FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – FGV
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA
MESTRADO PROFISSIONAL EXECUTIVO EM GESTÃO EMPRESARIAL
GESTÃO DE MARKETING NA PRÁTICA DE ORGANIZAÇÕES NO BRASIL
Dissertação de Mestrado apresentada à Escola Brasileira de Administração
Pública e de Empresas para obtenção do grau de Mestre
Joni Doval Raugust
Professor Orientador: Alexandre Faria
AGRADECIMENTOS
A todos os colegas do MEX 2010 pelo prazer da convivência e pela alegria
compartilhada no descobrimento de novos caminhos.
Em especial a Flavia, Carla, Simone, Joana, Melina, Elaine, Raquéis, Zilá,
Mariana, Vinicius, Sandro, Renato, Ronie, Gabriéis, Tarcisio, Gapa, Bomba, Luna,
Allan, Rômulo, Daniel, Zé Roberto, Victor, Rodrigo, Guilherme, Ibson, Pedro Paulo e
sua turma, Kalil, Michel, Eduardo e Campolina.
A Simone Rodrigues e ao Ricardo Fort por dedicarem incontáveis horas a este
trabalho.
Ao professor Alexandre Faria pela paciência, perseverança, sagacidade,
provocações, inspiração, incentivo e bom humor. Espero que tenha valido a pena.
A Julia, Nina, Gisele, Bete, Daniel e Gerson porque é de vocês que vem a minha
força.
“... no escuro porão eu vi o clarão do giro do mundo...
... vou aprender a ler
pra ensinar meus camaradas!”
trechos da música Massemba
Roberto Mendes
“... uma menina me ensinou quase tudo que eu sei...”
trecho da música Ainda é cedo
RESUMO
RAUGUST, Joni D. Gestão de marketing na prática de organizações no Brasil.
Mestrado Executivo em Gestão Empresarial – Escola Brasileira de Administração
Pública e de Empresas – Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2012.
Este trabalho busca compreender a prática da gestão de marketing em
organizações de grande porte que atuam no Brasil e, em termos mais específicos,
entender as diferenças de tais práticas com relação à representação teórica dominante na
literatura especializada. Reconhecendo o predomínio de uma perspectiva reducionista de
gestão na literatura e a virtual ausência de pesquisas focadas na prática de gestão de
marketing, a abordagem escolhida seguiu as seguintes etapas: a) consolidação e
compreensão das descobertas de pesquisadores no Brasil sobre a prática de gestão de
marketing em diferentes tipos de organizações de grande porte, tendo como base um
conjunto de dissertações de mestrado de instituição acadêmica; b) análise adicional com
base em reflexões de um praticante com vinte anos de experiência em gestão de
marketing em organizações de grande porte no Brasil; e c) contraposição com o que é
prescrito pela literatura dominante nessa área de estudo. Os resultados indicam a
necessidade de pesquisas focadas na prática da gestão de marketing, sob uma
perspectiva de pluralidade epistêmica, que reconheçam características culturais,
organizacionais e políticas. Mais especificamente, é necessária a revisão crítica das
teorias de mercado e de organização que formam a literatura dominante.
ABSTRACT
This work seeks to understand the practice of marketing management in large
organizations that operate in Brazil and in more specific terms, understand the
differences in these practices with respect to representation in dominant theoretical
literature. Recognizing the prevalence of a reductionist perspective of management
literature and the virtual absence of research focused on the practice of marketing
management, the chosen approach involved the following steps: a) consolidation and
understanding of the findings of researchers in Brazil on the practice of marketing
management in different types of large organizations, based on a set of dissertations of
academic institution; b) additional analysis based on reflections of a practitioner with
twenty years of experience in marketing management in large organizations in Brazil; c)
contrast with what is prescribed by the dominant literature in this area of study. The
results indicate the need for research focused on the practice of marketing management,
under a plurality of epistemic perspective, recognizing cultural, and organizational
policies. More specifically, it is necessary to critically review the theories of market and
organization that form the dominant literature.
SUMÁRIO:
1 - INTRODUÇÃO
1.1 - Contextualização e relevância do problema 11
1.2 - Tema 13
1.3 - Pergunta de pesquisa 13
1.4 - Objetivo geral 13
1.5 - Objetivos específicos 13
2 - REVISÃO DE LITERATURA 2.1 - Gestão de marketing 15 2.1.1 - A literatura acadêmica dominante em gestão de marketing no Brasil 15 2.1.2 - Gestão do marketing mix: os 4 Ps 16
2.1.3 - Gestão de marketing e o conceito de orientação para o mercado (OPM) 16
2.1.4 - A dimensão não mercado e gestão de marketing 18
2.1.5 – Responsabilidade social corporativa (RSC) e gestão de marketing 20
2.3 - Gestão de marketing na prática 22 2.4 - Perspectiva de pluralidade em marketing 24 3 - MÉTODO DE PESQUISA 3.1 - Escolha do método 26 3.2 - Natureza dos dados secundários utilizados na pesquisa 26
3.3 - Limitações do método 28
3.4 - Identificação da fonte de dados 29
3.5 - Critérios para seleção dos estudos a serem analisados 29
3.6 - Procedimentos para busca e seleção dos estudos selecionados 31
3.7- Leitura e fichamento dos estudos selecionados 31
4 - ANÁLISE E RESULTADOS 4.1 - Abordagem analítica 33
4.2 - Descrição das características dos estudos selecionados 35
4.3 - Especificação dos objetivos dos estudos selecionados 35
4.4 - Consolidação das principais conclusões dos estudos selecionados 36
4.4.2 - Análise sobre RSC 40
4.4.3 - As dimensões gerenciais e a prática do praticante 42
5 - CONCLUSÕES E SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS
5.1 - Principais conclusões 46
5.2 – Sugestões para pesquisas futuras 48
ILUSTRAÇÕES (TABELAS)
Tabela 1 – Caracterização e objetivos dos estudos selecionados 35
1. INTRODUÇÃO
1.1 - Contextualização e relevância do problema
“Não é o marketing per se... é o “fazer o marketing com esse monte de barreiras...” Tem que ser
um marketing que trabalhe com reguladores, clientes, ONGs etc... Para achar uma solução que seja boa para todo mundo. Não só para a empresa.”
Ricardo Fort, Diretor global de marketing de uma grande multinacional de alimentos.
Paris, outubro de 2011.
Ao ler em meu email a mensagem acima, enviada por um amigo brasileiro e
ex-colega de trabalho na área de marketing, entendi que poderia ter nas mãos uma questão
com bom potencial para ser pesquisada no Brasil.
O motivo da referida conversa, através da Internet, era sobre a dificuldade de se
compreender e praticar a gestão de marketing em um contexto tão complexo quanto o
das grandes organizações em uma era de globalização. Considerando que em função de
seu cargo, o desafio diário desse meu amigo é ‘global’, não seria exagero dizer que
havia um tom de desabafo e provocação em sua manifestação, ao ele me ver não mais
como um amigo mas também como um acadêmico brasileiro.
A partir de tal motivaçao, e considerando a lacuna existente entre teoria e prática
em gestão de marketing (Brownlie e Saren 19997), algumas questões começaram a
surgir: até que ponto o conhecimento acadêmico consegue traduzir os conhecimentos
mobilizados por praticantes e por organizações de grande porte? Até que ponto poderia
um autor em particular ter a palavra final sobre a prática de gestão de marketing?
Além de competentes e influentes é razoável considerar que executivos da alta
gerência tenham sólida formação acadêmica e intensivo treinamento profissional, como
é o caso desse diretor global de marketing que conheço bem, e sejam capazes de
mobilizar conhecimento com razoáve nível de competência. Então por que ele estaria se
referindo a ser mais (ir além) do que o marketing per se? O seu entendimento indicava
que as barreiras mencionadas no email estariam fora das atribuições e responsabilidades
de marketing, conforme definido pela literatura acadêmica e pelos programas de MBA?
Suas experiências e interlocuções anteriores indicavam que, em termos formais, as
(stakeholders) fora daquilo que convencionalmente é chamado de mercado? Com que
outras diferenças, em relação ao que aprenderam na formação teórica, os gerentes
estariam se deparando no mundo da prática? Qual ou quais seriam os motivos desse
descasamento, sob a perspectiva dos praticantes, que vem sendo desconsiderado em sua
extensão pelos acadêmicos?
Era notório para mim que o conceito de marketing exibia uma potência capaz de
atrair jovens profissionais talentosos em busca de fama e fortuna. Em grande parte esse
entendimento foi moldado pela minha formação acadêmica. Porém, a prática me
ensinou que nem tudo o que reluz é ouro. Minha carreira no mundo corporativo teve que
ser abastecida de muitas negociações e concessões para áreas parceiras afim de que eu
pudesse desempenhar minhas atribuições como gestor de marketing. Visivelmente os
conceitos da área de marketing não eram compartilhados por toda organização.
Mesmo no mundo acadêmico, constatei que a carência de debates e a
dominância de uma única perspectiva (econômica) sobre o tema resultavam em uma
escassez de fontes de pesquisas que permitessem maior aprofundamento de questões
específicas. Esse foi, portanto, o cenário que emoldurou a escolha da abordagem
metodológica de pesquisa, empregada no desenvolvimento de caminhos que
permitissem maior familiaridade com o problema.
Por fim, a ideia deste estudo também é inspirada em Hambrick (2004), que
alertou para dificuldades de avanço no campo de strategic management devido à
fragmentação da pesquisa e propôs que para avançar no conhecimento seria necessário,
primeiro, consolidar e compreender aquilo que já sabemos. A mesma convocação pode
ser estendida para o campo de gestão de marketing, o qual está imerso em acalorados
debates conceituais enquanto a vida real “lá fora” clama por uma boa reforma na
disciplina.
1.2 Tema
Considerando toda a abrangência e as possibilidades da área de marketing, este
estudo foi desenvolvido com foco em gestão de marketing. A abordagem empregada em
sua elaboração foi o contraponto entre o conteúdo da representação acadêmica mais
difundida pelas faculdades, escolas de negócios e MBA, e a perspectiva decorrente da
um contexto diferente daquele onde as referidas teorias foram formadas. O centro de
interesse das questões discutidas ao longo desta pesquisa é a problemática das
organizações de grande porte.
1.3 Pergunta de pesquisa
O propósito deste estudo é responder à seguinte pergunta: como a gestão de
marketing, no âmbito da prática em organizações de grande porte no Brasil, se
diferencia da literatura acadêmica dominante na área de marketing?
1.4 Objetivo geral
O objetivo geral desta pesquisa é contribuir para o preenchimento da lacuna
existente entre o conhecimento teórico e o conhecimento prático em gestão de
marketing no Brasil. A se considerar o cenário que cerca o tema, já explorado no
capítulo Introdução, este estudo tem caráter exploratório e busca discutir as questões
encontradas através da comparação entre a principal literatura utilizada na formação dos
praticantes (estado da arte) e a realidade prática vivênciada em organizações de grande
porte que operam no Brasil.
1.5 Objetivos específicos
Ao final deste trabalho o que se pretende é:
a) Ampliar o conhecimento sobre a prática em gestão de marketing na
realidade das organizações de grande porte que atuam no Brasil;
b) Discutir as diferenças entre o conteúdo acadêmico ensinado na formação
profissional e o que é praticado em organizações de grande porte;
c) Consolidar o conhecimento já adquirido para gerar novas questões e
possibilidades para a elaboração de estudos mais aprofundados e de
2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Gestão de marketing
2.1.1 A literatura acadêmica dominante em gestão de marketing no Brasil
Não é de hoje que a produção acadêmica made in USA influencia corações e
mentes brasileiros nos campos de organizações (Machado da Silva; Cunha e Amboni
1990), estratégias (Bertero; Vasconcelos e Binder 2003) e marketing (Vieira 1998).
Especificamente em gestão de marketing, há um guru dos Estados Unidos que vem
orientando há décadas os caminhos e o imaginário daqueles que buscam formação
acadêmica na área. Apenas como ilustração, tomando por base a experiência pessoal do
autor desta dissertação, o conteúdo teórico utilizado nas aulas de mercadologia em sua
graduação em administração, no Rio Grande do Sul, concluída em 1986; o livro-texto
utilizado no Master in Busines Administration (MBA) latu sensu, que cursou no Rio de
Janeiro e foi concluído em 1989; e o livro-texto utilizado no mestrado profissional
executivo em gestão empresarial, que está cursando no Rio de Janeiro e será concluído
em 2012, foi o mesmo: Administração de marketing, de Philip Kotler. Nada mais
natural que esse fosse também o livro que eu adotaria como livro-texto nas aulas que eu
lecionei em MBA latu sensu, a partir de 1990.
No site da revista de negócios Exame, a lista dos livros sobre marketing mais
vendidos em 2011, no Brasil, foi encabeçada por Philip Kotler. Pela quarta vez
consecutiva. Um detalhe importante é que o levantamento das vendas dos livros sobre
marketing, em lojas físicas e virtuais, nas livrarias Saraiva, Siciliano, Fnac, Submarino,
Cultura e Laselva, só tem quatro anos também. Aliás, dos dez livros sobre marketing,
mais vendidos em 2011 no Brasil, cinco eram de Phlip Kotler. Além de sua obra
seminal, Administração de marketing, Kotler escreveu também sobre outros temas que
já estiveram ou estão em evidência, tais como: crise financeira, base da pirâmide social,
inovação, marketing pessoal, a era da sociedade criativa, internacionalização do
marketing, busines to busines, entre outros.
Enfim, com esse pano de fundo, podemos considerar o pensamento de Kotler
como um grande molde da formação “teórica” em gestão de marketing no Brasil. E o
que diz essa referência sobre a gestão de marketing? No já mencionado livro de Kotler,
auto-intitulado “a bíblia do marketing” e que está na 12ª edição no Brasil, o conceito
central de marketing está fundamentado na teoria econômica da troca e das transações
(2006 p. 4), é “suprir necessidades lucrativamente”, entendam-se aí necessidades
humanas e sociais. Sobre o exercício da gestão de marketing, em suas próprias palavras, Kotler (2006 p.4) representa como “a arte e a ciência da escolha de mercados-alvo e da captação, manutenção e fidelização de clientes por meio da criação, da entrega e da
comunicação de um valor superior para o cliente”. Por fim, sobre o papel dos gestores,
Kotler (2006 p. 8), propõe que é função dos profissionais de marketing “procurar
influenciar o nível, a oportunidade e a composição da demanda para atender aos
objetivos da organização”. Kotler reconhece que essa pode ser uma visão um pouco
limitada, mas praticamente nenhuma alteração foi perpetuada ao longo de décadas.
Outros pensadores importantes a área de gestão de marketing poderiam ser
citados. Alguns que, inclusive, podem constar em listas de pessoas mais influentes do
mundo, em suas respectivas eras. Mas se o trabalho de Wroe Alderson, Jerome
McCarthy, Theodore Levitt e Peter Drucker, por exemplo, influenciou e ainda influencia
o conhecimento em gestão de marketing, o poder de massificação na formação de
gerentes brasileiros que o Kotler alcançou, impulsionado pelas faculdades, escolas de
negócios e MBA, permite colocá-lo como um representante emblemático da literatura
acadêmica dominante nessa área. Que por sua vez estabeleceu bases em:
a) Fundamentos da economia;
b) Contexto dos EUA, deixando implícita a perspectiva de um país
economicamente rico, um dos líderes mundiais em termos político,
econômico e militar; com modelo econômico, político e social estável
e calcado na livre iniciativa e propriedade privada.
Esse quadro referencial definiu em grande parte a maneira como os gerentes
brasileiros foram ensinados a pensar e agir, no modelo de gestão baseado em
análise-planejamento-controle, proposto por Kotler e abrangendo o marketing em si, a
orientação para o mercado (OPM) e a gestão de marketing mix. A manifestação
apresentada no início deste texto e o engajamento do autor deste trabalho com o tom de
provocação daquela manifestação sugerem, por outro lado, que não apenas há
resistências no Brasil a esse quadro de domínio epistêmico, no âmbito dos praticantes,
mas também possibilidades outras para o desenvolvimento acadêmico da gestão de
2.1.2 Gestão do marketing mix: os 4 Ps
O conceito de marketing mix, mais conhecido como 4 Ps, continua exercendo
um verdadeiro fascínio na comunidade de marketing. A literatura mainstream
estabeleceu profunda relação com a ideia de que seria responsabilidade de marketing
gerenciar quatro Ps: product, price, place e promotion. Kotler (2006b) concede os
créditos da criação do conceito a Jerome McCarthy, mas dado o poder onipresente e de
difusão de Kotler no Brasil, ele é a personificação dos quatro Ps. É senso comum na
área que gestão de marketing é sinônimo de gestão do marketing mix (ou seja, gestão
dos 4 Ps).
As páginas 24, 26, 27 e 28 de Kotler (2006), descrevem uma intricada rede de
conceitos em torno das tarefas de gestão de marketing, que poderiam ser agrupadas em
um processo composto das seguintes etapas:
1. Análise de oportunidades
2. Seleção de mercado-alvo
3. Estabelecer estratégias
4. Desenvolver programas específicos para o marketing mix
5. Gerenciar o esforço
Seguindo ainda essa definição, para complementar as tarefas de marketing
deveria ser considerada ainda a inclusão de mais dois elementos: o ambiente tarefa,
composto pela própria empresa, fornecedores, distribuidores e público-alvo; e o
ambiente geral, composto por economia, demografia, tecnologia, política, legislação,
social, cultural e recursos naturais.
Resumindo: modelo análise-planejamento-controle; o cliente no centro de tudo;
o marketing mix para estimular trocas e gerar lucros; o ambiente tarefa e o ambiente
geral como geradores de oportunidades, mas também de ameaças. Esse é o cerne da
representação de gestão de marketing, maciçamente reproduzida na literatura mais
difundida na área.
2.1.3 Gestão de marketing e o conceito de orientação para o mercado (OPM)
Se, na visão da literatura dominante, o conceito central de marketing está
Ps, outra pedra fundamental para a disciplina é a noção de “orientação para o mercado” que foi traduzida e encapsulada pelo conceito de orientação para o mercado (OPM).
A abordagem mainstream considera a OPM como um sinônimo de orientação
para o marketing. Um exemplo disso é quando Kotler (2006 p.13) apresenta “as cinco
orientações concorrentes com base nas quais as organizações conduzem suas atividades
de marketing”. Nesse caso, se verifica que tampouco Kotler foi capaz de resistir ao
poder epistêmico da noção de “orientação” traduzida pelo conceito de OPM. As cinco orientações apresentadas por ele são:
a) Orientação de produção: foco em produzir e distribuir produtos mais
baratos que os concorrentes;
b) Orientação de produto: foco em desenvolver produtos reconhecidos
como superiores aos dos concorrentes;
c) Orientação de vendas: foco em estratégias comerciais para aumentar
volume de vendas, não necessariamente o lucro ou rentabilidade;
d) Orientação de marketing: foco na satisfação do cliente através da
entrega de valor superior ao dos concorrentes;
e) Orientação de marketing holístico: foco na harmonização dos
interesses dos diversos stakeholders.
Um ponto importante a se destacar é que ao estabelecer que uma empresa com
orientação de marketing seja aquela que coloca o foco de seus esforços exclusivamente
na satisfação do cliente, e que isso se equivale ao conceito de OPM, fica explicitado o
caráter reducionista da utilização da definição por parte da literatura dominante. Isso
porque a proposição original de OPM era mais abrangente, implicava em um contexto
de práticas muito mais amplo, que ultrapassaria as atribuições do departamento de
marketing.
Conforme Narver e Slater (1990), principais proponentes da OPM e
protagonistas de duas carreiras acadêmicas meteóricas na área de marketing, a OPM é
uma posição competitiva que apresenta resultados concretos e é a cultura organizacional
que irá determinar o grau de OPM em uma empresa. Kholi e Jaworski (1990) entendem
que OPM significa toda a empresa envolvida no processo de captura, consolidação,
análise e disseminação de informações sobre os clientes. Informações essas que teriam
duas naturezas: as necessidades e preferências dos clientes, inclusive futuras; e fatores
exógenos, tais como as ações da concorrência e decisões de órgãos reguladores do
processo funcione, os autores acreditam que a cúpula da empresa é a grande responsável
por estabelecer o exemplo a ser seguido, influenciando assim toda a cultura
organizacional. Sendo essa, portanto, uma visão que transcende a dimensão única do
“reinado” do consumidor, abarca outros públicos de interesse (stakeholders), fora da
denominada dimensão mercado (Baron 1995) e deveria ser moldada por estratégias que
fossem além da simples oferta de produtos. Uma possível alternativa para escapar da
miopia gerada pela associação dos conceitos de OPM com orientação para o marketing
talvez seja justamente a área de marketing incorporar a dimensão não mercado e,
consequentemente, as estratégias de responsabilidade social corporativa. Assuntos que
serão discutidos nas próximas seções deste documento.
Antes, porém, de aprofundar esses temas, se deve ressaltar o espaço que a literatura
mainstream parece estar abrindo em direção a uma perspectiva que considere mais
consistentemente a influência do contexto social sobre as estratégias de marketing. Na
apresentação da 12ª edição de seu livro, Administração de marketing, Kotler (2006) dá
destaque à inclusão de um novo conceito ao qual denominou de marketing holístico.
Esse conceito combina fundamentos de marketing de relacionamento, marketing
interno, marketing integrado e ações socialmente responsáveis, para encarar a complexa
rede interesses em torno das organizações, que as forçam a lidar com tantos e diversos
públicos. Apesar de explorar a questão especificando o “que” fazer, há pouco espaço no
livro dedicado a explicar o “como” fazer, além de não haver menção para a influência
das questões governamentais sobre a composição, transformação ou destruição de
mercados.
2.1.4 A dimensão não mercado e gestão de marketing
Para Baron (1995) o bom desempenho das organizações não está ligado somente a
como elas fazem gestão de variáveis internas, tais como, qualidade de produtos e
serviços, eficiência operacional e cadeia produtiva. O desempenho depende também de
como as empresas se relacionam com governos, grupos de interesses, grupos de ativistas
e o público em geral. A essa dimensão ele denominou de não mercado e considerou que
nela estão incluídas questões sociais, políticas e legais que influenciam a maneira como
Existem mercados que são criados e moldados em decorrência de políticas
públicas, pela atividade de instituições formais e informais ou por fatores sociais e
culturais (Humphreys 2010; Peng 2009; Bailey 1999; Baron 1995; Kotler 1986).
As consequências das decisões do poder público podem, por exemplo, criar
janelas de oportunidade para novos negócios, eliminar uma vantagem competitiva,
muitas vezes sustentada durantes longos períodos, ou simplesmente exterminar um
mercado (Bailey 1999).
Peng (2009) sugere, por sua vez, que quando as empresas não conseguirem
competir por custo, diferenciação ou foco, elaborem estratégias considerando arenas
onde as instituições informais predominem, para assim, criarem barreiras e se
estabelecerem frente à concorrência. Segundo Peng (2009), situações onde as restrições
formais não são claras, ou são falhas, as restrições informais desempenham um papel
maior na redução da incerteza, orientando e conferindo legitimidade e recompensas aos
gestores de empresa.
O ponto aonde se quer chegar é: mercados e empresas tendem a serem
influenciados por uma gama de atores e pelas mais diversas razões. Seja por sua
capacidade de criar e distribuir riqueza (Bach e Allen 2010); para bloquear a entrada de
novos concorrentes, reduzir regulação, enfraquecer rivais ou gerar vantagem
competitiva (Baron 1995; Kotler 1986); por questões culturais, sociais, ambientais ou
éticas (Humphreys 2010); de forma visível ou invisível (Peng 2009; Kotler 1986); o
desempenho das empresas e o potencial dos mercados dependem da maneira como as
organizações tratam com os governos, grupos de interesse, ativistas e a opinião pública
em geral (Baron 1995).
Até mesmo Kotler (1986) propôs um conceito denominado megamarketing,
evidenciando a importância da concepção de estratégias de marketing direcionadas
também para atores fora da dimensão mercado, ou seja, além de consumidores,
fornecedores, distribuidores e concorrentes. Em seu trabalho, Kotler (1986) recomendou
a inclusão de mais dois P no marketing mix, os quais seriam power e public relation,
que requerem qualidades profissionais do gerente de marketing que o habilitariam a
fazer a gestão de atores que estão fora da dimensão mercado, isto é, o não mercado, por
ex., legisladores, agências reguladoras do governo, sindicatos, associações de classe,
ONGs e opinião pública em geral.
O que chama a atenção é a negligência acadêmica que cerca esse conceito de
e até pelo próprio Kotler que fez uma única e sutil referência ao megamarketing em seu
portentoso livro sobre gerenciamento de marketing (2006 p. 262).
No que se refere ao gerenciamento da dimensão não mercado, Bach e Allen
(2010), Bailey (1999) e Kotler (1986) propõem que seja possível fazer essa gestão,
inclusive de forma ativa ou proativa. Porém, a pesquisa que Bach e Allen (2010)
fizeram com integrantes da alta gerência de organizações no exterior, indica que os
executivos têm dúvidas sobre essa possibilidade em razão da natureza dos problemas
decorrentes da dessa dimensão e da habilidades necessárias para solucioná-los. Além
disso, um segundo conceito foi abordado por Bach e Allen, na mesma pesquisa, e diz
respeito à visão dos executivos sobre a relevância da gestão da dimensão não mercado.
Os resultados indicaram que os executivos veem a dimensão não mercado como não
fazendo parte do core business, por isso consideram-na com baixa prioridade.
2.1.5 Responsabilidade social corporativa (RSC) e gestão de marketing
Tendo em vista a existência e potencial influência da dimensão não mercado
sobre o desempenho das empresas, especialmente em casos como os vistos na seção
anterior deste documento, é necessário que as empresas busquem também nessa
dimensão os meios para sustentação e crescimento dos negócios.
Por outro lado, se há crescente demanda da sociedade por posturas corporativas mais
interessadas nos impactos sociais, ambientais, morais e éticos em consequência de suas
operações (Porter 2006; Kotler 2006), o caminho que se mostra adequado para integrar
essas duas frentes é o da responsabilidade social corporativa (RSC).
Segundo Menezes (2012), apesar do tema responsabilidade social corporativa
(RSC) estar adquirindo cada vez mais importância no mundo corporativo e acadêmico, a
evolução desse conceito resultou em uma gama de abordagens e terminologias que
indica falta de homogeneidade em torno de sua natureza e aplicação.
Primeiro, considerando autores de outras áreas além de marketing, tais como da
escola clássica de estratégia, se verifica que a abordagem sugerida estimula um conceito
de RSC que considere a integração entre os negócios e a sociedade (Porter 2006). A
pressão que a sociedade está exercendo sobre a alta hierarquia das empresas, está
fazendo com que a questão social e a questão de meio-ambiente alcancem status de
prioridade nos negócios. Para Porter, os resultados dos vários esforços realizados estão
não fazendo parte do negócio e, em seu entendimento, na verdade são interdependentes.
Outro motivo apontado pelo autor é a maneira como a RSC está sendo tratada nas
empresas. Os praticantes encaram a RSC como um conceito genérico ao invés de
adequá-lo a cada estratégia corporativa. A proposição é para que as empresas encarem a
RSC com o mesmo modelo que utilizam para analisar oportunidades e estabelecer as
estratégias do negócio principal. Dessa maneira, concluirão que a RSC é mais do que
custo, caridade ou coação.
Levy e Kaplan (2007) acreditam que as empresas deveriam ter dois tipos de
motivação para se engajarem à RSC. Um de origem econômica e outro de origem
político institucional. As vantagens econômicas que as empresas poderiam obter, através
da RSC, seriam:
a) Demanda por produtos “socialmente responsáveis’: haveria interesse e preferência dos consumidores por produtos com esse conceito;
b) Construção de imagem: o posicionamento de empresa cidadã pode
gerar muitos benefícios;
c) Redução de custos: por intermédio da racionalização dos custos de
energia, materiais em geral e custos legais;
As vantagens políticas institucionais que as empresas poderiam alcançar,
utilizando-se da RSC, seriam:
a) Influenciar as atitudes dos stakeholders que favoreçam a empresa;
b) Legitimação para as estratégias da empresa;
c) Redução de ameaças de regulação;
d) Entusiasmo e motivação dos funcionários.
Por outro lado, a visão da teoria crítica demonstra reticência e classifica as
estratégias de RSC como uma conjunção de discurso e práticas interessadas somente em
legitimar a atuação das grandes empresas em prol dos interesses corporativos (Knights e
Morgan 1990), ou como uma ideologia com o propósito de manter o poder das grandes
corporações (Banerjee 2008). Esse mesmo autor vai além e afirma que no sistema
político e econômico atual, as estratégias corporativas devem priorizar sempre os
interesses dos investidores ao invés das questões sociais e morais.
Já na abordagem da literatura acadêmica dominante em gestão de marketing,
Kotler (2006 p. 712-720) trata superficialmente o tema RSC. Para ele, para uma
empresa ser socialmente responsável é preciso que apresente: a) comportamento legal;
No caso de comportamento legal, significa conhecer e cumprir a lei. No caso do
comportamento ético, significa elaborar e difundir um código interno de ética. E, no
caso de comportamento de responsabilidade social, significa ter consciência social com
os clientes e demais públicos interessados na empresa. Segundo Kotler, as pessoas cada
vez mais estão buscando informações sobre o histórico das empresas, nos aspectos de
responsabilidade social e ambiental, para decidir quais empresas querem comprar, em
quais querem investir e em quais trabalhar. Depois destaca a questão de assegurar que a
empresa esteja realmente comprometida com a RSC pois sabe que os riscos de imagem,
diante de uma promessa dessa natureza não cumprida, podem trazer sérios prejuízos
para a credibilidade e os negócios da companhia. E, ainda, dedica atenção a dois rótulos
de estratégias socialmente responsáveis: o marketing de causas e o marketing social,
reforçando a necessidade de a empresa estar conectada com a comunidade a que tem
interesse em abraçar.
Outra área de estudo que abrangeria a questão da RSC é a de marketing
corporativo. Porém, de acordo com Balmer (2009), Balmer e Greyser (2006) e Balmer
(1998), essa área estaria enfrentando discussões conceituais a respeito de sua
fragmentação, indefinição e dificuldade de implementação dos conceitos. É possível
exemplificar a situação atual de reformulação, pela qual a área está passando, até
quando se busca uma denominação que a identifique. Por exemplo, os acadêmicos
mencionados fizeram extensa investigação sobre a evolução dos conceitos e
encontraram algumas formas pelas quais a área é denominada, a saber: corporate
identity, corporate branding, corporate communications e corporate reputation. A
recomendação do estudo foi para que todos os rótulos estivessem reunidos sob a
denominação única de corporate marketing. Dessa maneira, estimam os pesquisadores,
a área estaria preparada para se aproximar mais da gestão prática e atuar dentro do novo
paradigma que estaria se formando a partir do significativo aumento do foco nas
relações institucionais das organizações.
2.3 Gestão de marketing na prática
Há quase quinze anos, Brownlie e Saren (1997) argumentaram que a relevância
da pesquisa acadêmica em marketing está relacionada com a aplicabilidade prática dos
acadêmica, estão implícitas as ideias de que teoria e prática, na disciplina de marketing,
de alguma forma são diferentes, e que existe uma lacuna no mundo real, o mundo da
prática, a ser preenchida ou estreitada pela pesquisa acadêmica. E essa lacuna é
particularmente evidente em gestão de marketing, apesar de raramente problematizada
pela comunidade acadêmica.
Os argumentos de Brownlie e Saren (1997) foram praticamente desprezados pela
comunidade acadêmica e certamente não chegaram aos olhos dos praticantes,
possivelmente devido ao bloqueio estabelecido pela literatura dominante entre
praticantes e as “outras possibilidades” em marketing. Os autores argumentam que, o
discurso sobre gestão de marketing, tanto na academia quanto na prática, estaria
refletindo o aprisionamento histórico da disciplina ao modelo
análise-planejamento-controle. E, ainda, a academia estaria estagnada na prescrição do “o que” e “quem”,
havendo completa ausência de estudos sobre “como” fazer gestão de marketing. Além disso, segundo os autores, os acadêmicos poderiam estar numa perigosa situação.
Brownlie e Saren argumentam que os gerentes de marketing são perspicazes em usar o
vocabulário conceitual da área para atribuir a si mesmo uma importância, ou orientação
da empresa para o marketing, quando isso na verdade não acontece na prática. Assim,
no caso de métodos de pesquisas acadêmicas que se utilizem de entrevistas individuais,
a representação que a academia faz sobre o gerenciamento de marketing é baseada no
discurso dos praticantes, que reproduzem o vocabulário conceitual aprendido na
academia. Dessa forma, os praticantes poderiam manipular a compreensão da audiência
a respeito das suas responsabilidades e atividades como gerentes, para legitimarem sua
presença e posição nas organizações e ou demonstrarem domínio sobre o conhecimento,
que na verdade não correspondem à prática.
A saída, segundo Brownlie e Saren (1997), poderia ser considerar a gestão de
marketing a partir dos processos e práticas sociais das quais as organizações são
constituídas. Um exemplo de procedimento, nessa direção, poderia ser o de investigar o
que as outras áreas da organização pensam sobre a função de marketing e,
principalmente, como ela está sendo exercida. Na área de estratégia e também a partir
do contexto do Reino Unido, Whittington (2004) fez interessante proposição acerca do
campo de estratégias, que pode inspirar a pesquisa em gestão de marketing. A proposta
é estabelecer a prática como objeto de estudo, de forma que os pesquisadores trabalhem
nos problemas reais dos gestores da área. Mais recentemente, e apesar de um profundo
na Europa. Nesse sentido, vale considerar o instigante argumento feito por Araujo,
Finch e Kjellberg (2010 p. 32). Embasado pela actor-network theory (ANT), eles
argumentam que a realidade pode ser encarada não como um ponto de partida, mas sim
como a conclusão de um longo processo. Dessa forma, inspirado na proposição de
Whittington (2004), o foco da pesquisa em marketing poderia abranger:
a) Como os profissionais se tornam gerentes, diretores e vice presidentes
de marketing (qual é a trajetória desse tipo de processo
organizacional);
b) Como as habilidades para ser gestor de marketing são adquiridas
pelos praticantes;
c) Como as tecnologias mobilizadas pelos praticantes podem ser
reconhecidas e desenvolvidas pelos acadêmicos sob uma perspectiva
de pluralidade.
2.4 Perspectiva de pluralidade em marketing
Na seção anterior foi argumentado que é importante a inclusão de perspectivas
que criam possibilidades alternativas ao arcabouço conceitual dominante na disciplina
de gestão de marketing. Muitas dessas abordagens foram desenvolvidas fora dos EUA e
se propõem a desafiar ou complementar o pensamento mainstream. Algumas das
principais ideias dessas abordagens são:
a) Referente ao conceito de marketing e ao campo de estudo: a teoria
dominante não considera que o marketing cria mercados (Araujo,
Finch e Kjellberg 2010); o conceito de marketing é determinado pela
visão anglo-saxão; o contexto histórico, geopolítico, cultural e social
de outros países não é considerado (Faria 2008, 2006); o conceito de
marketing é fragmentado e claudicante no tratamento dos efeitos do
marketing sobre a sociedade (Wilkie e Moore 2003); o pesquisador
brasileiro prefere os livros, principalmente os estrangeiros, ao invés
de artigos como referência em seus estudos (Vieira 2003); há muita
variedade nos termos utilizados para descrever e definir marketing
(Coviello, Brodie e Munro 1997); é uma ideologia difícil de ser
b) Referente à definição de mercado: a teoria dominante considera os
mercados já prontos, refletindo um conjunto de trocas espontâneas e
auto organizadas (Araujo, Finch e Kjellberg 2010); a teoria
econômica não considera as assimetrias existentes nos mercados
(Faria 2008);
c) Referente à OPM: a teoria dominante não considera as oportunidades
da dimensão não-mercado (apresentada em detalhes mais à frente
neste texto); pressupõe segregação do contexto e orientação estratégia
integrada e conduzida pela alta gerência (Faria 2008);
d) Referente à gestão de marketing e gestão de marketing mix:
pesquisadores no Brasil não costumam investigar o tema gestão em
marketing (Vieira 2012); não há tratamento de “como” fazer a gestão;
conceito prescritivo e para todas as situações; simplificação da
realidade; permanente, não há evolução (Brownlie e Saren 1997,
3. METODOLOGIA DE PESQUISA 3.1 Escolha do método
De acordo com Malhotra (2001 c. 3 e 4) o uso de pesquisa exploratória é
recomendado quando o pesquisador não dispõe de informações ou entendimento
suficiente acerca de determinado problema, de maneira que inviabilize o
desenvolvimento ou continuidade de um projeto de pesquisa.
Por ser caracterizada pela versatilidade e flexibilidade com respeito aos métodos, a
pesquisa exploratória raramente abrange questionários estruturados ou grandes
amostras, mas pode se beneficiar de entrevistas (surveys) com especialistas e da análise
de dados secundários, por exemplo.
Por isso, e tendo em vista a quase inexistência de literatura produzida no Brasil sobre
gestão de marketing que não esteja alinhada epistemologicamente com a abordagem de
Kotler, se optou pela concepção exploratória na condução deste estudo.
Especificamente, a escolha foi pelo uso combinado de dados secundários e a experiência
e reflexões de um especialista em gestão de marketing, com vinte anos de atuação em
empresas de grande porte no Brasil, que é o autor deste trabalho de dissertação de
mestrado profissional executivo.
Sobre as vantagens de se utilizar dados secundários em pesquisa, principalmente
no que se refere à redução de custo e tempo, Kovacs (2006) fez uma verdadeira
conclamação aos pesquisadores brasileiros, com o intuito de incentivar a utilização
desse tipo de dados em pesquisa. Algo que, segundo ela detectou, é raro na comunidade
científica brasileira de marketing.
3.2Natureza dos dados secundários utilizados nesta pesquisa
Uma vez que o objetivo deste estudo é explorar as diferenças entre a prática da
gestão de marketing em empresas de grande porte com atuação no Brasil, em
comparação à teoria acadêmica dominante na área, foi considerada imprescindível a
necessidade de que os dados secundários a serem utilizados tivessem sido coletados com
base em pesquisas que foram realizadas no cenário dos acontecimentos, ou seja, dentro
das organizações. E, ainda, que abordasseem situações reais vividas pelos praticantes na
gestão das empresas. E, por fim, sendo o cenário constituído por pessoas, que os estudos
orientações, interesses e contradições típicas de um ambiente social tal qual o existente
nas organizações.
Com base em Yin (2010 cap. 1), se verifica a recomendação para que o
pesquisador se utilize da abordagem metodológica de estudos de caso sempre que
desejar, propositadamente, não separar o fenômeno estudado do contexto em que ocorre.
Tanto por acreditar que o contexto pode produzir influência decisiva sobre o fenômeno,
quanto por encontrar dificuldades no discernimento de um e outro. Além disso, os
estudos de caso são recomendados também quando se deseja investigar amplamente
algum fenômeno social e características holísticas e marcantes da vida real.
Outra característica da abordagem metodológica de estudos de caso, adequada ao
propósito desta pesquisa é a possibilidade de utilização de duas técnicas de coleta de
dados, especialmente necessárias aos objetivos estabelecidos: a observação direta dos
eventos estudados e entrevistas com as pessoas diretamente envolvidas nos eventos.
Além do fator adequação, mencionado anteriormente, há de se considerar
também que aspectos referentes à confiabilidade da fonte merecem cuidados especiais
em se tratando da utilização de dados secundários. Para respaldar essa questão, uma
notória reputação, experiência, credibilidade e integridade da fonte contribuem para
aumentar o seu grau de confiabilidade (Malhotra p. 128 e 130).
Por esses fatores todos, foi determinado de forma intencional que a seleção dos
dados secundários deveria partir de uma base de pesquisas em que foi utilizada a
abordagem metodológica de estudos de caso.
Para capturar um repertório o mais abrangente possível de situações, tipos de
estratégias e de negócios, o procedimento metodológico adotado foi o da pesquisa
bibliográfica (Gil 2002 p.44), através de um levantamento de documentos encontrados
em arquivos de instituição educacional e/ou científica, especificamente, dissertações de
mestrado. Assim, viabiliza-se acesso a informações coletadas em campo, junto aos
praticantes, sobre decisões tomadas na vida real, em empresas de diferentes
características, com operação no Brasil.
Gil (2002 p. 66) ainda acrescenta que o valor dessas pesquisas pode ser significativo,
mas depende da qualidade dos cursos das instituições de ensino onde foram
desenvolvidas e da capacidade dos respectivos orientadores.
Antes de identificar as limitações da metodologia adotada, deve-se evidenciar
que o modelo conceitual que orientou o desenvolvimento deste estudo está ancorado,
3.3Limitações do método
Malhotra (2001 p.128) alerta para as desvantagens do uso de dados secundários.
Por terem sido levantados com outros fins, que não aquele o qual a pesquisa em tela
pretende investigar, podem comprometer de diversas formas importantes a pesquisa,
incluindo relevância e exatidão. Além de objetivos diferentes, os métodos empregados
podem não ser adequados ao estudo que se pretende conduzir. Por fim, não há muito
controle sobre a exatidão e atualidade dos dados levantados.
Yin (2010) faz várias observações a respeito da utilização de estudos de caso em
pesquisa e que podem ser considerados, mesmo que em se tratando de uso como fonte
de dados secundários. Se, por um lado, os estudos de caso apresentam uma série de
características importantes, tais como:
a) Observar o fenômeno em seu contexto;
b) O conhecimento do pesquisador insider sobre o contexto pode ser útil
na coleta de dados;
c) Permitir ampla variedade de evidências;
d) Permitir a observação direta do fenômeno;
e) Abranger entrevistas com quem está envolvido nos eventos.
Por outro lado, necessitam que muitos cuidados sejam tomados, por exemplo:
a) O distanciamento necessário à análise de dados pode ficar
comprometido, no caso do pesquisador trabalhar para a organização
estudada;
b) A forma de ter acesso à prática é através do olhar do outro
(entrevistado ou pesquisador);
c) Limitações para repetição do estudo;
d) Restrições para generalizar os resultados;
e) Questionamentos sobre a confiabilidade da pesquisa.
Kovacs (2006) faz uma série de alertas, adicionais aos que já foram expostos
nesse item de limitações do método, sobre a cautela necessária no tratamento de dados
secundários. Segundo a autora, deve ser verificada com atenção a idoneidade das fontes
utilizadas, a consistência com outras fontes de dados e investigar como as informações
Mas as precauções em relação ao procedimento metodológico seguido não são
somente essas. Conforme Brownlie e Saren (1997) expuseram, os gerentes de marketing
demonstram bastante habilidade no domínio do vocabulário técnico dominante na área e
podem, de forma consciente ou inconsciente, manipular as entrevistas e, com isso, as
análises também ficariam contaminadas.
Por fim, por falar em contaminação, Vieira (1998) salienta um aspecto
determinante para a forma de leitura dos resultados da pesquisa em tela. Diz respeito à
questão de trabalhos acadêmicos orientados, como é o caso da base de dados escolhida
como fonte, e do papel do professor orientador, que acaba atuando como co-autor desses
estudos. E, naturalmente, de alguma forma influenciando a condução das pesquisas. Há
de se considerar também, seguindo o mesmo raciocínio, a influência das linhas de
pesquisa acadêmica adotadas pela EBAPE.
3.4 Identificação da fonte de dados
Para encontrar um “banco de dados” de pesquisas acadêmicas, específicas sobre
o tema a ser investigado, recorreu-se às dissertações de mestrado do curso Gestão
Empresarial, desenvolvidas pelos alunos da Escola Brasileira de Administração Pública
e de Empresas (EBAPE), instituição pertencente à Fundação Getúlio Vargas, Rio de
Janeiro. Essa tradicional escola de negócios, fundada em abril de 1952, recebeu conceito
seis na última avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) e tem notória reputação de excelência no meio acadêmico. Dessa
maneira se entende que estão mitigados os riscos sobre a confiabilidade da base de
dados, uma das maiores preocupações em se tratando de uso de dados secundários.
3.5 Critérios para seleção dos estudos a serem analisados
O ponto de partida para que os estudos pudessem fazer parte desta pesquisa
exploratória foi a sua disponibilidade no repositório eletrônico de dissertações da
EBAPE.
A fim de garantir certa atualidade nos aprendizados sobre a problemática vivida
pelos praticantes nas organizações, foi arbitrado como critério de corte para a busca de
Também foi determinado como critério eliminatório para inclusão na listagem
dos estudos a serem analisados a condição de que a pesquisa tivesse como foco o
universo de organizações de grande foco com operação no Brasil.
Outro critério utilizado foi que o estudo deveria ter sido realizado de acordo com
a abordagem da metodologia de estudo de caso, com dados coletados em campo,
conforme já mencionado neste documento.
Por fim, foi considerado que as dissertações deveriam ter sido elaboradas a partir
da disciplina de marketing. Porém, ao se iniciar a busca dentro dos critérios
estabelecidos, foram identificadas trinta e uma pesquisas, sendo que apenas tres teriam
alguma possibilidade de serem incluídas no tema gestão de marketing. Isso porque se
tratava, nominalmente, da relação entre vendedores e clientes ou da adaptação local de
estratégias internacionais de marketing ou do processo de escolha de fornecedores de
bancos de imagem em busines to busines. Todas as demais dissertações não abrangeram
o tema gestão de marketing e sim, basicamente, comportamento do consumidor. Por
essa razão a busca na disciplina de marketing foi abandonada.
Posteriormente o processo de busca e seleção foi retomado, dessa vez considerando as
dissertações elaboradas com arcabouço teórico-conceitual da disciplina estratégia
empresarial e que tivessem promovido uma interface com a área de marketing. O que se
pretendeu com esse procedimento foi abranger o maior número possível de pesquisas
sobre gestão de marketing, pluralidade na abordagem do tema, contornando o
predomínio de uma só perspectiva e garantir certa coerência no framework das
pesquisas selecionadas.
Resumidamente, os critérios para selecionar os estudos a serem incluídos na
análise ficaram da seguinte forma:
a) Estar disponível na base de dissertações de mestrado da EBAPE;
b) Ter sido aprovado nos últimos cinco anos;
c) Ter sido elaborado dentro do tema estratégia corporativa, com arcabouço
teórico-conceitual da disciplina estratégia empresarial, e promovido uma
interface com a área de marketing;
d) Ser um estudo de caso, com dados coletados em campo, ou seja, junto aos
próprios praticantes;
3.6 Procedimentos para busca e seleção dos estudos selecionados
O repositório eletrônico da EBAPE com dissertações de mestrado em Gestão
Empresarial, aprovadas nos últimos cinco anos, especificamente, entre 2007 e 31/5/2012
(a data em que a busca aconteceu foi 4/6/2012), totalizou duzentos e noventa e oito
estudos.
Esses estudos foram classificados por ordem cronológica descendente e procedeu-se a
leitura do título, resumo, pergunta de pesquisa e metodologia, progressivamente, de
acordo com os critérios mencionados acima.
Após seleção dos trabalhos a serem incluídos nesta pesquisa bibliográfica, os
respectivos capítulos de objetivos e as conclusões foram impressas em papel A4 para
arquivo em pasta específica. A ideia inicial era imprimir as análises também, mas como
o volume de papel ficaria muito grande, a opção foi trabalhar com as análises através do
meio eletrônico.
O total de dissertações selecionadas, depois de aplicados todos os critérios já
descritos, foi de sete estudos.
3.7 Leitura e fichamento dos estudos selecionados
Tomando por base as definições de Gil (2002 p.78-79), as dissertações
selecionadas passaram, primeiro, por uma etapa de leitura seletiva, para identificação do
conteúdo que apresentaria potencial para responder à pergunta da pesquisa bibliográfica.
Posteriormente, uma nova etapa de leitura foi realizada, dessa vez de forma
interpretativa, para relacionar as conclusões e as análises das dissertações aos objetivos
desta pesquisa bibliográfica.
O fichamento de transcrições e comentários foi manuscrito em caderno
específico. Em seguida, foram elaboradas duas tabelas para resumir as principais
informações contidas nos estudos selecionados e proporcionar melhor apresentação
visual ao serem incluídas neste trabalho. Com base em Gil (2002) as referidas tabelas
ficaram com a seguinte configuração:
Tabela 1:
Fichamento de transcrição com preservação do wording;
Nome do pesquisador e ano de conclusão;
Metodologia/técnica, universo, unidades amostrais, origem e
composição do capital e setor de economia.
Tabela 2:
Fichamento de resumos através da seleção das palavras originais
para manutenção das ideias principais;
Nome do pesquisador e ano de conclusão;
Objetivo principal;
4. ANÁLISE E RESULTADOS 4.1 Abordagem analítica
Devido à natureza conceitual e metodológica desse metaestudo e, de acordo com
as estratégias analíticas apresentadas por Yin (2010 cap. 5), a etapa de análise dessa
pesquisa foi elaborada obedecendo aos seguintes critérios:
a) Quanto à estratégia analítica geral: está baseada nas proposições teóricas que
originaram o metaestudo. Essa escolha se deve a duas razões: primeira,
porque se trata de um trabalho explanatório, que visa a promover maior
conhecimento sobre a prática da gestão de marketing, em relação ao que é
privilegiado pela literatura acadêmica dominante. A segunda razão é porque
a elaboração do trabalho ocorreu a partir de proposições teóricas, que
também deram forma a todo o seu planejamento logo, coerentemente, devem
guiar sua análise. Inclusive, são determinantes para que certos aspectos e
dados sejam ressaltados na análise enquanto outros são dispensados.
b) Quanto à técnica analítica específica: está baseada no uso combinado de duas
técnicas:
a. Síntese de casos cruzados: que permite a análise de estudos de casos
feitos de forma independente, pressupondo-se, diferentes
pesquisadores, problemas de pesquisa e empresas pesquisadas;
b. Adequação ao padrão: essa técnica possibilita a comparação de um
padrão reconhecidamente empírico com outro prognosticado
teoricamente.
Por fim, para garantir que a dimensão prática está devidamente coberta por essa
forma de análise, é importante ressaltar que a prática está permeada através de:
a) Os estudos de caso em si que, conforme já exposto na metodologia desse
trabalho, investigam situações reais, vivenciadas pelos praticantes, no
contexto da realidade das empresas;
b) As cinco dimensões gerenciais propostas por Coviello, Brodie e Munro
(1997), já mencionadas no referencial teórico desse metaestudo;
c) Os vinte anos de experiência como praticante em gestão de marketing em
4.2 Descrição das características dos estudos selecionados
O detalhamento da tabela 1 revela a diversificação no setor de atividade das
empresas pesquisadas. São tres empresas do setor prestação de serviços de
telecomunicações e uma de serviços financeiros; e mais tres do setor indústria, sendo
que, uma de indústria de base (aços e laminados), uma produtora de energia (gás e
petróleo) e outra de bens de consumo (refrigerantes).
Convêm ressaltar o compromisso dos pesquisadores ao coletarem dados, em
preservar a identidade dos participantes do estudo, tanto pessoas quanto organizações
(Malhotra 2001 cap. 24). Em alguns casos, o participante da pesquisa opta por abrir mão
do sigilo. Por isso, algumas informações estão disponíveis para divulgação e outras não.
Em relação à origem do capital, a tabela 1 demonstra que há incidência de uma
multinacional norteamericana, duas multinacionais brasileiras e outra empresa brasileira
com atuação centrada no Brasil. As demais três empresas não tiveram a origem do
capital informada. Assim como, a identificação do tipo de composição do capital só foi
informada para duas empresas, denominadas de empresas híbridas devido à combinação
de capitais público e privado. Verifica-se que as tres empresas de telecomunicações são
ex-estatais, mas não há maiores informações sobre a atual composição do capital delas.
As considerações em torno dos métodos de pesquisa, constantes na tabela 1,
podem ser resumidas da seguinte forma:
a) Todos os estudos tiveram trabalho de campo composto por entrevistas
individuais nas modalidades: estruturadas, semi-estruturadas ou aberta;
b) Os pesquisadores relataram em todos os estudos que também realizaram
análise de documentos;
c) Quatro pesquisadores também incluíram observações in loco em suas
análises;
d) Uma informação de cunho geral: se fossem somadas todas as entrevistas
feitas com praticantes, entre todos os trabalhos analisados, totalizariam