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Abortamento espontâneo e provocado: ansiedade, depressão e culpa.

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Academic year: 2017

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*Correspondência: Rua Amália de Noronha, 276 Cep 05410-010- pinheiros São paulo - Sp

Resumo

ObjetivOs. Caracterizar a população que sofreu abortamento; investigar a existência de ansiedade e

depressão; veriicar se existe ou não sentimento de culpa após o abortamento e comparar os resultados

entre mulheres que sofreram abortamento espontâneo e as que provocaram-no.

MétOdOs. 50 mulheres com abortamento espontâneo e 50 com provocado foram entrevistadas 30

dias após o abortamento. Foi realizada entrevista com questões abertas e fechadas e aplicada a escala

Hospital Anxiety and depression.

ResultadOs. As mulheres que viveram o abortamento espontâneo encontram-se mais culpadas (30%) que as que provocaram-no (18%). No entanto, as mulheres que provocaram o abortamento encontraram-se mais ansiosas (média de 11) e mais deprimidas (média de 8,3) que as mulheres que viveram abortamento espontâneo (médias de 8,7 e 6,1; respectivamente, p<0,05).

COnClusãO. As mulheres que provocaram o abortamento encontravam-se mais ansiosas e mais

depri-midas, demonstrando a necessidade da realização de acompanhamento psicológico.

Unitermos: Aborto espontâneo. Aborto induzido. Ansiedade. depressão. Culpa.

abORtaMentO

espOntâneO

e

pROvOCadO

:

ansiedade

,

depRessãO

e

Culpa

GláuCia ROsana GueRRa benute*1, ROseli MiekO YaMaMOtO nOMuRa2, pedRO paulO peReiRa3, MaRa CRistina sOuzade luCia4, MaRCelO zuGaib5

Trabalho elaborado pela Divisão de Psicologia e Divisão de Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, SP

1. Diretor técnico de serviço de saúde da Divisão de Psicologia do HCFMUSP, São Paulo, SP

2. Professora Livre-docente do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina de São Paulo, São Paulo, SP 3. Médico assistente da Divisão de Clínica Obstétrica do HCFMUSP, São Paulo, SP

4. Diretora da Divisão de Psicologia do ICHCFMUSP, São Paulo, SP

5. Professor titular do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, SP

i

ntROduçãO

A gravidez tem um signiicado simbólico particular para cada

mulher. Varia de acordo com a estrutura de personalidade,

asso-ciada à história de vida pregressa e o momento atual de cada

uma. Quando não desejada, a maternidade pode ser opressiva, já que a gestação altera o senso físico da mulher e convida-a a reorganizar vários aspectos de sua identidade, como a relação com o seu corpo, com o pai da criança e seus planos para a vida. Quando a gestação conscientemente desejada é perdida, também ocorre uma alteração na identidade, levando à sensação de fracasso pessoal.

Culpa é emoção experimentada pela mulher quando há um desvio da sua condição de totalidade, é sentida em função dos

desvios havidos dos padrões estabelecidos para o comporta -mento1. “A culpa manifesta-se com especial agudeza quando

nos sentimos inaceitáveis perante nós mesmos, emaranhados

em conlitos de dever que nos dividem(...)”2.

No Brasil, onde a legislação só permite o aborto inten

-cional em poucas exceções - acaba sendo um conlito de dever estabelecido moralmente, pois o signiicado particular de cada

gestação faz parte do contexto individual, no qual, por vezes, a expectativa social da maternidade é vista como vivência

maravilhosa, ideal, e a mãe deve desempenhar seu papel com perfeição3.A transgressão das leis morais desencadeia conlitos nos quais uma das saídas é a culpa, pois o conlito moral exige

despertar e reorganizar a consciência4. No aborto por anomalia

fetal letal, a autorização judicial ameniza o sentimento de culpa, conferindo ao casal o sentimento de adequação social4. O

abor-tamento pode ser provocado quando a interrupção da gravidez

é decisão transformada em alguma ação com essa inalidade,

ou espontâneo, quando a perda do feto não é consequência de manipulação voluntária. diagnosticar o abortamento como

provocado tampouco é fácil. Em geral, só pode ser feito pela informação da própria paciente, de familiares ou daquele que

o realizou. Sem esse depoimento pessoal, raramente se pode distinguir pelo exame clínico a natureza do evento5.

Os motivos que levam a mulher a interromper a gravidez envolvem aspectos particulares e individuais, de modo geral

fundamentadas em questões sociais, econômicas e emocionais,

por vezes permeada pela violência doméstica ou sexual6,7,8. No Brasil, o Código Penal de 1940 permite o abortamento

nos casos de estupro e na existência de risco de morte materna.

(2)

os países, o aborto é geralmente bem acessível em termos da legislação, é realizado em locais autorizados, por ginecologistas ou médicos generalistas10.

A depressão é uma doença que compromete o físico, o humor e o pensamento. Altera a maneira como a pessoa vê o mundo e se inter-relaciona com ele. A incidência de depressão na população em geral varia entre 3% e 7%. No hospital geral, a prevalência dos transtornos depressivos varia de 18% a 83%, dependendo do método de pesquisa e da condição médica estudada11.

em estudo realizado na Nova Zelândia, o abortamento é relatado por 15% das mulheres que engravidaram pelo menos uma vez antes dos 25 anos, e as que praticaram o abortamento apresentam elevadas taxas de subsequentes problemas de depressão, ansiedade, pensamentos suicidas e droga adicção12. A ansiedade se refere ao fenômeno que, dependendo de sua

circunstancialidade ou intensidade, pode ser útil ou tornar-se

patológico, prejudicando o funcionamento psíquico e somático. Em níveis normais, trata-se de fenômeno isiológico responsável pela adaptação do organismo em situações de perigo. Entretanto,

quando a ansiedade é excedente, ao invés de contribuir para a adaptação, desencadeia a falência da capacidade adaptativa.

As taxas de aborto são semelhantes no mundo todo, mas o aborto inseguro se concentra nos países em desenvolvi-mento13,14,15. No ano de 2003 estima-se que tenham ocorrido 41,6 milhões de abortos no mundo, dentre os quais 19,7 milhões foram considerados abortos inseguros. Nesse mesmo

ano, a taxa de abortos inseguros nos países desenvolvidos foi de 2:1.000 mulheres de 15 a 44 anos e na América do Sul essa taxa foi de 33:1.000 mulheres16. É, portanto, grave problema de saúde pública, que apresenta relexos nas taxas de mortalidade

materna17. No Brasil, o abortamento é responsável por 11,4% do

total de mortes maternas e 17% das causas obstétricas diretas,

com parcela signiicativa devida ao abortamento provocado18.

O aborto inseguro traz consequências desastrosas para a sociedade, afetando negativamente as mulheres e suas

famí-lias, os sistemas de saúde pública e a própria produtividade econômica. A organização mundial da saúde deine como aborto

inseguro o procedimento de interrupção da gravidez indesejada por pessoas sem perícia técnica ou em ambiente sem o padrão médico básico19. Nos países em que o aborto é ilegal ou muito estigmatizado socialmente, a pesquisa sobre o tema é um desaio

que necessita ser investigado.

Este estudo teve como inalidade caracterizar a população

que sofreu abortamento; investigar a existência ou não de ansiedade e depressão através de instrumento padronizado,

comparando e veriicando as diferenças e semelhanças entre

as pacientes que sofreram abortamento espontâneo e as que o

provocaram; veriicar se existe ou não sentimento de culpa após

o abortamento.

M

étOdOs

A amostra deste estudo foi constituída por 100 mulheres que

receberam o diagnóstico de abortamento em Pronto-Socorro de Hospital Universitário, sendo 50 mulheres com abortamento

espontâneo e 50 que o provocaram. As pacientes foram avaliadas

30 dias após o abortamento. A coleta de dados foi realizada no

período de julho de 2001 a julho de 2002.

este estudo foi previamente aprovado pela Comissão de Ética em pesquisa da Instituição. As mulheres que concordaram em participar assinaram o termo de consentimento livre e

escla-recido. Foram excluídas deste estudo duas mulheres que não

permitiram a gravação da entrevista.

A idade das pacientes entrevistadas variou entre 15 e 43

anos. Não houve diferença estatística signiicativa (p>0,05)

entre as médias de idade das mulheres que provocaram o abor-tamento e das que tiveram aborabor-tamento espontâneo (27,7 anos para abortamento espontâneo e 27,0 anos para o provocado); e entre a escolaridade e a religião das mulheres que provocaram e que tiveram abortamento espontâneo.

No que se refere ao estado conjugal, foi encontrada

dife-rença estatisticamente signiicante (p<0,05). Observou-se que

entre as mulheres que provocaram o abortamento houve uma

concentração signiicativamente maior de mulheres solteiras. Já

entre as que tiveram abortamento espontâneo há uma proporção maior de mulheres casadas.

As mulheres que desenvolviam trabalhos remunerados e que tinham renda pessoal eram maioria (65%). As mulheres do grupo de abortamento espontâneo se concentravam mais entre as que não tinham renda (46%). A maioria das mulheres que provocaram o abortamento (62%) apresentavam renda pessoal entre um e três salários mínimos. essa diferença é

estatistica-mente signiicativa (p<0,05). A média da renda pessoal para

as mulheres do abortamento espontâneo foi de R$ 291,20 e do provocado foi de R$ 400,90.

A coleta de dados foi realizada por um único entrevistador e foram utilizados os seguintes instrumentos: entrevista semidiri-gida e escala ‘Hospital Anxiety and Depression’ (HAd), validada para o Brasil por Botega et al.20 foi desenvolvida para ser aplicada

a pacientes de serviços não psiquiátricos de um hospital geral. Na entrevista semidirigida foram investigados os aspectos

relativos aos sentimentos na conirmação da gravidez; a reação

do parceiro ao saber da gravidez; a visão da maternidade que a mulher apresentava; crença quanto a viver um castigo; aprovação

ou não do próprio comportamento no processo vivenciado e

aprovação ou não do comportamento do parceiro.

Análise dos dados

Inicialmente, realizou-se a transcrição das itas em que foram gravadas as entrevistas. Após a transcrição literal de todas as itas, foi realizada a categorização dos conteúdos da entrevista.

Com o conteúdo da transcrição, foi realizada a técnica de análise de conteúdo, que tem como objetivo descrever, interpretar e compreender os dados. Bardin21 deine essa técnica como um

conjunto de técnicas de análise da comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que

permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições

de produção / recepção destas mensagens.

Os dados das entrevistas foram codiicados, transformando

os dados brutos do texto em categorias através de uma análise transversal. Todos os resultados obtidos com a categorização foram, posteriormente, analisados com técnicas quantitativas. O

principal foco de análise foi veriicar as diferenças signiicativas (o nível de signiicância utilizado foi de 5%) entre o grupo de

(3)

provocou o abortamento. para comparação das médias foi utili-zado o teste t de Student e o teste F.

R

esultadOs

A Tabela 1 apresenta os resultados da categorização das entrevistas.

No que diz respeito à maternidade, as mulheres foram questionadas sobre o que pensavam em relação a ser mãe. A categoria denominada ‘perfeito’ tem o intuito de designar que as mulheres entendiam a maternidade como algo que reunia todas as qualidades positivas concebíveis, como algo primoroso. O termo ‘imperfeito’ deve ser compreendido como algo que

apre-senta falhas, diiculdades, assim como outras coisas na vida.

A maternidade se mostrou predominantemente de forma idealizada e positiva nos dois tipos de abortamento (65% para o grupo de abortamento espontâneo e 63% para as mulheres

do grupo de abortamento provocado). Não há diferença signii -cativa entre as mulheres que provocaram e as que tiveram um abortamento espontâneo.

Investigou-se se a mulher após sofrer o abortamento acre -ditava ser merecedora de um ‘castigo’, demonstrando, assim, a existência de um sentimento de culpa. Observou-se que no grupo de abortamento espontâneo, 50% responderam de modo

negativo. Foi questionado, tanto para as mulheres do grupo

de abortamento espontâneo quanto para as do abortamento

provocado, se elas fariam tudo o que izeram exatamente igual ou se modiicariam alguma coisa caso ocorresse novamente a

situação da gestação, até o desenrolar do abortamento. Não

houve diferença estatística signiicativa entre os grupos. Ao se veriicar a relação estabelecida entre abortamento

espontâneo, provocado e o desejo de mudar a atitude passada (culpa), tem-se que não há evidências para dizer que as mulheres que tiveram o abortamento espontâneo ou provocado tomariam

algum tipo de atitude diferente, modiicando algo que haviam

realizado durante o processo da gestação até o abortamento.

Foi solicitado que as mulheres se imaginassem no lugar dos

parceiros e dissessem se seu modo de agir seria igual ou dife-rente à reação de seus parceiros fdife-rente à situação da gestação e do abortamento. Observou-se que 70% das mulheres que provocaram o abortamento e 36% das que sofreram-no relataram

insatisfação com as atitudes do parceiro, airmando, portanto,

que elas agiriam de modo diferente.

Foram realizados testes estatísticos para veriicar a preva -lência de ansiedade e depressão nos grupos de abortamento espontâneo e provocado (Tabela 2). Quanto à ansiedade, a média observada na HAd foi de 8,7 no grupo de abortamento espon-tâneo, que é interpretado como provável presença desse trans-torno. Quando comparado ao grupo de abortamento provocado, este apresentou média de 11,0 (presença de ansiedade), valor

signiicativamente maior (p<0,05) que o grupo de abortamento

espontâneo. A análise referente à depressão, a média da HAd Tabela 1 - Resultados da entrevista semidirigida de acordo com a caracterização dos parâmetros

avaliados nos grupos de abortamento espontâneo e provocado

Categorias espontâneo(n=50) Provocado (n=50)

Sentimentos na conirmação da gravidez

positivos 21 (42%) 6 (12%)

Ambivalentes 8 (16% ) 26 (52%)

Negativos 10 (20% ) 8 (16%)

Não especiicado 11 (22% ) 10 (20%)

Reação do parceiro na conirmação da gravidez

positivos 10 (20%) 17 (34%)

Negativos 26 (52%) 19 (38%)

Ambivalentes 6 (12%) 7 (14%)

Não especiicado 8 (16%) 7 (14%)

Visão da maternidade

perfeita 32 (64%) 31 (62%)

Imperfeita 18 (36%) 19 (36%)

Crença de castigo no futuro devido a sentimento de culpa

existente 25 (50%) 9 (18%)

Inexistente 15 (30%) 34 (68%)

dúvida 10 (20%) 7 (14%)

Aprovação do próprio comportamento durante todo o processo

Faria tudo igual 27 (54%) 34 (68%)

Faria diferente 15 (30%) 14 (28%)

Não sabe 8 (16%) 2 (4%)

Aprovação do comportamento do parceiro durante todo o processo

Aprovado 18 (36%) 14 (28%)

desaprovado 27 (54%) 35 (70%)

(4)

foi de 6,1 (ausência de depressão) no grupo de abortamento espontâneo, e 8,3 (provável presença de depressão) no grupo de abortamento provocado, e essa diferença mostrou ser

esta-tisticamente signiicativa (p<0,05).

Na Tabela 3 estão apresentados resultados da média da HAd de acordo com o medo de consequências no futuro independen-temente do tipo de aborto vivenciado. Não foram constatadas

diferenças signiicativas na média da HAD para ansiedade nos

grupos analisados. entretanto, observou-se que a média para

depressão se mostrou signiicativamente maior nas mulheres que

responderam ‘sim’ quanto ao medo de consequências no futuro. A necessidade de apoio para a realização do aborto foi anali-sada apenas nas mulheres em que este foi provocado (Tabela 4).

Não foram constatadas diferenças signiicativas na média da HAD

para ansiedade e depressão, nos grupos analisados.

Foram realizados, ainda, testes para se veriicar a existência

ou não de correlação entre ansiedade e depressão com idade

e número de ilhos, inicialmente para o total de mulheres da

amostra e, depois, separadamente para o grupo de abortamento espontâneo e para o de provocado. Não houve correlação

signi-icativa entre as variáveis estudadas, o que equivale dizer que

não existiu nenhum tipo de dependência entre elas.

d

isCussãO

Os aspectos emocionais desencadeados pelo abortamento são inúmeros. Os motivos que os desencadeiam são sempre

muito particulares, mas todos levam ao mesmo im - inal de

um sonho, de uma gestação, de uma etapa, de uma angústia. Trata-se aqui de se lidar com a dualidade, com os opostos: início

e im, vida e morte.

A inexistência de uma faixa etária estatisticamente significa-tiva para a ocorrência de abortamento na amostra pesquisada difere dos resultados encontrados nos estudos que se referem

ao abortamento em países desenvolvidos, como Estados Unidos

e Holanda, onde, de acordo com a Organização Mundial da Saúde22, mais da metade dos abortamentos ocorrem em

mulheres menores de 25 anos. Tal diferença pode ter sido encontrada em função deste estudo não se referir diretamente à população de mulheres que provocam o abortamento, mas da parcela que, ao provocar o abortamento, procura um serviço de saúde. É possível que a busca por um hospital nos países onde o abortamento é ilegal desencadeie, nas mulheres mais

jovens, o medo de retaliações pela ilegalidade desse ato. Outro

importante fator a ser considerado é que no Brasil as adoles-centes de baixa renda têm apresentado cada vez mais o desejo de gestação, o que diminui o número de abortamentos provo-cados nessa camada da população. de acordo com trabalho realizado por Benute et al.5, a maternidade é vivenciada pelas

adolescentes como uma ascensão de papel social, já que elas foram criadas para cuidar da casa e da família, não vêm perspectiva de futuro e, por isso encontram na maternidade um sentido ‘nobre’ para suas vidas, passando a ter um papel social de respeito e valor - ser mãe.

A diferença encontrada quanto à situação conjugal, com maior número de mulheres solteiras no grupo de abortamento provocado, vai ao encontro de dados apresentados pela Organi-zação Mundial da Saúde 22. Costa23 relata em seu estudo que a

Tabela 2 - Resultados dos níveis de ansiedade e depressão de acordo com a avaliação da escala HAD (hospital anxiety

and depression) nos grupos de abortamento espontâneo e provocado

Tipo de aborto vivido p espontâneo

(n=50)

Provocado (n=50) Ansiedade

média 8,7 11,0 <0,05

IC 95% 7,3 - 10,0 9,8 - 12,3

Depressão

média 6,1 5,1 - 7,1 <0,05

IC 95% 8,3 7,1 - 9,5

IC = intervalo de coniança

Tabela 3 - Resultados dos níveis de ansiedade e depressão de acordo com a avaliação da escala HAD (hospital anxiety

and depression) e respostas airmativas, negativas e

de dúvida sobre a existência de medo de consequências no futuro

medo de consequências no futuro p sim

(n=34)

Não (n=49)

Dúvida (n=17) Ansiedade

média 10,6 8,9 9,7 >0,05

IC 95% (9,4 - 11,8) (7,1 - 10,7) (6,8 - 12,5)

Depressão

média 8,2 6,9 4,9 <0,05

IC 95% (7,1 - 9,3) (5,5 - 8,4) (3,5 - 6,4) IC = intervalo de coniança

Tabela 4 - Resultados dos níveis de ansiedade e depressão de acordo com a avaliação da escala HAD (hospital anxiety and

depression)e respostas airmativas, negativas e de dúvida

sobre necessidade de apoio para realização do aborto nos casos em que este foi provocado

Necessidade de apoio para a realização do aborto provocado

sim (n=25)

Não

(n=25) p

Ansiedade

média 11,4 11,0 >0,05

IC 95% (9,7 - 13,0) (8,9 - 13,2)

Depressão

média 8,7 7,9 >0,05

(5)

As mulheres que provocaram o abortamento tenderam mais à crença de que no futuro teriam que ‘pagar’ de algum modo pelo ato cometido, mas chama atenção o fato de que parte das mulheres que sofreram o abortamento espontâneo também acreditavam que receberiam um castigo. Além de acreditar que

fugiram dos padrões socialmente aceitáveis, já que a sociedade espera que todas as mulheres tenham ilhos, todas a mulheres

teriam então uma ‘função’ maternal que inclui proteger, nutrir

e abrigar o ilho, as mulheres que vivenciaram o abortamento

espontâneo também não conseguiram corresponder às suas

próprias exigências internas. Os desvios dessas necessidades

internas desencadeiam a culpa e convidam a uma busca interna de respostas.

O que há de comum entre os dois grupos de mulheres,

quando se fala na aprovação do próprio comportamento durante

a gestação e o abortamento, é o movimento de busca por responsáveis pela situação vivida. Quando a mulher consegue

encontrar esse responsável, acaba por não lidar com a própria angústia, livrando-se de sua própria responsabilidade. À medida

que culpa e angústia são projetadas no outro, acabam não

exis-tindo mais elementos para a relexão, elaboração e modiicação.

Interrompe-se o processo criativo de mudanças. Quando não é

possível responsabilizar uma pessoa, a angústia gera conlito, e este possibilita a compreensão e a integração do signiicado

do abortamento.

Outro aspecto averiguado neste trabalho foi em relação ao desejo de aprovação, aceitação e cumplicidade, para provocar

o abortamento. Observou-se que não há inluência na reação

emocional para ansiedade e depressão, na existência ou ausência de apoio, diferindo dos estudos de Major et al.24, que relata que o apoio familiar e social inluencia no ajustamento

emocional. Novamente cabe apontar o atual estado de solidão da

mulher. Em meio a aspirações tão conlitantes, a mulher neces

-sita acreditar na sua autosuiciência, sem conseguir, sequer, reletir sobre essa carga da solidão. É o mundo feminino em

substituição ao mundo masculino. O que se busca é um mundo

feminino poderoso e autosuiciente?

Após tão bruta interrupção na vida de uma mulher - não se fala do feto, do ilho, mas da mulher que interrompe uma relação ou encontro - só a introspecção, a busca pela identidade

divina interior possibilitará o resgate de pelo menos parte dessa necessidade.

dessa forma, a ansiedade e a depressão se relacionam, tanto no abortamento provocado como no espontâneo, à vivência subjetiva do abortamento, mas dois fatores podem ser desta-cados como preponderantes: o processo de luto pela perda do

ilho, quer seja do ilho real desejado e imaginado ou do ilho em

potencial desencadeado a partir do ‘saber-se’ grávida; e o desvio do padrão de comportamento esperado socialmente, já que a maternidade ainda é reconhecida como inerente à mulher. O desvio reforça a culpa sentida, iniciada a partir de um sentimento

conlituoso com o dever instaurado. Os comportamentos discor -dantes das normas sociais e morais instalam-se na sombra e

desencadeiam um conlito. A culpa também decorre da exigência

interna de reparação, desencadeando ansiedade e depressão na busca por respostas. A culpa é expressa na crença de um castigo futuro e redimida por meio da introspecção, da busca por ausência de relacionamento conjugal é fator preponderante para

a realização do abortamento.

No que diz respeito à renda pessoal, encontrou-se diferença

signiicativa entre os grupos. Ressalta-se, no entanto, que a

mesma diferença não ocorreu para renda familiar. deste modo,

pode se pensar que a diferença estatística signiicativa entre a

renda pessoal aponta para as mudanças culturais e de inserção social vivida atualmente. A mulher vem desempenhando cada vez mais os papéis atribuídos ao “mundo masculino”, sem dividir com o homem novas responsabilidades ou papéis. Isso pode

ser facilmente identiicado no dia-a-dia da mulher que, além de trabalhar fora e ajudar no sustento econômico da família, continua sendo responsável por cuidar da casa e dos ilhos sem

a ajuda do parceiro. Temos, então, destacada a dualidade dos

opostos: de um lado, a mulher independente inanceiramente, proissionalmente e afetivamente, do outro lado, mulheres que

desenvolvem essencialmente a função ‘feminina’ - são donas-de-casa e mães devotadas. discute-se, então, o embate entre

carreira proissional, aspectos culturais, independência e mater -nidade. Nas mulheres que provocaram o abortamento,

observou-se intenso conlito entre as questões culturais enraizadas e o conlito com as exigências atuais - por exemplo, a satisfação no campo proissional. Todas as mulheres entrevistadas se depa

-raram com a dor de não ter esse ilho, com o luto, já que ent-raram

em contato com a possibilidade da maternidade, mas cederam

às pressões do mundo atual, vivenciando angústias intensas.

Nesse contexto, o sofrimento do luto vivenciado com o abor-tamento, quer espontâneo quer provocado, pode ser entendido, por um lado, a partir de uma explicação racional, que vem da exigência de se cumprir uma função social, a maternidade. por

outro lado, do ponto de vista psíquico, pode-se airmar que essa mulher é fruto das exigências e das transformações de sua época,

mas carrega consigo uma inscrição de maternidade. Há uma demanda interna que clama pela vivência do arquétipo e uma demanda externa que apresenta limites para tal vivência. dois

pesos se sobrepõem: a teleologia corporal e a demanda interna associada às pressões do mundo externo em que vive a mulher. O que resulta dessa dualidade são angústias, conlitos, dúvidas

e culpa pelo abortamento.

Pensando na questão econômica e no relacionamento

conjugal, observa-se que, atualmente, as mulheres solteiras conseguem manter seus rendimentos no mesmo nível do de uma família estruturada. A decisão pela interrupção da gestação

parece ser muito mais do que uma questão econômica propria

-mente dita. De fato, a análise temática indicou que questões

culturais e emocionais colocam-se tão importantes quanto a

inanceira.

Outra oportunidade de análise que os dados classiicados das

entrevistas fornecem é em relação aos sentimentos despertados no momento em que a mulher toma conhecimento da gestação.

Fica evidente a diferença entre os dois grupos. Apesar da dife -rença quanto aos sentimentos despertados, no discurso das mulheres apareceu a contradição: por um lado a possibilidade de vivenciar a maternidade, por outro a de enfrentar os medos

e as preocupações associadas a ela.

O medo de vivenciar um ‘castigo’ - já que foi cometido um delito social, moral, jurídico e ainda por se acreditar ter matado

(6)

respostas. Ansiedade e depressão podem ser as consequências da culpa pela perda que podem resgatar a integridade.

C

OnClusões

No que diz respeito à caracterização da população, observou-se, neste estudo, que a maior parte das mulheres que provocam abortamento e que procuram serviço de saúde não são adolescentes.

Tendo em vista a associação observada entre abortamento provocado e o estado conjugal da mulher, conclui-se que, apesar da mulher apresentar semelhante renda mensal, o estado marital é fator relevante para o aborto intencional. O abortamento provocado se acompanha de maiores índices de ansiedade e depressão. Com relação ao sentimento de culpa, não houve, neste estudo, evidência estatística de que as mulheres se sintam

mais culpadas em um grupo especíico.

Conlito de interesse: não há

s

uMMaRY

spOuntaneOusand induCed abORtiOn: anxietY, depRessiOnand GuiltY

Background. Pregnancy has a symbolic meaning for each woman. It varies according to personality structure and is related to women´s previous life experiences.

oBjectives. the aim was to characterize the women that suffered abortion, asking about anxiety and depression, looking for guilty feelings after abortion, and to compare results between women who suffered spontaneous abortion and those who had intentional abortion.

Methods. fifty women with spontaneous and fifty with induced abortion were interviewed 30 days after the procedure. A semis-tructured questionnaire with open and closed-end questions and Hospital Anxiety and Depression Scale were administered.

results. woman who induced abortion revealed to be more anxious (mean 11) and depressed (mean 8.3) than woman with spontaneous abortion (means 8.7 and 6.1 respectively, p<0.05).

conclusions. women who presented induced abortion were more anxious and depressed, as shown by later life events, full of problematic feelings and the need fort sychological support. [Rev Assoc Med Bras 2009; 55(3): 322-7]

Keywords: Spountaneous. Abortion. Induced abortion. Anxiety. depression. Guilty.

R

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Referências

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