UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS
GILKA DA MATA DIAS
PRAIAS URBANAS E RACIONALIDADE AMBIENTAL:
AVALIAÇÃO DA GESTÃO, DAS INTERVENÇÕES
URBANÍSTICAS E DOS USOS
NA PRAIA DE PONTA NEGRA
PRAIAS URBANAS E RACIONALIDADE AMBIENTAL:
AVALIAÇÃO DA GESTÃO, DAS INTERVENÇÕES URBANÍSTICAS E DOS USOS NA PRAIA DE PONTA NEGRA
Dissertação apresentada ao Departamento de Políticas Públicas do Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais na área de concentração em “Dinâmicas Urbanas e Regionais” para obtenção do título de Mestre em Estudos Urbanos e Regionais.
ORIENTADOR: PROF. ALEXSANDRO FERREIRA CARDOSO DA SILVA
NATAL/RN 2015
Catalogação da publicação na fonte. Bibliotecária Verônica Pinheiro da Silva – CRB/15-692.
Dias, Gilka da Mata.
Praias urbanas e racionalidade ambiental: avaliação da gestão, das intervenções urbanísticas e dos usos na praia de ponta negra / Gilka da Mata Dias.– Natal, RN, 2015.
169f. : il.
Orientador: Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Departamento de Políticas Públicas. Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais.
1. Urbanismo – Dissertação. 2. Desenvolvimento sustentável – Dissertação. 3. Meio ambiente – Dissertação. 4. Racionalidade ambiental – Dissertação. 5. Gerenciamento costeiro – Dissertação. I. Silva, Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
Ao meu orientador, Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva, pela paciência, instigação e ensinamentos, direcionando meu olhar para uma nova forma do conhecimento;
À Professora Maria do Livramento Miranda Clementino, que, na condição de coordenadora do INCT - Observatório das Metrópoles - Núcleo Natal, possibilitou a minha participação no Estudo de Campo organizado pela University British Columbia – UBC “Buddhist Economics, Sufficiency Economy, and sustainable Livelihood” - desenvolvido em conjunto com pesquisadores tailandeses, canadenses e brasileiros (UFRN) em Bangkok/ Tailândia – experiência muito enriquecedora para aferir e valorizar comunidades e práticas tradicionais na construção de ações locais para o desenvolvimento sustentável;
Aos Professores da pós-graduação do Departamento de Políticas Públicas (DPP) - Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR) da UFRN, que tanto contribuem para o reconhecimento do valor da interdisciplinaridade na abordagem das questões ligadas ao meio ambiente, à cidade e à sociedade;
Ao Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte e aos colegas Promotores de Justiça, que têm demonstrado grande afinco no desafio de proteger o meio ambiente, especialmente, o rico e lindo patrimônio costeiro do RN;
À Assistente Ministerial Ana Cláudia Sousa Lima e à servidora Luciana Cabral de Oliveira Mesquita, que trabalham na 45ª Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, por abraçarem a causa ambiental com grande dedicação e comprometimento e por me darem grande suporte nesse período de estudo.
Às arquitetas e urbanistas Ana Maria Teixeira Marcelino e Rosa Maria Pinheiro de Oliveira, pelo empenho nas questões ligadas ao gerenciamento costeiro no Estado do Rio Grande do Norte e pela prontidão no atendimento aos meus pedidos de socorro e dúvidas técnicas.
Ao fotógrafo Fernando Chiriboga, que colaborou para o presente trabalho e que, com grande generosidade e competência, tem contribuído, por meio de seus exímios registros fotográficos, para a proteção do meio ambiente no RN;
Ao chargista Ivan Cabral, que também colaborou com o presente trabalho e que consegue, muitas vezes, com uma única ilustração, sintetizar ideias que precisariam de páginas de explicação;
Aos servidores do Município de Natal que direta e/ou indiretamente trabalham com as atividades de fiscalização e de ordenamento na Praia de Ponta Negra e que colaboraram com os trabalhos realizados.
A todos que, assim como eu, ainda se encantam com a Praia de Ponta Negra e que lutam e apoiam todas as iniciativas destinadas à conservação das características naturais dessa praia.
“Senhor, fazei de mim um instrumento de Vossa Paz! [...]”
desenvolvimento sustentável de orlas e praias urbanas. Muitos desses espaços, mesmo sendo alvo de interesse por parte do Poder Público, do mercado econômico e da população em geral – entre outros fatores, em razão de seu valor paisagístico, de sua importância para o lazer e como base do “Turismo de Sol e Praia” - têm apresentado degradação de ordem estética, sanitária e cultural, ensejando prejuízos e conflitos de ordem ambiental, econômica e social. Com base nessa percepção, a investigação pretende compreender as principais razões desses resultados negativos para os espaços praianos. Com esse objetivo, foi escolhido o estudo de caso de uma típica praia urbana, que é a Praia de Ponta Negra, localizada em Natal, RN. Essa praia, que é associada ao “cartão postal” da cidade, tem sido merecedora de normas urbanísticas municipais que reconhecem legalmente a importância de sua paisagem. Também tem recebido constantes investimentos por parte do Poder Público, com projetos urbanísticos, sob o argumento de deixar o local atrativo para seus usuários. A despeito disso, nos últimos quinze anos, a praia tem convivido com a ampliação de seus problemas, tais como os relativos à balneabilidade da água, à erosão costeira, à desconfiguração de sua paisagem natural. Conflitos sociais também têm sido frequentes nesse recorte temporal: entre moradores da orla e comerciantes que atuam na praia, entre os próprios comerciantes, entre os gestores do espaço e pescadores, entre gestores e comerciantes formais e informais. Muitos desses conflitos sociais e ambientais tomaram proporções tão grandiosas que chegaram a ser judicializados. Partindo da premissa de que os problemas detectados estão relacionados com a questão da racionalidade - entendida como um sistema de valores, normas e ações que relacionam meio e fins – e sustentando a necessidade de uma investigação focada na “racionalidade ambiental”, para se compreender e interpretar a dinâmica dos problemas socioambientais verificados no local, a investigação que norteia o estudo ampara-se na teoria do economista mexicano Enrique Leff, relativa à “racionalidade ambiental”, que, de forma sucinta, pode ser definida como um sistema de valores, normas, ações e relações de meios e fins fundado nos princípios da gestão ambiental e do desenvolvimento sustentável. Entre outros aspectos, a racionalidade engloba planejamento transetorial da administração pública, a participação da sociedade na gestão dos recursos ambientais, a reorganização interdisciplinar do saber, o confronto de interesses opostos e a conciliação de objetivos comum de diversos atores sociais. O estudo avalia a relação entre a “racionalidade ambiental”, nos termos propostos por Enrique Leff, com a gestão, as intervenções urbanísticas e os usos constatados na Praia de Ponta Negra. Para tanto, foram estabelecidos alguns parâmetros de referência que foram considerados na pesquisa como ligados ao desenvolvimento sustentável do ambiente praiano. Os instrumentos de análise escolhidos foram as transformações urbanísticas e os problemas ambientais e sociais que foram alvo de processos judiciais. Também fazem parte do estudo, os problemas que foram objeto de inquéritos civis, que são procedimentos de investigação realizados pelo Ministério Público.
urban waterfronts and beaches. Many of these spaces, even though they are of public authorities, economic market and general population interests - due to its landscape, its importance for recreation purposes and as a basis of " Sun and beach Tourism " (Turismo de Sol e Praia), among other factors - have shown aesthetic, health and cultural degradation, entailing environmental, economic and social losses and conflicts. Based on this perception, the research aims to understand the main reasons for these negative results for beach spaces. To this end, it was chosen the case study of a typical urban beach, Ponta Negra Beach, located in Natal, RN. Ponta Negra is associated with the "postcard" of the city and it has been deserving of municipal urban planning legislation that legally recognizes the importance of its landscape. Also it has received constant investments by the Government through urban projects, arguing to leave the site attractive to its users. Nevertheless, in the last fifteen years, the beach has lived with the expansion of its problems, such as those related to bathing water, to coastal erosion, and to the mangling of its natural surroundings. Social conflicts have also been frequent in this time frame: conflicts between residents of the waterfront and traders who work on the beach, between the traders themselves, between the managers of space and fishermen, between managers and formal and informal traders. Many of these social and environmental conflicts have taken such grand proportions that became legal matters. Assuming that the problems identified are related to the issue of rationality - understood as a system of values, norms and actions that relate means and ends - and upholding the need for focused research on "environmental rationality" to understand and interpret the dynamics of social and environmental problems encountered on site, the research that guides the study relies on the Mexican economist Enrique Leff's theory on "environmental rationality" which, briefly, can be defined as a system of values, norms, actions and means and ends relations based on the principles of environmental management and sustainable development. Among other aspects, rationality encompasses cross-sectional planning of public administration, the participation of society in the management of environmental resources, interdisciplinary reorganization of knowledge, the clash of opposing interests and the conciliation of common goals of different social actors. The study evaluates the relationship between "environmental rationality", as proposed by Enrique Leff, with the management, urban interventions and uses observed in Ponta Negra Beach. For that, some benchmarks were established and considered in the research as related to sustainable development of the "beachy" atmosphere. Analytical instruments chosen were the urban transformations and the environmental and social problems that have been the target of lawsuits. Also part of the study, the problems that were the subject of civil investigations, which are investigation procedures carried out by the Prosecutor's Office.
Figura 2 – Cone visual a partir da área non aedificandi de Ponta Negra ... 65 Figura 3 – Calçada que margeia a Av. Engenheiro Freire e os lotes da área non aedificandi de Ponta Negra. Paralela à Praia de Ponta Negra. Destaca-se, no meio ambiente construído, o descortinamento à esquerda, do ambiente natural – mar, e paisagem intacta do Morro do Careca e Dunas Associadas ... 65 Figura 4 – Mapa de localização da área non aedificandi de Ponta Negrana ZET 1 ... 66 Figura 5 – conjunto que integra a proteção paisagística da Praia de Ponta Negra ... 67 Figura 6 – Imagem de parte da ZPA 2 - Parque Estadual das Dunas de Natal e área contígua ao Parque, margeando a Av. Engenheiro Roberto Freire, que dá acesso ao Bairro e à Praia de Ponta Negra. Reputa-se como positiva a conservação e a aproximação da paisagem natural costeira com o ambiente construído ... 68 Figura 7 – ZPA 6 - Morro do Careca e dunas fixas contínuas no contexto municipal ... 69 Figura 8 – (A) A ZPA 6 no contexto metropolitano; (B) A ZPA 6 e entorno - Vila de Ponta Negra ... 70 Figura 9 – Tipologias do tecido urbano no Bairro de Ponta Negra ... 71 Figura 10 – Edificações situadas na orla de Ponta Negra – na Zona Especial Turística ZET-1. Em razão da Lei 3.607/1987, o gabarito máximo das edificações é de dois pavimentos ou 7,50 m ... 73 Figura 11 – Edificações do Bairro de Ponta Negra vistas da areia da Praia da Via Costeira ... 74 Figura 12 – Vista das edificações com o observador caminhando na praia, no sentido da via costeira para a Praia de Ponta Negra ... 74 Figura 13 – Edificações vistas da areia da Praia de Ponta Negra ... 75 Figura 14 – (A) Área correspondente ao Bairro de Ponta Negra; (B) Trecho correspondente
das marés ocorrida em julho de 2012 ... 93 Figura 26 – Registros dos processos erosivos na Praia de Ponta Negra com danos à infraestrutura construída à beira-mar ... 94 Figura 27 – Registro da instalação do enrocamento aderente realizado na Praia de Ponta Negra para sustentação da infraestrutura do “calçadão” ... 95 Figura 28 – Registros da diminuição do espaço de areia da praia (principalmente nos períodos de preamar) em decorrência da instalação do enrocamento instalado pela Prefeitura para sustentação da estrutura do calçadão ... 95 Figura 29 – Novo “calçadão” de Ponta Negra. Comentário do próprio laudo: “bateria sanitária em construção pelo novo projeto. Obstrução da paisagem na chegada do calçadão” ... 97 Figura 30 – Bateria de banheiros do setor designado pela perícia de “Setor 3” (entre a casa nº 5 e Natal Golf): Comentário do próprio laudo “formando paredões que encerram a continuidade visual para a praia e o Morro do Careca, quer seja do calçadão, quer seja das escadarias de acesso” ... 97 Figura 31 – Bateria de banheiros do setor designado pela perícia de “Setor 5” Rua Erivan Farnça, entre a pousada Ingá Praia e Hotel Aquaria Natal): Comentário do próprio laudo “formando paredões que encerram a continuidade visual para a praia e o Morro do Careca, quer seja do calçadão, quer seja das escadarias de acesso” ... 98 Figura 32 – Início da instalação da nova urbanização da Praia de Ponta Negra, com a permanência de questões sanitárias no local ... 98 Figura 33 – Situações que demonstram situação de perigo aos usuários que utilizam o local para lazer: acessos precários à praia, infraestrutura urbanística e sanitária danificada ... 99 Figura 34 – Proliferação de ratos nas rochas do enrocamento de sustentação do calçadão, afetando as condições sanitárias da areia ... 100 Figura 35 – Unidade paisagística natural formada pelo Morro do Careca e Dunas Associadas. Atualmente preservada ... 102 Figura 36 – Mapa com os locais que foram utilizados para análises periciais dos possíveis impactos decorrentes de cinco edifícios verticalizados nas proximidades do cenário composto pelo Morro do Careca de Dunas Associadas ... 104 Figura 37 – Simulação da visualização da unidade paisagística formada pelo Morro do Careca e Dunas Associadas a partir do Mirante natural na Via Costeira, próximo ao Hotel Imirá. Observa-se que o cenário apresenta-se intacto e que a verticalização existente
AMANAUTICA – Associação Norte-Riograndense de Empresas de Mergulho Autônomo e Turismo Náutico
ARPONTANEGRA – Associação Representativa dos Empresários do Turismo de Ponta Negra
ASSUSSA Ponta Negra – Associação dos Usuários de Serviços de Saneamento Ambiental de Ponta Negra
CAERN – Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte CDS – Comissão de Desenvolvimento Sustentável
CMMAD – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento COMSAB – Conselho Municipal de Saneamento Básico
EIA – Estudo de Impacto Ambiental ETE – Estação de Tratamento de Esgotos
GIGERCO – Grupo de Integração do Gerenciamento Costeiro GIRM – Comissão Interministerial para os Recursos do Mar GRPU – Gerência Regional da Secretaria do Patrimônio da União
IAB-RN – Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento do Rio Grande do Norte IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IGARN – Instituto de Gestão das Águas do Estado do RN.
IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change IPLANAT – Instituto de Planejamento Urbano de Natal MMA – Ministério do Meio Ambiente
MP – Ministério do Planejamento
OMT – Organização Mundial do Turismo PAF – Plano de Ação Federal da Zona Costeira PDES – Plano Diretor de Esgotamento Sanitário PGI – Plano de Gestão Integrada
PMGC – Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro PMN – Prefeitura Municipal de Natal
PNGC – Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro PNMA – Política Nacional de Meio Ambiente
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PRODETUR/NE – Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste RIMA – Relatório de Impacto Ambiental
SEAP – Superintendência Federal de Pesca e Aqüicultura do RN SEMOPI – Secretaria Municipal de Obras Públicas
SEMSUR – Secretaria Municipal de Serviços Urbano SETUR – Secretaria do Estado do Turismo
SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente
SMCQ – Secretaria de Mudanças Climáticas e de Qualidade Ambiental SPU – Secretaria do Patrimônio da União
TAC – Termo Ajustamento de Conduta USP – Universidade de São Paulo
ZEEC – Zoneamento Ecológico-Econômico Costeiro ZET – Zona Especial de Interesse Turístico
2 BASES TEÓRICAS PARA A VIABILIDADE DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL NO AMBIENTE PRAIANO ... 24
2.1 Desenvolvimento Sustentável, Racionalidade Ambiental e sua aplicação conceitual na Praia de Ponta Negra: uma leitura metodológica ... 24
2.2 Lazer, Turismo e suas relações com o ambiente praiano ... 33
2.3 Intervenções urbanísticas na orla: tema de ajuste para as cidades costeiras ... 42
3 O CARTÃO POSTAL DE PONTA NEGRA – PROTEÇÃO PAISAGÍSTICA ... 52
3.1 Paisagem: abrangência de sua concepção ... 52
3.2“Projeto Orla”: metodologia para diagnóstico e valorização da paisagem costeira .. 59
3.3 Paisagem de Ponta Negra: aspectos normativos ... 64
4 AVALIAÇÃO DAS INTERVENÇÕES, DA GESTÃO E DOS USOS NA PRAIA DE PONTA NEGRA À LUZ DA RACIONALIDADE AMBIENTAL ... 76
4.1 Instrumentos de análise da Racionalidade Ambiental na Praia de Ponta Negra - Aspecto Substantivo ... 76
4.1.1 Principais intervenções urbanísticas ocorridas na Praia de Ponta Negra – de 2000 a 2015 ... 77
4.1.1.1 Décadas de 1980 e 1990 – Era das barracas na areia da praia ... 79
4.1.1.2 De 2000 a 2004: Nova urbanização e novos problemas ... 83
4.1.1.3 DE 2005 A 2009: Poluição de ordem estética e sanitária ... 86
4.1.1.4 De 2010 a 2012: Desmoronando entre velhos e novos problemas ... 90
4.1.1.5 2013: o ano das grandes pedras na Praia de Ponta Negra ... 94
4.1.1.6 De 2014 e 2015: Ratos, novo projeto e velhos desafios ... 96
4.1.2 Ameaças ao cartão postal da Praia de Ponta Negra – caso “Espigões” ... 101
4.1.3 Ameaças relativas à balneabilidade da Praia de Ponta Negra – Emissário Submarino e outras ... 110
4.1.4 Ameaça à atividade tradicional dos pescadores em Ponta Negra ... 115
4.1.5 Constatação da erosão costeira na Praia de Ponta Negra ... 121
4.2 Instrumentos de análise da Racionalidade Ambiental na Praia de Ponta Negra – Aspecto técnico ou instrumental ... 130
4.2.1 Instrumentos legais e arranjos institucionais disponíveis: preceitos constitucionais e infraconstitucionais ... 130
4.2.2 Estrutura de planejamento e gestão integrada das orlas e praias - níveis federal e estadual ... 136
4.3.2 O grau de preservação ou de alteração da paisagem da Praia de Ponta Negra ... 146
4.3.3 A preservação das práticas tradicionais das comunidades locais ... 148
4.3.4 A consideração da praia como local vocacionado para o lazer e turismo ... 149
4.3.5 A suficiência dos instrumentos legais e dos arranjos institucionais disponíveis ... 151
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 154
1 INTRODUÇÃO
A zona costeira brasileira, em razão de sua abrangência de 8.500 km1 e de seus
aproximadamente 400 municípios litorâneos, alberga uma vasta diversidade social, ambiental e
econômica. Como região de transição entre os ecossistemas terrestres e marinhos, a zona costeira
está sujeita a uma dinâmica ambiental intensa, muitas vezes desconsiderada nas relações sociais,
urbanas e econômicas inerentes à exploração e utilização desse rico espaço. Em decorrência,
entre diversos outros problemas, fragilidades costeiras e incertezas naturais têm tomado grandes
proporções. Degradações ambientais têm sido ampliadas, paisagens têm sido negativamente
alteradas e conflitos decorrentes do uso e ocupação dos espaços costeiros têm sido intensificados.
Nesse cenário, tem merecido cada vez mais destaque, tanto na mídia quanto na produção
científica, a preocupação com as orlas e praias marítimas. Os efeitos do aquecimento global,
atrelados a uma ocupação urbana desordenada na faixa de praia, impactam ainda mais a
vulnerabilidadedesses ambientes frágeis, densos em população e economicamente relevantes -
considerando, por exemplo, o Nordeste brasileiro. A orla marítima2 e a praia3 constituem
ambientes especiais também pela importância que possuem em relação à paisagem, à formação
de identidades comunitárias e como espaços de lazer e recreação, sejam essesvoltados ao
Turismo (como setor econômico) ou direcionados à própria população do lugar.
Principalmente pelo aspecto da importância turística e em razão dos valores paisagísticos
que oferecem e de sua utilização social, mais recentemente, esses ambientes de orla e praia
passaram a ser alvo de grandes intervenções urbanísticas e normativas por parte do Poder Público
com ou sem associação com empreendedores privados. Como espaços de uso coletivo, as praias
representamfortes alicerces para os investimentos no turismo, principalmente o conhecido como
o “Turismo de Sol e Praia” e, em razão do potencial que possuem para o lazer e para o consumo,
há praias que se tornaram verdadeiros mercados de produtos e serviços.
Em Natal, capital do RN, não tem sido diferente. A orla marítima e, mais precisamente, a
orla e a Praia de Ponta Negra têm recebido especial atenção do Poder Público (nas três esferas de
1
A Zona Costeira brasileira estende-se por 7.300km em termos de área de abrangência. Levando-se em consideração os recortes litorâneos, a área aumenta para 8.500km (FUNDAÇÃO BIO-RIO, 2002).
2
"Faixa contida na zona costeira, de largura variável, compreendendo uma porção marítima e outra terrestre, caracterizada pela interface entre a terra e o mar” (Decreto 5.300/2004, art. 22)
3
Poder), do mercado (no uso econômico dos seus recursos) e da sociedade como um todo
(moradores locais e visitantes externos) e têm sido objeto de uma série de instrumentos
normativos, de intervenções urbanísticas e de marketing associados à sua importância como
“cartão postal” da cidade. Esta praia localiza-se a 15 km ao sul do centro de Natal e dá nome ao
Bairro que a contêm. Em razão de sua configuração em arco e de sua enseada no sopé do Morro
do Careca – monumento natural de grande imponência, inserido em um cordão dunar vegetado,
pouco alterado e de notável beleza cênica – a praia constitui uma paisagem com
característicassingulares, responsável, em parte, pela identidade natural e cultural da cidade e de
seus moradores, sendo a imagem mais veiculada nas peças publicitárias do setor turístico local
(NOBRE, 2001).
Sob outro enfoque, muitas das grandes e dispendiosas intervenções urbanísticas realizadas
na Praia de Ponta Negra, em pouco tempo de instalação, foram destruídas pelas dinâmicas
naturais do ambiente costeiro, que não foram suficientemente consideradas. A faixa de areia da
praia, costumeiramente utilizada pelos usuários para atividades de lazer, foi reduzida, chegando,
atualmente, a ficar inviabilizada a utilização desse espaço durante os momentos de preamar.
Além do mais, naPraia de Ponta Negra, nos últimos quinze anos – recorte temporal
utilizado para as análises mais detalhadas correspondentes ao presente estudo - os casos de
degradação da qualidade ambiental têm sido ampliados. Problemas relativos à balneabilidade da
água (essencial para possibilitar a recreação); à erosão costeira (com diminuição da faixa de areia
da praia); à alteração da paisagem, entre outros,foramdetectados no local. Conflitos sociais entre
moradores da orla e comerciantes que atuam na praia, entre os próprios comerciantes, entre os
gestores do espaço e pescadores, entre gestores e comerciantes formais e informais também têm
sido constantemente constatados, como será detalhado no decorrer do trabalho. Muitos desses
conflitos tomaram proporções tão grandiosas que chegaram a ser judicializados e foram ou estão
sendo objeto de investigação por parte do Ministério Público Estadual e Federal.
Em decorrência, as primeiras questões levantadas referem-se à existência de uma aparente
contradição socioespacial materializada na Praia de Ponta Negra. Como que um espaço que é tido
como "cartão postal", que recebe investimentos em planos e projetos, que é um dos mais
normatizados na legislação urbanística (desde 1979) pode apresentar graves problemas
ambientais, urbanísticos e sociais associados? Quais as razões pelas quais a gestão administrativa
sociais constatados? O conjunto do ordenamento legal existente não é suficiente para se evitar os
processos judiciais para resolver problemas detectados na Praia de Ponta Negra? As intervenções
urbanísticas realizadas no local têm sido capazes de contribuir para o desenvolvimento
sustentável do ambiente praiano?
Para ao presente estudo, considera-sea Praia de Ponta Negra como um espaço integrado
pelo Morro do Careca e Dunas Associadas e pela praia, na extensão do Morro até o início da
Avenida Governador Dinarte Mariz (Via Costeira). Para as análises correspondentes às
intervenções urbanísticas, o trecho observado é o relativo ao Morro do Careca até o final do
“calçadão”, que fica na altura da Rua Manoel Soares Medeiros.
A escolha do trecho, foi motivada pela importância histórica, comunitária e econômica
dessa faixa, em especial direcionada pelo seu “calçadão”. Foi nessa faixa que foram identificados
os primeiros contornos de uma ocupação urbanística, ainda nos anos de 1940, como recanto de
pescadores que utilizavam a área como ambiente de trabalho e moradia. Transformou-se em praia
de veraneio até os anos de 1970, descobertos pela classe média de Natal, época em que teve
início a consolidação do Bairro de Ponta Negra(1978-9) e que as casas de veraneio foram sendo
convertidas em residências urbanas, pousadas, hotéis, restaurantes, bares, etc4. Ainda na década
de 1970, mais precisamente no ano de 1979, foi valorizada legalmente como paisagem. Na
década de oitenta, a praia passou a ser tida como área de lazer e barracas espalhadas na faixa de
areia, com venda de bebidas e comidas típicas, passaram a servir de ponto de encontro dos
natalenses. No ano de 2000, foi implantado no local o “Projeto de Urbanização da Praia de Ponta
Negra”, assumido em grande parte pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte. O projeto
incluiu a construção de um “calçadão” ao longo da praia, com quiosques padronizados instalados
na sua estrutura. Essa urbanização surgiu conjugada com a promoção da Praia de Ponta Negra
como local turístico divulgado até mesmo internacionalmente.
Será possível estabelecer uma forma de uso e de gestão dos espaços praianos que leve em
consideração um tipo de racionalidade capaz de garantir a sustentabilidade das funções
ambiental, social e econômica desses espaços? É nesse sentido, que a rica perspectiva teórica de
Enrique Leff foi escolhida para guiar as observações empíricas desse estudo.
4
Assim, com amparo no arcabouço teórico do economista mexicano Enrique Leff5, que o
pano de fundo da problemática aqui levantada está relacionado com a questão da racionalidade –
entendida como um sistema de raciocínios, valores, normas e ações que relacionam meios e fins
(LEFF, 2006, p. 246) - tornando-se, portanto, imprescindível uma investigação focada na
“racionalidade ambiental” para compreender e interpretar a dinâmica dos problemas
socioambientais nos espaços praianos.
Enrique Leff (2006), em sua provocação teórica, argumenta que a questão ambiental é
uma problemática eminentemente social, gerada por um conjunto de processos econômicos,
políticos, jurídicos, sociais e culturais e que a resolução dos problemas ambientais implica a
ativação de um conjunto de processos sociais que incluem, entre outros, a incorporação dos
valores do ambiente na ética individual e nas normas jurídicas que orientam o comportamento
dos atores econômicos e sociais, a democratização do poder político, a gestão participativa e
descentralizada dos recursos naturais, a abertura de um diálogo entre ciências e saberes não
científicos.
Leff (2006) aduz que a resolução dos problemas ambientais, bem como a incorporação de
condições ecológicas e bases de sustentabilidade aos processos econômicos dependem da
construção de uma “racionalidade ambiental”, considerada como um processo político e social;
como uma categoria que aborda relações entre instituições, organizações, práticas e movimentos
sociais; como um conjunto de ações que passa pela confrontação e concertação de interesses
opostos; que leva em consideração práticas sociais induzidas pelos valores do ambientalismo e
que afetam as formas de percepção, acesso e usufruto dos recursos naturais, assim como a
qualidade de vida e os estilos de desenvolvimento das populações.
Assim, a racionalidade ambiental deve ser entendida como aquela capaz de orientar ações
sociais para o desenvolvimento sustentável; aquela que implica a integração interdisciplinar do
conhecimento; que envolve o planejamento transetorial da administração pública; a participação
da sociedade na gestão dos recursos ambientais; a reorganização interdisciplinar do saber; o
confronto de interesses opostos e a conciliação de objetivos comuns de diversos atores sociais
(LEFF, 2009).
5
Doutor em Economia e Desenvolvimento na Universidade de Paris., vinculado à Universidad Nacional Autônoma
do México. Desde 1986 coordena a Red de Formación Ambiental para América Latina y el Caribe, mantida pelo
No caso da presente pesquisa, levanta-se como hipótese, a ser verificada no decorrer da
investigação, que a Praia de Ponta Negra tem sido ordenada e apropriada por diferentes usos e
racionalidades que, ao se imporem, desmerecem a racionalidade ambiental, ensejando uma
transformação do espaço natural,de forma a ocasionar a degradação ambiental da praia; a
prejudicar as atividades sociais típicas da praia (o lazer na faixa de areia, principalmente) e a
afetar suas condições estéticas (a paisagem, principalmente).
Como ponto de partida, formula-se a seguinte pergunta: em que medida os usos, a gestão
e as intervenções urbanísticas realizadas na Praia de Ponta Negratêm sido norteadospelos
princípios, normas, meios e ações relativos à racionalidade ambiental?
O objetivo geral do estudo é avaliar a relação entre a racionalidade ambiental, nos termos
propostos por Enrique Leff – levando em consideração os aspectos que se aplicam ao
desenvolvimento sustentável do ambiente praiano–com a gestão, as intervençõesurbanísticas e os
usos constatados na Praia de Ponta Negra.
Como objetivos específicos podem ser apontados: 1) avaliar os subsídios teóricos
necessários ao desenvolvimento sustentável e à construção da racionalidade ambiental no
ambiente praiano, levando em consideração a vocação desses espaços para o lazer e para o
turismo e as especificidades e os riscos decorrentes das dinâmicas peculiares ao ambiente
costeiro; 2) compreender os sentidos do conceito de paisagem, evidenciando a importância das
diferentes interpretações que o termo enseja para a proteção das paisagens costeiras e verificar as
definições metodológicas do “Projeto Orla” e sua importância para a proteção da paisagem
costeira; 3) analisar as características urbanísticas e paisagísticas da Praia de Ponta Negra, dentro
da sua dimensão normativa; 3) analisar o conjunto de instrumentos técnicos e normativos que
dizem respeito à gestão ambiental do ambiente costeiro e à implementação do gerenciamento
costeiro na Praia de Ponta Negra; 4) realizar o histórico das principais transformações
urbanísticas ocorridas na Praia de Ponta Negra, relacionando-as, em que couberem, com
processos judiciais e/ou administrativos e/ou investigações por parte do Ministério Público; 5)
destacar as principais ameaças e/ou problemas ambientais e sociais ocorridos nos últimos 15
(quinze) anos na Praia de Ponta Negra, que ensejaram processos judiciais, e/ou investigações e/ou
mediação por parte do Ministério Público (não resolvidos pelos mecanismos de gestão
administrativa municipal aplicados à zona costeira); 6) Cotejar os principais problemas
Ponta Negra, com os propósitos relativos à racionalidade ambiental, sustentados por Enrique
Leff, principalmente nos aspectos relativos ao sistema de princípios que visam à sustentabilidade
ambiental e ecológica do espaço praiano eao sistema legal pertinente.
A metodologia aplicada para atingir os objetivos da presente pesquisa considerou várias
etapas de investigação, com vistas a entender o conteúdo e os comportamentos sociais que se
pretende estudar. As investigações qualitativas, situação em que se enquadra a presente pesquisa,
por sua diversidade e flexibilidade, não exigem regras precisas, uma vez que podem
caracterizadas como multimetodológicas, isto é, usam uma grande variedade de procedimentos e
instrumentos de coleta de dados Essa variedade é especialmente importante no caso de pesquisas
exploratórias, que objetivam proporcionar maior familiaridade com o problema.
Assim, o presente estudo de caso foi utilizado com o objetivo de coletar e examinar o
máximo de dados possíveis sobre o tema. Para tanto, foi utilizado o exame sistemático de
documentos, método conhecido como “análise de conteúdo”. Processos judiciais, inquéritos civis
públicos, seus documentose perícias pertinentes, além de reportagens jornalísticas,foram
utilizados como fontes de informação. Entrevistas também foram utilizadas como técnica de
coleta de dados, em razão de sua natureza interativa e pela possibilidade de se poder, através da
entrevista, tratar de temas complexos.
Como procedimentos metodológicos, foram utilizadas três abordagens principais: 1) a
construção de um quadro tipológico que define e sistematiza as intervenções físicas na praia,
levando em consideração os projetos urbanísticos desenvolvidos pelo Poder Público na área
(principalmente nos anos de 2000 a 2015); 2) a análise do conteúdo judicializado e/ouque foi ou
que está sendo investigado em inquéritos civis no âmbito do Ministério Público do Estado do Rio
Grande do Norte6 e que versam sobre conflitos sociais e ambientais detectados na Praia de Ponta
Negra à luz dos princípios da racionalidade ambiental aplicáveis ao desenvolvimento sustentável
do ambiente praiano; 3) a revisão bibliográfica das obras que servem como base teórica para
compreensão dos aspectos correlatos ao desenvolvimento sustentável em ambientes praianos.
O tema do trabalho encontra-se desenvolvido em três capítulos. A estrutura foi pensada
para possibilitar a análise das intervenções urbanísticas, da gestão e dos usos existentes na Praia
de Ponta Negra, com suporte na compreensão da base teórica que se reputa como necessária para
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a construção do desenvolvimento sustentável das cidades costeiras, com destaque para suas orlas
e praias urbanas, levando em consideração a necessidade de conservação das funções e das
referências naturais do ambiente costeiro, sem desmerecer a vocação do espaço praiano para as
atividades de lazer e para o turismo.
O primeiro capítulo aborda a teoria de Enrique Leff, sobre a racionalidade ambiental, que
servirá de eixo para as análises empíricas acerca dos usos, da gestão e das intervenções
urbanísticas verificadas na Praia de Ponta Negra. Inserem-se aqui a abordagem sobre as noções
correspondentes às expressões “sustentabilidade” e “desenvolvimento sustentável”, tendo em
vista que a racionalidade ambiental deve ser entendida como aquela capaz de orientar ações
sociais para a construção do desenvolvimento sustentável aplicável ao espaço praiano.
O capítulo também traz uma abordagem teórica sobre as atividades relativas ao “lazer” e
ao “turismo de sol e praia”, vocações típicas do espaço praiano que costumam ensejar severas
intervenções urbanísticas, muitas vezes desatreladas com as peculiaridades naturais e as
dinâmicas costeiras. O capítulo, então, faz essa conexão essencial, demonstrando que
desenvolvimento sustentável dos espaços praianos depende de um adequado planejamento das
intervenções urbanísticas nas praias e orlas, da integração da gestão com outras políticas públicas,
tais como a de proteção ambiental e outras setoriais, tais como a econômica e a turística.
O segundo capítulo segundo faz uma abordagem teórica, histórica e normativa sobre
paisagem, com referência à abrangência da definição da expressão e da importância dos diversos
conceitos de paisagem para as análises pertinentes ao estudo proposto. Faz, ainda, um exame
sobre a metodologia do “Projeto Orla”, de valorização da paisagem costeira, que servirá de
importante subsídio para avaliação dos casos concretos e traz a análise da legislação municipal
que direta ou indiretamente aborda a proteção paisagística da orlade Ponta Negra.
O terceiro capítulo faz a relação dos casos concretos que foram considerados como
instrumentos para análise da racionalidade ambiental na Praia de Ponta Negra. Foram descritos
problemas ambientais e sociais que não foram solucionados, administrativamente, pela gestão
municipal, e que foram judicializados e/ou que foram objeto de inquéritos civis, que são
procedimentos de investigação realizados pelo Ministério Público.
Com base nesses casos, foi construída uma exposição contendo as principais
transformações urbanísticas que ocorreram na Praia de Ponta Negra nos últimos 15 (quinze anos),
Negra”. O relato também faz uma breve referência aos conflitos ocorridos na década de 1990 e
que foram objeto de um processo judicial que tramitou na Justiça Federal do Rio Grande do
Norte por aproximadamente uma década, tendo em vista que representou um marco importante
de transformação da praia, uma vez que a sentença correspondente determinou a retirada das
barracas que ficavam instaladas na faixa de areia da praia e o início de uma nova urbanização da
orla.
O capítulo também avalia os instrumentos legais e os arranjos institucionais pertinentes ao
gerenciamento costeiro incidente sobre a área praiana.
A racionalidade ambiental, em seu aspecto substantivo e técnico (ou instrumental), é
realizada ao final, com base no contexto empírico descrito e no cotejo desse quadro com os
fundamentos teóricos abordados nos capítulos precedentes.
2 BASES TEÓRICAS PARA A VIABILIDADE DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL NO AMBIENTE PRAIANO
O presente capítulo traz os esclarecimentos necessários para se entender os aspectos
relativos à racionalidade ambiental segundo a teoria de Enrique Leff, que servirá como pano de
fundo para subsidiar as análises acerca dos usos, da gestão e das intervenções urbanísticas
verificados na Praia de Ponta Negra.
Serão esclarecidos, também, por serem imprescindíveis às reflexões pertinentes, as noções
correspondentes às expressões “sustentabilidade” e “desenvolvimento sustentável”, tendo em
vista que a racionalidade ambiental deve ser pensada aqui como aquela capaz de orientar ações
sociais para a construção do desenvolvimento sustentável.
Considerando que o espaço praiano costuma ser identificado como um espaço típico de
“lazer”, o capítulo traz as definições relativas à expressão, bem como a abordagem do tema no
que diz respeito ao seu aspecto normativo. A atividade turística e as peculiaridades relativas a
intervenções urbanísticas em espaços praianos também serão temas abordados no presente
capítulo, por serem considerados primordiais para se analisar a dimensão dos conflitos existentes
no local.
2.1 Desenvolvimento Sustentável, Racionalidade Ambiental e sua aplicação conceitual na
Praia de Ponta Negra: uma leitura metodológica
Não se pode negar que “a história do homem sobre a Terra é a história de uma ruptura
progressiva entre o homem e o entorno” (SANTOS, 2006, p.5). Todavia, os problemas
decorrentes do aparente domínio humano sobre a natureza tornaram-se muitas vezes grandiosos,
de repercussões globais. Como adverte Santos (2006), enquanto os cataclismos naturais
caracterizam-se como um incidente, a ação antrópica tem efeitos continuados e cumulativos,
razão pela qual o problema do espaço humano ganhou uma dimensão que jamais havia sido
obtido antes.
Com efeito, a problemática ambiental - entendida como “a poluição e degradação do
meio, a crise de recursos naturais, energéticos e de alimentos” (LEFF, 2007, p. 61) - exige a
dos comportamentos sociais, do estilo de vida, doplanejamento urbano e regional que estão sendo
vivenciados por todos. Em muitos casos, o discurso sobre o “desenvolvimento sustentável”, tão
importante para subsidiar soluções para conflitos ambientais e sociais e para efetivar a gestão
territorial, tem sido utilizado para legitimar práticas que se desviam do seu verdadeiro conteúdo
conceitual.
Mas o que deve ser entendido por desenvolvimento? E por sustentabilidade? E por
desenvolvimento sustentável?
Desfazendo qualquer interpretação equivocada sobre desenvolvimento e sobre
sustentabilidade, Ignacy Sachs (2009), seguindo o pensamento deNorberto Bobbio e Celso Lafer,
enfatiza que a definição básica que merece prevalecer é a de que o desenvolvimento é o processo
histórico de apropriação universal pelos povos da totalidade dos direitos humanos, individuais e
coletivos, negativos e positivos, abrangendo assim, três gerações de direitos: 1) políticos, cívicos
e civis; 2) sociais, econômicos e culturais; 3) os direitos coletivos ao desenvolvimento, ao meio
ambiente e à cidade.
Nesse mesmo sentido, cita-se o indiano, Amartya Sen, Prêmio Nobel de economia, que
acrescenta, ainda, a necessidade de associar o desenvolvimento à liberdade e à superação de
problemas, tais como aos relativos à persistência da pobreza e de necessidades essenciais não
satisfeitas, fomes coletivas, fome crônica, violação de liberdades políticas elementares, de
liberdades formais básicas, de ameaças ao meio ambiente e à sustentabilidade da vida econômica
e social, situações encontradas tanto em países ricos como em países pobres.
O desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. O enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões mais restritas de desenvolvimento, como as que identificam desenvolvimento com crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB) ou das rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social. O crescimento do PNB ou das rendas individuais obviamente pode ser muito importante como um ‘meio’ de expandir as liberdades desfrutadas pelos membros da sociedade. Mas as liberdades dependem também de outros determinantes, como as disposições sociais e econômicas (por exemplo, os serviços de educação e saúde) e os direitos civis (por exemplo, a liberdade de participar de discussões e averiguações públicas) (SEN, 2010, p. 16).
Sobre “sustentabilidade”, Sachs adverte para as amplas dimensões que o conceito
- a sustentabilidade social vem na frente, por se destacar como a própria finalidade do desenvolvimento, sem contar com a probabilidade de que um colapso social ocorra antes da catástrofe ambiental;
- um corolário: a sustentabilidade cultural;
- a sustentabilidade do meio ambiente vem em decorrência;
-outro corolário: distribuição territorial equilibrada de assentamentos humanos e atividades;
- a sustentabilidade econômica aparece como uma necessidade, mas em hipótese alguma é condição prévia para as anteriores, uma vez que um transtorno econômico traz consigo o transtorno social, que, por seu lado, obstrui a sustentabilidade ambiental;
- o mesmo pode ser dito quanto à falta de governabilidade política, e por esta razão é soberana a importância da sustentabilidade política na pilotagem do processo de reconciliação do desenvolvimento com a conservação da biodiversidade.
- novamente um corolário se introduz: a sustentabilidade do sistema internacional para manter a paz – as guerras modernas são não apenas genocidas, mas também ecocidas – e para o estabelecimento de um sistema de administração para o patrimônio comum da humanidade. (SACHS, 2009, p. 72).
Sachs também arrola alguns critérios que definem as variadas dimensões da
sustentabilidade. Em relação à sustentabilidade social, aponta o alcance de um patamar razoável
de homogeneidade social, distribuição de renda justa, emprego pleno e/ou autônomo com
qualidade de vida decente, igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais. Para a
sustentabilidade cultural, indica a necessidade de equilíbrio entre respeito à tradição e inovação;
capacidade de autonomia para elaboração de um projeto nacional integrado e endógeno (em
oposição às cópias servis dos modelos alienígenas); autoconfiança combinada com abertura para
o mundo. No que se refere à sustentabilidade ecológica, indica a preservação do potencial do
capital natureza na sua produção de recursos renováveis e a limitação do uso dos recursos não
renováveis. Para a sustentabilidade ambiental, menciona a necessidade de se respeitar e realçar a
capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais. No tocante à sustentabilidade territorial,
menciona a necessidade de configurações urbanas e rurais balanceadas, melhoria do ambiente
urbano, superação das disparidades inter-regionais e estratégias de desenvolvimento
ambientalmente seguras para áreas ecologicamente frágeis (conservação da biodiversidade pelo
ecodesenvolvimento). Para a sustentabilidade econômica, insere a necessidade de
desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado, segurança alimentar, capacidade de
modernização contínua dos instrumentos de produção, razoável nível de autonomia na pesquisa
Em sua obra “Caminhos para o desenvolvimento sustentável”, Ignacy Sachs (2009)
informa que durante a preparação da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano realizada em 1972, duas posições diametralmente opostas foram assumidas: uma dos
que previam abundância (thecornucopians) e a outra dos denominados catastrofistas
(doomsayers). Os integrantes da primeira corrente consideravam que as preocupações com o
meio ambiente eram descabidas, pois atrasariam e inibiriam os esforços dos países em
desenvolvimento rumo à industrialização. O segundo grupo, considerados pessimistas,
anunciavam o apocalipse para o dia seguinte, caso o crescimento demográfico e econômico não
fossem imediatamente estagnados. Ambas as posições extremas foram descartadas na
Conferência realizada em Estocolmo, ocasião em que surgiu uma alternativa média entre o
economicismo arrogante e o fundamentalismo ecológico.
A rejeição à opção do “crescimento zero” foi ditada por razões sociais. Por outro lado, a
conservação da biodiversidade não foi recepcionada como a opção do “não-uso” dos recursos
naturais”. Foi adotado o paradigma do “caminho do meio” que tem por objetivo o
estabelecimento de um aproveitamento racional e ecologicamente sustentável da natureza em
benefício das populações locais, levando-as a incorporarem a preocupação com a conservação da
biodiversidade aos seus próprios interesses, como um componente de estratégia de
desenvolvimento. “Quer seja denominado ‘ecodesenvolvimento’ ou ‘desenvolvimento
sustentável’, a abordagem fundada na harmonização de objetivos sociais, ambientais e
econômicos não se alterou desde o encontro de Estocolmo” (SACHS, 2009, p. 54).
José Eli da Veiga (2010), ao invés de conceito, defende a expressão “desenvolvimento
sustentável” como uma noção, um ideal, comparável à ideia de “justiça social”, porque ambas
exprimem desejos coletivos enunciados pela humanidade ao lado da paz, democracia, liberdade e
igualdade. Alerta, também, que o desenvolvimento sustentável não pode ser entendido como
sinônimo de crescimento econômico.
Segundo Sachs, o desenvolvimento sustentável é um ideal ético. Da ética do respeito à
diversidade do fluxo da natureza, à diversidade de culturas e de sustentação da vida. “Estamos,
portanto, na fronteira de um duplo imperativo ético: a solidariedade sincrônica com a geração
atual e a solidariedade diacrônica com as gerações futuras” (SACHS, 2009, p. 67).
A expressão “desenvolvimento sustentável” foi amplamente conhecida após a publicação
Desenvolvimento (CMMAD). O Relatório, que foi denominado “Nosso Futuro Comum”, ficou
conhecido, também, como “Relatório Brundtland”, em referência ao nome da 1ª Ministra da
Noruega, que presidiu a Comissão. No Relatório consta que “o desenvolvimento sustentável é
aquele que atende as necessidades das presentes gerações sem comprometer a possibilidade de as
gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades” (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE
MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1988, p. 46). A expressão ficou consolidada na
“Conferência das Nações Unidas para o meio ambiente e desenvolvimento”, conhecida como
“Cúpula da Terra”, “Conferência do Rio”, ou “Rio 92”. Em decorrência da “Rio 92”, foi
constituída uma Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS), órgão internacional com a
função de supervisionar e ajudar a comunidade internacional a atingir a meta do desenvolvimento
sustentável.
A proteção da zona costeira – e por decorrência as praias urbanas -faz parte dos debates
de interesse mundial e foi objeto de alerta na Agenda 21, documento que contém as bases para
ação e implementação da mencionada Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento. (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE,
1997)
Enrique Leff (2006, p. 223), em sua obra “Racionalidade Ambiental: a reapropriação
ambiental da natureza”, ressalta que “a viabilidade do desenvolvimento sustentável converteu-se
em um dos maiores desafios históricos e políticos do nosso tempo. Dali surgiu o imperativo de
ecologizar a economia, a tecnologia e a moral”.
A problemática ambiental, segundo Leff (2006), emerge como uma “crise de civilização”;
da racionalidade da modernidade; da economia e da hegemonia totalizadora do mundo
globalizado; de um mundo ao qual conduz a coisificação do ser e a superexploração da natureza.
Para Leff (2006), a racionalidade econômica instaurou uma cultura global e o predomínio da
teoria econômica no processo civilizatório da modernidade deu ensejo à degradação
socioambiental.
Para enfrentar os desafios do desenvolvimento sustentável, foram pensadas alternativas
para aproximar os sistemas econômicos e ecológicos. Na própria economia, surgiram duas
vertentes: a economia ambiental (neoclássica), propondo internalizar os custos ecológicos no
sistema econômicos e a economia ecológica, procurando desenvolver um paradigma que integre
processos econômicos, ecológicos, energéticos e populacionais (LEFF, 2006). Mas segundo Leff
(2006, p. 231), a economia não mostrou ser uma disciplina capaz de “acolher outras
racionalidades, de abrir-se à alteridade e à alternativa. Ao contrário, é uma razão totalitária, que
se expande e globaliza, que impõe um processo de racionalização que vai ocupando todas as
esferas da vida social e da ordem ecológica”.
Então, qual seria o caminho para aproximação dos sistemas econômicos e ecológicos em
busca do desenvolvimento sustentável?
A alternativa conjecturada por Leff foi a construção de uma nova racionalidade produtiva,
fundada na articulação de processos ecológicos, tecnológicos e culturais. Uma racionalidade que
não se reduz a valores do mercado, da lucratividade e da utilidade; capaz de integrar os valores da
diversidade cultural, os potenciais da natureza, a equidade e a democracia como valores que
sustentam a convivência social e como princípios da sustentabilidade. Essa racionalidade é
denominada por Leff de “racionalidade ambiental” (LEFF, 2006, p. 233).
Em um cenário de diversidade cultural, soberania nacional e autonomias locais, a nova ordem sustentável não poderá se construir pela globalização do mercado, mas sim através de processos socioculturais nos quais se definem estratégias de apropriação, uso e transformação da natureza em que a economia global haverá de reconstituir-se como a articulação de economias locais sustentáveis. Tais processos de transformação implicarão o encontro de diversas racionalidades, algo muito mais complexo e complicado, porém mais viável como estratégia de sustentabilidade que os ditames do mercado (LEFF, 2006, p. 233).
A racionalidade ambiental defendida por Leff(2007) é uma adaptação focada para
sustentabilidade do conceito de racionalidade oriunda de Max Weber. A racionalidade, assim,
encontra-se no contexto da ação social. Diz respeito a regras de comportamentos ou a objetivos
praticados por atores sociais. Weber entende que a ação pode ser racionalmente determinada por
valores, tais como pela crença consciente no valor – ético, estético, religioso. De modo afetivo,
especialmente por afetos ou estados emocionais atuais; de modo tradicional, ou seja, por costume
arraigado. Ressalta-se, todavia, que só muito raramente a ação social orienta-se, exclusivamente,
As abordagens que norteiam o presente estudo amparam-se na teoria de Enrique Leff
relativa à racionalidade ambiental.
O conceito de racionalidade, como um sistema de valores, normas, ações e relações de meios e fins, permite analisar a coerência de um conjunto de processos sociais que se abrem à construção de uma teoria da produção e organização social, fundada nos princípios do ecodesenvolvimento, da gestão ambiental e do desenvolvimento sustentável (LEFF, 2007, p. 123).
Não se pretende aferir aqui, de forma categórica, a existência ou a inexistência de uma
racionalidade ambiental nas dinâmicas de apropriação e de ordenamento das atividades na Praia
de Ponta Negra. Todavia, ao se entender os níveis inerentes à noção de racionalidade ambiental –
que serão detalhadas a seguir – será possível realizar uma reflexão acerca dos problemas
ambientais e urbanísticos detectados no localcotejando-os com o sistema de princípios, normas,
meios e ações que possibilitam a consecução dos propósitos relativos à racionalidade ambiental,
considerada como aquela capaz de orientar as ações sociais para o desenvolvimento sustentável.
O conceito de racionalidade, como um sistema de raciocínios, valores, normas e ações que relaciona meios e fins, permite analisar a coerência de um conjunto de processos sociais que intervêm na construção de uma teoria da produção e da organização social fundada nos potenciais da natureza e nos valores culturais. O conceito de racionalidade ambiental permitiria sistematizar os princípios materiais e axiológicos de sua teoria, organizar a constelação de argumentos que configuram o saber ambiental, e analisar a coerência e eficácia do conjunto de ações deslocadas para a consecução de seus objetivos. Ao mesmo tempo, permite ver a confrontação e a convivência de racionalidades que não se submetem a uma lógica unificadora, suas estratégias de poder e o diálogo possível que estabelecem em uma política da diferença (LEFF, 2006, p. 246).
Seguindo a teoria de Leff, também inspirada na classificação de Weber, a racionalidade
ambiental constrói-se mediante a articulação de quatro esferas ou níveis de racionalidade: a)
substantiva; b) teórica; c) técnica ou instrumental; d) cultural.
A racionalidade substantiva corresponde a um sistema axiológico que define os valores e
objetivos que orientam as ações sociais para a construção de uma racionalidade ambiental (tais
como, sustentabilidade ecológica, equidade social, diversidade cultural, democracia política). A
racionalidade teórica sistematiza os valores da racionalidade substantiva articulando-os com os
processos ecológicos, culturais, tecnológicos, políticos e econômicos que constituem as
condições materiais, os potenciais e as motivações que sustentam a construção de uma nova
funcionais e operacionais entre os objetivos sociais e as bases materiais do desenvolvimento
sustentável através de um sistema de meios eficazes. A racionalidade cultural é aquela que
produz a identidade e integridade de cada cultura, dando coerência a suas práticas sociais e
produtivas em relação com as potencialidades do seu entorno geográfico e de seus recursos
naturais (LEFF, 2009).
Situa-se no nível da racionalidade ambiental substantiva, o conjunto de valores que dão
novos fundamentos e que reorientam o processo de desenvolvimento. Alguns princípios éticos
arrolados por Leff, podem ser resumidos da seguinte forma: 1) Fomentar o pleno
desenvolvimento das capacidades (produtivas, afetivas e intelectuais) de todo ser humano,
satisfazer suas necessidades básicas e melhorar sua qualidade de vida; 2) Preservar a diversidade
biológica do planeta e respeitar a identidade cultural de cada povo; 3) Conservar e potenciar as
bases ecológicas de sustentabilidade do sistema de recursos naturais como condição para um
desenvolvimento sustentável; 4) Preservar o patrimônio dos recursos naturais e culturais por seus
valores intrínsecos e culturais, e não só por seu valor no mercado; 5) Arraigar o pensamento da
complexidade em novas formas de organização social e produtiva; 6) Construir formas
alternativas de desenvolvimento a partir do potencial ambiental de cada região – do sistema
complexo de recursos ecológicos, tecnológicos e culturais – e das identidades étnicas de cada
população; 7) Distribuir a riqueza, a renda e o poder, através da descentralização econômica, da
gestão participativa e da distribuição democrática dos recursos ambientais de cada região; 8)
Atender às necessidades e aspirações da população, a partir de seus próprios interesses e
contextos culturais; 9) Erradicar a pobreza, estabelecendo meios pacíficos para dirimir os
conflitos ambientais; 10) Fortalecer os direitos de autonomia cultural, a capacidade de autogestão
dos recursos naturais e a autodeterminação tecnológica dos povos (LEFF, 2009).
A racionalidade ambiental teórica relaciona-se aos processos materiais que dão suporte a
novas estratégias produtivas. Orienta as práticas científicas, tecnológicas e culturais para
construir e objetivar esses níveis de produtividade (LEFF, 2006).Encontra-se ligada ao conceito
de produtividade ecotecnológica e à construção de uma racionalidade produtiva alternativa
(LEFF, 2007). Gera critérios para avaliar projetos e formas alternativas de desenvolvimento
(LEFF, 2009).
A racionalidade ambiental técnica ou instrumental diz respeito ao conjunto de
traduzem os objetivos da gestão ambiental em ações (LEFF, 2007). Fazem parte desta esfera de
racionalidade: instrumentos para implementar os projetos de gestão ambiental; indicadores sobre
o potencial ambiental, o desenvolvimento humano e a qualidade de vida; métodos de avaliação
do impacto ambiental; estratégias de poder que mobilizam os atores sociais para promover as
mudanças políticas e sociais voltadas à racionalidade ambiental (LEFF, 2009).
Na esfera da racionalidade ambiental cultural, tem-se como premissa que a gestão
ambiental implica a participação direta das comunidades na apropriação de seu patrimônio
natural e cultural e no aproveitamento de seus recursos (LEFF, 2007). Conduz a um diálogo de
saberes, entre os saberes encarnados em identidades culturais e os saberes que, a partir da ética,
da técnica e do direito, fortalecem as identidades e capacidades locais. Implica, muitas vezes, na
realização de um processo de desconstrução da cultura dominante e hegemônica para incorporar
os valores de uma cultura ecológica e ambiental, ao mesmo tempo em que se abre ao encontro
dos valores de outras culturas e uma política da inter-culturalidade (LEFF, 2006).
A racionalidade ambiental cultural deriva do princípio da diversidade, estabelecido pela
racionalidade ambiental substantiva. Os saberes técnicos e as práticas tradicionais são partes
indissociáveis dos valores culturais de diferentes formações sociais; constituem recursos
produtivos para a conservação da natureza e capacidades próprias para a autogestão dos recursos
de cada comunidade (LEFF, 2009).
O presente trabalho, ao identificar as redes de conflitos que se estabeleceram na Praia de
Ponta Negra, buscará avaliar, com base nesse quadro, em que medida os usos, a gestão e as
intervenções urbanísticas detectadas no local encontra-se em conformação com o conjunto de
princípios e medidas relativas à racionalidade ambiental.
Diante da abrangência dos enfoques relativos às quatro esferas ou níveis de racionalidade,
serão priorizados no presente trabalho os níveis relativos à racionalidade ambiental substantiva e
à racionalidade ambiental técnica ou instrumental, por se considerar suficientemente
representativos para a análise pretendida no espaço da Praia de Ponta Negra.
Para análise da conformação dos comportamentos sociais aos princípios relativos à
racionalidade ambiental substantiva na Praia de Ponta Negra, serão levados em consideração,
como pressupostos fundamentais: a relação do espaço da praia com o direito fundamental ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado; com a conservação da base de recursos naturais, com