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Falar a língua do cliente

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Academic year: 2017

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e a prestação de serviços

jurídicos se tornou mais dinâmica foi por causa da necessidade dos executivos de tomar decisões mais ra-pidamente”, airma a advogada Laura Fragomeni, mestra em direito pela Uni-versidade Harvard e responsável hoje pelo departamento jurídico do Merca-doLivre, o maior site de e-commerce da América Latina. Em seu currículo, passagens por grandes empresas, como a Fundação Roberto Marinho, e tam-bém por grandes escritórios, como o Barbosa, Müssnich & Aragão Advoga-dos, permitiram à especialista em pro-priedade intelectual conhecer bem os dois lados do balcão. “Quando busca assessoria externa, a empresa não quer um parecer erudito com reprodução de leis, mas a interpretação das leis para tomar a melhor decisão”, diz Laura Fragomeni, que deu aulas na Escola de Direito do Rio, da FGV, e é membro da Internacional Trademark Association (INTA). “O advogado precisa conhecer a linguagem do cliente”, ensina.

Sua atuação em empresa e em escritório trouxe uma visão privilegiada da atuação do advogado, certo?

Laura Fragomeni Sim, e sempre

conciliei a vida acadêmica com a prois-sional, estudando e trabalhando ao mes-mo tempo. Logo depois de me formar na PUC-Rio, em 1998, iz MBA em Direito

e Economia na FGV [2000] e,

posterior-mente, mestrado em Harvard [2003].

Comecei carreira na Globosat, como

estagiária. Depois fui para a Fundação Roberto Marinho como gerente de ne-gociação jurídica. Deixei o cargo quan-do recebi a proposta quan-do BMA-Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados para montar a área de propriedade intelectual do escritório. Como tinha acabado de ser aceita em Harvard, trabalhei apenas um mês lá. No retorno ao Brasil retomei o projeto no BMA. Trabalhar com aquela equipe foi uma grande oportunidade, os três sócios são pessoas fantásticas. Saí de lá recentemente, no inal de 2008, para assumir a área jurídica do MercadoLi-vre, desaio interessante porque envolve questões de inovação e regulamentação – essa proposta me encantou.

O seu mestrado em Harvard foi sobre pro-priedade intelectual?

Laura FragomeniCursei várias

dis-ciplinas, entre elas uma especíica de propriedade intelectual. Minha disser-tação foi sobre download de músicas na internet.

Aí está uma mudança radical: a partir de 2006, o aumento de downloads foi tão significativo que a indústria fonográfica praticamente desapareceu.

Laura FragomeniClaro, essa

ques-tão vem sendo discutida há muito tem-po nos EUA.

Hoje, olhando para trás, o que mais fez diferença na sua formação?

Laura Fragomeni A formação

aca-dêmica é muito importante, mas, para ser bom, é preciso trabalhar com aquilo

de que se gosta. Sempre soube que que-ria direito, adorava estudar as matéque-rias. Claro que existem outros fatores, como professores competentes que estimulam nossa criatividade. Mas, na realidade, de nada adianta cursar uma excelente universidade se não houver interesse pessoal na área. Ouvi muitos estudan-tes dizerem que faziam o curso porque não sabiam com certeza o que queriam ou porque “a minha família é de advo-gados”. Ora, isso não é bom. O interesse tem de ser pessoal. Portanto, acredito ter sido esta a maior diferença: mistura de interesse pessoal com uma escola séria.

A senhora passou por uma empresa, a Fundação Roberto Marinho, depois por um grande escritório, o BMA. O que acu-mulou de experiência nessa transição?

Laura Fragomeni Esse movimento

foi importante porque, dentro da em-presa, eu era cliente de escritório. E,

desse modo, aprendi o que o cliente

espera do escritório. O advogado hoje precisa conhecer a fundo o funciona-mento dos negócios, além de ter uma visão mais criativa do business. Assim como os escritórios de grande porte, as empresas têm setores especializados dentro do departamento jurídico. No MercadoLivre, por exemplo, tenho ad-vogados focados nas áreas tributária e societária. Embora seja responsável pelo departamento, também sou especialista em propriedade intelectual. Enquanto empresa, buscamos sempre assessoria jurídica de ponta, ou seja, escritórios que conheçam bem o nosso negócio.

Por Carlos Costa Fotos Tiana Chinelli

FALAR A LÍNGUA DO CLIENTE

A dinâmica do mundo dos negócios exige respostas rápidas dos escritórios de advocacia:

saber com quem (e para quem) se fala é essencial para garantir boa prestação

ENTREVISTA

LAURA FRAGOMENI

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em comércio eletrônico, por exemplo,

já temos referências de atendimento. Mas um aspecto fundamental no re-lacionamento empresa/escritório é a coniança. A empresa busca um escri-tório com o qual sinta a coniança de estar recebendo o melhor serviço, com ética e qualidade.

É possível, a priori, dizer que o escritó-rio-butique é melhor que o grande?

Laura Fragomeni Não existe regra,

depende muito do caso. Quando um escritório cresce demais, por exemplo, corre o risco de não manter a quali-dade dos serviços. Mas, se são criados mecanismos de controle e capacitação de seus advogados, o grande escritório é sim de enorme valia para o cliente. No escritório-butique existe a certeza de ser atendido pelo sócio, pois nesse caso não se contrata o escritório, mas o dono.

A Raquel Otranto, sócia de um escritório, reclamou num debate da Getulio que às

vezes o preço é o mais importante quan-do se contratam serviços jurídicos.

Laura FragomeniO MercadoLivre

está atento à questão do preço, sem dúvida. Mas preço e qualidade têm de andar juntos. Não adianta contratar por um preço vantajoso se a necessidade da empresa não for atendida. O preço, sozinho, não é determinante. A minha função como gestora da área jurídica é buscar o melhor serviço, com o melhor preço, para determinada situação. No mercado jurídico há ótimos escritórios em diversas áreas e há concorrência. Mas, nesse sentido, o vínculo de con-iança pesa. Quando se estabelece tal vínculo, mudar de escritório pode ser ruim para a própria empresa, mesmo que haja preços mais convidativos.

Seria começar tudo do zero.

Laura FragomeniSim, porque o

es-critório com o qual o cliente trabalha já conhece bem o negócio, o histórico da empresa. O MercadoLivre, por exem-plo, nesses dez anos, comprou outras empresas, fez aquisições e lançou ações na bolsa. Ora, passar essas questões para um novo escritório seria começar toda a história outra vez. O desaio é encon-trar um escritório inovador, de acesso fácil, cujo preço dos serviços seja com-patível. Por ter trabalhado em

escritó-rio e em empresa, tenho condições de avaliar os dois lados.

Qual sua percepção sobre a nova geração de advogados?

Laura FragomeniMuita gente fala

que advogado gosta de papel. Não é mais verdade. O advogado de hoje está ligado às novas mídias e aprendeu a tra-balhar com BlackBerry, acessa e-mails online. Pode até gostar de papel, mas já faz petições e contratos pela internet. Hoje se fala em audiência eletrônica, por exemplo. Os escritórios realizam videoconferências, as empresas usam Skype. O advogado acompanha essas mudanças até para prestar assessoria mais dinâmica, por causa da necessida-de do executivo necessida-de tomar necessida-decisões mais rapidamente num mercado global.

An-tes o executivo recebia um parecer ex-terno de 20 páginas e precisava de um advogado da empresa para traduzir tudo aquilo [risos]. Hoje seria impensável.

As escolas estão atentas para essa nova realidade do mercado?

Laura Fragomeni Sim, algumas

universidades estão antenadas. Nesse sentido, a FGV caminha bem. Como professora na área de direito civil, dei aula muito tempo na Escola do Rio, e também na pós-graduação, na área de direito intelectual. É possível per-ceber claramente que a FGV ensina o aluno a pensar, a ter visão crítica e a contextualizar determinado problema para encontrar soluções alternativas. Não se busca mais decorar leis, mas interpretá-las e aplicá-las a determina-do problema.

A senhora percebe essa mudança nos escritórios de advocacia?

Laura Fragomeni Já deparei com

excelentes escritórios, que prestam serviços com bastante eiciência, mas também com situações nas quais não iquei satisfeita.

A definição clássica diz que crise é soma de risco e oportunidade. Como a senhora encara a crise?

Laura FragomeniPreiro falar em

desaios e oportunidades. Todo início de ano é momento de as pessoas se repensarem – e o mesmo acontece nas empresas. É momento para fazer avaliações do que foi bom e do que poderia ser melhor. Os escritórios de advocacia têm muitas oportunidades este ano, e também a possibilidade de inovar. Em momentos de crise, as empresas que tiverem garra e criativi-dade seguramente se destacarão. Não gastar dinheiro em questões pouco interessantes e investir mais no prio-ritário fará toda a diferença. No nosso departamento jurídico, por exemplo, trabalhamos sempre de forma preven-tiva, evitando conlitos e traçando so-luções de parcerias como o PPPI, um sucesso na empresa. Por isso é difícil airmar que o escritório X é melhor que o escritório Y. Melhor seria falar em escritórios que têm expertise ou não para atender às necessidades dos clientes. Essa é a questão.

Essa tem sido uma tendência das empre-sas, não?

Laura Fragomeni É importante

existir não só a parceria, mas a sinto-nia entre empresa e escritório. Hoje as empresas não querem mais o advoga-do que cita expressões em latim. Tuadvoga-do hoje é mais dinâmico, principalmen-te no mundo dos negócios. Quando o cliente precisa tomar uma decisão, quer ter acesso imediato ao advoga-do. Uma das coisas que aprendi nessa mudança de empresa para escritório, e agora novamente para empresa, é a importância da linguagem. Ou seja, o advogado precisa saber com quem (e para quem) está falando. O executivo de uma empresa, por exemplo, não é necessariamente advogado. Portanto, requer um parecer diferenciado. Numa petição, a linguagem obedece a certas liturgias porque é direcionada a um juiz. Mas num e-mail, ao expor uma opinião para o empresário, ele tem de ser claro e direto. O advogado precisa aprender a linguagem do cliente.

No trabalho em escritório, a demanda exi-ge a abordaexi-gem mais horizontal, ou seja, o advogado acaba resolvendo de tudo?

Laura Fragomeni Sim e não. Num

escritório de advocacia também existe a possibilidade de realizar abordagens mais verticais, de aprofundar determi-nados temas. Mas existe, claro, a abor-dagem mais horizontal, aquele conhe-cimento de superfície. Nas empresas, atualmente, a área jurídica se aprofun-da caaprofun-da vez mais em temas especíicos, ou seja, busca na legislação as informa-ções que possam afetar direta ou indi-retamente os negócios e atividades da companhia. Nesse sentido, a criativida-de e a inovação são importantes.

Novamente, a importância da linguagem,

Laura Fragomeni Claro. Quando

busca assessoria, a empresa não quer receber um parecer verborrágico e erudito com a reprodução de leis ou de artigos. A empresa espera mais. Por isso o escritório tem de inovar, oferecer a lei interpretada para o negócio do cliente, informar aquilo que o empre-sário precisa saber para tomar a melhor decisão. Por exemplo, como a jurispru-dência tem se manifestado? Como o mundo tem caminhado nesse sentido?

Para o MercadoLivre o mundo hoje é globalizado. As empresas não são mais brasileiras, nem os negócios nacionais. Agora são mundiais. Portanto, espera-se que o advogado esteja atento ao que está acontecendo no mundo em termos de discussão legislativa. A tendência hoje é haver convergências, o que acontece nos EUA e Europa provavelmente tem repercussão no Brasil. Muitas vezes re-cebo e-mails de advogados perguntando se li determinada reportagem e ico mui-to contente, pois demonstra interesse do escritório pelo cliente. Esse advogado não está necessariamente vendendo um serviço. Está efetivando uma parceria.

E demonstrando que não se dedica à em-presa apenas com hora marcada.

Laura Fragomeni Perfeitamente. O

cliente ica satisfeito ao perceber que o escritório está atento às informações que podem afetar os negócios de sua empresa.

No caso do MercadoLivre, que tipos de necessidade existem?

Laura FragomeniO MercadoLivre

cresceu muito desde a sua criação há dez anos. O grande desaio que enfrentamos é a falta de regulamentação na internet. Nesse sentido, procuramos trabalhar com a advocacia preventiva, criando medidas para evitar conlitos. Assim, foi criado o PPPI, o Programa de Proteção à Propriedade Intelectual. Se as empresas tiverem suas marcas colocadas no site e eventualmente identiicarem violações, podem aderir ao programa e a irregulari-dade é retirada do ar automaticamente. Essa foi a forma preventiva que o Mer-cadoLivre encontrou para atuar com donos de marcas e titulares de bens de propriedade intelectual. Os resultados têm sido muito positivos.

O esforço para normatizar esse espaço exige a contratação de escritórios es-pecíficos?

Laura FragomeniSim. O

Mercado-Livre contrata escritórios para deman-das especíicas. Internamente, nosso departamento jurídico trabalha sob de-manda. Em 2007, por exemplo, izemos

o IPO [Initial Public Offering], abertura

de capital no mercado acionário. Nos-sas ações foram negociadas na Nasdaq. Naquele momento contratamos um escritório para auxiliar nesse projeto. Quando temos de registrar nossas mar-cas, também contratamos. Conforme as demandas surgem, buscamos um escritório com peril adequado para aquele negócio.

Nessas áreas específicas existe um ne-tworking forte?

Laura Fragomeni No mercado todo

mundo se conhece. Existem os escri-tórios de grande porte e os escriescri-tórios- escritórios-butique – e, como estes são especiali-zados, presume-se que a qualidade dos serviços seja muito boa. O responsável pela área jurídica de uma empresa precisa icar atento à demanda de cada caso e procurar o escritório que mais bem atenda àquela necessidade. Quan-do precisamos de alguém especializaQuan-do

ENTREVISTA

ENTREVISTA

É importante existir

não só parceria,

mas sintonia entre

empresa e escritório:

as companhias

não querem mais

o advogado que

faz relatório com

expressões em latim

O preço, sozinho,

não é determinante.

Quando se estabelece

um vínculo de

confiança, mudar de

escritório pode ser

ruim, mesmo que

haja preços mais

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