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O JOGO do DIÁLOGO:: ALGUMAS INDAGAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE AUTOR, OBRA E ESPECTADOR

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Academic year: 2017

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Jacqueline Kelly Prado de Souza

O

JOGO

do

DIÁLOGO:

ALGUMAS INDAGAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE

AUTOR, OBRA E ESPECTADOR

Belo Horizonte

Escola de Belas Artes da UFMG

(2)

Jacqueline Kelly Prado de Souza

O

JOGO

do

DIÁLOGO:

ALGUMAS INDAGAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE

AUTOR, OBRA E ESPECTADOR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Artes, da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como pré-requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Artes.

Área de concentração: Arte e Tecnologia da Imagem.

Orientador: Prof. Doutor Stéphane Huchet.

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Agradecimentos

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LISTA DE FIGURAS

Fig. 1 – p. 15: Clav e m uda, Aço in ox, acrílico e granito, 18 0 x 143 x 37 cm , 20 0 5. Foto: BRUM, J osé Thom az. Esculturas - W altercio Caldas. Catálogo de exposição. 2001.

Fig. 2 – p. 31: Camuflagem. Ferro crom ado, 35 x 75 x 20 cm , 198 2. Coleção Am élia Toledo, Rio de Janeiro. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio. Waltercio Caldas. 2001. Fig. 3 – p. 39: Garrafas com rolha. Porcelan a e rolhas, 25 x 20 x 9 cm , 1975. Coleção Ruben Kn ijnik. Porto Alegre. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio. Waltercio

Caldas. 2001.

Fig. 4 – p. 42: A em oção estética. Ferro pin tado e sapatos sobre tapete, 15 x 30 0 x 300 cm, 1977. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio. Waltercio Caldas. 2001.

Fig. 5 – p. 49: Eternamatic. Aço in ox e adesivo vin ílico, 8 0 x 130 x 20 cm , 20 0 5. Foto: BRUM, J osé Thom az. Esculturas - W altercio Caldas. Catálogo de exposição. 2005.

Fig. 6 – p. 62: Con v ite ao raciocín io. Casco de tartaruga e tubo de ferro, 15 x 45 x 20 cm , 1978 . Coleção Luiz Buarque de H olan da, Rio de J an eiro. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio. Waltercio Caldas. 2001.

Fig. 7 – p. 74: Caderno de anotação. 1997. Foto: RIBEIRO, Marília Andrés.

Waltercio Caldas - O atelier transparente. 2006.

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Fig. 9 – p. 78 : Dois laranjas. Aço in oxidável e esm alte, 90 x 120 x 60 cm , 1998. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio. Waltercio Caldas. 2001.

Fig. 10 – p. 79: Rodin/Brancusi. Acrílico m oldado, 59 x 55 x 48 cm , 1997. Coleção particular. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio. Waltercio Caldas. 2001.

Fig. 11 – p. 80: Duplo sem título. Metal polido, voil e fios de nylon, 400 x 400 x 400 cm, 1989. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio. Waltercio Caldas. 2001.

Fig. 12 – p. 8 1: Ultramar. Madeira, vidro e m etal, 12 x 120 x 25 cm , 198 3. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio. Waltercio Caldas. 2001.

Fig. 13 – p. 8 2: Aquário com pletam ente cheio. Vidro e água, diâm etro 25 cm , 198 1. Coleção Everardo Miran da, Rio de J aneiro. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio.

Waltercio Caldas. 2001.

Fig. 14 – p. 8 4: O jardim in stantân eo. Escultura pública in stalada com o parte das com em orações do bicenten ário da Declaração dos Direitos H um an os. Parque do Carmo, São Paulo, 198 9. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio. Waltercio Caldas. 2001. Fig. 15 – p. 8 7: Escultura para o R io. Concreto revestido de pedra portuguesa, 1.0 0 0 x 1.0 0 0 x 60 0 cm , 1996. Escultura pública instalada com o parte do projeto “Esculturas urban as”, Prefeitura da cidade do Rio de J an eiro, Aven ida Beira-Mar, Rio de Janeiro. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio. Waltercio Caldas. 2001.

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Fig. 18 – p. 94: Algodão negativo. Fotografia, 50 x 60 cm, 1982. Coleção particular. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio. Waltercio Caldas. 2001.

Fig. 19 – p. 95: Com o funcion a a m áquina fotográfica?. Fotografia, 40 x 30 cm , 1977. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio. Waltercio Caldas. 2001.

Fig. 20 – p. 96: Pontos. Nan quim sobre papel, 25 x 25 cm / 30 x 40 cm / 40 x 60 cm , 1976. Coleção Ruben Kn ijn ik, Porto Alegre. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio.

Waltercio Caldas. 2001.

Fig. 21 – p. 10 1: Espelho com Luz. 18 0 x 18 0 cm , 1974. Coleção The Museum od Modern Art, Nova York. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio. Waltercio Caldas. 2001. Fig. 22 – p. 10 2: Espelho com Luz. Vista da exposição, Vancouver Art Gallery, Canadá, 1993. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio. Waltercio Caldas. 2001.

Fig. 23 – p. 103: Matisse, talco. Talco sobre livro ilustrado de Henri Matisse, 3 x 60 x 40 cm , 1978 . Foto: BOUSSO, Vitória Dan iela. Por que Duchamp?: leituras duchampianas por artistas e críticos brasileiros. 1999.

Fig. 24 – p. 10 6: Para R ilke. Papel vegetal e pedra, 20 x 50 x 50 cm , 1992. Foto: DUARTE, Paulo Sérgio. Waltercio Caldas. 2001.

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SUMÁRIO

Resumo ...9

Abstract ...10

Introdução ...11

Capítulo I. Sensação e Percepção ...16

Capítulo II. O Espectador e o Objeto de Arte ...32

Capítulo III. A In terpretação do Objeto de Arte: da Con strução do

Significado ao Lugar do Autor ...50

3.1- A Interpretação segundo Roland Barthes ...51

3.2- A Intencionalidade da Obra: o Pensamento de Umberto Eco .58

3.3- A interpretação do Objeto de Arte por Martine Joly ...65

Capítulo IV. O Jogo do Diálogo: Exercícios de Leitura com Waltercio

Caldas ...75

Conclusão ...107

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RESUMO

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ABSTRACT

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Escolhi com o título desta dissertação “O J ogo do Diálogo” porque propon ho pensar a relação entre autor, espectador e obra com o um jogo, n a m edida em que o jogo é um tipo de atividade n a qual som os levados a in vestir n um a expectativa, através de uma ação que leva em consideração o que foi feito no passado.

Se recorrerm os ao sign ificado da palavra “expectativa”, encon trarem os que exprim e a esperan ça fun dada em supostos direitos, probabilidades ou prom essas. Nesse sen tido, propon ho pensar a “expectativa do espectador” com o um dos elem en tos deflagradores do jogo com a obra, onde a relação é fun dada em probabilidades ou possibilidades abertas pela própria obra e pelo espectador. E essa expectativa do espectador, geralm en te, é de estabelecer um a relação de enten dim ento com a obra, ou seja, dar um sen tido a ela. É n ecessário m encion ar que pretendo tratar a expectativa com o um todo, ou seja, con siderar seu sen tido orgânico e tam bém seu sen tido sim bólico. Assim , m últiplos sen tidos vão em ergir ao lon go do texto e agregar-se à idéia que abrange a proposta da “expectativa do espectador”.

Nesse con texto, apresen to a idéia de que podem os cham ar o processo in terpretativo de apreen são do objeto artístico de jogo, pois o indivíduo que in terage tem um a expectativa com relação à obra. O jogo en tre espectador e obra acontece por m eio da percepção e pen sam en to do espectador, que cria estratégias de apreen são e en tendim en to com a obra com base n a sua bagagem cultural, vivências e m em órias, ou seja, essa expectativa é con stituída, tam bém , em fun ção da história do espectador. Esse jogo teria in ício em um território sen sorial, n o un iverso do sentir e das sen sações e se desen volveria n a percepção e n o pensamento do indivíduo.

Fazen do a sugestão de que essa relação tem in ício n o cam po das sen sações, proponho, tam bém , o estudo de aspectos relacion ados ao fun cion am en to e fisiologia1 da sen sação e da percepção hum an as. Essa proposta se deve ao in ten to

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busquei n a n eurociência2 a com preensão desse processo. Nesta pesquisa preten di

buscar o diálogo com outros cam pos de estudo para esclarecim en to de pon tos obscuros n o estudo de m in ha problem ática, sendo assim , a abordagem teórico-m etodológica desta pesquisa se iniciou na neurociência aliada à Filosofia da Arte, cujos autores escolhidos foram : Fran cisco Mora3 e Georges Didi-Huberman4. Essa

escolha se deve ao fato de que a proposta foi in vestigar a in terpretação n ão apen as n o cam po do pensam en to lógico, m as tam bém con sideran do as dim en sões do corpo físico, da sen sação e da percepção. Dessa form a, preten di form ar a base para a sugestão da sin gularidade da percepção e, conseqüentem en te, a legitim ação da interpretação do espectador.

Den tro desse un iverso da pesquisa houve outras delim itações de estudo, tais com o: a dem an da do espectador com relação ao objeto de arte (expectativa); a n oção da in terpretação com o ação de dotar de sen tido a obra; legitim idade da in terpretação do espectador leigo; diferen tes condutas do espectador e a intencionalidade da obra de arte.

A pergun ta inicial deste projeto foi: todas as in terpretações acerca de um objeto de arte são válidas? O question am en to sobre a validade das in terpretações teve origem na concepção do teórico Roland Barthes5 acerca do lugar do espectador

n esse jogo da in terpretação. O autor defende a idéia de que o espectador é livre n a sua relação com o objeto de arte, não estan do sujeito a buscar a in tenção do autor n a obra. Propon ho pen sar essa relação de liberdade den tro do contexto da arte con tem porân ea, levan do em con sideração que o espectador dota de sentido o objeto artístico n a sua relação de in terpretação e percepção desse objeto. A princípio, o objeto de arte n ão possuiria nenhum significado, existin do apen as com o potência, pois esse sentido se con struiria n a relação com o espectador. Daí surge a questão da validade dessas in terpretações, afin al, pode-se ter qualquer

2 A neurociência é um termo que reúne as disciplinas biológicas que estudam o sistema nervoso,

especialmente a anatomia e a fisiologia do cérebro humano.

3 Professor de Fisiologia Humana na Faculdade de Medicina da Universidade Complutense de Madri;

professor de fisiologia e biofísica na Faculdade de Medicina da Universidade de Iowa, Estados Unidos e autor do livro: Continuum: como funciona o cérebro?.

4 Filósofo, historiador, crítico de arte e professor da École de Hautes Études em Sciences Sociales em Paris.

5 Escritor, sociólogo, crítico literário, semiólogo e filósofo francês. Formado em Letras Clássicas em 1939 e

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in terpretação ou podem os ter várias interpretações de um m esm o objeto artístico? Essa pergunta está voltada tam bém para a questão da legitim idade da in terpretação do espectador leigo. Para in vestigar a respeito da construção do significado da obra de arte e fun dam en tar m in ha proposta de que o objeto de arte n ão possuiria a priori nen hum sentido, abordei o pen sam en to de Rolan d Barthes. No con texto da pesquisa, as teorias de Um berto Eco6 foram essenciais ao

fornecerem in dicações sign ificativas para a reflexão sobre a natureza da in terpretação e da superin terpretação. Assim com o o pen sam en to de Martin e J oly7

acerca do estudo da im agem . Com Rudolph Arn heim8 busquei com preen der as

dimensões do intelecto e da intuição do espectador na apreensão e interpretação do objeto de arte.

Nesta dissertação, optei articular a teoria com m eu olhar sobre um a determinada produção artística, trazen do este estudo para o cam po visual. Escolhi o artista plástico Waltercio Caldas9, e sua obra, com o unidade de trabalho e

exercício interpretativo. A escolha desse artista foi pessoal, movida pelo afetamento que suas obras m e causam . Percebo suas obras e essa relação vai da adm iração à frustração. Surgem outros question am en tos: as obras de Waltercio Caldas frustram esse desejo de en ten dim en to, frustram o jogo do diálogo? A arte con tem porânea frustra o espectador?

6 Escritor mundialmente reputado de diversos ensaios universitários sobre a semiótica, a estética medieval, a

comunicação de massa, a lingüística e a filosofia. É, também, titular da cadeira de Semiótica e diretor da Escola Superior de Ciências Humanas na Universidade de Bolonha, além de colaborador em diversos periódicos acadêmicos, colunista da revista semanal italiana L'Espresso e professor honoris causa em diversas universidades ao redor do mundo. E é ainda, notório escritor de romances, entre os quais, O Nome da

rosa e O pêndulo de Foucault.

7 Atualmente é uma das referências atuais no estudo sobre a imagem. É professora na Universidade Michel de

Montaigne – Bordeaux III, é responsável pela formação de ofícios da produção audiovisual do Instituto Francês de Ciências de Informação e da Comunicação. Contribui e participa na elaboração de numerosos estudos sobre a imagem e o audiovisual, na França e no exterior.

8 Psicólogo alemão e teórico da Gestalt. Publicou diversos livros, mas é Arte e Percepção visual o mais

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CAPÍTULO I

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Todo contato com o exterior gera sensação e percepção do que se apresenta e se evidencia. Nesse prim eiro in stan te, o que acon tece é “o ato de perceber”. Falar sobre percepção é ten tar an alisar in telectualm en te algo com um a fluidez e um a im aterialidade m uito gran de. É pen sar sobre algo que se estabelece entre o cam po racion al e o em ocional, e está ligado à sen sação e aos sen tidos. A percepção é algo que acontece, mas quando nos damos conta, não está mais acontecendo. Mas, antes que n osso pensam ento/ raciocín io recorra a suas experiências an teriores, à m em ória, e todo o processo associado à recepção e à percepção, o corpo in teiro se dá con ta de um a sen sação. Sen tir é um a experiência que tem um significado próprio, e falar sobre o sentir é possível e, ao mesmo tempo, impossível.

De m odo geral, as sen sações são o que podem os con hecer por m eio de n osso corpo, ou seja, através dos nossos sentidos10. Por m eio destes, o n osso corpo pode

perceber m uita coisa que nos rodeia, contribuin do para a n ossa sobrevivên cia e in tegração com o am bien te em que vivem os. No processo de con hecim ento do in divíduo com o m un do ao seu redor, e tam bém n o seu próprio auto-conhecimento, as sen sações ocupam um im portan te lugar, pois, parte do conhecimento do mundo que nos cerca é resultado das sensações dele captadas.

De acordo com a n eurociência, o sistem a sen sorial com eça a funcion ar quan do um estím ulo, em geral provenien te do m eio extern o, é percebido pelos n eurôn ios sensitivos, cham ados receptores sen soriais. Estes, altam ente especializados, tran sform am a expressão física do estím ulo (luz, som , tem peratura, gosto, cheiro) em sinais elétricos. Daí o estím ulo é con duzido a um a área de processam en to n o cérebro, onde se elaboram as particularidades in iciais da informação: cor, textura, forma, distância, tonalidade, etc., de acordo com a origem do estímulo. Em seguida, esses dados, já organizados, são enviados aos centros de

10 Os sentidos fundamentais do corpo humano são a visão, audição, tato, gustação ou paladar e olfato. A Prof.ª

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processam en to do tálam o11. Nos cen tros talâm icos, a inform ação se jun ta a outras,

relacion adas com experiências passadas sem elhan tes. Essa junção com as experiências passadas é um ponto im portan te n a pesquisa, pois está relacion ado com a m inha proposta de pen sar n a possível pré-existên cia de um a “expectativa do espectador”, a qual m e referi anteriorm en te ao falar do jogo en tre espectador e obra. Após esse processam en to nos cen tros talâm icos, e já bastan te m odificados, esses dados são en viados ao centro cortical específico. Nesse pon to, as qualidades, as características e a im portância do que foi detectado é determ in ado por um processo de iden tificação, o qual den om inam os percepção. Finalmente, n os centros específicos do córtex cerebral, essas in form ações passam às áreas on de é plan ejada e será produzida um a resposta (volun tária ou in volun tária) a esse estím ulo. De acordo com o Prof. Dr. Francisco Mora, o cérebro “depois de processar e elaborar os sign ificados dessas in form ações em ite um a resposta m otora (con duta) ou, con form e o caso, m em oriza-a para, talvez em outro m om en to, utilizá-la e em itir a resposta correspondente”.12

Nesse contexto, as experiências passadas, semelhantes, que se juntam à nova in form ação n a elaboração de um a resposta, podem indicar a existência de um a expectativa do espectador com relação ao objeto de arte. Isso seria an terior ao objeto? O jogo já existe previam en te, com o potência, n o cérebro do espectador? Mora escreve que:

Tradicion alm en te, os receptores sen soriais são tom ados com o o in ício (do

fun cion am en to do cérebro), de m odo que a percepção é descrita em tem os

de feedforward ou de hierarquia do sistem a ascen den te, isto é, dos

sistem as de processam en to m ais elem en tares aos m ais altos e com plexos.

No en tan to, um a form a altern ativa de con siderar-se com o in ício (o

funcionamento do cérebro) encontra-se na atividade endógena do cérebro,

que forn ece os estados de preparação, expectativa, colorido em ocion al e

atenção (entre outros), os quais estão necessariamente ativos no momento

em que se dá a en trada da in form ação sen sorial. [...] Essa atividade pode

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evidên cias tan to psicofísicas quanto fisiológicas de que participa tam bém

das etapas mais precoces da percepção sensorial. 13

Dian te das colocações de Mora, sugiro pen sar n a possibilidade de a “expectativa do espectador” já existir, com o potência, n o cérebro do in divíduo. Essas prim eiras indicações n os levam a pen sar que o jogo teria início n o espectador, devido a esse processo de feedback da atividade cerebral, onde a expectativa está ativa no momento da percepção e da sensação.

Mas, o que e com o percebem os? Na verdade, m uitos question am en tos podem ser feitos sobre com o percebem os e o que sen tim os, o que acon tece em n ossos corpos quando experim entam os algo e, sobretudo, a n ossa relação com o objeto de arte, que é o objetivo desta pesquisa. O que preten do expor, com base n a n eurociência, é que para perceberm os o m un do ao redor, e n isso está incluído o objeto de arte, teremos de nos valer dos nossos sistemas sensoriais.

O Prof. Dr. Francisco Mora, em seu livro Contin uum : com o fun cion a o

cérebro?, divide em m uitas partes o estudo da percepção e da sen sação. Esse

estudo está relacion ado ao funcion am en to do cérebro hum an o, que vai desde a bioquím ica e m orfologia cerebral até a fisiologia e o com portam en to. O estudo da relação do in divíduo com o m undo e consigo m esm o é extrem am en te com plexo e, pela própria conduta de investigação da n eurociência, isso é m in uciosam ente dividido em várias partes, buscando a com preen são desse fen ôm eno. En tretan to, podem os pen sar a relação de sen sação e percepção do objeto de arte com o um processo fragm en tado? Algo que acon tece sistem aticam en te um ato após o outro? Mora, através da neurociência, dem on stra que sim , em bora na prática podem os “sen tir e perceber”, que, ao falarm os de sen sação e percepção, esses m om en tos acontecem quase simultaneamente, cooperando e se transformando.

Ao estudar a fisiologia e o fun cion am ento do sistem a sensorial e perceptivo do ser hum an o, Mora n os en sina que a percepção é a apreensão de um todo, através da organ ização de fatores extern os (do m un do) e in tern os (do sujeito). E as sen sações são elem en tos im prescin díveis n esse processo, sem as quais n ão existiriam as percepções e n ão seria possível a con strução do con hecim ento do

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m un do e do próprio ser hum an o n a sua relação con sigo m esm o e com o am biente que o cerca. A neurociência defin e a sen sação com o con seqüên cia da ação de estím ulos extern os sobre os n ossos órgãos dos sen tidos. Isso n os ajuda a situar esses dois processos, pois m eu objetivo, neste capítulo, é abordar a sen sação e a percepção no processo de in terpretação do objeto de arte. Portanto, poderíam os dizer, de form a sim ples, que as sensações estão m ais ligadas a elem en tos n eurofisiológicos e são um a relação m ais im ediata, ao passo que a percepção está ligada a elementos psicológicos pois é um processo de intermediação14.

O fen ôm eno da sen sação é classificado em três grupos prin cipais: extern as, in tern as e especiais15. Na presen te pesquisa, o que m ais n os in teressa é a sensação

extern a, pois é a relacionada com o m undo exterior, onde se coloca a percepção do objeto artístico. É através da sensação externa que tem os ao n os defron tarm os com o objeto de arte, que damos início (no território dos sentidos) a nossa relação com a obra de arte. Seria esse o com eço do jogo? Mas, o objeto de arte teria con dições de ativar esse jogo?

O sistem a sen sorial hum ano funciona em harm on ia e cooperação m útua, pois, geralm en te, n ão é apenas um sen tido que age na percepção dos objetos, os sen tidos trabalham jun tos e se com pletam , ou seja, é através da ação cooperativa dos sen tidos que conseguim os um a apreen são do am bien te físico que n os cerca. As in form ações dos vários sen tidos são com bin adas ou re-organ izadas pelo n osso cérebro, para apresen tar o m un do à n ossa volta, porém , som os apenas receptores

14 Minha dissertação leva em consideração um espectador no pleno domínio de suas faculdades físicas e

mentais, com seus órgãos dos sentidos em perfeito funcionamento. Pessoas que sofrem de distúrbios ou alterações da sensopercepção, não são objeto dessa pesquisa.

15 As sensações externas são aquelas que traduzem as particularidades e aspectos de tudo que é perceptível ao

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passivos do m undo que n os rodeia? Mora n os dá um exem plo que pode esclarecer esse questionamento:

Os n eurôn ios da retin a n ada copiam do m un do extern o, m as detectam

coisas que en viarão logo ao cérebro para seu posterior processam en to. Os

n eurôn ios apresen tam ao cérebro argum en tos baseados n as

características específicas que detectam (n o m un do exterior), com os

quais o cérebro constrói sua hipótese da percepção. 16

Nessa observação, vemos que a percepção não é apenas a sensação, não pode ser con siderada a sim ples recepção de dados pron tos. O processo da percepção n ão é passivo, por requerer atividade recon figuradora. Mas, a n eurociência coloca um a questão im portan te a respeito da percepção, se essa an álise sen sório-perceptiva do m un do que n os cerca seria um a recon strução fiel ou um a in terpretação do in divíduo, pois o cérebro “constrói a sua hipótese da percepção”, ele interpreta esses dados e apresenta uma resposta. Mora pergunta:

Essa realidade extern a é captada de m odo fidedign o? Som os capazes ou,

expresso de outra m an eira, n osso cérebro foi projetado para captar

passivam en te a realidade “real” que n os rodeia? As árvores, os an im ais e

os objetos que vem os e ouvim os são fen ôm en os que existem e vivem em

uma realidade tal qual é desen hada “aí fora”? Essas in dagações

aparen tem en te sim ples são n a verdade tão desafiadoras quanto

descon certan tes são as suas respostas. [...] O n osso cérebro depen de dos

nossos tradutores, para lidar com o m un do. Disso deduz-se,

evidentemente, que a rede interna do nosso cérebro nada entende sobre as

energias que existem no mundo real, a menos que elas sejam traduzidas. É

que o n osso cérebro só usa e en ten de os sin ais elétricos, para processar

todas as in form ações recebidas do m eio am bien te que o cerca. O que n os

surpreen de verdadeiram en te é que até on de a n eurociên cia n os vai

deslin dan do, a realidade que con strói n osso cérebro n ão é um a tradução

fiel à realidade que existe fora de nós. 17

16 MORA. Continuum: como funciona o cérebro?, p. 54.

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Esse question am ento vai ao encontro da m in ha proposta de pensar a relação de apreen são e in terpretação do objeto artístico com o ún ica, on de sugiro que essa sin gularidade de cada percepção pode apontar para a legitimidade da interpretação do indivíduo, como veremos mais adiante.

Segundo Mora, a neurociência n ão adm ite, com o acon tecia n o passado, que o universo perceptivo do ser hum an o resulte apenas do en contro en tre o cérebro e as propriedades físicas de um estím ulo. A percepção difere das características físicas do estím ulo, porque o cérebro extrai desse estím ulo in form ações e as in terpretam em função de experiências passadas com as quais elas se associem . Nosso conhecim ento de tudo que n os cerca é “real”? Ou é um m un do construído, inteiramente ou em parte, por n osso cérebro, e diferen te, portanto, de outros mundos possíveis, de outros tantos espectadores possíveis?

É realm en te desconcertan te pensar que um a m úsica ou um perfum e são apen as vibrações sonoras ou substân cias quím icas e que a m elodia, a harm on ia da música, assim com o o arom a de um perfum e, são tam bém construções da nossa m en te, a partir de experiências sen soriais, e, com o tais, n ão existem fora do n osso cérebro. Ao m esm o tem po é fascin an te pensar que cada con strução m en tal é um a interpretação ún ica. Foi essa fascin ação que m e levou a pen sar n a sin gularidade de cada interpretação de um mesmo objeto de arte. Mora nos diz que:

Tudo o que som os capazes de perceber do m un do que n os cerca é

percebido por m eio dos n ossos órgãos dos sen tidos. Tudo o que você faz

n este m om en to, in clusive a visão e a leitura desse texto, ou o que pode ver

em alguém que está dan do um a con ferên cia, o que in clui a lin guagem , os

gestos faciais e corporais, sua expressão em ocion al e tudo o que o rodeia,

em son s ou arom as do m eio am bien te, é in form ação sen sorial. O processo

de decodificação que você realiza em seu cérebro de tudo o que sua retin a,

seu órgão da audição ou sua pituitária olfativa detecta n o m eio am bien te,

por m ais prosaico que pareça, é o que proporcion a a base e a riqueza dos

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existem fan tasm as. Os fan tasm as se con stroem em n osso cérebro,

certamente, mas dele não saem. 18

Nesse con texto, poderíam os afirm ar que dois seres hum an os percebem um a cor, forma ou textura da mesma maneira? Mora escreve:

Com o o cérebro percebe a cor da laran ja? Existem cores n o m un do que

n os é extern o? A laran ja tem sua cor com o um a propriedade física

in trín seca e in depen dente de quem a olha? Não parece que seja o caso. A

cor da laran ja que vejo é con struída ativam en te pelo m eu cérebro, em

função dos receptores da retina, da estrutura neuronal e dos programas de

seu funcionamento. 19

Ou seja, n ão se pode afirm ar que um ser hum ano percebe um a cor exatam en te igual à cor que o outro percebe, pois essa percepção é con struída, em parte ou totalm en te, pelo cérebro de cada indivíduo. Dam os o m esm o n om e a essa percepção, por exem plo, m oran gos são verm elhos, m as n ão podem os afirm ar com absoluta certeza se am bos perceberam a cor verm elha exatam en te da m esm a maneira. Com essas observações, extraídas do cam po da n eurociên cia, preten do ressaltar a singularidade da percepção de cada espectador e apresen tar a proposição de que sua apreensão e, conseqüen tem en te, sua in terpretação do objeto de arte, será, de certa forma, também singular.

Pensemos n a seguin te situação hipotética: dois espectadores, com as m esm as condições neurobiológicas e boa visibilidade, olhan do um gato n a rua. Nessas condições, não há possibilidade de um desses espectadores ver um cachorro ou um cavalo. É provável que exista um a diferença en tre a percepção dos dois espectadores, por se tratar de um a atividade de in terpretação e recon figuração de informações, com o vim os anteriorm en te, m as essa diferença (m ínim a) n ão é suficiente para que um deles con funda esse gato com algo totalm en te diferen te. Essa é um a questão que tem a ver com a sobrevivência do in divíduo20. En tretanto,

18 MORA. Continuum: como funciona o cérebro?, p. 53.

19 MORA. Continuum: como funciona o cérebro?, p. 54-56.

20 Para pormenores sobre o papel que exerce a percepção na sobrevivência do homem ver: PENNA.

(24)

n o caso da apreensão do objeto de arte, essa “m ín im a” diferença pode in terferir n o processo de apreen são e in terpretação da obra de arte? Preten do levar em con sideração que o objeto de arte é algo diferenciado do cotidiano (m esm o quan do se apropria dele), e que esse m ín im o poderia interferir na sua apreen são. Dian te da im possibilidade de negativa da in fluência dessa diferen ça, propon ho pen sar n a possibilidade de interferência n a in terpretação, baseada n a sin gularidade, n ão só n eurobiológica, m as tam bém na in dividualidade do espectador com o algo ún ico, e assim seria tam bém a sua apreen são e in terpretação do objeto de arte. Segun do Mora:

Ain da que, em seu con jun to, o padrão das con exões de um a área em um

determ in ado cérebro seja descritível em term os gerais, a variabilidade

m icroscópica do cérebro em suas m ais fin as ram ificações n euron ais é

en orm e e faz com que cada cérebro seja sign ificativam en te ún ico... e isso

perm ite sugerir que a fun ção do cérebro possa depen der de teorias que

incluam a variabilidade. 21

Se as fun ções do cérebro incluem a variabilidade, en tão é plausível sugerir, também, n o âm bito biológico, diversas in terpretações de um m esm o objeto de arte, tantos quantos forem os seus espectadores.

Com base nas afirm ações de Mora, proponho pen sar que a in terpretação de um objeto artístico é tão in dividual que isso pode apon tar a legitim idade das in terpretações dos espectadores leigos e am pliar o lugar do espectador nesse jogo, onde o indivíduo passa a constituir (junto com a obra) algo também único.

(25)

Nada, em n osso m un do, é perceptível, a m en os que o n osso cérebro realize um a con stante apren dizagem ”22. Um exem plo disso seria que a sensação visual de um

objeto, com form ato sim ilar a um cone, arredon dado n as extrem idades, verm elho, pintas pretas, com form as lam inares e verdes n a parte in ferior e com parte de seu corpo enegrecido, som en te será percebido com o um m oran go podre se a pessoa souber o que é um m oran go. E, den tro deste con hecim en to, souber ainda que m orangos apodrecem e, quan do apodrecem , adquirem certas características que estão de acordo com o estímulo sentido.

Com o n osso cérebro pode classificar esse m un do que vem os tão diverso e

heterogên eo dian te de n ós, de m odo a sim plificarm os com isso um a

diversidade tão gran de? Com o é que, por exem plo, podem os classificar os

cães, an im ais com form as, tam an hos, cores e pelagen s tão diferen tes, em

um a só categoria, a de cão, e com por com um a abstração que seria um cão

un iversal, ou seja, todos os cães do m un do? É claro que o sen tido de toda

a in form ação sen sorial é adquirido depois que esta é abstraída e

classificada, de form a que tal processo é o n exo en tre a percepção e a

cogn ição. O ser hum an o pen sa com idéias, com abstrações. En tre a

percepção e a cogn ição existe um a fun ção de classificar, isto é, determ in ar

se o percebido perten ce a este ou àquele grupo de coisas. Quan do vem os

um cão, um gato ou um a form a aproxim ada a um an im al ou ao outro, seja

um “gato m uito sem elhan te a um cão” ou um “cão m uito sem elhan te a um

gato”, n osso cérebro extrai in exoravelm en te um a idéia clara dessa

percepção, seja “gato” ou “cão” (sem con fusão) e é aí que com eça o

processo de pen sar. Nosso cérebro m an eja idéias e, quanto m ais claras

forem essas idéias m aior é a clareza n a classificação dos n ossos perceptos

e n o processo de pen sar sobre o que vem os e seus sign ificados. Nosso

pen sam en to torn a-se len to e trabalha com dificuldade quan do se trata de

conceitos que rompem a classificação aprendida anteriormente.23

Essa dificuldade, a qual Mora se refere, pode ser transportada para a apreen são da arte con tem porânea em que artistas, com o Waltercio Caldas,

22 MORA. Continuum: como funciona o cérebro?, p. 22.

(26)

propõem um em bate estético peculiar que rom pe com classificações ou con ceitos aprendidos.

Com relação à experiência artística, talvez através do con tato e das estratégias de apreensão criadas pela percepção a partir desses en con tros, seja possível para o espectador aprender a apreen der a obra, e, até m esm o, analisar, refletir, in tervir n a obra e con seqüen tem en te transformar-se e tran sform á-la. Dian te de um a obra de arte, observando-a, m an ipulando-a, envolvendo-a ou sen do en volvido por ela, qualquer que seja a experiência sen sível, se estabelece um a relação de m ediação entre o in divíduo e a obra, n a qual a conduta do sujeito visa um equilíbrio en tre o m eio extern o e ele próprio. Sua con duta depende das in form ações que colhe do m eio que o en volve através dos processos perceptuais, e com o já vim os, nosso cérebro m em oriza determ in adas in form ações para, m ais tarde, usá-las em situações sem elhan tes e em itir a resposta correspondente. Sugiro que, quan to m ais contatos, m aior probabilidade de apren dizagem e apreensão, e com isso se estabelecerá jogos de diálogo mais interessantes.

Cabe ressaltar que a aprendizagem a qual me refiro não é a educação formal, m as a apren dizagem con form e o pon to de vista da neurociência. Nas palavras de Francisco Mora:

O cérebro tem poten cialidade para perceber as form as, m as isso só se

realiza por m eio da apren dizagem , o que, n a n eurociên cia atual, equivale a

falar em plasticidade n eural e organ ização sin áptica das áreas sen soriais

do cérebro em função da aprendizagem e da experiência. 24

(27)

pesquisa porque sugiro pen sar a percepção com o um a form a de aquisição de con hecim en to. Sendo assim , n a con strução do con hecim ento do in divíduo a sensação e a percepção ocupam um importante lugar.

Perceber e interagir, qualquer ser vivo é capaz disso, mas o ser humano pode ir m ais além . É in eren te ao ser hum an o a capacidade de im aginar, de sim ular, de abstrair, o que certam ente o diferencia da percepção an im al. O m ovim ento da relação en tre o hom em e a obra de arte é um m ovim en to de ziguezague, on de a percepção, a sen sação, o pen sam en to e a im agin ação atuam e se en trecruzam , podendo recomeçar na imaginação, voltar à percepção (ou não) e por aí em diante.

Perceber, portanto, é conhecer, e com base nesses sen tidos colhidos, o hom em prom ove sua con duta e cria estratégias racionais, im aginativas e sensíveis de apreen são da obra. Estratégias que con duzem e con stroem seu con hecim en to. Portanto, a percepção não é apenas o fornecimento de dados, não limita o homem à con tem plação, m as possibilita a ação e perm ite-lhe a relação e in terpretação da obra de arte. E com o um a obra de arte pode deflagrar essa criação de estratégias, esse processo de m ediação e de aquisição de con hecim en to? Nesse sen tido, com o analisar as obras de Waltercio Caldas?

Outro pon to a ser mencionado aqui, já que estam os tratan do do in dividual em detrimento do coletivo, é a influência que fatores geográficos, culturais e sociais exercem na relação do indivíduo com o m un do que o cerca. Em nosso m un do contemporâneo, existem diversas culturas e sociedades diferen tes, vivendo nos m ais variados clim as e con dições sociogeográficas. Essas condições certam ente in fluenciam as percepções e in terpretações das pessoas acerca de um m esm o objeto; há diferenças n a m an eira pela qual os m esm os objetos são percebidos (e interpretados) de form as diferen tes em sistem as culturais diferen tes. Essas observações devem ser con sideradas, n a m edida em que relacionam -se com a aprendizagem , com a capacidade para identificar os objetos e vivên cias culturais e sociais. Em bora isso n ão afete profun dam en te o processo geral de percepção25, n ão

25 Com relação ao processo geral de percepção, o exemplo a seguir pode nos esclarecer a respeito disso.

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deve ser descon siderado, pois os valores culturais atribuídos aos objetos desempenham um papel sign ificativo na m an eira pela qual esses objetos são percebidos e in terpretados. Sen do assim , a “expectativa do espectador” é constituída, tam bém , por esses fatores sociais e culturais, ou seja, a expectativa do espectador inclui a experiência passada, a m em ória, a história e a cultura do indivíduo que interpreta.

H á algo im portan te que n ão devem os descon siderar: depende tam bém do olhar que o espectador lança sobre isso que está acon tecen do, (n o nosso caso sobre a obra de arte), para que o jogo in terpretativo acon teça. A von tade, m otivação ou desejo do espectador em ir além da percepção do objeto de arte e se lançar n o jogo da interpretação. De acordo com Mora:

O ser hum an o, possuidor do cérebro que processa toda a in form ação, n ão

vê, n ão ouve, n em percebe n ada (apesar de estar rodeado e bom bardeado

con stan tem en te por todos os estím ulos sen soriais que o cercam ), a m en os

que aquela in form ação sen sorial ten ha algum sign ificado para ele.

Som en te dian te daquilo que sign ifica algo, a m aquin aria aten cion al do

cérebro en tra em atividade. Apen as quando se tem fom e, o alim en to

sign ifica algo e é detectado rapidam en te n o am bien te. Para detectar-se o

alim en to, an tes disso deve haver fom e, isto é, deve-se ativar a m aquin aria

em ocion al, a qual detecta as in form ações sen soriais que dizem algum a

coisa. É en tão que o cérebro se põe a trabalhar e processar a in formação

sensorial correspondente. 26

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in terpretação desse objeto de arte) estão tam bém subm etidas à própria subjetividade do espectador, ou seja, estão sujeitas à sua individualidade e particularidades. É aquilo que é válido para um só in divíduo e que só a ele perten ce, pois in tegra o dom ín io das atividades psíquicas, sentimentais, em ocion ais ou volitivas desse espectador. Refiro-me à história particular de cada um, aquela que só aquele espectador viveu e só ele conhece.

Se a percepção está tam bém subm etida a esses elem en tos pessoais do in divíduo, en tão com o podem os afirm ar que se percebe um objeto da m esm a form a? Se a percepção do objeto está sem pre se relacion an do tam bém com a in dividualidade do sujeito, existirá sem pre um a sign ificativa diferença subjetiva entre o objeto e essa percepção pessoal sobre o qual ele se faz representar.

Com relação à percepção, cabe ressaltar que, quando pensam os, refletim os ou an alisam os, por exem plo sobre um a obra de arte, já n ão estam os n o processo de percepção, m as de recepção. Nesse processo, o con hecim en to do espectador, bem como suas experiências passadas, conceitos, afetos e juízos pessoais, fazem parte de sua in terpretação da obra de arte. Mas, n a fruição do objeto de arte, sen sação, percepção e recepção dialogam con stan tem en te en tre si, são processos que estão in trin secam en te relacion ados, pois tudo isso faz parte da fruição da obra de arte. A lin ha que divide esses m om en tos é m uito tên ue, e n ão é objetivo desta pesquisa conceituar esses m om en tos, m as abordá-los n o processo de fruição da obra de arte. No capítulo seguin te vam os refletir um pouco m ais sobre essa relação de m ediação entre espectador e obra.

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da relação in dividual e subjetiva com a obra. A percepção do espectador é o lugar da relação, da expectativa, é onde se tece o tecido fino dos sentidos, da significação, onde acontece o jogo e o diálogo. Fim, começo e recomeço.

Com este estudo sobre a percepção e a sensação hum an as, n o cam po da n eurociência, procurei enriquecer minha pesquisa sobre a complexa relação entre o espectador e o objeto artístico. Lon ge de ser um texto conclusivo ou específico sobre o tem a da percepção e da sen sação, e que grandes teóricos já escreveram in ten sam en te sobre o assun to, o tem a ain da n ão é totalm en te esgotado, nem pela ciência nem pela filosofia. Proponho então pensar que a percepção humana e, como conseqüência, a in terpretação, está relacion ada com a constituição biológica, com a capacidade sen sorial e cerebral, idade, experiências particulares, e tam bém com os contextos geográfico, histórico, social e cultural.

Cada in divíduo é um ser ún ico, com suas habilidades específicas, seus desejos, afetos e valores que con stituem sua in dividualidade. A obra de Waltercio Caldas não seria a m esm a se n ão tivesse sido criada por ele, com toda sua vivên cia pessoal, seu con hecim en to, suas experiên cias em ocion ais, racion ais, afetivas, enfim, tudo aquilo que faz parte da sua individualidade. Assim tam bém ocorre com o espectador, a con stituição única dessa pessoa, suas habilidades específicas, seus m otivos, seus valores e seus afetos con stituem sua in dividualidade. H á diferen ças significativas n a percepção do m undo, associadas às in dividualidades e tam bém às diferenças biológicas. Sen do assim , a recepção e in terpretação do objeto artístico, sob muitos aspectos, é única.

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CAPÍTULO II

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O espectador pode ir além dos seus sen tidos n a apreen são da obra. No prim eiro m om en to usam os n ossos sen tidos, ou apenas algun s deles, para perceber a obra e, assim , travar com ela um “jogo de sen sações e percepções”, m as colocar a apreen são do objeto artístico ou a experiên cia artística apen as no n ível físico ou biológico seria sim plificar dem asiadam en te esse processo. H á um espaço e tem po próprios desse “jogo”, no qual o espectador estabelece estratégias de investigação e apreensão da obra.

Na abordagem de um a obra de arte, con tem plam os, observam os, sen tim os, experim en tam os, participam os e pen sam os, procurando um a con exão en tre as partes, buscan do um m otivo, um a sign ificação ou sen tido, um porquê n o qual tudo se relacione. O encontro com o objeto artístico é um a experiência sen sível porque lida com os n ossos sen tim en tos e as n ossas sen sações, m as tam bém é um a experiência racional, pois envolve nosso intelecto.

Na construção do objeto artístico, o autor lida com idéias, projetos, e tam bém acasos ou aciden tes, m as n ada que um artista coloque em sua obra pode ser con siderado gratuito pelo espectador. Devem os n os deixar guiar pela obra, nos orien tar através do todo, para en tão perceber as características principais e explorar, no âm bito da obra, todos os detalhes in ter-relacion ados. Dessa form a, gradualmente, a obra se revela e, à m edida que a percebem os, cada vez m ais, estabelecendo com ela esse jogo de diálogo, com eça a se con ectar a obra e o pensam ento do espectador, levado pela sua in tuição e o seu in telecto. Segundo Rudolph Arn heim , a apreen são do objeto artístico pelo ser hum an o consta de duas ações, dois processos com plem en tares en tre si: a intuição27 e o in telecto. Am bos

são processos cognitivos que atuam em conjunto, são os dois procedimentos de que dispõe a mente para a aquisição do conhecimento28.

27 Preferi manter a palavra “intuição”, por ser a usada por Arnheim em todo o seu texto, porém, quando o

autor se refere à intuição, entendo que é o sentir e a percepção sensível.

28 Para maiores informações sobre a percepção intuitiva e a análise intelectual, ver o capítulo: “A duplicidade

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Arn heim afirm a que a m en os que o sujeito ten ha apreendido in tuitivam en te o objeto, não se pode lidar in telectualm en te com ele. Pois, segun do o autor, o pensamento e a percepção não podem operar separadamente.

A in tuição é um a propriedade da percepção e está lim itada por ela porque, na cognição, só a percepção atua por processos de campo, então a intuição pertence à percepção. Mas, Arnheim n os ensin a que a percepção e o pen sam en to n ão são processos separados, portanto, a in tuição está presen te duran te todo o ato cogn itivo, independentem en te se tal ato é m ais perceptivo ou racion al. E dessa mesma forma o intelecto também vai atuar em todo o ato cognitivo.

Arn heim diz ain da que a in tuição não é fruto da im aginação. É um procedim ento sim ples, direto e objetivo. Em seu livro, In tuição e in telecto na arte, ele relata que a intuição é m ais confiável e precisa justam en te por essas características, e que é a concepção de uma mente inteligente. A dedução já envolve outros fatores extern os e con hecim en tos passados, o que daria um a m argem m aior de erro, devido a essa maior quantidade de informação.

O autor n os fala tam bém sobre a relação do ser hum ano com o m un do ao seu redor: “Quan do a situação de estím ulo é com plexa, indistinta ou am bígua, lutam os con scien tem en te por um a organização estável, que defin a cada parte e cada relação e estabeleça assim um a situação decisiva”29. No nosso cotidiano, essa

n ecessidade n ão é tão presente, (em com paração com situações de estím ulo complexas), pois tem os n ossa m em ória, n ossas experiências passadas, e basta um olhar para sabermos se algo é uma porta e se ela está aberta ou não. Essa percepção ocorre abaixo do nível da con sciên cia, trata-se de recolhim ento e reconhecim en to de dados. Na relação com o objeto de arte é n ecessário um olhar m ais aten to, “um exam e com pleto de todas as relações que constituem o todo, porque os com pon en tes de um a obra de arte n ão são sim ples rótulos de iden tificação”30. Um

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apen as nessas características in iciais. En tretanto, se tem os con sciên cia disso, essa con duta inicial pode levar a um alargam ento da visão do espectador, con duzindo-o a um maior entendimento com a obra. Nesse contexto, Arnheim afirma que:

O espectador explora as “qualidades” perceptivas de peso e ten são dirigida

que caracterizam os vários com pon en tes da obra. O observador

experim en ta a im agem com o um sistem a de forças que se com portam

com o os elem en tos que con stituem qualquer cam po de forças, isto é,

esforçam-se para chegar a um estado de equilíbrio. Essa con dição de

equilíbrio é testada, avaliada e in teiram en te corrigida pela experiên cia

perceptiva direta. 31

O autor, em seu livro (op cit), defende a idéia de que o raciocínio se dá através da imagem, e afirma, tam bém , que a percepção e o pen sam en to precisam um do outro, atuam em cooperação e n ão são de form a algum a excluden tes com o m uitos ain da acreditam . “A percepção seria in útil sem o pen sam en to; este, sem a percepção, não teria nada sobre o que pensar”32.

O artista cria um “m un do”, oferecen do-o ao espectador e este atua com o um ativo exam in ador, envolvido em um jogo de sen sações e percepções. Esse “m undo” criado pelo artista, além de ser um a etapa em seu desen volvim en to artístico, torn a-se um a proposição para o outro. Um con vite ao espectador, no qual ele vai usar sua percepção e intelecto para estabelecer uma relação de sentido com a obra.

Quan do digo que a obra é um a proposta, um convite ao espectador, refiro-me tam bém ao fato de que n in guém con trola o m odo com o o espectador “usa” a obra. Um berto Eco nos explica que a recepção de um a obra depende de um código33 in dividual de leitura de cada um , e cada in divíduo vai agir de acordo com

esse “código in dividual”, o qual é construído socialm en te, culturalm en te e individualmente. Cada espectador vai agir e atuar sobre a obra de m an eiras

31 ARNHEIM. Intuição e intelecto na arte, p. 17.

32 ARNHEIM. Intuição e intelecto na arte, p. 141.

33 Preferi manter a palavra “código” por ser a usada por Eco no seu texto original, embora seja um pouco

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diferen tes, pois é certo que n ão podem os ign orar que existe a liberdade de perceber/receber essas obras de modo diferente conforme essa visão própria.

O jogo do diálogo entre o espectador e a obra pode durar um instan te, m in utos ou horas, vai depen der do sistem a de cada obra, da sua capacidade form al e estrutural para captar a percepção e a aten ção do espectador, m as depen de, tam bém , do desejo desse espectador, da sua von tade e disposição de se en volver com a obra.

Esse en ten dim en to com a obra só é possível desde que haja o desejo do espectador. A percepção possibilita o “desejar”, e o “desejar” é o que m ove a ação, a con duta de in terpretação. E a interpretação é a apreensão da obra de arte, é dotá-la de sen tido e construir o en ten dim en to. A m otivação é um processo in trín seco, sen do assim , a disposição para fruir um a obra depen de do espectador. A m otivação, o in teresse, o desejo, são operações in tern as do sujeito, a expectativa para fruir a obra já existe n o espectador (com o vim os n o capítulo I) e isso é um a porta aberta para o convite. É a en trada para a atuação do artista despertar o in teresse e o desejo do seu espectador, pois a obra de arte tem con dições ou possibilidades de ativar essa operação. O autor pode convidar, solicitar, seduzir o espectador através da sua poética, m as a aceitação do convite acontece n o espectador. A fruição é intransferível.

Em geral essa sedução acon tece prim eiro através do olhar do espectador. No caso específico das obras de arte, elas n ão ativam som en te a visão, e outros fatores ligados aos dem ais sentidos e ao intelecto tam bém são m uito im portan tes. Na arte con tem porân ea, por exem plo, o objeto artístico não poderia m ais ser an alisado somente em função do seu im pacto visual sobre o observador, ainda que n a m airia das vezes ele seja determ in an te. Mas, quan do pensam os n a n ossa relação com o m un do é o olhar que vem prim eiro a n ossa m ente e, de fato, a recepção se dá in icialm en te n o olhar do espectador. O olhar é a m aior fon te dos n ossos desejos e de nossa inquietude.

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próprio do lugar”34. Pen so en tão que, o jogo seria o lugar on de acontece o processo

de in terpretação do objeto artístico ou da experiência artística. E on de esse jogo é possível? Sugiro que seja n o espectador, talvez n o seu olhar, porém , precisam os levar em con sideração duas coisas: Prim eiro, segun do Didi-H uberm an , é preciso um objeto adequado, ou seja, eficaz. A obra joga quando pode enredar, provocar, causar espan to ou surpresa, aparecer ou desaparecer, “porque pode de repente perder toda sua aura [...] e passar assim à in existência total”35. Quan do pode ser

olhada e pode olhar. E em segun do lugar, propon ho que só há jogo quando há desejo. É o desejo, a “expectativa do espectador”, que cria o jogo. É o espectador quem , respon den do a um convite do artista, cria o jogo, o lugar e a in quietação. A obra “assombra” – se for eficaz – , mas quem cria o “fantasma” é o espectador 36.

O olho captura, apreen de, m as é o “olhar” que pen sa, que recebe e interpreta. O olho não vai além da superfície, o olho só vê a superfície. Então, o que con tin ua ven do depois que o olho olha? O olho n ão m ergulha, n ão abre a fenda por on de eu posso entrar e olhar o outro e por on de esse outro pode m e olhar. O “algo” observado está aí, diante do olho, o olho olha, mas o fenômeno da percepção ocorre em outro lugar. Um lugar m ais próxim o da im agin ação do que do m un do visível. Esse lugar talvez seja o olhar do espectador. Pois, é no m om en to em que olham os além do visível que o que vem os n os olha. Talvez só haja o que ver para além da imagem.

Proponho pen sar que a obra de arte possibilita um diálogo, e n esse “jogo do diálogo”, o espectador pode ter várias atitudes. Segun do Didi-Huberman, um a prim eira atitude seria a de “perm anecer aquém da cisão aberta pelo que nos olha n o que vem os. Atitude equivalente a preten der ater-se ao que é visto”37. In terpreto

essa afirm ação do autor com o um a con duta do espectador em n ão penetrar n o

34 DIDI-HUBERMAN. O que vemos o que nos olha, p. 95.

35 DIDI-HUBERMAN. O que vemos o que nos olha, p. 81.

36 O uso de termos como “assombrar” ou “fantasma” estão presentes em outros textos de Didi-Huberman,

onde o autor utiliza a metáfora de uma “casa” para explicitar relações entre o olhar e o objeto. Na p. 19 desta dissertação Francisco Mora também se utiliza da expressão “fantasma” para afirmar que determinadas percepções ou construções do espectador existem apenas em sua mente. Portanto, se a obra for eficaz ela terá condições de deflagrar o jogo (assombrar), mas a interpretação (fantasma) quem cria é o espectador.

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objeto, ficar abaixo do convite da obra, lim itan do-se apen as à sua percepção, reduzindo o diálogo à materialidade do objeto.

É acreditar - digo bem: acreditar - que todo o resto não mais nos olharia. É

decidir, dian te de um túm ulo, perm an ecer em seu volum e en quan to tal, o

volum e v isív el, e postular o resto com o in existen te, rejeitar o resto ao

domínio de uma invisibilidade sem nome.38

Enten do que é a atitude do espectador que se m an tém aquém da cisão, que se recusa ao jogo, ou seja: eu olho, m as n ão vejo, pois não há n ada a buscar ali. Dian te disso m e pergun to: E o olhar do espectador dian te da obra? O que esse olhar busca? Não seria a “obra em si” e não apenas a sua imagem?

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Garrafa com rolhas |1975

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As obras de Waltercio Caldas veiculam um grande núm ero de in form ações e possibilidades, a despeito de sua aparen te sim plicidade e quan tidade de elem en tos. Contudo, a autora Martin e J oly n os alerta que a descrição é um a etapa im portan te e delicada, pois ao descrever a obra o espectador passa do cam po visual para o campo verbal. “A verbalização da mensagem visual manifesta processos de escolhas perceptivas e de recon hecim en to que presidem sua interpretação. Essa passagem do “percebido” ao “nomeado”, essa transposição da fronteira que separa o visual do verbal é determ in an te n os dois sen tidos”39. É a tran sform ação das percepções

visuais em linguagem verbal, marcadas por escolhas feitas pelo espectador.

Dian te disso proponho que a descrição possa ser um pon to de partida n a relação com a obra, um dos cam in hos para se estabelecer um jogo com o objeto. Esse estreitam en to pode servir com o pon te para pen etrar m ais adian te, m as sugiro pensar que isso seria possível caso se ten ha con sciência dessa atitude. A descrição do objeto não é a “obra em si”, m as pode fun cionar com o um ponto de partida para o jogo.

De acordo com Didi-H uberm an , um a segun da atitude do espectador diante do objeto de arte con sistiria em superar tan to o que vem os quan to o que n os olha. Um desejo de se conduzir para além da cisão, fazen do da experiên cia do olhar um a experiência de crença: “Ver é crer”.

Essa segun da atitude con siste portan to em fazer da experiên cia do ver um

exercício da cren ça: um a verdade que não é n em rasa n em profun da, m as

que se dá en quanto verdade superlativa e in vocan te, etérea m as

autoritária. É um a vitória obsession al - igualm en te m iserável, m as de

form a m ais desviada - da lin guagem sobre o olhar; é a afirm ação,

con den sada em dogm a, de que aí n ão há n em um volum e apen as, nem um

puro processo de esvaziamento, mas “algo de Outro”. 40

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Mas, essa segunda atitude é tam bém outra recusa dian te da obra, que continua a n os olhar, é “a outra face da m oeda”41. É o espectador cín ico, que se recusa a ver a

“obra em si” e lim ita a sua percepção - assim com o a in terpretação - ao nível do visível e do tangível.

Relacionei o pensam ento de Didi-Huberman, acerca do olhar além da cisão com a questão da superinterpretação, apresentada por Um berto Eco. Antes de discorrer sobre o conceito de “Superinterpretação”, devem os m en cionar o con ceito de “Obra aberta”. Em seu livro Obra aberta: form a e indeterm inação nas poéticas

contemporâneas, Eco defen de o papel ativo do leitor n a in terpretação dos textos

dotados de valor estético. O conceito de “Obra aberta”, esten dido ao cam po das artes plásticas, revela a idéia da necessidade de in teração entre o autor, espectador e obra. “A ‘Obra aberta’ se iden tifica com a ‘abertura de prim eiro grau’ pois rem ete à polissem ia, à am bigüidade, à m ultiplicidade de leituras e à riqueza de sentido”42.

Essa interação não está restrita somente à arte participacionista, “no decorrer desse século [século XX], verifica-se um deslocam en to das fun ções instauradoras (a poética do artista) para as funções da sen sibilidade receptora (estética)”43.

Atualmente, percebem os que esse processo contin ua, am pliando cada vez mais os lim ites da percepção e in terpretação do objeto artístico. A idéia de “Obra aberta” pode levantar a questão de um caráter in acabado da obra, m as isso n ão sign ifica um a postura pouco in teressada do artista. Ao con trário, pois está con tida a idéia de in teração com o público para que o m esm o possa dialogar com a obra. No caso específico de Caldas, sua poética revela uma intencionalidade da obra que explora a experiência sensível e também a experiência racional, na qual não há dominação de um sobre o outro, nem submissão e sim uma relação dialética entre homem e obra.

Segundo Eco, isso não significa uma supervalorização da ação do espectador. Posteriormente, no livro Interpretação e superinterpretação, o autor afirma que os leitores acabaram exageran do nos seus direitos de interpretar, im pon do ao texto idéias que n ão são, nem potencialm en te, evocadas pelo texto. O autor vai analisar sobre esse excesso que ocasiona, n a m aioria dos casos, in terpretações ruins, ou

41 DIDI-HUBERMAN. O que vemos o que nos olha, p. 41.

42 PLAZA. Arte e interatividade: autor-obra-recepção. In: Revista ARS, p. 09.

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seja, superin terpretações. A superin terpretação pode ser a atitude do espectador que se m an tém além da cisão. Para Um berto Eco, há lim ites para a interpretação da obra. No capítulo seguinte discorrerei m ais detidam en te sobre o pen sam ento desse autor, in clusive sobre o con ceito de “Superin terpretação”, relacionando-o à presente pesquisa.

Voltan do à questão das atitudes do espectador, qual seria a atitude – o olhar – que penetra a cisão? Para investigar essa questão apresento a obra A emoção

estética, de Waltercio Caldas, como o início dessa busca.

A emoção estética |1977

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utilizados com o objetos de arte. Os objetos passam a ser tanto m ediadores da expressão artística quanto da interpretação feita pelo espectador ativo.

A obra rem eteu-me a um a passagem do capítulo “O dilem a do visível ou o jogo das evidências”44, on de o autor Didi-H uberm an com en ta um a frase de Robert

Morris: “a sim plicidade da form a não se traduz necessariam en te por um a igual sim plicidade n a experiência”. E o autor acrescen ta: “As form as unitárias n ão reduzem as relações. Elas as ordenam. E até mesmo as complicam ao ordená-las”45.

Em bora a frase se refira a outro con texto estético46, fiz pon tos de con tato com a

obra de Caldas n o sen tido de que n esse en con tro entre o espectador e a obra há sem pre um a experiência sen sível, esse jogo sen sível sem pre vai acon tecer. E há, n essa experiência, relações e jogos de diálogo, onde há tem pos e sujeitos “atuan do em ou diante desses objetos supostamente reconhecíveis”47. O espectador garante a

eficácia da obra.

A em oção estética inquieta o m eu olhar. Recon heço com facilidade seus

objetos, os sapatos pretos, sóbrios e m asculin os, o círculo (que n ão é um círculo com pleto), o carpete... A obra tem , para m im , ares de com édia, brincadeira, que se con tradizem n a figura dos sapatos. Os sapatos tom am posse do espaço e são pren sados pelo quase círculo, tom ados de assalto, pegos de surpresa. H á um desequilíbrio, um m ovim en to suspenso, o in stan te an tes da queda. Não con sigo dissociar o círculo de sua sim bologia, a form a perfeita, o sím bolo do tem po que gira. H á um a quebra n esse sen tido, um a descon tin uidade, fechada den tro do quadrado. Os sapatos pretos me lembram morte, passagem e luto. Entre o cômico e o trágico a obra me intriga e sua imagem me satisfaz.

Para salvar o texto - isto é, para tran sform á-lo de um a ilusão de

sign ificado n a percepção de que o sign ificado é in fin ito - o leitor deve

suspeitar de que cada lin ha escon de um outro sign ificado secreto; as

palavras, em vez de dizer, ocultam o não-dito; a glória do leitor é descobrir

44 DIDI-HUBERMAN. O que vemos e que nos olha, p. 61-78.

45 DIDI-HUBERMAN. O que vemos o que nos olha, p. 63.

46 Convém pontuar que a análise de Didi-Huberman refere-se ao Minimalismo, onde o autor cita obras de

artistas como Robert Morris, Donald Judd, Tony Smith, dentre outros. Porém, acredito ser possível estabelecer comparações com as questões apontadas pela presente dissertação.

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que os textos podem dizer tudo, exceto o que seu autor queria que

dissessem ; assim que se alega a descoberta de um suposto sign ificado,

tem os certeza de que n ão é o verdadeiro; o verdadeiro é um outro e assim

por dian te; os hylics - os perdedores - são aqueles que term in am o

processo dizendo “compreendi”. 48

Talvez m inha apreen são da obra seja pautada por um “olhar tautológico” se pren den do apen as à visualidade da obra, ou talvez seja “o hom em da crença” a ver uma profusão de sentidos n a obra. Estarei in duzin do um a in terpretação que n ão correspon de ao objeto? Segun do Eco, cabe ao leitor sen sível descobrir o que a obra suscita. Nas palavras do autor:

Poder-se-ia dizer que um texto, depois de separado de seu autor (assim

com o da in ten ção do autor) e das circun stân cias con cretas de sua criação

(e, con seqüen tem en te, de seu referen te in ten cion ado), flutua (por assim

dizer) n o vácuo de um leque poten cialm en te in fin ito de in terpretações

possíveis. 49

No caso das obras de Waltercio Caldas, um a superin terpretação pode ter possibilidade de estabelecer ligações ou im plicações ain da n ão percebidas ou sobre as quais ainda não se refletiu, ao passo que algumas interpretações “seguras” pouco acrescentariam ou pouco im pacto produziriam . J ogo den tro das m inhas possibilidades, con dições, desejos e percepções, dialogando com a obra que con tin ua aberta, e que só eu posso adentrar essa cisão através do m eu olhar. Didi-Huberman comenta sobre essa relação entre o espectador e a obra, e também sobre o ato de ver:

O ato de ver n ão é o ato de um a m áquin a de perceber o real en quan to

com posto de evidên cias tautológicas. O ato de dar a ver n ão é o ato de dar

evidên cias visíveis a pares de olhos que se apoderam un ilateralm en te do

Referências

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