GUSTAVO SILVEIRA BORGES
OS COMITÊS DE BIOÉTICA E AS VIAS DE
ACESSO À JUSTIÇA CRIMINAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Faculdade de Direito, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências Criminais.
Área de concentração: Sistema Penal e Violência Linha de pesquisa: Criminologia e Psiquiatria.
ORIENTADOR: PROF. DR. GABRIEL J. CHITTÓ GAUER
CO-ORIENTADOR:PROF.DR.RICARDO TIMM DE SOUZA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS CRIMINAIS MESTRADO EM CIÊNCIAS CRIMINAIS
A Dissertação Os Comitês de Bioética e as vias de acesso à justiça criminal, elaborada pelo aluno Gustavo Silveira Borges foi julgada adequada por todos os membros da Banca Examinadora, para obtenção do grau de MESTRE EM CIÊNCIAS CRIMINAIS e aprovada, em sua forma final, pela Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, da Faculdade de Direito, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre, 21 de setembro de 2007.
________________________________________________ PROFª.DRA.RUTH M.CHITTÓ GAUER
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais
Apresentada à Banca integrada pelos seguintes professores:
__________________________________________________ ORIENTADOR: PROF. DR. GABRIEL JOSÉ CHITTÓ GAUER Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil _____________________________________________________ PROF. EXAMINADOR: PROF. DR. FABRÍCIO DREYER DE ÁVILA POZZEBON
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil _____________________________________________________
PROF.EXAMINADOR:PROF.DR.LUIS FERNANDO BARZOTTO Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil ______________________________________________________
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
B732c Borges, Gustavo Silveira
Os comitês de bioética e as vias de acesso à justiça criminal / Gustavo Silveira Borges. – Porto Alegre, 2007.
161 f.
Diss. (Mestrado em Ciências Criminais) – Fac. de Direito, PUCRS.
Orientação: Prof. Dr. Gabriel José Chittó Gauer.
1. Direito. 2. Direito Penal. 3. Biodireito. 5. Bioética. I. Gauer, Gabriel José Chittó.
CDD 340.78
RESUMO
A presente dissertação foi desenvolvida na linha de pesquisa Criminologia e Psiquiatria, na área de concentração em Sistema Penal e Violência do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Tem como principal foco a abordagem de aspectos interdisciplinares dos Comitês de Bioética, e mais especificamente sobre possíveis vias de comunicação e acesso destes à justiça criminal. Tal objetivo foi desenvolvido a partir de uma análise inter-relacional com diferentes ramos do saber, com especial abordagem de elementos do Direito, História das Idéias, Psiquiatria, Filosofia e Bioética. Inicialmente, buscou-se investigar, a partir de reflexões sobre a ciência no percurso da modernidade à contemporaneidade, a inserção da Bioética nessa nova perspectiva interdisciplinar. Posteriormente, explorou-se a definição do desenvolvimento histórico e conceitos relacionados à temática, bem como a experiência internacional dos Comitês de Bioética. Após, procurou-se demonstrar as vias de acesso à justiça criminal, já que foram detectados aspectos de caráter jurídico-penais presentes nas consultorias aos Comitês de Bioética. Por fim, realizou-se pesquisa de campo, em que foram revisados e analisados os registros das consultorias feitas ao Comitê de Bioética da Faculdade de Medicina e do Hospital São Lucas da PUCRS, desde o início de suas atividades, entre fevereiro de 1997 até dezembro de 2006, na qual se evidenciou o crescente aumento das consultorias e a importância do Comitê de Bioética no auxílio da resolução de conflitos éticos.
Palavras-chave:
ABSTRACT
The present Dissertation was performed within research line called “Criminology and Psychiatry”, in the concentration area of Criminal System and Violence of the Post Graduation Program in Criminal Sciences of the Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. It approaches the interdisciplinary aspects of Bioethics Committees, concerning especially the ways of communication as well as the access to criminal justice. This objective was developed from an interrelated analysis within different knowledge areas, approaching elements from Law, History of Ideas, Psychiatry, Philosophy and Bioethics. Initially, the research attempted to investigate, based on reflections about science from modernity to contemporaneity, the insertion of bioethics in this new interdisciplinary perspective. Subsequently, the definition of the historical development and concepts associated with this field were explored, as well as the international experience of the Bioethics Committees. Afterwards, the ways of access to justice are shown, once penal aspects were detected in Bioethics Committees consultations. Finally, field research was carried out to revise and analyze records from consulting to the Bioethics Committee of the Medical School and São Lucas Hospital at PUCRS, since the beginning of their activity approximately during the period of February 1997 through December 2006. A growing number of consultations was reported as well as the importance of the Bioethics Committee for the solution of ethical conflicts that have arisen from the evolution of biomedical science.
Key-words:
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO... 14
1 REFLEXÕES SOBRE A CIÊNCIA NO PERCURSO DA MODERNIDADE À CONTEMPORANEIDADE E A INTERSECÇÃO COM NOVA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR DA BIOÉTICA ... 19 1.1 DA ESTATICIDADE AO FLUXO DA MODERNIDADE ... 19 1.2 NOVA COSMOVISÃO DE MUNDO: DESLOCAMENTO DO EIXO E RUPTURA DE PARADIGMAS ... 20 1.3 O RACIONALISMO TOTALITÁRIO E O FORTALECIMENTO DA VERDADE CIENTÍFICA: PARA ALÉM DA MODERNIDADE ... 23 1.4 RUPTURA COM A RACIONALIDADE TOTALITÁRIA E A SUA INFLUÊNCIA NA CIÊNCIA ... 25 1.5 O RISCO E A CRISE DAS CATEGORIAS TEMPO, VELOCIDADE, ACELERAÇÃO: REFLEXOS NAS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS E A BIOÉTICA ... 26
1.6 A BIOÉTICA INSERIDA NESSA COSMOVISÃO DA
CONTEMPORANEIDADE ... 34 1.6.1DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA BIOÉTICA E SUAS DEFINIÇÕES ... 34
1.6.2REFLEXÕES ACERCA DO ALICERCE FILOSÓFICO DA BIOÉTICA ... 38
1.6.3ABIOÉTICA E AS INTER-RELAÇÕES COM OUTRAS ÁREAS DO CONHECIMENTO ... 42
2 A BIOÉTICA CLÍNICA E OS COMITÊS DE BIOÉTICA ... 49
2.1 A BIOÉTICA CLÍNICA ... 49
2.2 OS COMITÊS DE BIOÉTICA ... 50
2.2.1ARELEVÂNCIA DA CASUÍSTICA NO DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DOS COMITÊS DE BIOÉTICA ... 51
2.2.2DEFINIÇÃO ... 53
2.2.3FUNÇÕES ... 57
2.2.4COMPOSIÇÃO ... 60
2.2.5CONSULTORIAS MAIS FREQÜENTES ... 61
2.3OS COMITÊS DE BIOÉTICA E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL ... 62
2.3.1COMITÊS INTERNACIONAL E INTERGOVERNAMENTAL DE BIOÉTICA ... 62
2.3.1.1 Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos - UNESCO ... 63
2.3.1.2 Guia N.º 1 - Criação dos Comitês de Bioética - UNESCO ... 64
2.3.1.3Guia N.º 2 -Funcionamento dos Comitês de Bioética: procedimentos e políticas - UNESCO ... 65
2.3.2COMITÊS NACIONAIS DE BIOÉTICA:EXPERIÊNCIAS NA EUROPA ... 66
2.3.2.1 Bélgica – Comitê Consultatif de Bioéthique ... 66
2.3.2.2 França – Comité de Bioéthique ... 67
2.3.2.3 Itália – Comitato Nazionale per la Bioetica ... 68
2.3.3COMITÊS NACIONAIS BIOÉTICA –OUTRAS EXPERIÊNCIAS ... 69
2.3.3.1 Bolívia – Comitê de Ética y Bioética ... 69
2.3.3.2 México – Comisión Nacional de Bioética ... 70
3 OS COMITÊS DE BIOÉTICA E VIAS DE ACESSO À JUSTIÇA ... 72
3.1 INSTRUMENTOS DE ACESSO À JUSTIÇA CRIMINAL ... 73
3.1.1NOTITIA CRIMINIS ... 73
3.1.2MANDADO DE SEGURANÇA EM MATÉRIA CRIMINAL ... 75
3.1.3HABEAS CORPUS ... 79
3.2 QUESTÕES CÍVEIS E AINTERVENÇÃODO MINISTÉRIO PÚBLICO ... 82
3.2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A CAPACIDADE DECISÓRIA E A AUTONOMIA BIOÉTICA ... 82
3.2.2AQUESTÃO DA INCAPACIDADE (LEGAL) DE PACIENTES E A INTERDIÇÃO ... 86
3.2.3AINTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA ... 87
3.3 O PROCEDIMENTO DE COMUNICAÇÃO DO HOSPITAL COM A IMPRENSA ... 89
4. PESQUISA DE CAMPO REALIZADA JUNTO AO COMITÊ DE BIOÉTICA DA FAMED e HSL-PUCRS: UMA ANÁLISE SOB O ENFOQUE JURÍDICO-PENAL ... 95
4.1 OBJETIVOS ... 95
4.1.1OBJETIVO GERAL ... 95
4.1.2OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 95
4.2METODOLOGIA ... 96
4.2.1LOCAL DA PESQUISA ... 96
4.2.2TIPO DE DELINEAMENTO ... 97
4.2.3PROCEDIMENTO DE COLETA E ANÁLISE DE DADOS ... 97
4.2.4CONSIDERAÇÕES ÉTICO-LEGAIS ... 99
4.3RESULTADOS ... 99
4.3.1APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ... 99
4.3.1.1Descrição da amostrae discussão dos resultados ... 100
4.3.1.2Análise correlacional ... 106
4.3.1.3Outros estudos realizados em Comitês de Bioética ... 106
CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 109
REFERÊNCIAS ... 113
ANEXOS ... 125
Anexo A – DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS DA UNESCO ... 126
Anexo B – PROJETO DE LEI N.3497/2004– PROPÕE A CRIAÇÃO DE UMA COMISSÃO NACIONAL DE BIOÉTICA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS ... 142
Anexo C – PROJETO DE LEI – PROPÕE A CRIAÇÃO DE UM CONSELHO NACIONAL DE BIOÉTICAE DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS ... 148
Anexo D – OFÍCIO DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP DA PUCRS ... 155
INTRODUÇÃO
A evolução das ciências biomédicas e das tecnologias aplicadas à área da saúde, especialmente no século XX, fizeram com que surgissem novas possibilidades de intervenções nessa área. Juntamente com esse instrumental, emergiram novos conflitos éticos jamais antes concebidos, e para os quais não há respostas prontas e estanques. Tais dilemas são o que CLOTET denomina de conflitos bioéticos, pois, como esclarece, são “conflitos éticos surgidos do progresso das ciências da vida e da saúde, para os quais não existem repostas previamente estabelecidas.”1
Para se buscar uma resposta a estes conflitos é necessário analisá-los a partir de um prisma interdisciplinar, sendo a Bioética o campo do conhecimento que proporciona esse debate, estabelecendo um diálogo entre os diferentes ramos do saber na busca de soluções eticamente adequadas a estas controvérsias.
1 CLOTET, Joaquim. Bioética: o que é isso? Brasília:
Muitos destes dilemas ocorrem no ambiente de assistência hospitalar, acarretando que profissionais da área da saúde suscitem dúvidas sobre quais seriam as condutas éticas mais adequadas para solucionar os conflitos bioéticos. Esses conflitos envolvem, por exemplo, dúvidas sobre critérios de limitação de tratamento por decisão técnica ou de investimento em pacientes terminais2 e em estado irreversível3; manejo da recusa de tratamento por motivos religiosos, situações de necessidade de quebra, ou não, de confidencialidade; solicitações de interrupção de gestação de fetos com mal-formações anatômicas incompatíveis com a vida extra-uterina; pacientes com ideação suicida que desejam receber alta hospitalar; recusa de tratamento por parte de familiares; divergências entre a equipe, o paciente e/ou seus familiares; além de consultorias do próprio hospital ou das equipes diante da legislação ou outros temas que apresentam muitas vezes repercussões jurídicas, tanto na esfera cível, como na esfera penal.
Buscar soluções eminentemente jurídicas para conflitos bioéticos é limitar a abrangência da resposta interdisciplinar que necessitam as temáticas, tais como início da vida, morte e morrer, embriões humanos, dentre outras questões emergentes a partir das inovações tecnológicas hoje colocadas à disposição da ciência, especialmente a ligada à saúde. Assim, os Comitês de Bioética, que são espaços multidisciplinares de discussão, se prestam para promover o debate desses temas éticos, emitindo, a partir de discussões de seus membros provenientes de diversos ramos do saber, pareceres que auxiliarão na solução eticamente adequada de abordagem dos casos concretos, bem como contribuindo para as políticas institucionais e a educação da comunidade institucional. Em razão de os pareceres emitidos pelos Comitês de Bioética ter
2 Para GOLDIM, paciente terminal quer dizer: “aquele que vai morrer num período relativamente
curto de tempo, de 3 a 6 meses, independentemente das ações médicas que são colocadas em prática”. GOLDIM, José Roberto. Paciente terminal. Disponível em:
<http://www.bioetica.ufrgs.br/pacterm.htm>. Acesso em: 23 abr. 2007.
3 Conforme KIPPER, o vocábulo irreversível é utilizado para se referir tanto aos pacientes
no Brasil um caráter consultivo, e de sua função ser primordialmente a de prestar consultoria e auxiliar os profissionais da área médica frente aos dilemas morais4 e conflitos bioéticos, algumas destas situações que descrevemos extrapolam a esfera, de certa forma, do âmbito de apreciação dos Comitês de Bioética. Porém, em alguns casos, estas questões de cunho predominantemente jurídico e deontológico não podem ser separadas do conflito bioético em si, tendo que ser analisadas no conjunto dos fatos apresentados para discussão, inclusive para determinar qual a instância adequada para sua solução.
Assim, interessa-nos por investigar sobre de alguns aspectos jurídicos presentes nos conflitos levados à análise através das consultorias feitas aos Comitês de Bioética, de modo que exsurgiram, dentre outros, tais questionamentos: quais podem ser os instrumentos jurídicos à disposição das equipes de saúde médica e da administração das instituições de saúde para solucionar situações que apresentem reflexos jurídico-penais? Nessas situações, quando houver necessidade de acesso ao Judiciário como instância auxiliar ou resolutiva, quais seriam os possíveis instrumentos jurídicos à disposição? Como deve ser realizada a comunicação do hospital ou da equipe com a imprensa, nesses casos, e que tipo de informações devem (ou podem) ser divulgadas, no caso de necessidade de quebra de confidencialidade?
O objetivo do trabalho, então, é aprofundar um estudo acerca de alguns aspectos jurídicos presentes nos conflitos levados à análise nos Comitês de Bioética, especialmente jurídico-penais. Decidimos, assim, dividir o desenvolvimento do presente trabalho em quatro capítulos: (I) contextualizando a Bioética, a partir de uma análise da História das Idéias, Psiquiatria, Filosofia, e Direito, na perspectiva interdisciplinar e complexa da contemporaneidade; (II) revisando os conceitos teóricos e históricos da Bioética Clínica e dos Comitês de Bioética, assim como suas experiências; (III) aprofundando alguns possíveis instrumentos jurídicos à disposição das equipes médicas e da administração das
4 “O conflito moral surge quando o agente moral se encontra frente a uma encruzilhada moral, é
dizer, o sujeito moral tem que eleger entre duas ou mais alternativas, mas ninguém entre elas está livre de problemas éticos”. ÁLVAREZA, Juan Carlos; FERRER, Jorge José. Para fundamentar la bioética: teorías y paradigmas teóricos em la bioética contemporánea.
instituições de saúde no caso de reflexos jurídicos presentes nos conflitos bioéticos e, por fim; (IV) apresentando a pesquisa de campo realizada junto ao Comitê de Bioética do Hospital São Lucas/PUCRS, através de uma análise sob o enfoque jurídico-penal.
No capítulo I, REFLEXÕES SOBRE A CIÊNCIA NO PERCURSO DA MODERNIDADE À CONTEMPORANEIDADE E A INTERSECÇÃO COM NOVA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR DA BIOÉTICA, buscaremos apresentar os elementos necessários para o posicionamento da Bioética na perspectiva interdisciplinar e complexa da contemporaneidade. Realizaremos uma discussão preliminar, apresentando o percurso da estática modernidade, passando pela
nova cosmovisão de mundo, a partir das rupturas de paradigmas. Enfrentaremos, ao depois, a questão do racionalismo totalitário, bem como o fortalecimento da verdade científica neste período, chegando finalmente à contemporaneidade e a crise das categorias tempo, velocidade e aceleração e todos os seus reflexos na ciência, especialmente a questão do risco. Ao final, fecharemos o capítulo inserindo a Bioética nesse contexto, iniciando pelo desenvolvimento histórico, suas principais definições, bem como as inter-relações com Direito e Psiquiatria, tendo em vista a linha de pesquisa do curso.
No capítulo II, A BIOÉTICA CLÍNICA E OS COMITÊS DE BIOÉTICA, iniciaremos partindo da diferenciação entre Bioética em sentido amplo e a Bioética Clínica, para delimitarmos a abordagem da temática dos Comitês de Bioética. Após, serão apresentados os Comitês de Bioética, seu desenvolvimento histórico e a casuística, funções, composição, as consultorias mais freqüentes, bem como a experiência dos comitês em alguns países da Europa e América Latina.
administração das instituições de saúde para solucionar dilemas éticos que apresentem aspectos jurídicos, especialmente penais.
No capítulo IV, explanaremos sobre a PESQUISA DE CAMPO REALIZADA JUNTO AO COMITÊ DE BIOÉTICA DO HOSPITAL SÃO LUCAS/PUCRS, especialmente sobre uma análise sob o enfoque jurídico-penal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os conflitos bioéticos emergentes em decorrência da explosão tecnológico-científica apresentam seus reflexos no mundo do Direito, e a Bioética tem se ocupado – enquanto nova ciência ética que combina humildade, responsabilidade e competência interdisciplinar, que potencializa o senso de humanidade5 – na busca de proporcionar um espaço para a busca de soluções dos complexos problemas éticos e jurídicos. Assim, o papel fundamental da Bioética é o de reconhecer que é preciso sair ao encontro de estratégias de mediação para conflitos morais que tenham por espírito condutor a máxima tolerante e pacífica deixada pelo humanismo, em vez de assumir para si o imobilismo imposto pela impossibilidade de se atingir a verdade absoluta e válida para todos.6
Por primeiro, situamos a Bioética e a ciência no contexto da contemporaneidade, partindo do itinerário da modernidade até os dias atuais, passando pela nova cosmovisão de mundo, o fortalecimento da verdade científica, demonstrando até onde essa racionalidade totalitária pretendeu chegar e sua influência na ciência. Em seguida, apresentando o risco e a crise das categorias tempo, velocidade e aceleração e os reflexos nas inovações tecnológicas, para contextualizarmos a Bioética nessa nova cosmovisão
Posteriormente, destacamos a Bioética Clínica e os Comitês de Bióética, desde o desenvolvimento histórico, a definição, as funções, a composição, os tipos de consultorias mais freqüentes decorrentes dos dilemas biomédicos,
5 GOLDIM, José Roberto.
Bioética. Disponível em: <http://www.bioetica.ufrgs.br/pacterm.htm>.
Acesso em: 23 abr. 2007.
6 DINIZ, Débora; GUILHEM, Dirce.
como explanamos sobre a experiência internacional dos Comitês de Bioética, em especial a orientação da UNESCO, e os guias por ela emitidos para criação em nível local, estadual e federal. Apresentamos países que já contam com a experiência dos Comitês de Bioética, sendo alguns ligados a órgãos federais de saúde e que orientam, em determinados casos, as legislações da saúde.
No terceiro capítulo, apresentamos, tendo em vista que em alguns conflitos bioéticos há reflexos jurídico-penais, possíveis vias de acesso à justiça, especialmente alguns instrumentos de acesso a justiça criminal e a intervenção do Ministério Público, por fim, o procedimento de comunicação do hospital com a imprensa.
Por derradeiro, no último capítulo, passamos à análise da pesquisa de campo realizada junto ao comitê de Bioética da Famed e HSL-PUCRS, com o uma análise sob o enfoque jurídico-penal, avaliando a amostra e discutindo a importância dos resultados. A pesquisa demonstrou a crescente necessidade e importância dos CBs, especialmente pois a demanda de consultorias ao Comitê de Bioética vem crescendo exponencialmente.
Os Comitês de Bioética, a partir da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, em 2005, em Conferência Geral da UNESCO, já acenou acerca da necessidade de observância dos Estados das orientações e princípios que tratam das questões éticas relacionadas à medicina, às ciências da vida e às tecnologias associadas quando aplicadas aos seres humanos. A Dignidade Humana e os Direitos Humanos devem, assim, ser respeitados em sua totalidade, bem como os interesses e o bem-estar do indivíduo devem ter prioridade sobre o interesse exclusivo da ciência ou da sociedade.7
Nessa Declaração deu-se, de igual forma, importância aos Comitês de Ética, multidisciplinares e pluralistas, e se orientou na instituição a fim de que: (i) sejam espaços de avaliação das questões éticas, legais, científicas e sociais relevantes relacionadas a projetos de pesquisas; (ii) prestem aconselhamento sobre problemas éticos em situações clínicas; (iii) avaliem os desenvolvimentos
7 UNESCO.
Declaração universal sobre bioética e direitos humanos. Portugal, 2006.
científicos e tecnológicos, formulem recomendações e contribuam para a elaboração de diretrizes sobre temas da Declaração e, por fim; (iv) promovam o debate, a educação, a conscientização do público e o seu engajamento com a bioética.8 A partir disso, houve a publicação de dois Guias de orientação de implementação dos Comitês de Bioética, o que demonstra, por si só, a importância que estes espaços vem ganhando em nível mundial.
No Brasil, aos poucos o tema vem ganhando relevância, já que há Projetos de Lei, anexados ao trabalho, que tratam da criação da Comissão Nacional de Bioética, bem como da criação do Conselho Nacional de Bioética.
Diante da complexidade dos dilemas bioéticos levados à apreciação dos CBs através das consultorias é que se procurou refletir sobre dos reflexos jurídicos que emergem em alguns casos, bem como sobre alguns instrumentos jurídicos colocados à disposição da assessoria jurídica do hospital e dos profissionais envolvidos com tais casos, para melhor enfrentamento destes problemas.
Desse modo, a Bioética estabelece estreita relação com o Direito, até porque os dois se ocupam eminentemente do estudo do comportamento humano. Por se tratar de um tema interdisciplinar, no intuito de trazer uma contribuição para o estudo, procurou-se apresentar diferentes visões de alguns ramos afeitos ao assunto, principalmente entre as intersecções entre a Bioética e o Direito e a Psicanálise.
Verifica-se, sem dúvidas, que muito ainda precisa ser estudado e pesquisado, até que se encontrem conclusões definitivas que auxiliem, de forma consistente, a dar respostas efetivas para os questionamentos feitos diariamente no ambiente hospitalar. Faz-se, por isso, necessário um debate interdisciplinar para se chegar a soluções mais justas e eticamente corretas, já que a ciência jurídica sozinha não é mais apta a dar soluções satisfatórias e consoantes com as novas perspectivas do pensar contemporâneo.
