Faculdade Boa Viagem
Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA
Mestrado em Administração
Michele Araujo da Costa Oliveira
O homem no espelho:
Uma busca de compreensão da identidade metrossexual
FACULDADE BOA VIAGEM
CENTRO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO- CPPA MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO DE ACESSO A TESES E DISSERTAÇÕES
Considerando a natureza das informações e compromissos assumidos com suas fontes, o acesso a monografias do Mestrado de Administração do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração da Faculdade Boa Viagem é definido em três graus:
"Grau 1": livre (sem prejuízo das referências ordinárias em citações diretas e indiretas);
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A classificação desta dissertação se encontra, abaixo, definida por seu autor.
Solicita-se aos depositários e usuários sua fiel observância, a fim de que se preservem as condições éticas e operacionais da pesquisa científica na área da administração.
___________________________________________________________________________
Título da Monografia: “O homem no espelho: Uma busca de compreensão da identidade
metrossexual”.
Nome da Autora: Michele Araujo da Costa Oliveira
Data da aprovação: 29 de julho de 2008.
Classificação, conforme especificação acima:
Grau 1
Grau 2
Grau 3
Recife, 2008
Michele Araujo da Costa Oliveira
O homem no espelho:
Uma busca de compreensão da identidade metrossexual
Orientador: Prof. André Luiz M. de Souza Leão, Doutor.
Dissertação apresentada como requisito
complementar para obtenção do grau de
Mestre em Administração, do Centro de
Pós-graduação e Pesquisa em Administração da
Faculdade Boa Viagem.
Michele Araujo da Costa Oliveira
O homem no espelho:
Uma busca de compreensão da identidade metrossexual
Banca examinadora:
Prof. André Luiz M. de Souza Leão, Doutor, FBV (orientador)
Prof. Sérgio C. Benício de Mello, Doutor, UFPE (examinador externo)
Aos meus pais,
Márcia e Reinaldo, que torcem sempre por mim,
e que, sem eles, não seria possível a realização deste projeto.
Ao amor da minha vida,
Mateus, por tornar o trilhar dessa caminhada mais tranqüilo,
Agradecimentos
Agradeço àqueles que de alguma forma compartilharam essa caminhada comigo.
A Deus por iluminar a minha mente e guiar meus passos.
Aos meus pais, Márcia e Reinaldo, que são minha fonte de inspiração, e que me
amam de forma incondicional.
A meu marido, Mateus, que esteve e está sempre ao meu lado apaziguando as minhas
inquietudes, com todo amor e dedicação.
Aos meus irmãos, Mirella e Rinaldo, por estarem sempre presentes.
Ao meu orientador, Prof. André Leão, que esteve sempre pronto a me atender,
exigindo na hora certa e prestando toda a orientação necessária para a realização desta
dissertação. Sem ele o caminho teria pedras difíceis de ser removidas.
A Manuela e tia Marta Lúcia, cujas conversas iluminaram minhas idéias e
pensamentos, e pelos livros emprestados, que foram fundamentais.
A Claydstone, meu tradutor oficial, por me atender sempre prontamente nos tropeços
com a língua inglesa.
A Silvana, por me acolher todos os finais de semana em seu apartamento, fazendo com
que eu me sentisse em casa.
A Cláudia, Dani, Raquel e ao meu chefe Sérgio, por tornarem possível minha ausência
ao trabalho na sexta-feira à tarde.
Aos participantes da pesquisa, pessoas fundamentais para a realização dessa
dissertação, por disponibilizarem, com carinho, tempo para conceder as entrevistas.
Aos colegas que indicaram pessoas do seu rol de amizade para que eu as pudessem
entrevistar.
Aos professores e colegas do mestrado por toda a contribuição intelectual, críticas e
A Albina, por sempre facilitar a caminhada.
A minha colega Carla, que começou o mestrado, mas não pôde concluir.
Enfim, gostaria de agradecer a todos que, de alguma forma, me incentivaram, torceram
Resumo
Cada vez mais a questão da identidade tem sido frequentemente debatida, uma vez que
velhas identidades estão sendo questionadas permitindo o surgimento de novas
possibilidades. As identidades que eram vistas como sólidas e fixas, hoje, com o “sujeito
pós-moderno” começam a se fragmentar. Isso se torna mais forte com a questão da
mundialização. Fala-se, assim, em identidade cultural, ou seja, o sujeito construído a partir
do cultural e do ambiente que ocupa. A questão do gênero é uma dessas construções. Se
antes se pensava a identidade de gênero como algo biológico, hoje é observado como
construção cultural. Neste aspecto, algumas abordagens sobre gênero focam essa construção
da identidade e a sua relação com o consumo, assim, o consumo passa a desempenhar um
papel central na construção das identidades. Tendo em vista esse novo panorama em relação
à identidade observamos que, dentre dessas novas possibilidades de identidade de gênero,
surge a identidade metrossexual. Esta começa a questionar o que se tinha como fixo em
relação à identidade masculina e passa a construir novas formas de esse masculino ser
enxergado e inserido na sociedade, uma vez que este tem assumido o que antes não estava
relacionado à masculinidade, seja através do consumo, seja através da forma de agir e se
comportar. Assim, o marketing precisa estar atento para esse novo mercado, ou seja, precisa
se preparar para atender a esse “novo homem”, que se olha no espelho, que se preocupa com
a aparência e o comportamento.
Abstract
Actualy the therm identity has been frequently discussed, since old identities are being
questioned allowing the emergence of new possibilities. The identities that were seen as solid
and fixed today with the subject post-modern is beginning to be piecemeal. It becomes
stronger with the issue of globalization. In this case, cultural identity is the subject constructed
from the cultural and environmental occupying. The identity of gender is one of those
buildings. If you thought before the identity of gender as something organic, we study now as
cultural construction. Here, some approaches that focus on gender construction of identity and
its relation to consumption, thus, consumption starts to play a central role in the construction
of identities. To this new outlook on the identity observed that, among these new possibilities
of gender identity, is the identity metrossexual. This begins to question what it was fixed in
relation to male identity and begins to build new forms of male be viewed and inserted into
society, because this is what made before was not related to masculinity, either through
consumption, is by way of acting and to behave. Therefore, marketing must be attentive to
this new market, that is, you need to prepare to meet this "new man", which looks in the
mirror, which is concerned about the appearance and behavior.
Lista de Figuras
1.1 Problemática ... 15
1.2 Pergunta de pesquisa ... 19
1.3 Justificativas ... 19
1.4 Escopo da pesquisa ... 20
2 Fundamentação Teórica ... 21
2.1 A identidade cultural na pós-modernidade ... 21
2.1.1 A identidade de gênero ... 28
2.1.2 A identidade masculina ... 34
2.1.3 A identidade metrossexual ... 39
2.2 O consumo na [pós-]modernidade ... 41
3 Aspectos metodológicos ... 46
3.1 Orientação paradigmática e tipo da pesquisa ... 46
3.2 Método de coleta de dados ... 48
3.3 Construção do corpus da pesquisa ... 50
3.4 Método de análise de dados ... 51
4 Descrição dos resultados ... 55
4.1 Subjetividade ... 55
4.1.1 Senso estético ... 56
4.1.1.1 Corpo ... 57
4.1.1.1.1 Beleza ... 57
4.1.1.1.2 Saúde ... 58
4.1.1.1.3 Envelhecimento ... 59
4.1.1.1.4 Dieta ... 60
4.1.1.1.5 Exercícios físicos ... 62
4.1.1.1.6 Procedimento cirúrgico ... 63
4.1.1.2 Vaidade ... 64
4.1.1.2.1 Bem-estar ... 64
4.1.1.2.2 Esforço ... 67
4.1.1.2.3 Higiene ... 68
4.1.1.2.4 Ritual ... 69
4.1.2 Características pessoais ... 71
4.1.2.1 Realização ... 71
4.1.2.1.1 Amor-próprio ... 71
4.1.2.1.2 Auto-estima ... 72
4.1.2.2 Traços de personalidade ... 73
4.1.2.2.1 Orgulho ... 74
4.1.2.2.2 Coragem ... 74
4.1.2.2.3 Tolerância ... 75
4.1.2.2.4 Exibição ... 76
4.1.2.3 Estilo de vida ... 76
4.1.2.3.1 Culto ... 77
4.1.2.3.2 Feminino ... 78
4.1.2.3.3 Estiloso ... 80
4.2 Alteridade ... 80
4.2.1 Avaliação ... 81
4.2.1.1 Preconceito ... 82
4.2.1.1.1 Masculinidade ... 82
4.2.1.1.2 Sexualidade ... 83
4.2.1.2 Apoio ... 84
4.2.1.2.2 Respeito ... 85
4.2.1.2.3 Aprovação ... 86
4.2.1.2.4 Aval ... 87
4.2.2 Imagem pessoal ... 89
4.2.2.1 Benefícios ... 89
4.2.2.1.1 Trabalho ... 89
4.2.2.1.2 Relações pessoais ... 91
4.2.2.2 Autenticidade ... 92
4.2.2.2.1 Ser referência ... 92
4.2.2.2.2 Suscitar inveja ... 94
4.2.2.2.3 Expressar sentimento ... 94
4.3 Relação com o mundo ... 97
4.3.1 Envolvimento ... 98
4.3.1.1 Dispêndio ... 99
4.3.1.1.1 Tempo ... 99
4.3.1.1.2 Dinheiro ... 101
4.3.1.2 Tipos de Produtos ... 103
4.3.1.2.1 Indumentária ... 103
4.3.1.2.2 Produtos de beleza ... 106
4.3.1.2.3 Serviços especializados ... 107
4.3.2 Cognição ... 108
4.3.2.1 Manter-se informado ... 108
4.3.2.1.1 Novos produtos/ tecnologias ... 108
4.3.2.1.2 Técnicas de cuidados ... 110
4.3.2.2 Influência externa ... 111
4.3.2.2.1 Mídia ... 112
4.3.2.2.2 Imagem de marca ... 113
5 Conclusões ... 116
5.1 Subjetividade ... 116
5.2 Alteridade ... 119
5.3 Relação com o mundo ... 121
6 Referências bibliográficas ... 125
1
Introdução
A questão da Identidade tem sido freqüentemente debatida, uma vez que mudanças
estão acontecendo, e velhas identidades estão sendo questionadas, dando espaço para novas
possibilidades.
Para alguns estudiosos, a pós-modernidade tem cooperado fortemente para a
possibilidade desses novos olhares. As identidades que eram vistas como sólidas e fixas
anteriormente, hoje, com o “sujeito pós-moderno”, começam a ser fragmentadas,
transformando-se continuamente; a serem vistas como algo móvel, em constante diálogo com
o social. “As identidades ganharam livre curso, e agora cabe a cada indivíduo, homem ou
mulher, capturá-las em pleno vôo, usando os seus próprios recursos e
ferramentas” (BAUMAN, 2005, p.35).
Isso se torna mais forte com a questão da mundialização1 e com a cultura que está
relacionada: uma cultura híbrida, sem demarcação de fronteiras. Assim, esta hibridização da
cultura produz identidades plurais. Por isso, pode-se afirmar que “num mundo de fronteiras
dissolvidas e de continuidades rompidas, as velhas certezas e hierarquias de identidades têm
sido postas em questão” (HALL, 2005, p.84). Isso é perceptível no momento atual, fazendo
com que ocorra a produção de novas identidades.
Se no iluminismo tínhamos um sujeito totalmente centrado, unificado, dotado das
capacidades da razão, hoje isso parece cair por terra. Para Hall (2005), o sujeito visto como
1 Renato Ortiz (2003) faz uma diferenciação entre Globalização e Mundialização. Segundo ele, o primeiro termo
tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de
uma única, mas de várias identidades.
Bauman (2005), por sua vez, afirma que a fragilidade da identidade não deve mais ser
ocultada, uma vez que a identidade não é sólida como uma rocha, nem é algo para toda a
vida, pois ela é negociável de acordo com os caminhos que o indivíduo escolhe e com a
forma como este age. Assim, segundo ele, o sujeito assume identidades diferentes em
diferentes momentos e percebe-se de que forma essa construção de identidade é algo
relacional.
Tendo isso em vista, Hall (2005) ressalta que na pós-modernidade as sociedades são
caracterizadas pela diferença; são atravessadas por diferentes divisões e antagonismos sociais
que produzem uma variedade de posições do sujeito. Woodward (2000) também aponta que a
identidade é relacional, marcada pela diferença, ou seja, a identidade é estabelecida por uma
marcação simbólica em detrimento de outras identidades. A identidade só existe porque há a
diferença. E é por essa demarcação de diferença que a sociedade passa a ser dividida em
grupos diferenciados. Assim, pode-se pensar sobre a construção do sujeito enquanto cultural
e inserido num espaço dinâmico e com ressonâncias históricas. Para Woodward (2000) a
cultura demarca fronteira e põe em evidência as diferentes identidades, uma vez que cada
cultura tem uma forma de enxergar o mundo, e é a partir dela que alguns são incluídos e
outros excluídos em determinada sociedade.
Dessa forma, fala-se em identidade cultural, ou seja, o sujeito construído a partir do
cultural e do ambiente que ocupa. Nesse sentido, a questão do gênero é uma dessas
construções ao colocar em cheque o que é ser masculino e feminino. Se antes se pensava a
identidade de gênero como algo biológico, hoje ela é observada como construção social e
1.1Problemática
Kacen (2000) faz uma abordagem sobre gênero focando essa construção da
identidade e a relacionando com o consumo. Ela afirma que, no século XX, o homem
produzia e a mulher comprava. O gênero era visto como algo bem definido, e o consumo era
bem delimitado para cada um deles. No entanto, “na era pós-moderna, a ascendência de uma
cultura de consumo tem destruído a diferença masculino-feminino, tornando todos um
consumidor” (KACEN, 2000, p.345).
A sociedade molda o gênero, pois existem regras que definem o que é ser feminino e
o que é ser masculino. Segundo Kacen (2000, p.346), “estes ideais convencionais e regras
prescritas de comportamentos tornaram-se os principais guias pelos quais os indivíduos são
julgados como pertencentes a este ou aquele sexo”. E isso tem uma conotação histórica,
visto que convenções foram institucionalizadas a fim de que fosse delimitado o que se
conceitua homem e mulher, regras, comportamentos, hábitos que os aprisionam em um
conceito.
Assim, na pós-modernidade a relação de consumo reflete uma abordagem irônica,
tomando outras formas. A identidade de gênero se mistura e ambos os conceitos, de
masculinidade e feminilidade, são resquícios de significados estraçalhados e de sentidos
mutáveis (KACEN, 2000). Dessa forma, o consumo desempenha um papel central na
construção das identidades, uma vez que, como afirma Bauman (2005), não é difícil
modificar aspectos e aparência da identidade, hoje essa possibilidade de mudança está
acessível e é possível para a maioria das pessoas. Isso ocorre porque, ao invés de a identidade
ser pré-estabelecida, como ocorria na modernidade, ela passa a ser construída também pelo
consumo. Este se torna peça chave no quebra cabeça da vida social. É através do consumo
De acordo com Campbell (2006, p.53), algum tempo atrás a identidade estava
relacionada muito mais com “o status e à posição que ocupava em várias instituições e
associações, como família, trabalho, religião, raça, etnia e nacionalidade” do que com algo
“tão insignificante quanto o gosto pessoal”. No entanto, percebemos que, atualmente, o que
era considerado “insignificante” assume outro papel, um papel decisivo na sociedade e na
construção das identidades. “É observando do que gostamos e do que não gostamos que
começamos a descobrir quem realmente somos” (CAMPBELL, 2006, p.53).
Neste sentido, Kacen (2000) afirma que uma das principais marcas da
pós-modernidade é a preocupação dos consumidores com a remodelagem de suas identidades
pessoais. Assim, os consumidores pós-modernos não compram qualquer bem de consumo
para expressar o que já são, mas o que desejam ser através do que adquiriu. De acordo Filho
et al. (2006) existir e consumir se aproximam e até se confundem. Para eles, o que se
consome diz muito de uma pessoa. O consumo, dessa forma, apresenta uma forte relação
com a questão identitária.
Campbell (2006. p.50) ressalta que o significado de consumir está frequentemente
relacionado “à afirmação, à confirmação, ou até mesmo à construção da identidade” e afirma
que as pessoas ao consumirem recriam-se, adotam ou até trocam de identidade de uma forma
muito simples, como se troca de roupa.
Na pós-modernidade, a identidade de gênero torna-se um produto cultural maleável,
um instrumento de auto-expressão. Assim, desconstruído em seus significados concretos, o
gênero é meramente um auto-elemento possível para adicionar a mistura da identidade
(KACEN, 2000).
Dessa forma, observamos que a relação do homem com o consumo tem se
modificado. De acordo com Kacen (2000), os homens têm se tornado uma parte do
imagem do corpo e a aparência que antes era associada à mulher. Assim, conceitos
pré-estabelecidos na modernidade como “coisa de homem” têm dado espaço para novas
possibilidades de construção da identidade de gênero. Observamos que, dentre dessas novas
possibilidades de identidade de gênero, surge a identidade metrossexual.
Os metrossexuais, como definem Mittal et al. (2008, p.441), “são homens urbanos
que têm um forte senso estético e que gastam muito tempo e dinheiro com sua aparência e
estilo de vida”. Assim, a existência da identidade metrossexual tem por base o seu elevado
senso estético, ou seja, ao dedicar seu tempo e dinheiro à aparência e às compras, assumindo
uma identidade que era vista como feminina, não perdendo, entretanto, suas características de
homem, mas incorporando novos conceitos.
De acordo com a pesquisa Adonis Report, desenvolvida pela 2B Brasil Marketing em
2003, e publicada na Revista Shopping Centers em 2006, intitulada “A hora e a vez da
Vaidade Masculina”, 71% dos homens consideram importante ter cabelos bem tratados, 76%
valorizam as unhas cuidadas e 58% se preocupam com a limpeza de pele. Dessa forma,
observamos que o homem urbano começa a se dedicar aos cuidados com a aparência. Isso
parece motivá-lo a ir às compras e fazer suas próprias escolhas.
Pretendemos, assim, compreender essa nova identidade, não como um novo gênero,
mas como uma variação comportamental. Ao se tornar consumidor ávido, o homem começa
a fazer parte do mundo do consumo de forma similar ao que historicamente foi da mulher.
Assumindo que o conceito de metrossexual começa a aniquilar o que se tinha como fixo em
relação à identidade masculina e passa a construir novas formas desse masculino ser
enxergado e inserido na sociedade, questionamo-nos como isso se faz possível.
Esse novo homem não está preocupado em defender sua posição de “macho” na
conquistar novos espaços e conceitos. Assim, cuida da sua aparência tendo em vista o
consumo de roupas, produtos de beleza, que já encontra no mercado, específicos para ele.
Como apresenta o estudo realizado por Ruth Helena Dweck (2005), as atividades
relativas aos serviços de beleza, que antes eram reconhecidas como tarefas femininas, passam
a ser requeridas pelos homens. Esse estudo mostra, ainda, que o Brasil é o sétimo país mais
vaidoso do mundo.
Durão (2006) afirma que os homens estão cada vez mais vaidosos e querem mais que
um simples corte de cabelo e uma barba bem feita. Segundo ela, serviços mais sofisticados
como luzes no cabelo ou depilação estão deixando de ser tabu ou uma exigência apenas das
mulheres.
Esse novo panorama nos parece característico da identidade metrossexual, uma vez
que esta tem assumido o que antes não estava relacionado à masculinidade, seja através do
consumo, seja através da forma de agir e se comportar.
O que tem sido questionado é esse papel que agora o homem-metrossexual vem
desempenhando no século XXI e que ao estudar esse comportamento começamos a
ressignificar alguns sensos comuns antes estabelecidos como verdades, ou seja, o homem
1.2Pergunta de pesquisa
Tendo em vista o exposto, debruçamo-nos sobre a seguinte questão de pesquisa como
guia de nossa investigação2:
Como é possível a identidade metrossexual?
1.3
Justificativas
Percebe-se tanto uma questão teórica quanto prática a ser compreendida através desse
estudo. Teórica porque a questão da identidade metrossexual é relativamente nova e ainda
desconhecida. Falar de masculino, no século XXI, acarreta outros conceitos diferentes dos
que existiam, uma vez que mudanças vêm sendo sofridas em relação ao longo dos anos,
tendo em vista que os homens parecem não estar se sentindo confortáveis diante dos
conceitos estabelecidos para eles, como sendo o homem não emotivo, que deve provar sua
masculinidade sempre, cuja principal função era ser o provedor da família. O que se verifica
com essas mudanças é o masculino se desvinculando desses conceitos e passando a cuidar
mais de si, da sua aparência, como observamos com essa nova identidade metrossexual.
Dessa forma, buscaremos contribuir com a literatura a respeito dessa identidade, uma vez que
são poucos os estudos voltados para ela.
2
A questão prática diz respeito ao fato de que o mercado precisa se preparar para
atender esse “novo homem”, que se olha no espelho, que se preocupa com a aparência e o
comportamento.
Assim, tendo em vista que essa parcela da população só tende a crescer, para o
marketing essa compreensão é fundamental, uma vez que para atingir os consumidores
devem-se conhecer quais são seus gostos, necessidades, que ambientes lhes interessam, suas
características específicas, enfim, informações necessárias para alcançá-los.
1.4
Escopo da pesquisa
Este estudo não tem como objetivo esgotar o assunto sobre a identidade metrossexual,
mas sim ter uma compreensão sobre este tema que começa a ser debatido na
contemporaneidade e é um conceito construído historicamente e em processo de
(re)construção e/ou questionamento.
Definimos como limite desta pesquisa o acesso a sujeitos apenas das cidades de João
Pessoa e Campina Grande, no estado da Paraíba, e de Recife, em Pernambuco. Esta
definição, por sua vez, não chega a ser uma limitação, uma vez que a delimitação do espaço
territorial coberto pela pesquisa não é fator determinante para uma noção de identidade
cultural, tendo em vista que esta se configura, num sentido pós-moderno, como
2 Fundamentação Teórica
Tendo em vista que esta pesquisa visa à compreensão da identidade metrossexual, e
sabendo que a questão da identidade vem assumindo novas possibilidades que são formadas
no social e cultural, buscaremos percorrer a questão da identidade cultural nos dias atuais,
vislumbrando como ela vem sendo discutida, uma vez que esta vem sofrendo um série de
modificações e deixando de ser sólida e unificada, como acreditava-se anteriormente. A partir
disso, nos aprofundaremos na questão da identidade de gênero, e mais especificamente na
identidade metrossexual, uma vez que novas construções de identidade vêm sendo percebidas.
Por fim, ao acreditarmos que o consumo, antes visto como fazendo parte do meio
feminino, e hoje, fazendo parte do mundo masculino, é fundamental na construção de novas
identidades, enveredaremos por essa discussão, tendo em vista não o consumo utilitarista, mas
o consumo simbólico.
A partir dessas discussões, buscaremos o maior entendimento da identidade
metrossexual e o que a torna possível.
2.1A identidade cultural na pós-modernidade
A identidade tem sido um tema discutido nos dias atuais, principalmente como uma
produção histórica a partir de construções discursivas que institucionalizam e/ou legitimam
de instituições que elaboram e convencionalizam um resultado bem-sucedido de articulação
ou fixação do sujeito aos fluxos desses discursos. Michel Foucault em A Ordem do Discurso
(1996) já discute sobre isso quando fala
[...] suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. (FOUCAULT, 2006. p.8-9).
Um discurso que constitui identificações aos sujeitos e que institucionaliza, controla,
organiza de que forma devemos pensar sobre ele. Por isso falamos que essa produção da
identidade está intimamente ligada não só a esse controle que instituições fazem, mas como
distribuem, pois quando falamos em identidade cultural falamos de comunidades e de que
forma estas dão resposta a essa produção. Assim, essa produção não é aleatória, ela tem um
projeto político e histórico. Se hoje debatemos sobre um sujeito descentrado, com identidade
que são construções, é porque todo um debate sobre isso já foi levantado e abordado por
teóricos que passaram a questionar sobre o sujeito pronto, acabado, sem historicidade. Um
dos autores que abordam esse questionamento é Stuart Hall, no seu livro “A Identidade
Cultural na Pós-Modernidade”(2005). Com este autor percebemos que a construção do
sujeito é multifacetada, está relacionada às suas identificações sociais e culturais,
principalmente políticas. Assim, a identidade é frágil, fragmentada e sempre em construção.
Dessa forma, todo um debate literário sobre esse tema nos proporciona cada vez mais
rumos inesperados e nos deparamos com outras definições de identidade. O que antes tinha
seu lugar definido parece dissolver-se e transformar-se. Assim, o que se tinha como
No final do século XX, então, temos todo um questionamento sobre essas práticas
culturais de construção de identidade. E isso afeta paisagens culturais de gênero, classe,
sexualidade, etnia, raça e nacionalidade. E como Hall ressalta:
Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um ‘sentido de si’ estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. (HALL, 2005, p.09)
Assim, esse “sentido de si”, destacado por Hall, e que podemos definir como a
identificação que fazemos de nós mesmos, passa a ser questionado como algo integrado,
sólido no final do século em questão. Um momento que, para o autor, é fundamental para
estudarmos o duplo deslocamento desse sujeito: descentramento tanto do seu lugar social e
cultural quanto de si mesmo. Assim, é nesse final do século XX o período de crise de
identidade que não é vista como coerente e estável, mas como um processo de construção. Ou
seja, o sujeito visto como
Uma figura discursiva, cuja forma unificada e identidade racional eram pressupostas tanto pelos discursos do pensamento moderno quanto pelos processos que moldaram a modernidade, sendo-lhe essenciais (...) Essas mundanças sublinham a afirmação básica de que as conceptualizações do sujeito mudam e, portanto, têm uma história. Uma vez que o sujeito moderno emergiu num momento particular (seu ‘nascimento’) e tem uma história, segue-se que ele também pode mudar e, de fato, sob certas circunstâncias, podemos mesmo contemplar sua ‘morte’ (HALL. 2005, p.24)
Sendo assim, Hall complementa o que Michel Foucault já fala sobre essas práticas
discursivas e como sua materialidade é pesada e temível, ou seja, desde o século XVI, com o
Renascimento e com a promoção do indivíduo moderno, centrado, racional, até o século
XVIII com o discurso científico, a filosofia e o sujeito iluminista do conhecimento, da prática,
da individualidade que coloca em questão a ordem social, econômica e, principalmente,
religiosa com o estudo da lógica, da matemática que passou a definir o indivíduo como uma
entidade maior. E, assim, “o argumento começava com os indivíduos, que tinham uma
ser visto como mais localizado e definido no interior dessas grandes estruturas e quem
legitimou muito esse espaço. Segundo Hall (2005, p.30), foi a biologia darwiniana que dizia
que a razão “tinha uma base na Natureza e a mente um ‘fundamento’no desenvolvimento
físico do cérebro humano”. Assim como Darwin, a sociologia também materializou esse
sujeito racional e caracterizou sua relação com a sociedade a partir de uma ‘externalização’ do
interior e ‘internalização’ do exterior do sujeito, ou seja, ele é uma construção do social que
está inserido: externaliza ou coloca em prática o que foi internalizado pelo ambiente que vive.
E aqui, “encontramos a figura do indivíduo isolado, exilado ou alienado, colocado contra o
pano-de-fundo da multidão ou da metrópole anônima e impessoal” (HALL,2005, p. 32).
Bauman (2005), por sua vez, afirma que a discussão sobre identidade é de extrema
importância e deve ser evidenciada:
As afiliações sociais – mais ou menos herdadas – que são tradicionalmente atribuídas aos indivíduos como definição de identidade: raça ... gênero, país ou local de nascimento, família e classe social agora estão... se tornando menos importantes, diluídas e alteradas nos países mais avançados do ponto de vista tecnológico e econômico. Ao mesmo tempo, há a ânsia e as tentativas de encontrar ou criar novos grupos com os quais se vivencie o pertencimento e que possam facilitar a construção da identidade. (BAUMAN, 2005, p. 30-31)
O final do século XX, então, vem questionar tudo isso. E como vimos nascer um
sujeito moderno baseado na definição da razão, da ciência que tudo comprova, legitima e esse
sujeito participante de uma sociedade que lhe dá definição, vemos que não há uma essência
universal de homem e a identidade é realmente algo formado ao longo do tempo, através de
processos inconscientes, e não algo inato. Por isso, “a identidade surge não tanto da plenitude
da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é
‘preenchida’ a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser
vistos por outros.” (HALL, 2005, p.39).
nosso nascimento. E por isso Hall falar que estamos em constante busca da “identidade”, ou
seja, nos construímos dia-a-dia.
Dessa forma, percebe-se que essa construção do século XVIII teve um projeto político
e cultural baseado na ordem, no progresso, na proposta de uma sociedade que passava a
construir uma idéia de homem, de mulher, de criança. A partir do final do século XX, com a
discussão da pós-modernidade, o sujeito é conceituado como pós-moderno e, assim, a
fragmentação e a liquidez tomam conta de alguns questionamentos. O que se percebe é que
essa unificação toma outros rumos, e o sujeito começa a ser definido como fragmentado. A
partir de então, “a identidade torna-se uma celebração móvel, formada e transformada
continuamente” (HALL, 2005, p.12). Construída nas vivências e convivências, no contato
com o outro.
Assim, a idéia de uma identidade única, estabelecida e definida, passa a ser vista como
não fazendo sentido. A partir disso, o estudo dessa identidade que está continuamente sendo
transformada está intimamente ligado ao lugar em que o sujeito está, ou seja, o indivíduo
assume identidades diferentes dependendo de onde se encontre, dos papéis sociais que
desempenha, seja no convívio familiar, profissional, com os amigos, entre outros. Como
afirma Woodward (2000, p.30), “somos posicionados – e também posicionamos a nós mesmo
- de acordo com ‘os campos sociais’ nos quais estamos atuando”.
O indivíduo social “perde” sua base solidificada na modernidade e passa por grandes
transformações na pós-modernidade. Essas transformações ocorrem pelas novas
possibilidades que o sujeito pós-moderno apresenta diante de uma sociedade em contínuas
mudanças e aceitações. Essa nova sociedade parece abrir espaço para o diferente, torna-se
maleável para o que antes era conhecido como “o estranho”, o fora do “padrão”. Na fase
contemporânea, as identidades são assumidas de forma mais livre, e o “padrão” começa a ser
que o indivíduo livremente flutuante, desimpedido, é o herói popular, ‘estar fixo’ – ser
‘identificado’ de modo inflexível e sem alternativa – é algo cada vez mais malvisto”.
Esse novo panorama das questões identitárias abre novas possibilidades e quebra com
a idéia de certo e errado. Já não se tem uma única identidade, não há mais a necessidade da
existência de um ser unificado e totalmente centrado. A identidade não é algo inato, mas em
constante construção. A identidade cultural na pós-modernidade é livre para novos olhares,
para novos caminhos. Com isso ocorre a possibilidade da pluralização das identidades, de
jogar o jogo das identidades. O que liberta o sujeito de seus apoios estáveis nas tradições e
estruturas (HALL, 2005).
Um dos grandes acontecimentos que contribui para o deslocamento da identidade é a
globalização, que derruba fronteiras, acelera os fluxo e laços entre as nações, de modo que o
mundo se torna menor, diminuindo as distâncias (HALL, 2005). É através dela que o mundo
se conecta em poucos segundos, a barreira de tempo e espaço já não existe. É no conhecer de
outras culturas e identidades que o sujeito toma conhecimento de novos mundos, e a aceitação
do novo parece estar se tornando comum. Novas combinações parecem desordenar o
ordenado.
Se, como afirma Hall (2005), a identidade nacional era vista como uma das principais
fontes de identidade cultural, na pós-modernidade esta se faz mais desvinculada da
nacionalidade. A tentativa de manter uma identidade nacional tendo por base as antigas
certezas, já não parece mais possível. Woodward (2000, p. 36) afirma que “as identidades
estão em crise porque as estruturas tradicionais de pertencimento, baseada nas relações de
classe, no partido e na nação-estado estão sendo questionadas”. O que se observa são as
construções da identidade fundamentadas nos estilos de vida, nas opções do que se quer ser.
Para Woodward (2000), isso se dá nas posições que assumimos e com as quais nos
A mundialização, ao tornar os espaços menos distantes, torna as culturas mais
semelhantes, e a nacionalidade menos distintiva em relação à identidade. No entanto, vale
ressaltar que, apesar de as semelhanças serem indiscutíveis, as particularidades de cada
cultura são consideradas fatores importantes. O mundo está cada vez mais interligado, as
culturas mais intercambiáveis, e é através desse intercâmbio que as identidades nacionais se
mesclam. Mas, ao mesmo tempo em que as identidades tendem a se tornarem homogêneas, há
também fascinações com a diferença, há o impacto do “global” como o novo interesse pelo
“local” (HALL, 2005).
Para Woodward (2000), a discussão da diferença tem relação com a identidade, uma
vez que a identidade é marcada pela diferença, na relação, na convivência com o outro. Com
isso, ela afirma que existe tal identidade porque existem outras. A identidade é marcada “pelo
que se é” e a diferença pelo “aquilo que o outro é” (SILVA, 2000, p.74). Dessa forma, se o
mundo, as culturas e as nacionalidades fossem homogêneas, a discussão do que é a identidade
não teria razão de ser, uma vez que não existiria diferença, o “eu sou” e o “ele é” não fariam
sentido. O conceito de diferença em relação à identidade se aplica tendo em vista a existência
de diferentes “outros”, de diferentes culturas e relações sociais.
Outro aspecto que deve ser observado em relação à identidade e diferença, é que elas
são atos de criação lingüísticos, ou seja, elas são produzidas. Não são inatas ao sujeito, mas
são firmadas pela cultura. É através dos atos lingüísticos que os signos são formados, eles só
adquirem valor ou sentido numa cadeia infinita de outras marcas gráficas ou fonéticas que são
diferentes deles (SILVA, 2000).
Esses atos lingüísticos permitem que os sujeitos de determinada comunidade
comuniquem-se e compreendam-se, por utilizarem um mesmo sistema de regras e que está
relacionado com a produção de discurso. Discurso, este, que passa a legitimar o que é ser
Tendo em vista que a língua é um contrato coletivo na qual os membros de uma
comunidade submetem para poderem se comunicar, ela é de fundamental importância para
entender esse processo de construção da identidade. Isso se dá porque é através dela que se
legitimam lugares, ou seja, é “por meio dos atos da fala que instituímos a identidade e a
diferença como tais” (SILVA, 2000, p. 77). Dessa forma observa-se que cada comunidade
tem suas “regras” lingüísticas e é através delas que se diferenciam uma das outras.
No entanto, vale ressaltar que a linguagem é instável, uma vez que o signo é uma
marca que está no lugar de outra coisa, ou seja, não há nada nele que remeta a algo existente,
ele representa uma coisa em detrimento do que essa coisa não é. Assim, o signo é marcado
pela diferença e sua a existência adquire sentido tendo por base os outros signos e o contexto
cultural, como a identidade e a diferença.
2.1.1A identidade de gênero
Discutir sobre identidade na contemporaneidade tem sido uma tarefa necessária para
muitos estudiosos que percebem transformações ao longo do tempo, e entre elas, destaca-se a
identidade de gênero que era considerada não como uma construção social e que hoje tem
sido questionada como sólida dentro de uma sociedade, ou seja, tem apenas uma definição do
que vem a ser masculino e/ou feminino.
Para debatermos sobre a identidade de gênero, parece-nos necessário observarmos um
pouco de história, e o que levou a essa discussão. De acordo com Cecchetto (2004), até
pouco tempo atrás, as questões de gênero não eram contestadas, pois eram vistas como
inscritas na natureza, ou seja, determinado pelas diferenças biológicas. No entanto, segundo a
autora:
mulher variam de cultura para cultura e de época para época chega a ser um lugar comum, pois atualmente ninguém (ou quase ninguém) acredita mais que as diferenças de comportamento entre os sexos possam ser explicadas somente em termos de diferenças biológicas. (CECCHETTO, 2004, p. 51)
Pinho (2004, p.65), afirma, por sua vez, que o movimento feminista3 provocou um
“abalo sísmico nas identidades e nas políticas de representação”, e complementa que além
desse movimento, os movimentos dos gays e lésbicas em busca da liberdade sexual e dos
direitos humanos fizeram emergir a categoria gênero. Segundo o autor, não apenas a mulher
“foi desenhada na história pela pena do poder e da dominação masculina, mas o próprio
homem descobriu-se surpreso quando percebeu que também era um artefato de gênero”.
Assim, o que está em debate, hoje, é que na sociedade pós-moderna noções
tradicionais de feminilidade e masculinidade se cruzam como sendo antiquadas e ilusórias
como destaca KACEN (2000). O que se observa são os caminhos para novas direções, para
novas possibilidades e muitas certezas se tornam incertas e novas identidades de gênero são
formadas, como é o caso do metrossexual, por exemplo.
Diante desse novo panorama, em freqüentes transformações e construções, (re)discutir
o sujeito é um dos principais pontos e desta forma percebe-se como ele está em constantes
mudanças. Kacen (2000) ressalta que o novo milênio oferece uma oportunidade para
apagarmos a lista, de abandonar conceitos, modelos e fórmulas. As certezas, a rigidez e
solidez dos conceitos e definições que se tinham anteriormente se tornam líquidas. Visões
modernas tradicionais de gênero e identidade de gênero não são mais aceitas. Novas
construções vêm sendo elaboradas e assim percebe-se uma sociedade em constantes
modificações não apenas econômicas, mas também culturais.
Segundo Louro (1999, p.11), “as inscrições de gênero - feminino ou masculino - é
feita sempre no contexto de uma determinada cultura e, portanto, com as marcas dessa cultura
3 Nolasco (1993) discorda que o movimento feminista impulsionou a crise da identidade masculina, para ele
(...) compostas e definidas por relações sociais”. A identidade masculina e feminina não
apresenta características inatas, como afirma Kacen (2000), tal identidade é determinada por
um senso de distinção de uma sociedade sobre o que é essencial para um e/ ou característico
para outro e vice-e-versa. Assim percebemos que a identidade de gênero é condicionada pela
sociedade, e não definida pelas genitálias. Como afirma Solomon (2002, p. 122) o gênero
biológico de uma pessoa não vai determinar se ela exibirá características “esteriotipadamente
associadas a um ou a outro gênero”.
Uma vez que a identidade de gênero se dá no contexto cultural, observa-se que essa
identidade é construída tendo por base o ambiente em que se vive, a família, os amigos, a
escola. Os conceitos pré-estabelecidos do que se é homem e do que se é mulher, e regras
ditam quais são as características e quais devem ser os comportamentos de cada um desses
sexos, ou seja, o que é ser feminina e o que é ser masculino.
Oliveira (2004) discute, em seu livro “A construção social da masculinidade”, toda
uma trajetória sobre a masculinidade, ressaltando alguns aspectos da feminilidade, e afirma
que na sociedade burguesa as funções da mulher foram claramente definidas, a elas cabiam a
função de mãe, educadora, provedora do afeto e carinho; aos homens, ficaria destinada a
esfera pública, a esfera do poder, havendo dessa forma uma separação de característica e
comportamentos típicos de cada gênero. Segundo o autor, para um ideal de masculinidade,
“as qualidades como autocontrole, disciplina, força, iniciativa, coragem, responsabilidade etc,
definiam as virtudes sociais” (OLIVEIRA, 2004, p. 79).
No entanto, verificamos que alguns desses pré-conceitos estão se tornando fluídos, e
novas possibilidades e construções tomam fôlego no que muitos chamam “pós-modernidade”.
Para Solomon (2002, p. 123) “a concepção tradicional do homem ideal como alguém duro,
agressivo e musculoso (...) não morreu, mas a definição da sociedade do papel masculino está
Dessa forma, observamos que está ocorrendo hibridação dos gêneros, homens já
podem chorar, já podem se dizer sensíveis; mulheres, por sua vez, já podem ser chefes de
família, não são apenas mães ou donas-de-casa, mas podem ser profissionais, ter seu lugar no
mercado de trabalho.
A identidade de gênero, na pós-modernidade, não é mais um simples fato natural, mas
um pastiche de possibilidades. E é nesse pastiche de possibilidades que ocorre o
reconhecimento do outro; homens assumem seu lado “feminino” e mulheres seu lado
“masculino”, não no sentido de ser tornarem afeminados ou masculinizadas, mas assumem
características e comportamentos que antes eram exclusivos do outro. Na opinião de Louro
(1999, p.12), “somos sujeitos de identidades transitórias e contingentes, portanto as
identidades de gênero têm o caráter fragmentado, instável, histórico e plural”. Somos sujeitos
de muitas identidades, e algumas identidades, que assumimos como atraentes, podem se
tornar depois descartáveis, rejeitadas e abandonadas.
Para Oliveira (2004), as alterações que começavam a ser apontadas em relação à
sociedade moderna começam se efetivar e estão “desmantelando uma série de instituições e
certezas que foram fundamentais para erigir os diversos ideais da modernidade” (p. 83).
Dessa forma, já não se tem mais uma única identidade, mas papéis são interpretados
dependendo do contexto, ou seja, uma mãe que é carinhosa e dócil com seu filho em casa
pode ser feroz como chefe em uma empresa. Os homens, por sua vez, que sustentam sua
imagem de “macho” no ambiente de trabalho ou no meio social, podem ser o pai mais
sensível no lar. E as possibilidades não acabam.
Com a mundialização, as transformações estão sendo fortificadas, vê-se que as
culturas mesclam-se, e conhecer o desconhecido vem provocando desconstruções e novas
virtual, os indivíduos podem mudar facilmente como mudam de roupa. Através da internet é
possível que várias identidades de gênero sejam assumidas.
No mundo virtual tudo parece ser permitido, pois os usuários usam as “máscaras” que
quiserem, atuam no papel que melhor lhes convir. Nesse caso, a questão de gênero ditada pela
sociedade e seus atributos parecem ficar em segundo plano, pois não há cobranças de que se
siga o que é certo, do ponto de vista sócio-cultural. E é nesse exercício de ser o outro, de
conhecer mais facilmente que existem outras possibilidades e novas construções que os
sujeitos encontram forças de expressar isso no mundo real.
Diante dessas novas possibilidades, é fundamental destacarmos que o consumo tem
permeado essas novas construções de identidade e exercido papel fundamental nesse novo
contexto.
Selecionar os meios necessários para conseguir uma identidade alternativa de sua escolha não é mais um problema (isto é, se você tem dinheiro suficiente para adquirir a parafernália obrigatória). Está à sua espera nas lojas um traje que vai transformá-lo imediatamente no personagem que você quer ser, quer ser visto sendo e quer ser reconhecido como tal. (BAUMAN, 2005, p.91)
Para Solomon (2002, p.118), é preciso de uma “constelação de produtos” para que um
“ator represente um papel de forma convincente”, pois é através dos bens de um indivíduo
que ele é inserido em um “papel social”. E afirma ainda que, os objetos podem reforçar as
identidades do consumidor.
Assim, a identidade que antes era construída tendo por base a família, os amigos, a
escola, apresenta outras possibilidades discutidas na contemporaneidade:
O consumo assume papel central na construção da identidade, uma vez que ele carrega
significados simbólicos, e estes significados definem a que grupo determinada pessoa
pertence. O que o indivíduo consome diz muito a respeito de sua identidade, do seu estilo de
vida e o faz interagir com a sociedade, uma vez que o aloca em determinados grupos.
De acordo com Woodward (2000), a identidade é marcada por símbolos e há uma
relação entre a identidade da pessoa e o que ela usa. Assim, para a autora, a identidade é tanto
social quanto simbólica:
O social e o simbólico referem-se a dois processos diferentes, mas cada um deles é necessário para a construção e manutenção das identidades. A marcação simbólica é o meio pelo qual damos sentido a práticas e relações sociais, definindo, por exemplo, quem é excluído e quem é incluído. (WOODWARD, 2000, p.14).
É através dessa nova faceta que o consumo acrescenta à identidade que Kacen (2000)
diz que a ética do consumo tem desconstruído a dicotomia “mente-corpo,
masculino-feminino” do consumidor-produtor e faz da construção da identidade um passatempo de
consumo.
O que se observava, na “modernidade”, era a exigência do padrão da beleza feminina,
o culto ao corpo. Na pós-modernidade, essa exigência permanece e cada vez mais forte, mas
começa a ser uma exigência também para o homem, o que descaracteriza a estabilidade sólida
do gênero masculino. Essas novas exigências para com o homem estimulam o consumo, uma
vez que se espera que ele esteja cada vez mais bem cuidado, bonito e atraente. Para Oliveira
(2004, p. 90), o consumidor “passa a ser peça-chave de inteligibilidade da pós-modernidade,
deslocando e substituindo a figura do soldado/trabalhador da modernidade”.
A mídia influencia fortemente nessa descaracterização e estimula as novas formas de
consumo. Na propaganda, o homem sempre foi retratado como sendo marido ou homem de
negócios, e a mulher como dona-de-casa, mãe e que se preocupa com a beleza. Mas nos dias
passam a ser mostradas como “mulheres” e não apenas mães, e também como profissionais.
Não existe mais o “papel da mulher” e o “papel do homem”, esses papéis muitas vezes se
invertem. Além disso, muitas empresas têm estimulado a vaidade masculina e o cuidado com
a aparência, lançando no mercado produtos específicos para ele.
Como afirma Kacen (2000), com o tempo os produtos e a publicidade removem os
significados dos sentidos de gênero. A publicidade que se volta para o corpo masculino
condiciona os homens a estarem preocupados com a aparência. Segundo a autora, o
crescimento dos produtos de cosméticos masculinos é uma evidência aprofundada da
ofuscação da identidade de gênero. Produtos que eram tidos como produtos exclusivamente
femininos passam a ser consumidos pelos homens. Eles passam a consumir creme para rugas,
hidratantes corporais, fazem as sobrancelhas, unhas, i.e., não querem mais passar apenas a
imagem do homem forte, trabalhador, racional, mas sim de homens bem cuidados. Dessa
forma, a instabilidade e fluidez do que é ser homem ou mulher passa a ser demarcada através
do consumo.
2.1.2
A identidade masculina
A sociedade vem construindo, durante muitos anos, a idéia do que é ser masculino
baseando-se na cultura. Há todo um discurso formado sobre isso. E a masculinidade vem
sendo debatida por vários autores que discutem sobre ela em suas obras (Nolasco, 1993, 1995,
1997; Badinter, 1993; Oliveira, 2004; Pinho, 2004; Ceccheto, 2004).
Como afirma Badinter (1993), ser homem exige esforços que não são exigidos para as
mulheres, uma vez que a masculinidade parece ser algo que deve ser evidenciada por todo o
esteja sempre ressaltando sua virilidade diante da sociedade. Segundo a autora, há deveres e
tarefas a serem cumpridas na intenção de se tornar homem e provar isso.
A masculinidade, ao ter sido construída tendo por base a cultura, tomou para si várias
regras difundidas e assumidas como certas. Nolasco (1993) exemplifica isso ao dizer que a
socialização dos meninos se dá a partir de diversos pressupostos impostos, como o fato de não
poder chorar, de não poder brincar com brinquedos vistos como femininos, de não poder
abraçar outro menino, não ser medroso. Percebe-se assim que a sociedade está
constantemente em observação sobre o comportamento masculino. A cultura define o que é
ser masculino e feminino. Assim, a identidade masculina passou a ser construída tendo por
base a negação da identidade feminina, ou seja, era necessário que o homem fosse inverso à
mulher.
Com o patriarcado, a masculinidade foi vangloriada e mostrada como algo superior à
feminilidade. O homem passa a ser visto como o mais forte, mais racional, mais inteligente. O
masculino representa a ordem e progresso, enquanto o feminino, a castidade, a pureza, a
beleza sensual. Isso caracterizava a submissão feminina (Badinter, 1993; Oliveira, 2004).
Havia assim uma necessidade masculina de se mostrar o quanto mais masculino possível, e
para a sociedade, quanto mais masculino fosse o homem melhor. Observamos, assim, que
para os homens havia uma necessidade de vigiar-se todo o tempo, com o intuito de provar sua
masculinidade e defender o seu lugar de ser superior.
Como afirma Nolasco (1993), o homem é estimulado pela sociedade, família,
escola a desempenhar seu papel de macho, ou seja, calar o sofrimento, o prazer, a fantasia.
Durante muito tempo foi exigido do homem que mesmo em situações difíceis ele não deveria
mostrar fraqueza ou chorar, ao contrário, deveria agir com firmeza, desenvolvendo, com isso,
comportamentos agressivos e autoritários. Assim foi incorporado desde cedo a desvalorização
Se antes, no dizer de Nolasco (1993), qualquer comportamento que não identificasse o
homem como machão era considerado duvidoso, hoje essa masculinidade passa a ser
repensada.
Para o autor está havendo uma reavaliação sobre a identidade masculina que
possibilita repensar o caminho seguido pelos homens para compreenderem a si mesmos,
observando como formularam suas vidas a partir dos modelos de masculinidade que lhes
serviram de referência.
Fala-se da crise/desconstrução do masculino. Para Pinho (2004, p. 67), essa suposta
crise, que não existia anteriormente uma vez que a identidade masculina não era questionada,
se dá com a emancipação das mulheres, fazendo com que os homens passem a assumir novas
atividades; “o homem precisa também compartilhar o cuidado das crianças, lavar a louça e
aceitar o trabalho feminino fora de casa”. E complementa, “essa crise se refere também ao
surgimento do novo homem, ainda colado à norma heterossexual, mas sensibilizados pelos
valores femininos: sensibilidade, vaidade, intuição” (PINHO, 2004, p. 68).
Para Cecchetto (2004) a crise dos papéis masculinos pode ser explicada pelo
afastamento da maioria dos homens do padrão original percebido e legitimado como
socialmente hegemônico.
Se as referências masculinas foram construídas tendo por base o trabalho, a força, o
desempenho sexual, a falta de sentimento, hoje, há todo um debate sobre essa identidade, uma
vez que ela passa a adquirir novas formas de se mostrar e parece haver uma insatisfação por
parte dos próprios homens de sustentar o que foi construído para eles durante a história.
É nesse novo panorama que surge o que podemos chamar de men´s studies,
inaugurado pelos americanos. Para Badinter (1993), começa-se a introduzir os estudos sobre a
masculinidade a partir da vontade dos homens de romper com o esquema milenar que foi
busca pelo men´s studies, pois antes do feminismo despontado na década de 60, os homens
sabiam muito bem o que eram e não havia necessidade de se questionar a identidade dos
mesmos. Com o feminismo, houve a busca pelo fim das diferenças entre os papéis e da
superioridade masculina. Assim, os pontos de referência masculina começam a desaparecer e
o homem do final do século XX não sabe como se definir (Badinter, 1993, p.5).
O entrelaçar dos papéis e a própria vontade masculina de se desvencilhar do que foi
imposto para o homem durante muito tempo tem cooperado para que haja um desconstruir e
uma nova construção da masculinidade. De acordo com Badinter (1993), os especialistas dos
men´s studies não acreditam numa masculinidade única e contestam o papel da biologia como
fator primeiro na formação das identidades. Se antes se tinha o sexo como definidor de
papéis, hoje esse lado biológico passa a não ser levado em consideração da mesma forma.
Os homens, ao começarem a perder seu lugar de soberania tão fortemente defendido
no sistema patriarcal, vão em busca de novas bases de sustentação, bases essas que os tornam
mais confortáveis e que constroem novas identidades.
De acordo com Nolasco (1993), os homens têm buscado discutir a respeito do que foi
imposto para eles durantes anos, e começam a avaliar a questão da sexualidade, paternidade,
identidade social, uma vez que a identidade imposta para eles o fez silenciar e não ouvir o que
sentem. Há um busca por novos trilhares, uma busca por uma nova forma de estar no mundo.
Ainda segundo a autora, o homem se situa em um mundo fragmentado, no qual a identidade
imposta durante muitos anos começa a se esfacelar e não há uma outra identidade que faça
com que ele se sinta mais integrado. O homem busca uma identidade que o permita se sentir
mais confortável na sociedade e com ele mesmo, tendo em vista a reavaliação com a relação
com o trabalho e com a emoção, os sentimentos.
Muito se tem discutido sobre o surgimento desse “novo homem”, e os autores
De acordo, com Nolasco (1993), foi na intensidade e na força cultural dos anos 60 que os
temas sobre o “novo homem” começam a ser debatidos. Para ele toda essa discussão permite
que os homens possam romper com a solidão do isolamento afetivo, aprendido com o pai.
Diante desse novo panorama, busca-se um “homem sensível, mas sem que isso comprometa
sua virilidade; do mesmo modo, ele deverá ter iniciativa na vida, sem que, com isso, seja
agressivo, violento ou competitivo” (Nolasco, 1997, p.21). Observamos assim, que o homem
não tem um caminho fácil a seguir, ao mesmo tempo que é cobrado que ele seja homem de
verdade, é cobrado também um homem mais sensível, mais “dono-de-casa”, que se cuide e
demonstre seus sentimentos.
Para Nolasco (1997), a crise da masculinidade se define tendo por base a transição que
vivemos no mundo contemporâneo, uma vez que tudo se torna obsoleto e procura-se o prazer,
as sensações novas. A sociedade, para o autor, se organiza tendo por base os pilares do
materialismo, do hedonismo, da permissividade, do relativismo e do consumismo. Busca-se o
reconhecimento pessoal, sensações novas onde cada um pode ditar suas regras, e o
consumismo surge como mola propulsora da sociedade contemporânea. A sociedade troca
ideais por produtos (Nolasco, 1997, p. 16).
É nesse novo olhar que observamos novas possibilidades em relação à identidade
masculina, não estamos falando aqui em um novo gênero, mas enfatizando a possibilidade de
novos olhares para o que vem a ser homem, ou seja, defendendo a idéia de várias
2.1.3
A identidade metrossexual
A definição do que vem a ser homem está mudando. Segundo Garcia (2004), sustentar
um discurso sobre a masculinidade, hoje, torna-se algo bastante insuportável, frágil e
perigoso, pois há uma vasta crise das representações identitárias.
Observamos, então, o surgimento do homem metrossexual. O termo metrossexual é
relativamente novo, foi citado pela primeira vez na década de 90, mais especificamente em
1994, pelo jornalista Mark Simpson em seu artigo “Here Comes the mirror men”, publicado
no Jornal The Independent. Esse autor afirma que o metrossexual é o jovem homem, com alto
salário para gastar, vivendo ou trabalhando na metrópole, porque é lá que estão as melhores
lojas. No entanto, foi em 2002, com o artigo “Meet the metrossexual” de Mark Simpson que o
termo deslanchou e passou a ser usado frequentemente.
Para Flocker (2004, p. 13), “o bugre, homens das cavernas que infestavam o planeta
procurando uma mulher para pegar pelos cabelos, foi banido da Terra para sempre”. Hoje eles
procuram ser mais gentis, mais cavalheiros, abrem portas dos carros e puxam as cadeiras para
elas sentarem. Estão dispostos a ouvi-las e as entendem mais. Começam a ter assuntos em
comum sobre beleza, moda, casa, cozinha, e dessa forma o mundo feminino não parece mais
tão distante para o homem. Tanto o homem quanto a mulher compartilham de funções
parecidas.
Para Garcia (2004), esses “novos” homens estão a anos-luz do estereótipo de macho
crucificado pelas feministas e têm mais estilo que os “burgueses boêmios” da década passada.
De acordo com o autor, o termo metrossexual é uma designação fashion mercadológica para
um homem que gasta mais de 30% de seu salário com cosméticos e roupas, freqüenta
manicure/pedicure, e adora um shopping. O autor afirma ainda que de 1998 para cá, o
crescimento do consumo dos produtos de beleza para homem anualmente subiu 17%. Dessa
consumo, pois passa mais tempo olhando vitrines e provando roupas do que os homens de
antigamente, e não quer apenas “ter” uma roupa para usar, mas quer ter roupas bonitas, de boa
qualidade e que combinem com ele e com a moda. Além de estar sempre em dia com o visual.
É nesse novo contexto social que o homem contemporâneo se encontra, cercado por
novas possibilidades e novas exigências. As próprias namoradas e esposas querem o homem
mais bem cuidado e apresentável. Segundo Simpson (2002), as mulheres mais independentes,
saudáveis, auto-centradas e poderosas, desejam cada vez mais homens bem arrumados,
cuidados e atrativos perto delas do que simplesmente “machões”. Essa exigência é estimulada
diariamente pelas propagandas, que não trazem mais o homem “com barba por fazer” em suas
peças publicitárias, mas o trazem com aparência impecável e corpo enxuto.
O termo metrossexual traz consigo uma quebra de muitos conceitos pré-estabelecidos
do que venha a ser homem. Como afirma Kyres (2006), o homem atual vem rompendo com
as tradições que lhe foram impostas durantes anos. Ser provedor, insensível, que não pode
chorar e nem consome já não caracteriza mais o homem atual. A definição do que vem a ser
homem está mudando.
Vale ressaltar que no Brasil o surgimento do metrossexual e essas transformações
estão ocorrendo aos poucos, pois muitos ainda não assumem ser esse “novo homem” e têm
medo de serem caracterizados como “gays”/“frouxos”. No entanto, os homens também não
estão confortáveis com sua condição de “bugre”/“macho” imposta pela sociedade. Algumas
tradições vêm sendo recriadas e moldadas às novas necessidades e aos novos conceitos, ou
seja, parece não haver mais espaço para o “homem das cavernas”, mas também não está
consolidado o espaço desse homem “delicado”. Assim, ressaltamos que a idéia do
metrossexual está em construção, seja através da mídia, seja através do consumo. E surge com
algo novo e satisfatório, onde o homem pode ser menos exigente consigo mesmo em relação à
2.2
O consumo na [pós-]modernidade
O consumo é um termo que vem sendo bastante discutido na contemporaneidade. Os
estudos sobre o consumo são complexos e as teorias sobre ele vêm sofrendo modificações no
decorrer dessa trajetória. Essas modificações podem ser observadas tendo por base duas
visões que merecem destaque sobre a teoria do consumo: a visão utilitarista e a visão do
consumo simbólico4.
De acordo com a visão utilitarista, os consumidores são vistos como racionais, que
procuram satisfazer suas necessidades tendo por base a sua renda e o preço dos produtos.
Nessa visão, o que o consumidor observa é a utilidade do produto e enfatiza a produção dos
mesmos. Dessa forma, valoriza a utilidade do produto e para adquiri-lo, faz de acordo com a
sua renda, verificando os benefícios que ele vai ter ao consumir aquele produto e o quanto vai
disponibilizar financeiramente para isso.
A partir dessa visão, a sociedade tem pouca influência sobre o desejo do consumidor,
como afirma Slater (2002) as preferências dos indivíduos são constituídas de modo privado,
os indivíduos calculam os melhores meios de maximizar a satisfação de desejos. Os
indivíduos não se baseiam no “olhar” da sociedade diante do que ele está consumindo, mas na
sua própria vontade e possibilidade financeira.
Através da visão utilitarista, o consumidor nos é apresentado como indivíduo bastante
centrado, que não sofre influência na sua decisão de compra, apenas satisfaz uma necessidade.
Nesta visão o homem terá necessidades e buscará satisfazê-las e ele é capaz de identificar suas
necessidades, a melhor forma de satisfazê-las e de ficar satisfeito com suas escolhas
(BAUDRILLARD, 2003).
No entanto, novas perspectivas vão ganhando espaço na sociedade contemporânea, e o