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Os livros que fizeram minha cabeça

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Academic year: 2017

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pher Marlowe, do fim do século XVI, que me marcou muito. Todos fazem parte da fascinante escola dos po-etas metafísicos, traduzidos por Paulo Vizioli. Ele foi meu professor de Literatura Inglesa e dava cursos que eu sempre acompanhava entusiasmado.

A virada do século XVI para o XVII também é muito expressiva no Brasil e aí meu destaque vai para Gregório de Matos. Na Literatura Espanhola, gosto da poética belíssima de São João da Cruz. A poesia do século XVII foi a que mais me impressionou quando eu estava na faculdade, por ser um paradigma.

Entre o clássico e o contemporâneo

Sou leitor indisciplinado. Costumo ler várias coisas ao mesmo tempo. Atualmente, quando estou fora das salas de aula, tenho lido Germinal, do Émile Zola.

Pa-ralelamente leio O Inocente, romance de espionagem do britânico Ian McEwan. Então estou lendo ao mesmo tempo um clássico francês e um contemporâneo inglês e me vejo fascinado pela vivacidade narrativa do Zola. Apesar de ele ser um naturalista e por isso muito descri-tivo, é muito vivo. As primeiras 200 páginas de Germinal

narram apenas um dia de um trabalhador na mina, sem que isso seja cansativo. Não trata da vida de um herói ou de um grande político, mas não torna a leitura árdua. Considero isso um feito.

Além disso, por causa de minha formação, tenho lido muito na área de História. Portanto, academicamente, descobri em A Espada de Dâmocles, da professora Wil-ma Peres da Costa, um dos melhores volumes que eu

li nos últimos tempos: a história do Brasil narrada com foco no surgimento do Exército como um ator social e político importante.

Uma paixão especial: cinema

Costumo dizer aos alunos que esta é a arte do século XX: industrial, coletiva e ao mesmo tempo fascinante. Sou um apaixonado pelo cinema e de uma geração que teve o privilégio de conhecer o auge das produções ita-lianas e reconheço Luchino Visconti e Federico Fellini como meus diretores favoritos. Em A Morte em Veneza, Visconti é o feitor daquela que é até hoje a mais perfeita transposição de uma obra literária para a linguagem ci-nematográfica. O protagonista Gustav von Aschenbach, escritor no romance de Mann e músico na película de Visconti, apesar da adaptação, as duas obras provocam em

mim exatamente o mesmo efeito. Mas há vários outros fil-mes admiráveis do Visconti, como Rocco e Seus Irmãos.

Quanto a Fellini, embora os críticos não considerem

A Doce Vida seu filme mais criativo, comecei a

apre-ciar seu experimentalismo a partir dessa obra. Minha incursão continuou com Satyricon e depois eu vi tudo. De sua primeira fase, dotada de heranças neo-realistas, deslumbrei-me com Noites de Cabíria, estrelado por sua esposa, Giulietta Masina.

Apesar de os pais do Neo-Realismo terem sido o Ro-berto Rossellini, de Stromboli e Roma – Cidade Aberta, e Vittorio de Sica, com seu Ladrões de Bicicleta, considero que Fellini e Visconti foram capazes de manter aquela tradição em um altíssimo nível.

O cinema é a arte do século XX: industrial, coletiva e ao mesmo tempo fascinante. Tive o privilégio de conhecer o auge das produções italianas: Visconti e Fellini são meus diretores favoritos. Comecei a apreciar o experi-mentalismo de Fellini a partir de A Doce vida dessa obra. Depois vi tudo: deslumbrei-me com Noites de Cabíria. Hoje, considero o cinema argentino original, produz com cuidado e tem roteiros interessantes.

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inha primeira graduação foi em Direito. Fa-zia o curso regular e, no quarto ano, meu

su-pervisor de estágio, o advogado de empresas Paulo Afonso de Sampaio Amaral, sugeriu que eu conhecesse a obra do jurista italiano Tullio Ascarelli. Esse autor foi o responsável por eu ter continuado o curso de Direito e me marcou por se tratar da convergência entre a boa doutrina jurídica e uma gran-de preocupação social, que é uma das características do Ascarelli. Judeu, foragido do fascismo, ele foi um homem de idéias liberais com uma visão funcional do Direito.

No meu curso de Letras, dois livros foram marcantes. Um deles é Literatura Européia e Idade Média Latina, obra em que o alemão Ernst Robert Curtius faz uma extraordinária revelação da riqueza cultural e filosófica daquele período. É um texto clássico, do início do século XX, e até hoje sugiro sua leitura. O outro é História

So-cial da Literatura e da Arte, de Arnold Hauser.

Durante a pós-graduação, o mais importante foi a leitura de clássicos dos pais da Sociologia. Entre Karl Marx, Max Weber e, com menos assiduidade, Émile Durkheim, tenho a obra de Weber como a preferida, particularmente pelo tom histórico da Sociologia e o enfoque no Direito. Economia e Sociedade foi e ainda é fundamental para mim. Também li muito Paul Ricoeur, filósofo francês da hermenêutica.

Biblioteca fora do Direito

Penso que todas essas obras valem como recomenda-ção a um aluno da graduarecomenda-ção, pois as leituras específicas do Direito costumam ser bastante áridas. Mas insisto na idéia de lerem muito, mas lerem também fora do Direito, a começar por clássicos da literatura. Nesse sentido, por volta dos 20 anos comecei a ler os russos. De maneira muito forte, Dostoievski e Tolstoi investiga-ram e traçainvestiga-ram verdadeiros mapas da expressão da alma humana com personagens profundamente líricos. De Tolstoi destaco dois contos extraordinários: Três Montes

e Kholstomér – A história de um cavalo. De Dostoievski

li primeiro Recordação da Casa dos Mortos, passei por

Os Irmãos Karamazov e, por fim, Crime e Castigo. Ler os

russos é mergulhar nos meandros da alma humana. Também me dediquei à literatura de Thomas Mann. Parti das novelas Tony Kroeger e Morte em Veneza até che-gar à monumental A Montanha Mágica. Depois voltei a ler os brasileiros e, então, a grande revelação para mim foi Guimarães Rosa, com Grande Sertão: Veredas, além dos contos. Sagarana é uma verdadeira jóia. Rosa é, sem dú-vida, um gênio na invenção da narrativa, das experimenta-ções com ponto de vista: um autor original que combina a universalidade do humano àquele colorido local.

Na poesia, lia encantado John Donne e Ben Johnson, poetas ingleses do século XVII. Há também o

Christo-Por Camila Ploennes

Apaixonado por literatura, cinema e música, José Reinaldo de Lima Lopes, professor de

História do Direito na FGV de São Paulo e na USP, fala sobre as obras que contribuíram

para sua formação acadêmica e, antes de tudo, humanística

OS TÍTULOS

QUE FIZERAM

MINHA CABEÇA

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Já o cinema brasileiro apresenta seus problemas: tem idéias, é conceitual, mas não leva a produção a sério. Existem autores interessantes, mas não há uma indús-tria que consiga combinar esses vários ingredientes. O Cinema Novo foi uma tentativa interessante do pon-to de vista estético e Glauber é um grande exemplo. Acho que, de certa maneira, equivale ao que foi o Neo-Realismo na Itália: o ensaio de algo diferente. Só que os brasileiros não foram tão bem-sucedidos, pois suas criações encontraram dificuldade para agradar. Hoje, o cinema argentino, por exemplo, é comparativamente melhor: é original, produz com cuidado e tem roteiros interessantes. Portanto, nenhum filme brasileiro se tor-nou para mim um padrão.

As descobertas da música

Se por um lado há falhas no cinema brasileiro, por outro acho difícil alguma outra cultura apresentar toda a riqueza musical popular que o Brasil oferece. Comecei a ouvir e me interessar por música popular quando a bossa nova estava no fim, para dar início ao que depois se chamaria de MPB. Ou seja, a geração integrada por Caetano Velloso e Milton Nascimento foi marcante para mim quando eles eram jovens. Já na música clássica, Johann Sebastian Bach foi minha introdução e hoje sou encantado pela orquestração de Gustav Mahler. Com certo experimentalismo, ele saiu do romantismo, ainda que tenha sido um grande melodista, e deixou transpare-cer influências de todo o século que o antecedeu.

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De maneira forte, Dostoievski e Tolstoi traçaram verdadeiros mapas da expressão da alma humana, com personagens profundamente líricos. Nas letras brasileiras, a grande revelação foi Guimarães Rosa. Sagarana é uma verdadeira jóia. Na música, a geração integrada por Caetano Velloso e Milton Nascimento foi marcante para mim quando eram jovens.

Na música, Bachfoi uma introdução e hoje sou encantado.

Referências

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