percepção das tecnologias digitaisimplicamnovasformasdecoesãoerelacionamento interinstitucionais.Percebe-seumainstabilidadecrescente emtermosdeconfiguraçãodeformasdeutilizaçãoeaper-feiçoamentodemáquinas,demodoqueashierarquiase fórmulas de propriedade e patenteamento dos produtos tecnológicossãofortementemodificadas.
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Adiscussãosobreproduçãoecirculaçãodeconheci- mentoemambientesdeinovaçãosocialabreaperspecti- vadeanálisebaseadanocapitalsocialdeumdetermina-docontextolocal,oquetempropiciadocondiçõesparaa conduçãodepesquisasenvolvendotécnicassociaisecircu-laçãodesaberes.Oconceitodecapitalsocialformulado
porPutnametal.(1996)fornececondiçõesparaainserção
dadiscussãoinovativanadinâmicadocompartilhamento deinformaçõesedoaprendizadointerativo,dentrodeum espíritocívicoqueenvolvecompromissocoletivoedivisão deriscoseoportunidades.Ocrescimentoeconômicoea redistribuiçãoderiquezadependemfortementedaaquisi-çãodeumacapacidadecoletivadeinteraçãoeeficiência entreosdiferentesagentes.AdiscussãotrazidaporPutnam
etal.(1996)envolveadiscussãosobreinovação,masnãose atémsobreapráticatecnológicaemsuaconcretude.Um certosociologismoabstrato,queleveemcontaasarticu-laçõesinstitucionaisepolíticasdapráticatecnológicasem seimportarcomogestotécnicoenquantointermediário entrehomenseomeiosocial,tendeareduzirainovaçãoa práticasformais.
Todosessesaspectosapontamparaumpapelcadavez
maissalientedegerentesepolicymakers
noarranjodeprá-ticastecnológicasmediantenovosformatosorganizacionais einterações,emqueaformasesobressaiaosconteúdosdas atividadestecnológicasconcretas.
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Osobjetostécnicoseainovação
Aoladodosinvestimentoseconômicosedadisseminação deconhecimentos,odesenvolvimentodemáquinasecon-juntostécnicosocupaumlugardedestaquenaconstrução dainovação.Nessaseçãoserádiscutidaaimportânciado enfoquesobreosobjetostécnicosparaseentenderosdile-masatuaisdessaagendadepesquisa.
Se no século XX as inovações tecnológicas se mani-festaram mais claramente baseadas em objetos técnicos específicosefixos,comoomotordecombustãointerna,o transistoreocomputador,noperíodoatualassiste-seauma interligaçãoanárquicadetecnologiaseformasabertasde articulaçãoentreprodutoreseconsumidores.Duastendên-ciasdedesenvolvimentotecnológicopodemserdetectadas: umaintimizaçãodatecnologia,queinterferenaspróprias concepçõesidentitáriasdosgrupossociais(biotecnologia); eumatendênciadeconformaçãodegrandesconjuntostéc-nicos,dearticulaçãoreticular(Santos,2000).
Dentrodessaconfiguraçãoaomesmotempoíntimae reticulardoavançotecnológico,umaspectoessencialda sociologia contemporânea se sobressai, a contingência. Desdeosanos80asCiênciasSociaiscontemporâneasestão cadavezmaisabertasparaoexamedasrelaçõescircuns-tanciaisecontingentesdaspráticascoletivas,questõesessas querepresentamosgrandesproblemasepistemológicosda área,colocandoemsuspensoastendênciasestruturalistas atéentãovigentes(Santos,1997).
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Paraainovaçãosefortalecerenquantopráticatecnoló-gica,elaprecisaapresentarsuapositividade,seupotencial dearticulaçãoentreasmáquinaseasinstituiçõessociais. Enessesentido,aindeterminaçãoeinsegurançagarantem aoriginalidadeeosucessodosprocedimentosinovativos. Nãopodehaverumainovaçãototalmenteseguraeprede-terminada,aincertezaeoimponderávelsãoconstitutivos da atividade tecnológica (Stiegler, 1998). É fundamental assinalarqueessaindeterminaçãoeimponderabilidadedo processoinovativodevemserencontradosexatamentena constituiçãomesmadosobjetostécnicosenãoemumpro-cessoabstratodeaprendizadosocial.
Dois autores se sobressaem nessa discussão sobre os rumosdaatividadetecnológicaeoenfoquenosobjetostéc-nicos,GilbertSimondoneBrunoLatour.Oexamedeseus argumentospropiciaummelhorenquadramentodadiscus-sãosobreinovaçãoeasincertezasdapráticatecnológica.
Simondoneateoriadaconcretização
OfilósofodastécnicasGilbertSimondon(1969),queela- borouumaprofundateoriasobreaquestãodaindividua-ção,articulandopsicologiasocialeteoriadainformação, tevegrandeimpactoapartirdosanos60comsuadiscussão sobreosobjetostécnicoseateoriadaconcretização.
Para ele, todo objeto técnico tende a adquirir uma compatibilidadeinternaquepromoveumfuncionamento cumulativamentemaissinérgicoeauto-ajustado.Namedi-daemqueosobjetostécnicosseconstituemdeformamais compatibilizadaeorgânica,ampliam-seosprocedimentos exterioresaeleseconseqüentementeosrumospossíveisde seudevir.Aesseprocessodecompatibilizaçãointernaeaco-plamentosinérgicodosobjetostécnicosSimondonchama deconcretização.
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técnicos,solicitaaconformaçãodeumnovosistematécni-co,maisreticulareavançado,queprovocanecessariamente umadesestabilizaçãonascondiçõesdeseuentorno(exem-plo:máquinaavapor).
Simondonapontaclaramenteosproblemasadvindos deumasuperposiçãodeexigênciaseconômicassobreorit- modoavançotécnico,equeprecisamserlevadasemconsi-deraçãonapráticatecnológica.
“Existeumaconvergênciadelimitaçõeseconômicas (diminuiçãodematéria-prima,detrabalho,edo
consumodeenergiaduranteautilização)edeexigências propriamentetécnicas:oobjeto[técnico]nãodeveser autodestrutivo.Eledevemanterumfuncionamento estávelpelomaiorespaçodetempopossível.Dessesdois tiposdecausas,econômicasepropriamentetécnicas,é necessárioqueassegundaspredominemnaevolução técnica...;sobretudonosdomíniosemqueascondições técnicasprevalecemsobreascondiçõeseconômicas (aviação,materialdeguerra)ocorremosprogressosmais ativos...Emefeito,ascausaseconômicasnãosãopuras; elasinterferemcomumconjuntodifusodemotivações epreferênciasqueosatenuam[progressotécnico]ou mesmorevertem(gostopeloluxo,desejodenovidades aparentesparaosutilizadores,propagandacomercial).” (Simondon,1969:26).
Muitasvezesasimposiçõeseconômicaseorganizacio-nais poluem o desenvolvimento tecnológico, tornando-o desajustadoeredundante.Simondonchegaaafirmarque no mundo contemporâneo é necessário salvar a técnica, contidadentrodeesquemaseprojeçõesdistantesdesua lógica(Kechkian,1983).
timentoracionalizadoemformulaçãodepolíticaseincen-155
tivosgovernamentaisefinanceirosàinovaçãotecnológica nãocorreoriscodeburocratizarotrabalhodosinovadores, dificultandooestabelecimentodeespaçosdeexperimen- taçãoeindeterminação,osquais,comofoivisto,sãoessen-ciaisàplenarealizaçãodainovação?Simondonpropõea formulaçãodeumadisciplinademecanologia,quepermita umaaproximaçãomaiordostécnicosesuasmáquinaspara além de uma funcionalidade restrita, e que permita um encontroabertoeincertoentreaspropriedadestécnicase asdemandascoletivas.
Namedidaemqueseacoplamaoutrosobjetos,forman-dograndessistemastécnicos,asmáquinasaindadispõem daquiloqueoautordenominamargemdeindeterminação, umafrestaemseufuncionamentoqueaspermitedialogar com outros componentes técnicos e alterar sua própria constituiçãodeformaimprevisívelealeatória.
“...aexistênciadeumamargemdeindeterminaçãodentro dasmáquinasdeveserentendidacomoexistênciadeum certonúmerodefasescríticasemseufuncionamento; amáquinaquepodereceberumainformaçãoéaquela quelocalizatemporalmentesuaindeterminaçãoem instantessensíveis,ricosempossibilidades...Asmáquinas quepodemreceberinformaçãosãoaquelasquelocalizamsua indeterminação...”(Simondon,1969:141,grifonosso)
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objetostécnicosprevisíveis,porémprecários,umavezque têmmaisdificuldadededialogarcomosoutroscomponen-tesdossistemastécnicos.
Ancorado no pensamento de Simondon, Stiegler (1998)alertaparaoproblemacolocadopelainterferência dosistemaeconômicoeadministrativosobreadinâmicada inovaçãoeatransformaçãodossistemastécnicos.Paraele, oexcessodeplanejamentoecontrolesobreoavançotecno- lógicoimplicainserirvariáveisnãotécnicassobreatransfor-maçãopropriamentetécnica.Comisso,nãoémaispossível correrriscosourealizarexperimentaçõeslivres,umavez quetodoumaparatoinstitucional,financeiroeeconômico éconstruídoemtornodapráticainovativa.
Ouseja,ofuturoprecisaserorganizadoecontrolado,e atécnicaprecisasesubmeteraregrasefórmulasdefinan-ciamentodaáreaeconômicaeadministrativa.Issosignifica queosagentessociaisdainovaçãonecessitamseadaptara práticasdeinvestimentoemqueosaspectosindetermina- doseinstáveisdapesquisatecnológicaprecisamserneces-sariamentesubtraídos.NostermosdeStiegler,
“Emumritmodeinovaçãoconstante,fatoresdesconhecidos nãosãomaisaceitáveis;omovimentodevesercontrolado soboriscodehaverumcolapsonacoerênciaglobal,apartir deondeossistemasoperamdeformacomplementar...” (Stiegler,1998:42).
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Oproblemaconsisteemqueospolicymakersegestores
industriaispretendem,aoorganizaremapráticainovativa eestabeleceremmetas,projeçõesemecanismosdeavalia-ção,coordenaroavançotecnológicoeretirarseuaspecto deindeterminaçãoeimprevisibilidade,osquaisnãocons-tituemefeitosouepifenômenosdaatividadetecnológica, masparaSimondon,sãoascondiçõesnecessáriasdesua gêneseedesenvolvimento(Simondon,1989).
O estreitamento progressivo entre desenvolvimen-toeinovação,alavancadocontinuamenteporgovernose empresas,tendeaprovocarumadescaracterizaçãodestana medidaemquearacionalizaçãoemodernizaçãodaesfera produtivaimpõempadrõeseprojeçõesderesultadosque nãopermitemumaaberturaàsmúltiplasdemandascoleti-vas,àcontingênciadosacordossociaisenemàmargemde indeterminaçãodosobjetostécnicosemseudevir.
Outroaspectoimportantedessadiscussãoéquenopro-cessodeconcretizaçãodosobjetostécnicos,sobressaipara Simondon o fato de que a articulação dos componentes nãoocorredevidoaointeresseexplícitodosconstrutores, masdevidoatendênciassinergéticasnãoplanejadas,que ocorremindependentementedaintencionalidade:
“Cadacomponentenoobjetoconcretonãoémaisaquele cujaessênciaimplicaemcorresponderaocumprimentode umafunçãopretendidapeloconstrutor,masaumaparte deumsistemanoqualumadiversidadedeforçasopera eproduzefeitosindependentementedaintençãodos fabricantes...”(Simondon,1969:58).
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Ésomenteatravésdaexperimentaçãotécnica,enãodas deduçõescientíficas,queoprolongamentodaspotenciali-dadestécnicasadquireseumaiorgrau,poisparaSimondon, teoricamente,oobjetotécniconuncapodeserplenamente conhecido,seudevirestásempreemaberto.
AfilosofiadastécnicasdelineadaporSimondoneseus seguidores(Stiegler,1998;Feenberg,1999)defendeque aspráticasdeinovaçãotecnológicaestãomaisdiretamente relacionadasàcompatibilizaçãointernaeexternadosarte- fatostécnicos,oqueimplicaemumacomplexificaçãocres-centedasarticulaçõesentreobjetosesistemas.
Dentrodessaressonânciadeinfluênciasrecíprocas,a buscadeumaeficiênciaprodutivalocalizadaemumdeter-minadosetoreconjunturaeconômicaprejudicaabuscade umfuturotécnicoabertoasaltosevolutivosdescontínuos, própriosdaevoluçãotécnica(Simondon,1969).
A teoria da concretização traz um alerta importante para o pensamento social, a necessidade de se alterar o padrãodeavaliaçãodaeficiênciatécnica.Umindivíduotéc-niconãopodeseradmitidoourefutadoporseupotencial comercialoudedisponibilidade,masmedianteacompacta-çãoecoerênciadeseuscomponenteseoselementosdeseu entorno(Santos,1998;Shiva,2001).
Oscontextosdeinovação
Seguindooutradireção,calcadanoconstrutivismo,apers-pectiva de Bruno Latour representa uma grande contri-buiçãonosentidodealiaraagendasocialcomaprática tecnológicaconcreta.Aanáliseexógenaeexcludenteentre fatores sociais e técnicos conduz a relações arbitrárias e determinísticas envolvendo disseminação de máquinas e aproveitamentodedeterminadasfontesdeenergia.
parasecompreenderaperspectivadainovação.Umdeter-159
minadocontextotecnológicosóadquirecoerênciaesenti-domediantetrocasdeinformaçãoqueenvolvemosagentes sociaiseaofertadetécnicaseinsumosdisponíveis.
Sem o contato com a experiência técnica, que se desenvolvepormeiodeumprocessoabertoeindetermi- nadoimplicando:–adesãodetécnicos,empresas,gover- noseconsumidores;disponibilidadedeferramentas,com-ponentesepatentes;alteraçãodelegislaçãoouincentivos –nãoépossívelentenderocontextodapráticainovativa (Latour,1992).
Oaproveitamentodeumadeterminadatecnologiae suaconseqüenteinovaçãoenvolveabuscacompartilhada desuaspropriedadesintrínsecaseascondiçõescircunstan-ciaisdeseuaproveitamento.SegundoLatour,nãosepode imputarsomenteaoquadrodascondiçõessociaisosucesso oufracassodeumadadainovação,masàspropriedadestéc- nicasqueporsuavezsetransformammedianteamobiliza- çãoeadesãodeumcaldodeagentesdiferenciados,huma-nosenão-humanos,formadoresdeumcontextotécnicoe socialinstável.
Latourdenunciaveementementeodeterminismosocial embutido fortemente nos estudos sobre tecnologia, que seriaresponsávelpeloestabelecimentodeumasériaabstra-çãosociológica,quedesconectaascontingênciassociaisda operacionalizaçãotécnica.
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Sóépossívelcompreenderofracassoouêxitodeum projetotecnológicomedianteoexametantodascondições institucionaisecoletivasdeumadeterminadaconjuntura, comodefatoresquesãoerroneamentedenominadostécni-
cos,poisenvolvemprocessosderecrutamentodedisponibi-lizaçõessociais.Aexistênciaperse
denovasinstitucionalida- desnãodevenegligenciaroenfoqueempráticastecnoló-gicasconcretas,poisestasdelimitamapossibilidadedeque novosarranjospolíticoseculturaissejampromovidos.
Aexternalidadeentreotécnicoeosocialéartificial eindevida,eaimplementaçãodedispositivosmultifun-cionaisedealtacompatibilidadeexternaeinternafaz-se fundamental para atender demandas complexas, como ocorreu no caso do projeto do metrô Aramis em Paris (Latour,1992).
EmsuaanálisesobreaconstruçãodeAramisnosanos 60esuacriseduasdécadasdepois,Latourapontaquese
conformaemtornodeleumatrocaincessantedeinforma-çõeseconhecimento.Esteéumexemplodeprojetoque
sepropôsareformularumnovocontextotécnicoesocial naconfluênciaentreespaçourbano,recursostecnológicos, posicionamentosjurídicoseoimagináriodosconsumido- res,masquenãofoilevadoadiante,devidoaprevisõespre-maturasdesuainviabilidade.Previsõesestasquesegundo oautornãosebasearamplenamenteemquestõesdevia- bilidadetécnica,masdeumasériedeinterpretaçõescam-biantesenvolvendoocupaçãodoespaçourbanoecultura deconsumoindividual.
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AcrisedeAramissedeuporcontadeumdescompasso deencaminhamentosquecruzamaspectosoperatórioscom dispositivospassionaisdosagentesdiretaeindiretamente envolvidosemsuaconfiguração.Enessecasoespecíficoas condiçõesoperatóriasesinérgicasdoprojeto,apesardesua qualidade,nãoforamsuficientesparasustentarsuaconti-nuidade.Oobjetoeocontextoconfiguramumamesma relação,nãosendopossívelsepará-los.
QuandoAramisfoidesacreditadoemsuacondiçãoope- ratória,todooseucontextoperdeuconsistência,eosino-vadoresperderamtambémterrenodeação.SegundoFlichy (1995),assimcomoosnavegadores,osinovadoresprecisam aomesmotempocontrolarasvelasdobarco(operaçãotéc- nica)eascorrentesmarítimas(condiçõessociaiseeconô-micas).Semisso,éinviávelconduzirprojetosdeinovação consistentesedelongoalcance.
Questão semelhante aparece na análise de Callon (1987)sobreocarroelétrico(VEL)naFrança.Problemas envolvendoarticulaçãodecomponentesinternosecom-portamento de consumidores são distintos, mas comple-mentares,perfazendoumaredederelaçõesdinâmicase associadas.
“Seosusuáriosdeautomóveisrejeitamoveículoelétricoe mantêmsuaspreferênciaspordiferentestiposdoautomóvel tradicional,issosedáporumasériedemotivos,umdos quaiséoproblemadequeoscatalizadoresseenvenenam. Sãoessasassociaçõesheterogêneasqueossociólogosnão levamemconsideraçãoequesãoresponsáveispelosucesso deumarededeatoresespecífica...”(Callon,1987:97)
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ouviáveisqueaanálisesociológicatradicionaléincapazde detectar.
AteoriadaconcretizaçãoelaboradaporSimondone adiscussãodoscontextostécnicostrabalhadosporLatour eosconstrutivistastêmgrandesimplicaçõesparaadiscus-sãodainovaçãotecnológica.Oresgatedesuaselaborações para a reflexão sobre a inovação e o avanço tecnológico teriaduasconsequênciasprincipais:emprimeirolugar,a inovaçãonãodevesignificardesenvolvimento,emsuasfór-mulaslineareseevolutivas,masdesestabilizaçãoderelações, queirãosereordenarapartirdoestabelecimentodenovas institucionalidadessociais.Contingênciaeindeterminação seencaixammaisperfeitamentenadiscussãosobreinova-ção,enãoodesenvolvimentoeconômicoeasprojeçõesde crescimentoconstruídasapartirdecritériosdeeficiênciae racionalidade.
Poroutrolado,odeterminismotecnológiconãopode sersubstituídopelodeterminismosociológico.Ofatode redes,empresasegovernosdisponibilizaremconhecimen-toseprodutosnãoimplicaautomaticamenteprocessosde inovação,umavezqueosprodutosetécnicasdisponibiliza-doscondicionamsuaprópriaincorporaçãofutura.
Conclusão
Atecnociênciacontemporâneaestáemcontínuaebulição, demodoqueosconhecimentosacumuladosanteriormente nãosãonecessariamentepré-condiçãoparaaformulaçãode novosprojetostecnológicos.Oritmodoprogressotecnológi-co,porseucaráterdifusoeanárquico,emmuitosmomentos sesobrepõeaoscritériosdecompetitividadeeconômica.As empresasprecisamatentarmaisaoritmoaceleradodasino-vaçõesdoqueaosprodutoscomercializados,quepossuem umavidaútilcadavezmaiscurtaeefêmera(Santos,2000).
apontamparaocaráterdifusoeimprevisívelqueosproces-163
sosearranjossetoriaisestãoadquirindo.Nãoémaispos-sívelprojetardeformacalculadaeprecisaasarticulações possíveisdedesenvolvimentotecnológicoemumaerade aceleraçãocontínuaeauto-referente(Martins,2003).
Aevoluçãodeumalinhagemtécnicaocorremedian-teoaperfeiçoamentodinâmicodosobjetostécnicos,que sedánãoemsuaconcepçãoefuncionalidade,masdentro desuaprópriarealização.Ocaráterempíricoeexperimen-taldofazertécnicoexigeumaaproximaçãoconstantedos homenscomseusrespectivosobjetos,oquenãopodeser substituídoporumaconcepçãoabstratadecapitalsocial, distantedarealizaçãodosartefatostécnicos.
Estásetornandomaisclaroparaoscientistassociais atuaisanecessidadedeumaaproximaçãocrescenteentre ospesquisadoreseapráticatecnológicaconcreta.Nãoé maispossíveltrataraproblemáticatecnológicadeforma exógena, condenando ou aceitando os artefatos ou pro-cessostécnicossemumavisãocontingencialeintrínsecaàs suasmanifestações.Acríticadedeterminadosfilósofosda tecnologiaaosautoresdaEscoladeFrankfurt,porexem-plo,refere-seexatamenteaumdiagnósticogeraleabstrato aodesenvolvimentotécnico,semlevaremcontaasespeci-ficidadesemontagensconcretasdosobjetoseseuentorno (Feenberg,1999).
Há necessidade de uma aproximação entre a inova-çãoenquantoconhecimento,eoconhecimentoenquanto vivênciatécnicaecultural.Aexperimentaçãotécnicarepre-sentaacondiçãoparaaconstruçãodainovação,tantoem suasdimensõesculturaiscomooperatórias.
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Não apenas os agentes econômicos e científicos são capazesdedeterminarapráticatecnológica,mastambém osatoressociais.Masessesatoressãoincapazesdeseapro-priardoprocessoinovativosemumaarticulaçãoqualificada comatecnicidade.Acirculaçãodeconhecimentonomun-docontemporâneoocorremedianteaapropriaçãodiversa dosartefatostécnicosporpartedosagentescoletivos,oque porsuavezdemandaumaaproximaçãodaculturacoma técnica(Simondon,1989).
Atendênciaemsesobrevalorizaragestãodoconheci-mentolevaasefocarpreponderantementeaformaenão oconteúdodadinâmicainovativa.Corre-seoriscodeexa- geraropapeldagestãoempresarialetecnológicaemdetri- mentodaanálisedapráticadosagentestecnológicoselei-gosemsuasinterações.
Esteartigoprocurouapontarqueafilosofiadastécnicas desenvolvidanasúltimasdécadaspossuiumgrandepoten-cialdesearticularcomaproduçãosociológicaeeconômica sobreapráticainovativaegerarumanovateoriasobrearela- çãoentretecnologiaedesenvolvimentosocial.Faz-seneces-sáriomontarumalinhadecontinuidadeentreadiscussão dosobjetostécnicos,apráticacompartilhadadainovaçãoe aabordageminstitucionaldatecnologia,semoqualacom-preensãodatécnicamodernasedaráapenasparcialmente.
ThalesNovaesdeAndrade
é professor do Departamento de Ciências Sociais da
UFSCareeditorexecutivodarevistaAmbiente&Sociedade
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ASPECTOSSOCIAISETECNOLÓGICOSDASATIVIDADESDE INOVAÇÃO
THALESNOVAESDEANDRADE
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Palavras-chave:Inovação;AmbientesdeInovação;Tecnologia;
ObjetosTécnicos.
SOCIALANDTECHNOLOGICALASPECTSOFINNOVATION ACTIVITIES
Thearticleaimstodiscusssocialandtechnicalaspectsunderlying the debate on innovation. It is noted that the Schumpeterian tradition of innovation analysis underestimated cultural and politicalfactorswithintechnologicalpaths.Overthelastdecades, manytendencieshavededicatedtocrosseconomicandsocialaspects instudiesoninnovationandknowledgeproductionanddiffusion. Studies concerning innovation systems and environments have rebuilt the focus on innovation, posing that management and organization of networks and knowledge flows provide a better understandingoftechnologicalandeconomicactivities.Butsuch tendencieshaveoverlookedthetechnologicalquestionsconcerning innovation,speciallythestudyoftechnicalobjectsandsets.The mainobjectiveofthisarticleistooutlinetheneedforanarticulation ofbothtechnicalandsocialaspectsoninnovation.