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Formação profissional e condições de trabalho do magistério paulista entre 1996-2011

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

GILBERTO PEREIRA DE SOUZA

FORMAÇÃO PROFISSIONAL E CONDIÇÕES DE

TRABALHO DO MAGISTÉRIO PAULISTA ENTRE

1996-2011

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GILBERTO PEREIRA DE SOUZA

FORMAÇÃO PROFISSIONAL E CONDIÇÕES DE

TRABALHO DO MAGISTÉRIO PAULISTA ENTRE

1996-2011

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da

Cultura da Universidade Presbiteriana

Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre

Orientadora: Profa Dra Regina Célia Faria Amaro Giora

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S729f Souza, Gilberto Pereira de.

Formação profissional e condições de trabalho do magistério paulista entre 1996-2011 / Gilberto Pereira de Souza. – 2014.

155 f. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014.

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GILBERTO PEREIRA DE SOUZA

FORMAÇÃO PROFISSIONAL E CONDIÇÕES DE

TRABALHO DO MAGISTÉRIO PAULISTA ENTRE

1996-2011

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre

Aprovado em

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________ Profa Dra Regina Célia Faria Amaro Giora – Orientadora

Universidade Presbiteriana Mackenzie

_____________________________________________________________________ Prof Dr Marcelo Martins Bueno

Universidade Presbiteriana Mackenzie

______________________________________________________________________ Profa Dra Lúcia Aparecida Valadares Sartório

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Para Ana.

Minha mulher, esposa, amante, namorada, que iluminou a minha vida e preencheu o vazio do meu coração.

Todos os caminhos sinuosos da minha vida levam a você.

Você é toda a lógica, é todo o sentido da minha vida.

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AGRADECIMENTOS

À Fátima Fernandes, que me ajudou de muitas formas, inclusive fazendo uma minuciosa revisão do texto final dessa dissertação.

Aos membros da banca examinadora, composta pelo Professor Doutor Marcelo Martins Bueno da UPM e pela Professora Doutora Lúcia Aparecida Valadares Sartório da UFRRJ, pelas sugestões que muito ajudaram em meu trabalho e pela atenção e generosidade.

A duas instituições que colaboraram criando as condições materiais para que esse trabalho fosse concluído, o Instituto Presbiteriano Mackenzie e a CAPES, que me agraciaram com uma bolsa de estudos durante parte do curso.

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“Bom, até agora ele está satisfeito”, pensou e continuou: “Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para ir embora daqui?”

“Depende bastante de para onde quer ir”, respondeu o gato. “Não me importa muito para onde”, disse Alice.

“Então não importa que caminho tome”, disse o gato.

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RESUMO

Esta dissertação aborda as políticas e ações de formação profissional docente na Educação Básica paulista no período 1996-2011, especialmente para professores do ciclo II do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, no contexto das reformas educacionais iniciadas na segunda metade da década de 1990 que começaram um processo de mercantilização do ensino em São Paulo e no Brasil; estabelecendo a relação entre formação profissional e condições de trabalho na Educação Básica paulista no período supra citado. Analisa as políticas educativas formuladas por organismos multilaterais como UNESCO, OMC e Banco Mundial, seus reflexos na Mercantilização da educação que implica na privatização e criação de um mercado educativo na Educação Básica subsidiado com verbas públicas, que permite a transformação da educação em uma fonte de acúmulo privado de capital. Analisa a relação entre a mercantilização da Educação Básica no estado de São Paulo, as políticas e ações de formação profissional docente do governo estadual e as condições de trabalho do magistério paulista a partir do estudo da legislação e documentos referentes a carreira do magistério. por fim, conclui que a mercantilização da educação está na raiz da precarização do trabalho docente.

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ABSTRACT

This research approaches on the politics and actions of the professional formation of docent in the Basics Education of São Paulo during the period 1996-2011, specific teachers of the second cycle of Fundamental practice and High School, in the context of the education reform initialized in the second half of the 1990 decade, then started a process of commodification of the teaching in São Paulo and Brazil, establishing the relationship between professional formation and work conditions in the Basics Education in São Paulo in the period quoted above. Analyzes the educational policies formulated by multilateral organisms, like UNESCO, OMC and Mundial Bank, they reflexes in the commodification of education that entails in the privatization and the foundation of an educational market in the Basics Education subsidized with public funds, allowing the transformation of education in a source of private accumulation of capital. Analyzes the relation between the commodification of Basics Education in the state of São Paulo, the policies and actions of professional docent formation of state government and the conditions of magisterium of São Paulo from the study of legislation and documents regarding the career of the magisterium. Concludes then the commodification of education exist in the root of the precariousness of the docent work.

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SUMÁRIO

I INTRODUÇÃO ... 10

II PONDO ORDEM NO CAOS ...21

2.1 PROLEGÔMENOS ...21

2.2 EMANCIPAÇÃO E AUTONOMIA ...22

2.3 ALIENAÇÃO E PROLETARIZAÇÃO ...34

2.4 INTERDISCIPLINARIDADE ...39

III OS ALQUIMISTAS ESTÃO CHEGANDO: BANCO MUNDIAL, GOVERNOS, ONG’s, ECONOMISTAS NA MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ...45

IV FORMAÇÃO FAST FOOD ...79

V O PATRÃO MANDOU ...105

5.1 A UNESCO E A EDUCAÇÃO ...105

5.2 A REFORMA DO ESTADO ...116

5.3 A REFORMA DA CARREIRA ...125

VI CONSIDERAÇÕES FINAIS ...144

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...147

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I. INTRODUÇÃO

Essa dissertação tem como centro discutir as políticas de formação profissional docente da Secretaria Estadual da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP) no período 1996 a 2011.

Quinze anos é um período suficiente para se configurar uma tendência dominante, é um espaço de tempo longo o bastante para se estabelecer relações de continuidade e descontinuidade no objeto tratado – no caso formação de professores na Educação Básica paulista – apoiado no fato de que os governos que se sucederam nesse período são do mesmo matiz político e ideológico.

Isso significa que as políticas educacionais adotadas na rede estadual de educação pública paulista – como veremos ao longo dessa dissertação – não sofreram solução de continuidade, a medida que um governante manteve e aprofundou as políticas e medidas adotadas por seu antecessor no Palácio dos Bandeirantes – residência oficial do governador e sede oficial do governo do estado.

As datas, ou o período delimitado, justificam-se por dois fatos relevantes do ponto de vista do objeto abordado nessa dissertação. O primeiro foi a promulgação da LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – ou simplesmente LDB – lei 9394/1996.

Essa lei apareceu para preencher uma lacuna que durava há vários anos; desde a promulgação em plena ditadura militar da antiga LDB – lei 5692/1971 – até então o Brasil não tinha uma lei nacional capaz de unificar as políticas e ações educacionais nos estados e municípios, justamente os entes federados incumbidos da Educação Básica.

A medida que a ditadura militar caminhava para seu fim a antiga LDB – lei 5692/1971 – caia em desuso, chegando a sofrer uma alteração importante com a lei 7044/1982 que pôs fim a obrigatoriedade de profissionalização do ensino que ela previa, até se tornar completamente obsoleta. Esse fato criou um vácuo institucional e histórico na política educacional do Estado brasileiro para a Educação Básica.

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O segundo marco delimitador desse período ( 1996 – 2011) escolhido para análise é o fato de que em 2011 configurou-se um plano de carreira na Educação Básica paulista que é o corolário de uma série de políticas de formação profissional realizadas ao longo do período estudado nessa dissertação.

Avaliação escolar (interna e externa), avaliação de desempenho profissional dos professores, meritocracia na carreira, bonificação por metas e resultados, ensino e formação docente por competências foram, e são, práticas adotadas pelos governos paulistas nesse período através de uma ampla legislação no campo educacional – apoiada na Constituição Federal e principalmente na LDB – e através de uma série de projetos com respaldo e parcerias com organismos multilaterais como o Banco mundial e a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), além de ONG’s (Organizações Não Governamentais).

O atual plano de carreira (Lei Complementar 1143/2011) do magistério paulista, mais uma legislação que lhe serve de suporte (leis, decretos), engloba todos os aspectos acima, sendo portanto uma síntese provisória desse período de quinze anos que estudamos.

Estabelecidos os dois marcos que referenciam o período escolhido para estudo, é necessário estabelecer o que se entende por formação profissional docente na Educação Básica.

O conceito de formação profissional tratado nessa dissertação vai ao encontro de Maurice Tardif como sendo o conjunto dos fatores que caracterizam a materialidade da profissão docente, ninguém é professor, torna-se; sendo as condições concretas de realização do trabalho educativo parte intrínseca da formação da identidade de cada um – do tornar-se professor. ( TARDIF, 2010). Por isso, estudaremos as legislações referentes à carreira, condições de trabalho e projetos e ações governamentais no campo da educação pública paulista no período.

É necessário também delimitar nosso objeto de estudo. Segundo dados da CGRH – Coordenadoria Geral de Recursos Humanos – do governo de São Paulo1 existem na rede estadual de Educação Básica 233.314 professores ativos, dos quais 63.036 – sessenta e três mil e trinta e seis – são PEB I – Professores de Educação Básica I que atuam no ciclo I do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), dos quais 21.787 – vinte e um mil e setecentos e oitenta e

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sete – são efetivos ou titulares de cargo concursados e 41.249 (quarenta e um mil e duzentos e quarenta e nove) não são efetivos.

Existem 170.212 – cento e setenta mil e duzentos e doze – PEB II – Professores de Educação Básica II – que atuam no ciclo II do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e no Ensino Médio. Desses 97.083 (noventa e sete mil e oitenta e três) são efetivos ou titulares de cargo concursados e 73.129 (setenta e três mil e cento e vinte e nove) não são titulares de cargo ou efetivos.

Há ainda, em exercício da docência na Educação Básica na rede estadual de São Paulo, 66 (sessenta e seis) professores PROF II – professores II portadores de cursos de licenciatura curta que foram extintos no Brasil – que podem atuar, até que seus cargos ou funções sejam extintos, no ciclo II do Ensino Fundamental, uma vez que os cursos de licenciatura curta foram extintos no Brasil pela LDB – lei 9394/1996.

Essa passagem pelos números da categoria dos professores da rede estadual serve para entendermos a magnitude de nosso objeto de pesquisa. Em tamanho ou extensão a SEE-SP corresponde às redes de ensino público de muitos países e também, como foi dito anteriormente, para fazermos a necessária delimitação de nosso objeto de estudo ou os recortes necessários.

Nosso estudo terá como centro os professores PEB II, a política de formação profissional do governo estadual e as condições de trabalho desse setor da categoria dos professores no contexto de uma educação cada vez mais mercantilizada seguindo os ditames do capital internacional e de organismos multilaterais – como afirmado anteriormente.

Isso não significa que existem duas categorias funcionais dentro do magistério paulista ou que os processos de mercantilização e privatização da escola pública no estado de São Paulo se restrinja ao ciclo II do Ensino Fundamental e ao Ensino Médio – podemos dizer que nesses dois segmentos ele está mais avançado, facilitando seu estudo.

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precisaram comprovar matrículas e gastos efetivos com o ensino público de, no mínimo, 25% de seus orçamentos para não terem suas verbas retidas em Brasília no referido fundo – de acordo com a Emenda Constitucional 14 de 1996, que criou o FUNDEF. Isso levou muitos municípios a criar redes próprias de educação ou assumirem a gestão de escolas estaduais – a denominada municipalização do ensino.

Esse é um objeto a parte, que bem merece um estudo ou uma pesquisa acurada sobre seus impactos na educação, na qualidade do ensino público com o seu advento, bem como seu impacto nos processos de mercantilização da educação e nas condições de trabalho do magistério de Educação Básica no Brasil pós-FUNDEF.

A municipalização da educação – que atinge essencialmente o ciclo I do Ensino Fundamental e os professores PEB I – escapa aos objetivos e ao objeto dessa dissertação – por isso a concentração nos professores PEB II, formação profissional e relações laborais, e no processo de mercantilização do ciclo II do Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

Estudar as políticas de formação profissional docente, que envolve a carreira e demais condições de trabalho, na Educação Básica na rede estadual de ensino público de São Paulo implica em alguns desdobramentos.

Primeiramente, discutir a política de formação de professores praticada pelo governo paulista no período em questão como expressão de um processo de mercantilização da Educação Básica.

Em segundo lugar, discutir a formação de professores nas políticas para Educação Básica dos organismos multilaterais. Relacioná-la com os modelos e práticas adotados pelo governo federal e o estado de São Paulo no contexto de uma educação pública – Educação Básica – cada vez mais mercantilizada.

Terceiro, demonstrar que há uma relação direta entre a política educacional mais geral com a formação docente e profissional e as condições de trabalho da categoria dos professores, o que resulta numa formação cada vez mais aligeirada, para alunos e professores, e na desqualificação da profissão docente.

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A própria designação ciências humanas, com a inevitável carga de significados que comporta, não deveria ser aceita com naturalidade pela comunidade acadêmica e científica. Afinal, todas as ciências são, a rigor, humanas; conhecimento produzido por homens historicamente condicionados, para responder a questões formuladas por homens em sociedade, toda ciência responde a necessidades humanas, reflete os dramas tipicamente humanos da vida humana – toda ciência é o reflexo da nossa humanização, de nosso grau de humanidade. Principalmente quando os significados embutidos ou implícitos no termo ciências humanas refletem a suposta falta de objetividade dessas em oposição às ciências ditas exatas ou naturais – supostamente capazes de produzir um conhecimento objetivo da realidade.

Partimos, pois, da certeza de que o mundo existe e é passível de compreensão objetiva – inclusive a sociedade humana, mesmo que o pesquisador seja parte do objeto que ele estuda. pode parecer óbvio, mas é necessário dizê-lo com todas as letras, pois há correntes teóricas que, sub-reptícia ou explicitamente, negam a possibilidade de conhecimento objetivo das sociedades e das questões humanas em geral [...]. Semelhantemente, e com graus de elaboração diversos, inúmeras manifestações do relativismo têm por base o descarte da certeza de verdade e, com ela, de objetividade [...]. (SARTÓRIO; NETO; MONTEIRO, 2011, p. 105)

Objetividade em humanidades não quer dizer a separação radical entre sujeito e objeto da pesquisa, uma vez que ao termos como objeto a sociedade humana, o próprio cientista interage com seu objeto, já que ele também é parte da sociedade .

Objetividade não é, e nem pode ser, sinônimo de neutralidade, muito menos significa arbitrariedade ou relativismo – onde impera apenas a verdade subjetiva, a verdade ou os desejos do sujeito onde não existem verdades ou fatos, mas apenas versões ou discursos sobre a realidade.

Descartada a neutralidade, porém, não está desprezada a objetividade da pesquisa na área de ciências humanas. em Marx, neutralidade e objetividade não são sinônimos. É impossível a um pesquisador ser neutro em relação aos conflitos sociais de seu tempo, mas o respeito à forma de existir própria do objeto ainda é o nódulo de qualquer conhecimento que se proponha objetivo. (Ibidem, p. 163)

O conhecimento não é neutro, pois o cientista que o produz não é indiferente, em última instância, aos conflitos de seu tempo, não é autônomo em relação aos conflitos da sociedade em que vive – esse pode ser um processo consciente ou não.

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[...]. Os cientistas românticos não querem fragmentar a realidade viva em seus componentes elementares, e tampouco representar a riqueza dos eventos concretos através de modelos abstratos que perdem as propriedades dos fenômenos em si mesmos. É de maior importância, para os românticos, a preservação da riqueza da realidade viva, e eles aspiram a uma ciência que retenha essa riqueza. (LURIA, 1992, p. 180)

Os cientistas românticos aos quais se refere Luria, em oposição ao que ele denominou eruditos clássicos, se caracterizam pela síntese e não apenas pela análise.

Os eruditos clássicos, segundo Luria (Ibidem), primam pela

[...] redução da realidade viva, com toda sua riqueza de detalhes, a esquemas abstratos. Perdem-se as propriedades do todo vivente,àoà ueàlevouàGoetheàaàes eve à:à Ci zasàs oàasà teorias, mas sempre verde é a árvore da vida .

Em outras palavras, a ciências dos eruditos clássicos prima pela análise, a decomposição do objeto, a fragmentação da realidade, produzindo classificações e esquemas abstratos que perdem, ou deixam pelo caminho, toda a riqueza, todo o movimento da realidade.

Ou como afirmou Marx(1983 p. 218-219);

[...]. Assim, se começássemos pela população, teríamos uma visão caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto figurado passaríamos a abstrações cada vez mais delicadas até atingirmos as determinações mais simples. Partindo daqui, seria necessário caminhar em sentido contrário até se chegar finalmente de novo à população, que não seria, desta vez, a representação caótica de um todo, mas uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas.

[...]. O concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo, unidade da diversidade. É por isso que ele é para o pensamento um processo de síntese, um resultado, e não um ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro ponto de partida e, portanto, igualmente o ponto de partida da observação imediata e da representação.

O primeiro passo reduziu a plenitude da representação a uma determinação abstrata; pelo segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto pela via do pensamento [...].

Além da análise, Marx propõe uma ciência de síntese capaz de reproduzir pelo pensamento todo o movimento da realidade, todas as suas contradições e nuances. Uma ciência que seja capaz de identificar no objeto as diversas mediações, as diversas interconexões da realidade.

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A subjetividade do pesquisador está presente na seleção dos dados mas essa escolha não é arbitrária; ela resulta da relação entre a postura teórica do pesquisador e o objeto pesquisado. [...]

[...]. O critério da objetividade do pesquisador, nesse caso, está no diálogo, na medida em que consegue que ambas as partes (teoria e evidências) se determinem mutuamente. [...] (VIEIRA; PEIXOTO; KHOURY, 1995, p.49-52)

O fato do conhecimento não ser axiologicamente neutro, de não existir de fato uma separação radical sujeito-objeto na pesquisa científica, não pode ser pretexto para o relativismo – a negação de qualquer verdade na ciência.

É dever, e prerrogativa, do cientista em humanidades expressar de forma inequívoca sua filiação teórica, bem como a partir dessa todos os dados ou evidências que usar em seu trabalho.

Lembrando que, em razão do permanente movimento da realidade, do avanço do conhecimento humano e da postura teórica e social do sujeito que pesquisa, as verdades em ciências humanas – e na ciência como um todo – são sempre provisórias, passíveis de questionamento.

Aliás, nem as ciências exatas produzem verdades inquestionáveis. Niels Bohr (1988, p. 99, tradução nossa), numa conferência de 1928, ao falar da física quântica e dos avanços da teoria atômica, num período onde a física teve avanços que podem ser considerados tão ou mais importantes do que os obtidos na época de Newton, afirmou:

Conforme enfatizado por Einstein, toda observação ou medição repousa em última análise na coincidência de dois eventos independentes no mesmo ponto espaço-temporal. Somente estas coincidências não serão afetadas por quaisquer outras diferenças que possam existir entre a coordenação espaço-temporal de diferentes observadores. Agora, o postulado quântico implica em que qualquer observação de fenômenos atômicos envolverá uma interação com o agente da observação que não deve ser desprezada. Assim, uma realidade independente no sentido físico ordinário não pode ser atribuída nem aos fenômenos, nem aos agentes da observação. Afinal, o conceito de observação é arbitrário à medida que depende de quais objetos são incluídos no sistema a ser observado. Em última análise, toda observação pode, é claro, ser reduzida às nossas percepções sensoriais.

Mesmo nas ciências exatas existe uma interação entre sujeito e objeto da pesquisa; mais ainda, existe uma interação entre sujeito, objeto e os instrumentos utilizados pelo pesquisador em suas experiências controladas.

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sobre como eu cheguei até aqui, como escolhi esse objeto para minha dissertação de mestrado – a justificativa propriamente dita.

Após concluir o Ensino Médio no final de 1982 – habilitação para o magistério, antigo normal. Passei a lecionar numa pré-escola municipal de São Paulo nas periferias da zona sul durante os anos de 1983 e 1984. Em 1985 iniciei minha trajetória como professor de Educação Básica na Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo, que se prolongou até 2009.

Eric Hobsbawm fez uma importante distinção entre profissão e ofício. A primeira é uma forma socialmente e moralmente aceita de obter o sustento diário, ganhar a vida dentro de um determinado quadro de relações sociais.

Ofício, é um pouco mais do que ganhar a vida. É uma espécie de vocação, de sentido, é como um projeto de vida. O ensino de adolescentes tem esse significado na minha passagem por esse lado do mistério da existência humana, tem sido meu projeto de vida – meu ofício.

O exposto acima serve, parcialmente, para explicar minha chegada tardia aos meios acadêmicos.

Mais do que exercer o ofício de professor participei, e de alguma forma ainda participo, dos grandes debates e embates sobre educação e dos assuntos públicos mais gerais de nosso país.

Como professor e militante estudantil participei da Campanha Pelas Diretas Já, que marcou o final do ciclo militar em nosso país em 1984; no ano seguinte, já como militante do movimento de professores estaduais de SP, iniciei minha atuação pela causa da educação pública sem negligenciar os temas mais gerais de nosso país.

Ajudei a organizar as manifestações pelo Fora Collor em 1992, participei e ajudei a organizar as greves gerais de 1989, período da hiperinflação em nosso país, também o período da derrocada do socialismo real e do sonho de colocar, pela primeira vez em nossa história, um homem do povo, um operário no mais alto cargo da República – o então dirigente sindical Lula.

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dirigente e organizador (1985, 1986, 1987, dois em 1988, 1989, dois em 1991, 1992, 1993, 1995, 1998, 2000, 2005, 2008).

Toda essa intensa atividade sindical nunca esteve desconectada das questões educacionais em nosso estado, e no país. Em 1989 estava em questão um projeto do então governador de São Paulo, Orestes Quércia, de impor na educação paulista um projeto similar à privatização da Educação Básica no Chile – municipalização e cobrança de taxas escolares – derrotado pela categoria num movimento grevista que durou 91 (noventa e um) dias.

Em 1993, a categoria dos professores impediu a implantação no estado do Projeto Escola-Padrão, projeto privatizante inspirado na reforma educacional inglesa imposta por Margaret Tatcher. Transformaria as escolas estaduais em fundações ou pequenas empresas com autonomia financeira e administrativa, tornando os diretores gestores ou administradores – noutro movimento grevista que dessa vez durou 89 (oitenta e nove) dias.

Em 2000, foi derrotada a primeira tentativa de reforma curricular – similar a atual reforma do Ensino Médio – do Ensino Médio em São Paulo com a fusão de disciplinas e redução das cargas horárias de todas as matérias que o governo do estado queria implantar secretamente sem qualquer consulta a comunidade escolar.

O movimento paredista – leia-se greve – durou 45 (quarenta e cinco) dias, sendo que o professorado pagou um preço bem caro por sua vitória contra o então governo de Mário Covas. Os dias foram descontados de uma só vez nos contracheques, as faltas foram consideradas injustificadas – prejudicando as evoluções na carreira – e houve cinco professores demitidos. O governo quis dar uma lição exemplar aos professores.

Também participei das discussões e mobilizações em torno da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – na defesa do Projeto Jorge Hage que foi abraçado por educadores e movimentos sociais em defesa da escola pública.

Nesse longo período de minha vida participei, na maioria das vezes como organizador, de congressos, conferências e fóruns educacionais, sindicais ou não.

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do horário de aulas – pré-vestibular – com número significativo de aprovações em universidades públicas paulistas.

Foi isso que fez com que eu e meu objeto de estudo nos encontrássemos pelo caminho – vou tratar não apenas do que conheço, porque os livros e documentos contaram, vou falar do que conheço, porque os livros contaram, e também das coisas que vivi.

As páginas que seguem são produto dessa trajetória.

A metodologia da pesquisa foi condicionada pelas condições de elaboração de uma dissertação de mestrado, principalmente pelo fator tempo, não podendo olvidar a necessária delimitação do objeto de estudo que o tempo impõe. Trata-se de uma pesquisa qualitativa onde foi utilizada a bibliografia sobre o tema (livros, artigos) e no estudo da legislação – leis federais e estaduais – referentes a carreira docente, políticas educacionais e projetos na área de educação dos governos estadual de São Paulo e federal.

Essa dissertação é produto de uma pesquisa teórica e documental.

No capítulo 1 – Pondo ordem no caos – serão abordados a teoria e os conceitos que servirão de referência para o desenvolvimento dos temas elencados na dissertação; referenciados no materialismo histórico.

O capítulo 2 –Os alquimistas estão chegando - trata da mercantilização da educação no Brasil após o final da guerra fria como reflexo da política do Banco mundial e de outros organismos multilaterais e dos efeitos dessa mercantilização no currículo e no ensino público, debatendo o significado da pedagogia do aprender a aprender e do ensino por competências.

Mercantilização da educação que será um tema transversal ao longo dessa dissertação, que contextualiza o tipo de ensino – ou aprendizagens escolares – oferecido nas escolas públicas paulistas, a formação tanto do aluno como dos professores e as condições de trabalho desses últimos – repetindo, sob o peso da redundância, que todos esses elementos somados constituem o que entendemos pela política de formação profissional de professores da Educação Básica em São Paulo.

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II. PONDO ORDEM NO CAOS

1. PROLEGÔMENOS

A quinta parte do livro de Othon M. Garcia –Comunicação em prosa moderna– tem, não por acaso, o mesmo título desse capítulo. Nessa parte do citado livro, o autor procura estabelecer as bases do modus sciendi – modo de saber. (GARCIA, 2002)

Mais propriamente organizar as ideias que ele apresentou nas partes e nos capítulos anteriores do livro, fazer uma sistematização dos conceitos gramaticais e lógico-formais – frase, parágrafo, oração, vocabulário, falácias, ordem do discurso – e abordar o lugar desses conceitos na construção do raciocínio lógico.

Esse livro, é bem mais do que um simples manual de gramática ou de escrita criativa – para usar um termo da moda. Trata-se de um guia para organizar o pensamento; afinal, não basta termos boas ideias, precisamos convencer os outros – nossos interlocutores da relevância delas – e também precisamos de algo bastante elementar antes disso – expressar nossas ideias de modo que as pessoas sejam capazes de entendê-las.

Por isso, por ordem no caos, organizar nosso pensamento e a forma de expor os produtos dele – as ideias propriamente ditas.

O autor, pela sua capacidade de exposição e organização de suas ideias, se dá ao luxo de organizar sua exposição no meio da obra, organizando e sistematizando o que disse anteriormente no livro e preparando o leitor para o que virá ao longo do restante da obra – é um método machadiano de organizar a exposição, ao melhor estilo Memórias póstumas de Braz Cubas. (Ibidem)

Quem eventualmente consultar essa dissertação deverá perdoar-me por organizá-la de uma maneira um pouco diferente do livro que serviu de inspiração para esse capítulo.

Nossa ordem no caos será anterior ao próprio caos – aliás, a ideia é evita-lo o máximo possível.

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Conceitos que são empregados em muitos sentidos de acordo com a filiação teórico- metodológica de cada autor ou mesmo de acordo com as opções ideológicas de cada um que os emprega.

A denominada polissemia é muito citada em trabalhos no campo da educação, chegando até a parecer uma ideia ou conceito novo, mas que de fato foi abordada na obra de Othon M. Garcia (2002, p. 177)na sua primeira edição, que é do ano de 1967.

Estamos vendo assim que as palavras são elos numa cadeia de ideias e intenções, interligadas umas às outras por íntimas relações de sentido: dissociá-las da frase é desprovê-las da camada de seu significado virtual, i.e., contextual. Isso é o que ocorre na língua viva, na língua de todos os dias, quer falada ou coloquial, quer escrita ou literária. Conhecer-lhes o significado dissociado do contexto não é suficiente. [...].

O contexto ao qual o autor se refere é a teoria que dá sentido e significado aos conceitos que cada pesquisador utiliza em seu trabalho.

Nessa primeira parte trataremos dos sentidos e significados dos principais conceitos implícitos ou explícitos nessa dissertação, sempre lembrando que esses conceitos não são o objeto da dissertação propriamente dita – são uma espécie de suporte -, razão pela qual a exposição será a mais breve possível, apenas o suficiente para que fique explicitado o sentido dos mesmos adotados neste trabalho.

2. EMANCIPAÇÃO E AUTONOMIA

Esses dois temas são referência nos dias atuais entre os educadores progressistas – teóricos, pesquisadores, professores – para os quais a educação vive uma crise de identidade, no Brasil e no mundo, com a decadência do que muitos denominam escola tradicional.

Os resultados obtidos pelos alunos nos exames de proficiência e as atitudes de rebelião dos jovens contra a instituição escolar; a evasão física e mental dos alunos, ou de uma parte significativa desses, especialmente dos alunos das chamadas classes populares, justamente os que mais precisam da escola – em tese – tornaram a educação um problema de Estado.

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O caminho para responder a essas e outras questões delas decorrentes foi indicado de forma pioneira e original por Antonio Gramsci (nascido em 1891 e morto em 1937), o que o tornou referência necessária no campo da educação, mesmo entre aqueles que não se consideram adeptos de suas concepções teóricas – o materialismo histórico de Marx e Engels.

O lugar e o papel dos intelectuais, a função social da escola, a construção da autonomia do sujeito abordados em suas obras – ou na sua obra – ainda hoje são referências fundamentais no debate educacional e na discussão sobre qual deveria ser o papel da escola no mundo de hoje.

A principal obra de Gramsci – cadernos do cárcere (2011a, 2011b) – foi escrita sob condições adversas; no cárcere sob a ditadura fascista de Mussolini, na Itália pré-segunda guerra, sendo obrigado a usar um linguajar propositadamente confuso e dúbio pra burlar a vigilância dos censores e com acesso muito restrito a livros e outras fontes de informação, até mesmo a obras de referência do próprio Marx, pois algumas delas somente foram publicadas quando Gramsci estava terminando, ou mesmo terminara, a redação de seus cadernos – como a ideologia Alemã, editada pela primeira vez na íntegra em 1933 e os manuscritos de Paris, editados pela primeira vez em 1932, ambos na URSS.

Gramsci deu redação definitiva aos seus cadernos sobre os intelectuais e o princípio educativo em 1932 e os cadernos sobre a política de Maquiavel foram redigidos em sua forma definitiva entre 1932-1934. Ambos são a base para o estudo do papel dos intelectuais, da escola, da emancipação do sujeito e do conceito de hegemonia que veremos nessa seção. (Ibidem)

O caráter fragmentário de sua obra, produto das condições que enfrentou nos cárceres da ditadura fascista italiana, permitiu e permite interpretações diversas e controversas a respeito de seus conceitos fundamentais – como o conceito de hegemonia e seus desdobramentos.

Mas, suas formulações sobre os intelectuais e o princípio educativo são ao mesmo tempo claras e originais – mesmo dentro do materialismo histórico – o que, como dissemos, explica a recorrência às ideias de Gramsci no campo educacional, mesmo entre aqueles que não simpatizam com Marx e seus discípulos.

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Ao discutir o lugar e o papel dos intelectuais, Gramsci (2011b, p. 18) parte de uma premissa formulada por Marx nas páginas de O capital,

[...] não e isteàt a alhoàpu a e teàfísi o,àeàdeà ueà es oàaàe p ess oàdeàTa lo ,àdoà go ilaà amestrado ,à à u aà et fo aà pa aà i di a à u à li iteà u aà e taà di eç o:à e à ual ue à trabalho físico, mesmo no mais mecânico e degradado, existe um mínimo de qualificação técnica, isto é, um mínimo de atividade intelectual criadora). [...]

Por isso, seria possível dizer que todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens têm na sociedade a função de intelectuais [...].

Aqui se reafirma o que disse Marx (2006, p. 130-131, tradução nossa)numa passagem antológica de O capital,

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a construção das colmeias pelas abelhas poderia envergonhar, por sua perfeição, mais de um arquiteto. Mas, o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador.

Significa que toda atividade tipicamente humana envolve, ou implica em um ato de criação ou criatividade – não existem trabalhos puramente mecânicos ou puramente intelectuais – uma vez que toda atividade humana envolve planejamento prévio e dispêndio de energia, algum trabalho ou atividade física. Mesmo para compor um poema ou uma música é necessário dispêndio de energias físicas e mentais sob a forma de calorias.

[...], é impossível falar de não intelectuais, porque não existem não intelectuais. Mas a própria relação entre o esforço de elaboração intelectual-cerebral e o esforço muscular-nervoso não é sempre igual; por isso, existem graus diversos de atividade especificamente intelectual. Não há atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual, não se pode separar o homo faber do homo sapiens. Em suma, todo homem, fora de sua profissão,

dese volveà u aà atividadeà i tele tualà ual ue ,à ouà seja,à à u à fil sofo ,à u à a tista,à u à

homem de gosto, [...]. (GRAMSCI, 2011b, p. 53)

Aqui há uma pergunta implícita à qual retornaremos de forma explícita, um pouco mais adiante. Afinal merece explicação por que somente fora da profissão os homens tornam-se intelectuais.

Estudos recentes demonstram que a criatividade é um traço evolutivo fundamental no processo de hominização – origem do homem – presente em nossos ancestrais,

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Nas trilhas do materialismo histórico, Vigotski, pensador da cultura, mais que um especialista em educação, cujas contribuições à psicologia, defectologia e à história decorreram da sua atividade e militância no campo da arte e da literatura, chegou a uma conclusão semelhante.

Tais contribuições o levaram para o campo da educação a fim de construir, de acordo com o programa do governo revolucionário, que acabara de tomar o poder na Rússia em 1917, o homem novo (GIORA, No prelo). Vigotski (2010, p. 14) afirmou que a criatividade é um traço presente na psique humana, sendo a base da ciência, da arte e da técnica,

[...], a imaginação, base de toda atividade criadora, manifesta-se, sem dúvida, em todos os campos da vida cultural, tornando também possível a criação artística, a científica e a técnica. Nesse sentido, necessariamente, tudo o que nos cerca foi feito pelas mãos do homem, todo o mundo da cultura, diferentemente do mundo da natureza, tudo isso é produto da imaginação e da criação humana que nela se baseia.

E, mais adiante,

[...]. Podemos dizer que todos os objetos da vida cotidiana, sem excluir os mais simples e comuns, são i agi ação cristalizada.

[...], a criação, na verdade, não existe apenas quando se criam grandes obras históricas, mas por toda parte em que o homem imagina, combina, modifica e cria algo novo [...]. (Ibidem, p. 15)

Todo homem é criativo, é um intelectual por natureza, ou em potência – potencialmente. Mas na vida real não é assim.

Criatividade é algo raro, uma qualidade muito procurada e muito bem remunerada pelo mercado, toda empresa procura – e quase sempre não encontra – um profissional considerado criativo.

A maioria dos homens em sociedade, na sua existência diária, não atua como intelectuais, exercendo raramente sua criatividade – agora podemos voltar a nossa pergunta que ficou implícita.

Se somos, potencialmente, por natureza intelectuais e criativos, por que isso não ocorre em nossas vidas cotidianas?

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Divisão social do trabalho esta que é justificada por uma necessidade aparentemente elementar: para a sobrevivência do próprio homem na terra é necessária uma divisão das tarefas na sociedade. Para que uns possam criar algo novo, outros precisam produzir os meios materiais necessários à sobrevivência biológica do grupo social – não há sociedade humana sem produção material.

Nas sociedades fundadas na exploração nem todos podem ser o tempo todo artistas ou intelectuais. Alguns homens, a maioria, devem dedicar-se a produção de bens materiais.

Em uma sociedade onde a divisão do trabalho social expressa relações de exploração e opressão, as atividades ligadas ao ócio criativo tornam-se privilégio da classe dominante ou de homens a serviço dessa classe – é o caso do capitalismo.

Isso confere ao trabalho, como atividade humana, um caráter antitético.

Ganharás o pão com o suor de teu rosto ! Foi a maldição que Jeová lançou a Adão. E é desta maneira, como maldição, que Ada à“ ithà o e eàoàt a alho.àOà epouso aparece como o estadoà ade uado,à o oà id ti oà à li e dade à eà à fo tu a . Parece estar muito longe de compreender ueàoài divíduo,à em seu estado normal de saúde, vigor, atividade, habilidade e

dest eza àte haàta àaà e essidadeàdeàuma porção normal de trabalho e da supressão do repouso. [...] Tem razão, sem dúvida, [ ao afirmar] que nas formas históricas do trabalho, como no trabalho do escravo, do servo e do trabalhador assalariado, o trabalho é sempre repulsivo, aparenta sempre a forma de um trabalho forçado, imposto exteriormente, frente ao qual o não trabalho aparece como aà liberdade e aà fo tu a .à [Estaà afi aç o]à à duplamente verdadeira, aplicada a este trabalho cheio de contradições, um trabalho para o qual ainda não se criaram as condições subjetivas e objetivas [...] para que o trabalho seja um travail attractif, a autorrealização do indivíduo, o que de modo algum significa que seja mera diversão, um mero amusement (entretenimento) como concebia Fourier [...]. Precisamente, os trabalhos realmente livres, como por exemplo a composição musical, são ao mesmo tempo terrivelmente sérios e exigem o mais intenso dos esforços. O trabalho da produção material só pode revestir esse caráter : 1) Se assegura-se seu caráter social; 2) Se revestir-se de um caráter científico e surgir diretamente como tempo de trabalho geral. Por outras palavras se deixar de ser o esforço do homem, simples força de trabalho natural no estado bruto tendo sofrido um determinado treinamento, para se tornar a atividade do sujeito que regula todas as forças da natureza no seio do processo de produção. [...] (MARX, 1985, p. 33-34, tradução nossa).

Na divisão social do trabalho característica das sociedades onde impera a exploração do homem pelo homem, o trabalho, como atividade tipicamente humana, se traduz em sofrimento cotidiano para a esmagadora maioria dos homens e em ócio criativo para uma minoria privilegiada.

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Já vimos que potencialmente todo homem é intelectual, criativo – capaz de produzir ou criar arte e ciência – embora não exerça essas qualidades em seu cotidiano, ao longo de sua vida em sociedade.

Sobre o lugar dos intelectuais na sociedade a primeira questão apresentada é se os intelectuais são um grupo autônomo ou se cada grupo social possui sua própria camada de intelectuais.

1) todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e político: [...]. (GRAMSCI, 2011b, p. 15)

Os intelectuais vivem e sofrem os conflitos e as contradições de classe de seu tempo. Não constituem um mundo a parte da sociedade, nem são seres especiais de uma textura diferente dos demais seres humanos, apenas ocupam um lugar diferenciado na divisão social do trabalho na sociedade.

Ao dizer que os intelectuais não são um grupo a parte da sociedade, Gramsci reafirma o postulado de Marx de que todo conhecimento é interessado, reflete em última instância as contradições de classe na sociedade humana – não existe a separação radical entre sujeito e objeto do conhecimento como sonhavam os positivistas.

Muitos intelectuais porém se julgam acima das contradições do mundo em que vivem, são os intelectuais tradicionais. São aqueles que representam o “passado”, aqueles que uma nova classe ascendente “encontra” em seu caminho ao impor seu projeto de transformação da sociedade tradicional – foi assim com a burguesia quando encontrou em seu caminho os eclesiásticos representando a decadente sociedade feudal de privilégios nobres.

Esses intelectuais tradicionais acreditam ser autônomos e independentes do grupo social dominante.

[...] esta posição assumida pelo conjunto social dos intelectuais e pode ser definida como a expressão desta utopia social segundo a qual osài tele tuaisàa edita àse à i depe de tes ,à autônomos, dotados de características próprias, etc. [...]. (Ibidem, p. 17)

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Cabe a eles as funções inferiores da hegemonia, que pode ser definida aqui como a supremacia ideológica da classe dominante sobre o conjunto da sociedade, impondo uma espécie de consenso em torno a seus objetivos enquanto classe dirigente – mais adiante voltaremos ao conceito de hegemonia.

[...].à Osà i tele tuaisà s oà osà p epostos à doà g upoà do inante para o exercício das funções

su alte asàdaàhege o iaàso ialàeàdoàgove oàpolíti o,àistoà :à àdoà o se soà espo t eo à

dado pelas grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo fundamental

do i a teà àvidaàso ial,à o se soà ueà as eà histo i a e te àdoàp estígioà e,àpo ta to,àdaà

confiança) obtido pelo grupo dominante por causa de sua posição e de sua função no mundo

daàp oduç o;à àdoàapa elhoàdeà oe ç oàestatalà ueàassegu aà legal e te a disciplina dos gruposà ueà oà o se te à[...]. (GRAMSCI, 2011b,, p. 21)

Ou seja,os intelectuais tradicionais servem ao poder estabelecido.

Em oposição a esses, existem os intelectuais orgânicos, aqueles que se formam no interior de uma classe social em ascensão, refletindo o desenvolvimento progressivo dessa classe.

No capitalismo, os intelectuais orgânicos que refletem as aspirações dos setores dominados, explorados e oprimidos pelo capital, devem ser um novo tipo de intelectual, com uma formação diferente dos intelectuais tradicionais que servem a classe dominante.

[...]. No mundo moderno, a educação técnica, estreitamente ligada ao trabalho industrial, mesmo ao mais primitivo e desqualificado, deve constituir a base do novo tipo de intelectual. [...] (Ibidem, p. 53)

Sendo que cabe a escola elaborar ou formar os intelectuais,

[...]. O enorme desenvolvimento obtido pela atividade e pela organização escolar (em sentido lato) nas sociedades que emergiram do mundo medieval indica a importância assumida no mundo moderno pelas categorias e funções intelectuais [...]

[...]. (A escola é o instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis. A complexidade da função intelectual nos vários Estados pode ser objetivamente medida pela quantidade das escolas especializadas e pela sua hierarquização: quanto mais extensa for a

ea à es ola à eà ua toà aisà u e ososà fo e à osà g aus à ve ti ais à daà es ola,à t oà aisà

complexo será o mundo cultural, a civilização, de um determinado Estado. (Ibidem, p. 19)

Se o novo intelectual orgânico deve ter uma formação diferente daquela típica dos intelectuais tradicionais, faz-se necessário um novo tipo de escola – a escola unitária.

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Por isso, na escola unitária, a última fase deve ser concebida e organizada como a fase

de isiva,à aà ualàseàte deàaà ia àosàvalo esàfu da e taisàdoà hu a is o ,àaàautodis ipli aà

intelectual e a autonomia moral necessárias a uma posterior especialização, seja ela de caráter científico (estudos universitários), seja de caráter imediatamente prático-produtivo [...] uma escola criadora. (Deve-se distinguir entre escola criadora e escola ativa, [...]. Toda escola unitária é escola ativa, embora seja necessário limitar as ideologias libertárias nesse campo e reivindicar com certa energia o poder das gerações adultas, isso é, do Estado, de

o fo a à asà ovasà ge aç es.à [...].à áà es olaà iado aà à oà o oa e toà daà es olaà ativa:à aà

primeira fase, tende-se a disciplinar e, portanto, também a nivelar, a obter uma certa espécie

deà o fo is o ueàpodeà se à ha adoàdeà di i o ;à aàfaseà iado a,àso eàaà aseàj à ati gidaà deà oletivizaç o à doà tipoà so ial,à te de-se a expandir a personalidade, tornada autônoma e responsável, mas com uma consciência moral e social sólida e homogênea.

ássi ,à es olaà iado aà oà sig ifi aà es olaà deà i ve to esà eà des o ido es ;à i di a-se uma

faseàeàu à todoàdeài vestigaç oàeàdeà o he i e to,àeà oàu à p og a a àp edete i adoà

que obrigue à inovação e à originalidade a todo custo. [...] (GRAMSCI, 2011b, p. 39-40)

A escola unitária proposta por Gramsci não abdica do ensino, da socialização do conhecimento e da disciplina intelectual tão necessária a essa transmissão. Disciplina intelectual essa que é parte da formação da autonomia do sujeito, uma vez que deve ser uma disciplina voluntária, uma autodisciplina intelectual e uma autonomia moral, que possibilitem ao sujeito ações e iniciativas próprias após ser elevado a um certo grau de maturidade através do ensino.

Autonomia essa que deve ser parte de uma consciência social do sujeito. Aqui não se trata de formular um projeto pessoal pura e simplesmente, como se apregoa nos dias atuais, trata-se de o sujeito formular um projeto pessoal como parte fundamental do projeto de seu grupo social e da sociedade como um todo – a felicidade não pode ser um ato ou conquista solitária.

A escola unitária deve unir a atividade puramente intelectual com as atividades ligadas a vida social, ao mundo da produção e do trabalho. Deve ser uma escola em tempo integral, pública – o que requer um aumento substancioso das verbas públicas destinadas ao ensino – e que unifique em suas atividades e finalidades a erudição clássica – típica dos intelectuais tradicionais – com as atividades que envolvem a totalidade da vida social e o mundo do trabalho, da produção da riqueza material da sociedade.

A escola unitária deve formar os intelectuais orgânicos, preparando as pessoas para serem melhor governadas e também para, no limite, exercerem as funções de governança.

[...]. Mas a tendência democrática, intrinsecamente, não pode significar apenas que um

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eà ueàaàso iedadeàoàpo ha,àai daà ueà a st ata e te ,à asà o diç esàgerais de poder fazê-lo [...]. (GRAMSCI, 2011b, p. 50)

Agora podemos sistematizar autonomia e emancipação em Gramsci. A finalidade da escola deve ser emancipar os sujeitos, sujeitos emancipados são sujeitos autônomos – parece uma petição de princípio, mas garanto que não é.

Sujeitos emancipados (leia-se autônomos) são aqueles que possuem consciência social, possuem um projeto pessoal de vida como parte do projeto de seu grupo social, que possuem – adquirem na escola – disciplina intelectual, que são capazes de adquirir os conhecimentos das gerações passadas e de criar-inovar.

Um sujeito autônomo é capaz de entender o funcionamento da sociedade e do Estado, é potencialmente capaz de exercer as funções de governo – é em potência um intelectual orgânico.

E esse novo intelectual orgânico será a expressão máxima da emancipação e da autonomia do sujeito da educação, um especialista e um político ao mesmo tempo, um dirigente.

Essa deve ser, em última análise, a finalidade da escola; formar sujeitos capazes de formular e expressar as aspirações e desejos de seu grupo social, entender o mundo, lutar para transformá-lo e aspirar às funções de dirigente ou ser capaz de assumi-las quando necessário.

Ficou uma lacuna importante nos cadernos do cárcere. É possível essa escola unitária na ordem social capitalista ou ela somente seria possível como produto de uma série de transformações sociais que poriam em questão o próprio capitalismo?

Feita a discussão sobre emancipação e autonomia podemos retomar, como prometido anteriormente, a discussão sobre hegemonia.

Perry Anderson (2002, p. 36), num ensaio considerado clássico, comenta e critica o que ele considerou os três conceitos de hegemonia formulados por Gramsci ao longo de seus cadernos do cárcere:

[...]. Na primeira, com efeito, Gramsci opõe a hegemonia à sociedade política ou ao Estado, enquanto na segunda o próprio Estado se torna um aparelho de hegemonia. Em uma terceira versão, a distinção entre sociedade civil e sociedade política desaparece totalmente: tanto o consentimento como a coerção tornam-seàe te s esàdoàEstado.àG a s iàes eve:à OàEstadoà

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No primeiro modelo de hegemonia elaborado por Gramsci (2011a, p. 262) o Estado contrapõe-se a sociedade civil,

[...]. No Oriente, o Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente, havia entre o Estado e a sociedade civil uma justa relação e, ao oscilar o Estado, podia-se imediatamente reconhecer uma robusta estrutura da sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas; em medida diversa de Estado para Estado, é claro, mas exatamente isto exigia um acurado reconhecimento de caráter nacional.

Do dito acima emerge uma conclusão;

[...]. Parece-me que Ilitch (refere-se a Lenin, principal dirigente da revolução russa de 1917) havia compreendido a necessidade de uma mudança da guerra manobrada, aplicada vitoriosamente no oriente em 1917, para a guerra de posição, que era a única possível no Ocidente ....[...]. (Ibidem)

Guerra de posição significa ocupar espaços lentamente no seio da sociedade civil até se tornar hegemônico, guerra de movimento é a tomada direta do poder político – revolução social – como na Rússia de 1917.

Como no ocidente predomina o consenso/consentimento devido a supremacia da sociedade civil sobre o Estado, a tarefa principal dos militantes socialistas não era enfrentar um Estado armado, mas converter ideologicamente a classe operária e os demais setores explorados e oprimidos para libertá-los da dominação ideológica da burguesia e mistificações capitalistas.

Daí a importância da escola e dos professores para a educação das amplas massas de explorados e oprimidos.

Essa formulação da hegemonia abre espaço para a defesa da via pacífica e parlamentar rumo ao socialismo, a tese central do reformismo clássico. (ANDERSON, 2002)

Vamos agora a segunda formulação gramsciana sobre a hegemonia segundo Perry Anderson(2002, p. 45);

[...], a sociedade civil é apresentada como contrapeso do Estado ou em conflito com ele, e a hegemonia é distribuída entre o Estado – ouà aà so iedadeà políti a à – e a sociedade civil, sendo ela mesma redefinida como combinando coerção e consentimento. [...]

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[...]: todo Estado é ético na medida em que uma de suas funções mais importantes é elevar a grande massa da população a um determinado nível cultural e moral, nível (ou tipo) que corresponde às necessidades de desenvolvimento das forças produtivas e, portanto, aos interesses das classes dominantes. A escola como função educativa positiva e os tribunais como função educativa repressiva e negativa são as atividades estatais mais importantes nesse sentido [...]. (GRAMSCI, 2011a, p. 284)

Essa segunda formulação abre espaço para o chamado direito alternativo – cuja versão mais radical é o “direito achado na rua” de Roberto Lyra e seus seguidores. É uma abordagem progressista do direito tradicional, pondo fim às jurisprudências e questionando o monopólio do saber jurídico pelos ditos especialistas, adotando o ponto de vista dos dominados; porém não questiona os fundamentos de classe do direito burguês.

Na educação, radicaliza os papeis da escola e do professor, tornando-os instrumentos de uma contra hegemonia, formadores de intelectuais orgânicos dos explorados para combater a hegemonia do capital – o que implica que os próprios professores deverão ser todos intelectuais orgânicos dos oprimidos ou das classes dominadas.

Tanto na primeira como nessa formulação do conceito de hegemonia, Gramsci enfatiza a dominação ideológica do Estado burguês – muitas vezes negligenciada pela esquerda tradicional – ao preço de tornar secundária umas das características fundamentais do Estado moderno; o fato desse Estado deter o monopólio do uso da força e que exerce esse monopólio sempre para defender os interesses das classes dominantes.

Gramsci enfatiza o consenso e secundariza o papel da força no processo de dominação burguesa na sociedade capitalista, permitindo assim que o reformismo clássico, que originou os partidos da social democracia europeia – cada vez mais democrática e menos socialista – fizesse uso de suas ideias para defender a transição pacífica e parlamentar rumo ao socialismo contra qualquer movimento que visasse a tomada do poder político pelas organizações do proletariado.

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Nas teses sobre Feurbach a célebre pergunta: quem educa o educador? nos lembra que os professores também são produto de seu tempo e de uma determinada sociedade, também são vítimas da dominação ideológica de uma classe social – a dominante.

A doutrina materialista de que os seres humanos são produtos das circunstâncias e da educação, [de que] seres humanos transformados são, portanto, produtos de outras circunstâncias e de uma educação mudada, esquece que as circunstâncias são transformadas precisamente pelos seres humanos e que o educador tem ele próprio de ser educado [...]. (MARX; ENGELS, 1983?, p. 208-209)

Nas duas primeiras acepções de hegemonia a dominação pela força da burguesia enquanto classe no capitalismo é colocada em segundo plano para ressaltar a dominação cultural e ideológica dessa classe social.

Noutro extremo, quando se deduz a função da escola e dos professores, essa dominação no plano das ideias da burguesia é praticamente esquecida ao exigir dessa corporação que se erga a condição de intelectuais orgânicos dos oprimidos e explorados – olvidando o fato de que os professores também são vítimas da exploração e da dominação cultural e ideológica da classe dominante.

A terceira formulação de hegemonia, segundo Perry Anderson, implica na dissolução da sociedade civil, o Estado e a sociedade civil são dissolvidos numa unidade soberana; nas palavras de Gramsci: “ Na realidade, a sociedade civil e o Estado se identificam.” (apud ANDERSON, 2002, p. 48)

A consequência do dito acima é tornar todas as instituições sociais Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE’S) como defendeu Louis Althusser. Umas vez que não existem mais, nessa lógica, instituições independentes do Estado, todas as instituições são estatais e estão a serviço desse Estado alargado ou ampliado que se fundiu com a sociedade civil.

Agora, todas as instituições são aparelhos desse Estado; o que inclui a instituição escolar.

Se, nas duas primeiras formulações sobre hegemonia se superestimou o papel da escola e do professor, nessa terceira com os (AIE’s) esse papeis – da escola e do professor – foram reduzidos a praticamente nenhum.

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Além de ser uma crítica respeitosa, não se trata de criticar o próprio Gramsci, mas o uso muitas vezes indevido de suas teses em razão das lacunas que o próprio foi obrigado a deixar em seus escritos em razão das perseguições que sofreu do fascismo italiano.

Mesmo com todas as críticas que se possa fazer às suas ideias nos marcos do próprio marxismo, Gramsci deixou um legado político e intelectual de grande envergadura, com elaborações profundas e originais sobre o papel dos intelectuais, da escola e da educação no capitalismo; apontando caminhos para eventuais soluções dos dilemas educacionais e sociais na sociedade em que vivemos.

E também deixou um grande alerta a todos aqueles que querem mudar o mundo e a educação: não negligenciar o debate de ideias.

Nas palavras de Marx (2005, p. 151);

É certo que a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas, que o poder material tem de ser derrubado pelo poder material, mas a teoria converte-se em força material quando penetra nas massas. A teoria é capaz de se apossar das massas ao demonstrar-se ad hominem, e demonstra-se ad hominem logo que se torna radical. Ser radical é agarrar as coisas pela raiz. Mas, para o homem, a raiz é o próprio homem. [...]

As ideias, o programa de transformação da realidade, podem transformar-se numa força material de transformação da realidade quando abraçadas por um movimento social de transformação, de mudança.

Mas também, como vemos nos dias atuais, podem ser transformadas numa força poderosa de mistificação, domesticação e dominação, mais ainda, dos explorados e oprimidos.

Ou seja, não mudaremos o mundo apenas com nossas boas ideias, mas o mundo jamais será mudado sem elas.

3. ALIENAÇÃO E PROLETARIZAÇÃO

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A resposta passa pela teoria da alienação de Marx – trabalho estranhado – presente nos manuscritos de Paris, que não foram publicados durante a vida do pensador alemão, vieram à luz somente em 1932, na URSS e como já dissemos muito provavelmente Gramsci não teve acesso a eles durante a redação de seus cadernos do cárcere.

A origem desse processo de alienação e de seus desdobramentos está no processo de produção material em nossa sociedade e no que foi definido por Marx (2004, p. 80) como trabalho estranhado.

[...] o objeto (Gegenstand) que o trabalhador produz, o seu produto, se lhe defronta como um ser estranho, como um poder independente do produtor [...]. Esta efetivação do trabalho aparece ao estado nacional-econômico como desefetivação (Entwirklichung) do trabalhador, a objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação como estranhamento (Entfremdung), como alienação (Entäusserung).

Alienação, segundo Marx, é exteriorização e estranhamento, que inicia no processo de trabalho e se desdobra para o conjunto das relações entre os homens na sociedade – relações sociais – que se tornam, assim como no processo de produção material, alienadas.

O trabalhador não se reconhece em seu trabalho, não se identifica com o produto de seu trabalho – esse passa a ter uma existência própria independente de seu criador – e tal qual mister Hayde torna-se um ser estranho, um oponente de seu criador, doctor Jeckil – como na história de O médico e o monstro.

[...] A exteriorização (Entäusserung) do trabalhador em seu produto tem o significado não somente de que seu trabalho se torna um objeto, uma existência externa (äussern), mas, bem além disso, [que se torna uma existência] que existe fora dele (ausser ihm), independente dele e estranha a ele, tornando-se uma potência (Macht) autônoma diante dele, que a vida que ele concedeu ao objeto se lhe defronta hostil e estranha. (Ibidem, p. 81)

O trabalhador se torna um servo do objeto, a criatura quer exterminar ou controlar o criador, como ocorre em O médico e o monstro.

Isso ocorre porque o trabalhador é expropriado do produto de seu trabalho. Com a propriedade privada capitalista todo o produto do trabalho humano, tudo aquilo que o trabalhador produz, pertence ao proprietário dos meios de produção, o capitalista.

Mas, para ser expropriado do produto de seu trabalho o trabalhador precisa ser também, do ponto de vista do capital, expropriado do processo de produção.

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alheio (fremd) ao produto da sua atividade se no ato mesmo da produção ele não se estranhasse a si mesmo? [...] Se, portanto, o produto do trabalho é a exteriorização, então a produção mesma tem de ser a exteriorização ativa, a exteriorização da atividade, a atividade da exteriorização. [...] (MARX, 2004, p. 82)

Segundo Marx, a alienação se inicia no processo de trabalho quando o trabalhador é expropriado do produto de seu trabalho que pertence a outro (o capitalista), ao mesmo tempo o trabalhador é expropriado do processo de trabalho, algo que foge ao controle do trabalhador.

O trabalho, ou mais propriamente o processo de trabalho, bem como seu produto como vimos anteriormente, torna-se algo estranho que foge ao controle do produtor, torna-se um suplício, fonte de sofrimento e dor. Sendo que o produto deste processo de trabalho é exterior ao trabalhador, não lhe pertence.

Ao ser alienado do produto e do processo de trabalho, o trabalhador se autoaliena, desumaniza a si próprio e aos outros indivíduos. Isto porque no trabalho alienado, o trabalhador transfere todas suas energias criativas físicas e mentais para a coisa produzida.

O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens (Menschenwelt). [...] (Ibidem, p. 80)

Pois, trabalho, atividade vital, vida produtiva, agora aparecem ao homem apenas como meios para a satisfação de uma necessidade, a de manter sua existência física; como uma fonte de sofrimento e dor que somente dá prazer ao trabalhador como fonte de aquisição de bens materiais e como garantia de lazer – busca da satisfação pessoal fora do trabalho.

Daí os homens serem criativos e intelectuais fora de sua profissão – salvo raras exceções – sendo que poesia, literatura, pintura, pesquisa científica não são parte da vida cotidiana dos homens comuns em sociedade, são atividades esporádicas, lazer ou passatempo.

O capitalismo dá ao trabalho, como dissemos anteriormente, um caráter antitético, sendo que a satisfação do homem que deveria se dar no próprio trabalho somente é consumada fora dele.

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atividade humana por sua natureza – o trabalho – uma vez que, como vimos, transfere sua humanidade para as coisas produzidas enquanto perde a sua própria humanidade.

Coisas essas que, como vimos, se humanizam na mesma medida em que o homem se desumaniza ao transferir sua humanidade para essas coisas produzidas, elas adquirem vida própria no mercado.

As relações sociais, algo que pode ocorrer apenas entre homens concretos, aparecem como sendo uma relação entre coisas/mercadorias no movimento do mercado, um movimento aparentemente autônomo, independente dos homens que as produziram.

É este fenômeno que Luckács (1974, p. 97) chama de Reificação – a coisificação das relações sociais – onde as relações entre os homens aparecem como sendo relações entre as coisas produzidas pelo próprio homem num mundo aparentemente autônomo que é o mercado.

Já muitas vezes se realçou a essência da estrutura mercantil, que assenta no fato de uma ligação, uma relação entre pessoas, tomar o carácter de uma coisa, e ser, por isso, de uma

o je tividadeà ilus ia à ue,à peloà seuà siste aà deà leisà p p io,à apa e te e teà igo oso,à

inteiramente fechado e racional, dissimula todo e qualquer traço da sua essência fundamental: a relação entre homens. [...]

No capitalismo o mercado é mais do que o simples espaço da troca; ele é o espaço da sociabilidade – das relações sociais.

As mercadorias – coisas produzidas pelos homens para o mercado – adquirem vida própria no mundo da troca, expressando as relações sociais entre os membros da sociedade; elas adquirem também propriedades humanas na medida em que o trabalhador emprega nelas e deixa nas mesmas todas suas energias criativas – o processo de trabalho como vimos desumaniza o homem e humaniza a coisa.

Isso cria um paradoxo. Os homens tornam-se capazes de expressar sentimentos tipicamente humanos com relação a seus objetos materiais ou mesmo com relação a animais – amar um determinado carro ou uma certa roupa, ou ainda tratar um animal de estimação como membro da família – e de se comportarem como animais selvagens diante de outros homens numa briga, por exemplo.

Referências

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