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Abortamento na adolescência: da vida à experiência do colo vazio - um estudo qualitativo.

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Academic year: 2017

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1 Universidade do Sagrado Coração. Rua Irmã Arminda 10-50, Jardim Brasil. 17011-160 Bauru SP. leila.vieira@usc.br 2 Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual de São Paulo.

Abortamento na adolescência:

da vida à experiência do colo vazio – um estudo qualitativo

Abortion in the adolescence:

from life to the experience of the empty lap – a qualitative study

Resumo O presente estudo teve como objetivo

investigar o processo de abortamento na adoles-cência, segundo a perspectiva da adolescente. Foi desenvolvido no Hospital Maternidade Santa Iza-bel, da cidade de Bauru (São Paulo, Brasil), e a m etodologia qualitativa buscou com preender a experiência da adolescente no processo de aborta-mento, construindo um modelo teórico represen-tativo. Utilizou-se como referencial teórico o in-teracionism o sim bólico e com o m etodológico a grounded theory. Foram entrevistadas dez ado-lescentes, e a análise dos relatos constatou a desco-berta da gravidez, os sentimentos emergentes, o difícil m om ento da internação, a esperança do retorno ao cotidiano acompanhado pelo apoio dos familiares e a necessidade de mudanças decorren-tes de tal experiência. Dos depoimentos emergi-ram três fenômenos: descobrindo-se grávida, vi-venciando o abortamento e reelaborando o plano de vida. A partir da análise do processo, desenvol-veu-se a categoria central: “Abortamento na ado-lescência: da vida à experiência do colo vazio”. Conclusão: a ocorrência do abortamento na ado-lescência causa diferentes sentim entos, podendo atingir as esferas biopsicossociais.

Palavras-chave Adolescente, Abortamento, Pes-quisa qualitativa

Abstract The present study aimed to investigate

the process of abortion in the adolescence, ac-cording to adolescence perspective at Santa Izabel Maternity Hospital, in the city of Bauru – São Paulo, Brazil. The qualitative methodology tried to understand the adolescent’s experience on the abortion process, building a theoretical sam ple that represents it. Sym bolic interacionism was used as referential theory and grounded theory as m ethodological reference. Ten adolescents were interviewed and the analyses of the reports no-ticed the discovered of pregnancy, em ergent feel-ings, the difficult moment of hospitalization, the hope for a return to quotidian followed by rela-tives help and the need of changes because of this experience. From the reports three phenom ena were observed: find yourself pregnant; living the abortion and remaking of the life plan. From the analyses of the process it was developed the cen-tral category: “Abortion on adolescence: from life to the experience of empty lap”. The occurrence of abortion in the adolescence causes different feel-ings and may reach bio psychosocial circles. Key words Adolescent, Abortion, Qualitative research

Leila Maria Vieira 1

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Introdução

Segundo a Organização Mundial da Saúde1, os

limites da adolescência se estendem dos dez aos 19 anos. Caracteriza-se por um período crítico do desenvolvimento e de transformações biopsi-cossociais, com repercussões em vários setores do desenvolvimento humano, dentre eles a saú-de sexual e reprodutiva2,3. A adolescência é um

período marcado por transformações corporais intensas e radicais, que caracterizam a puberda-de, e por modificações psicológicas e sociais, as quais se refletirão na construção da personalida-de do indivíduo4.

Decorrente de tal situação, a adolescente se expõe aos mesmos riscos de gravidez de uma mulher adulta, podendo ela ser ou não planeja-da e, muitas planeja-das vezes, indesejaplaneja-da. Vários estu-dos referem que a primeira experiência sexual vem acontecendo cada vez mais precocemente, ocor-rendo entre 14,5 anos e 16 anos5,6.

No Brasil, a ocorrência da gravidez na ado-lescência vem apresentando índices preocupan-tes, tornando-se um desafio para os profissio-nais da saúde7. Dados da Fundação Sistema

Es-tadual de Análise de Dados (Seade)8 apontam

que no ano de 2002 a ocorrência de partos reali-zados na adolescência foi de 23,6% no estado de São Paulo, sendo que especificamente no muni-cípio de Bauru a taxa correspondeu a 24,9%.

Entre as complicações da gestação na adoles-cência, encontra-se o abortamento9. Essa

inter-corrência obstétrica destaca-se como um evento que pode ter não só consequências físicas mas também psicológicas10,11.

Estima-se que na América Latina e no Caribe ocorram anualmente 18 milhões de gestações, sendo que dessas 52% não foram planejadas e 23% term inam em abortam ento12. No Brasil,

calcula-se que 31% das gestações reconhecidas terminam em abortamento13. Porém, alguns

es-tudos ressaltam que a perda fetal espontânea apresenta uma porcentagem mais elevada, em torno de 70% de todas as gestações, sendo que a utilização de exam es especializados evidencia maior número de perdas gestacionais ocorrendo antes do reconhecimento clínico da gravidez14,15.

Os números de curetagem pós-abortos rea-lizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no ano de 2002 na faixa etária da adolescência apon-taram uma taxa de 20% tanto para o estado de São Paulo como para o município de Bauru8.

Um estudo epidem iológico realizado entre os anos de 2000 e 2003 em um hospital maternida-de na cidamaternida-de maternida-de Bauru constatou ocorrência

si-m ilar, ou seja, dos 2.286 abor tasi-m en tos 459 (20,08%) foram em adolescentes16.

As consequências de uma gestação prematu-ra e a ocorrência do abortamento podem inter-ferir de forma negativa no cotidiano, trazendo à ton a problem as n as esferas biopsicossociais7.

Nesse contexto, o desafio é propiciar ao adoles-cente acesso a serviços de saúde que lhes ofereça assistência integral, antes mesmo do seu primei-ro intercurso sexual, garantindo-lhe sobretudo privacidade e confiabilidade17.

Considerando a necessidade de um atendi-mento adequado para esse grupo etário, acredi-ta-se que compreender a experiência interacional acerca dos fenômenos do abortamento a partir dos próprios indivíduos que estão vivenciando a experiência contribuirá, de forma significativa, para a compreensão do processo, minimizando as consequências cuja dimensão estendem-se aos aspectos biopsicossociais dos adolescentes, da família e da sociedade em que se inserem.

Trajetória metodológica

Estudos realizados por meio da abordagem qua-litativa apontam que menor enfoque é dado à generalização, buscando o aprofundamento e a abrangência do grupo estudado18. Nesse

contex-to, opto-se por tal metodologia mediante o dese-jo de descrever e compreender os fenômenos que compõem a experiência de adolescentes que vi-venciaram a perda fetal.

O presente estudo teve como referencial teó-rico o interacionismo simbólico e como referen-cial metodológico a grounded theory.

O interacionismo simbólico possibilita a aná-lise do indivíduo como um ser ativo. Como tal, age no meio baseando-se nos conceitos formu-lados a partir de vivências próprias, consideran-do, contuconsideran-do, possíveis influências da interação com outros e do momento presente; norteado por tais conceitos, o indivíduo direciona suas ações19.

Os conceitos do interacionismo simbólico são: símbolo, self, mente, assumir o papel do outro, ação humana e interação social19. Símbolos são

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compreender as palavras e ações de outras pes-soas; ação humana ocorre a partir da interação com o self e com os outros, ocorrendo reações que se manifestam por meio das interações soci-ais que emergem do relacionamento dos atos in-dividuais ou de grupos19.

A grounded theory baseia-se na descoberta e no desenvolvimento de uma teoria partindo-se das experiências obtidas sistemática e compara-tivamente. A teoria é gerada por um processo de indução, no qual categorias analíticas emergem dos dados e são elaboradas conforme o traba-lho avança20. Esse é um processo descrito como

amostragem teórica, uma vez que o número dos sujeitos ou situações que devem integrar o estu-do é originaestu-do pelo que se determina de satura-ção teórica, ou seja, quando os dados coletados começam a ser repetidos e novas informações não mais identificadas21.

A coleta dos dados ocorreu no ano de 2004, sendo que o critério de inclusão baseou-se no diagnóstico de abortamento independentemente do tipo: espontâneo ou voluntário; forma clíni-ca: completo, incompleto ou retido; e na faixa etária que compreende a adolescência, até atingir a saturação teórica, que neste estudo se deu com a décima entrevista. Considerou-se essa amos-tra significativa porque os discursos das adoles-centes que dela participaram representaram a construção social do fenômeno do processo de abortamento entre elas e, por extensão, no gru-po social a que pertencem, o que foi confirmado por meio de um processo de validação realizado com outras dez adolescentes acom etidas pela perda fetal.

O campo de investigação da pesquisa foi o Hospital Maternidade Santa Izabel, localizado na cidade de Bauru (São Paulo, Brasil). A escolha des-se hospital para dedes-senvolver o estudo deu-des-se por des-se tratar de um centro direcionado ao atendimento da mulher, acolher usuárias do Sistema Único de Saúde, ser referência para vários municípios da re-gião e hospital de treinamento acadêmico.

Para atingir os objetivos do estudo, os dados foram coletados por meio de entrevista não es-truturada, realizada com adolescentes interna-das, decorrentes do processo de abortamento, tendo como questão norteadora: como está sen-do a experiência de vivenciar o abortamento?

As entrevistas foram gravadas e, posterior-mente, transcritas integralposterior-mente, o que resultou em um material que foi analisado sistemática e comparativamente, sendo seguido pelo início do processo de recorte e codificação. Tais códigos subsidiaram o agrupam ento dos dados,

sepa-rando-os por semelhança de ideias ou expres-sões. Após o estudo de cada um dos códigos iden-tificados, estes foram agrupados segundo signi-ficado, gerando os fenômenos, as categorias e subcategorias que permearam as experiências das adolescentes ao vivenciarem o abortamento.

Caracterização do grupo estudado

O grupo estudado foi composto por dez ado-lescentes entre 16 e 19 anos, sendo que dessas so-mente uma era casada, seis mantinham relação estável com os respectivos parceiros e três mora-vam com seus familiares. Ressaltamos que a ida-de gestacional foi verificada na data da internação por meio de ultrassonografia, ocorrendo varia-ção entre a 6ª e a 22ª semana de gestavaria-ção, todas com diagnóstico de abortamento incompleto.

Apresentação da experiência

Da análise das entrevistas emergiram três fe-nômenos que representaram o processo vivenci-ado, sendo caracterizados por: descobrindo-se grávida; vivenciando o abortamento; e reelabo-rando seu plano de vida.

A descoberta da gravidez, na maioria das ve-zes, confirmou-se concomitante ao diagnóstico do abortamento.

As experiências mostraram que as adolescen-tes reconhecem o amadurecimento biológico que as expõe à gravidez, seja ela desejada ou não, e suas consequências, as quais poderão se refletir em várias esferas de sua vida. No grupo estuda-do, a gestação foi relatada como um evento não planejado.

As experiências revelaram tanto a falta de pre-venção contra a gravidez como também o uso incorreto dos métodos contraceptivos, confor-me relato das adolescentes:

Eu não sabia que estava grávida, desconfiava porque não uso nada para não engravidar.

Cortei a cartela no meio. Quando parei de to-mar, demoraram dez dias; achei que era normal. Depois de vinte dias, resolvi fazer um teste, mas só acreditei quando fiz ultrassom.

Na im inência da gravidez, as adolescentes negaram os fatos, comparando-os às possibili-dades de tal processo não se concretizar:

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refletiram o desapontamento pelo acontecimento não esperado e as possíveis consequências.

Eu moro com minha irmã. Quando contei para ela, ela disse que estava decepcionada, ficou dias sem conversar comigo. Ela disse que eu tinha tra-ído sua confiança, que tinha me orientado sobre a possibilidade de engravidar e sentia uma faca no peito.

Verificou-se, nas experiências, que o conheci-mento da fisiologia da reprodução era constituí-do de inform ações incom pletas, não só pelas adolescentes, mas também pelos familiares mais próximos, os quais não reconheciam as mudan-ças fisiológicas relacionadas à maternidade.

Nesse contexto, a adolescente, mesmo tendo consciência da possibilidade de ter engravidado, não percebia ou não desejava reconhecer as mo-dificações, demonstrando a falta de percepção de um corpo consciente de si.

Eu não acreditei que tava grávida. M inha menstruação estava normal, não tinha enjoo, meu peito não cresceu, m inha barriga não cresceu nada... Eu tava normal. Agora, cinco meses!

Pelo relato das adolescentes, identificou-se tam bém que os fam iliares não perceberam as mudanças decorrentes da gravidez, pelo proces-so de encontrar-se em fase inicial e/ou também pelo fato de que co-habitar não significa parti-lhar os acontecimentos e experiências, as quais, muitas vezes, são vivenciadas de forma solitária. Minha mãe nem imaginava que eu tivesse grá-vida.

As adolescentes, no decorrer do processo, depararam-se com sinais e sintomas da gravidez ou de intercorrências de tal processo, denunci-ando a necessidade de buscar atendimento seja na Rede Básica de Saúde ou em ambientes de emergência, sem, contudo, terem a certeza do processo gestacional ou mesmo imaginarem tal possibilidade.

Eu fui ao posto, e o m édico pediu exam e de gravidez, mas nem cheguei a começar o pré-natal. Começou a descer um negócio bem escuro... Aí, fui para o pronto-socorro.

Eu tava com muita dor, mas já descia há dez dias. Eu achei que não estava normal e procurei o pronto-socorro.

O momento da confirmação da gravidez foi caracterizado por um conjunto de sentimentos, principalmente o impacto da situação, o que re-força o fato de que apesar de as adolescentes es-tarem expostas aos riscos da gravidez, não se apresentavam preparadas para enfrentá-la.

O resultado do teste foi um choque... Na verda-de, foi um desespero.

Os relatos apontaram a rejeição à gravidez, a qual se intensificou a partir da confirmação e, em alguns casos, manteve-se presente mesmo após o abortamento, caracterizando o aconteci-mento como algo capaz de solucionar um pro-blema que estava sendo vivenciado.

Agora, sinto um pouco aliviada.

Quando a gravidez evolui, espontaneamente ou não, para perda fetal, as consequências atin-gem as esferas biopsicossociais, emergindo o se-gundo fenômeno da experiência: vivenciando o abortamento. Esse momento frequentemente foi relatado como difícil e traumático, permeado por vários sentimentos, tais como: medo, culpa, tris-teza e alívio.

O diagnóstico do abortamento, informado pela equipe de saúde, médico ou um componen-te da equipe de enfermagem, algumas vezes foi percebido como amedrontador, não permitindo às adolescentes outra opção, a não ser aceitar sem questionamento.

A enfermeira falou que eu não tinha água no útero; que o neném não ia sobreviver; que, se eu fosse embora, era perigoso ter tétano, uma infecção forte ou ter que arrancar o útero e que podia nun-ca mais ter filhos.

Com a confirmação do abortamento, a ges-tação passou a ser alvo de reflexões, surgindo o arrependimento por elas não terem tomado de-term in adas con du tas, as qu ais, acreditavam , poderiam modificar os acontecimentos, deno-tando a tomada de consciência de uma vida se-xual ativa.

Enfrentar as situações decorrentes da perda fetal gerou, além de medo dos procedimentos, sentimentos de tristeza, arrependimento, solidão, desamparo e a necessidade de compartilhar o momento com pessoas próximas, além do rela-to do amor pela “criança” e a experiência traduzi-da simbolicamente pelo colo vazio.

Aceitar a gravidez já foi difícil; agora, que eu abortei, é muito mais triste.

Se eu tivesse procurado atendimento no meu primeiro sangramento...

Foi uma coisa difícil, eu já tinha pegado amor no nenê.

Foi uma experiência muito difícil e assustadora. Eu nunca tinha passado por isso. A hora que eu subi para o centro cirúrgico, tive medo daquela injeção na coluna. Nossa Senhora!

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seu convívio, foi referido como algo necessário, sendo apontado que a presença e o diálogo em uma situação difícil de ser enfrentada foram im-portantes para a retomada do plano de vida.

Chorei e conversei com as estagiárias que ti-nha aqui no dia.

Conversar com você ajudou bastante, porque eu não converso disso com ninguém.

O terceiro fenômeno identificado, reelabo-rando o plano de vida, retrata a reflexão da ado-lescente quanto à sua volta ao cotidiano, resta-belecendo as relações familiares. Além disso, elas expressaram a necessidade de mudanças de com-portam en to, objetivan do a preven ção de um novo processo gravidez-abortamento; a próxi-ma gravidez deveria ocorrer em condições próxi-mais favoráveis, tais como: financeira, de saúde, mo-radia, de proteção, apoio afetivo e emocional.

Depois que tudo passou, não vejo a hora de ir para casa.

Quero procurar um tratamento para não acon-tecer de novo, fazer um tratamento para dar certo. Não pretendo ter outro logo. Depois de um tem-po, para meu marido arrumar serviço fixo, quan-do a gente estiver em nossa casa. Não quero engra-vidar agora.

Os fenômenos e seus respectivos componen-tes foram reunidos e analisados teoricamente e interpretados à luz do interacionismo simbólico. O alinhamento de todo o processo permitiu iden-tificar a categoria central que representa o com-ponente-chave da experiência e que possibilitou denominá-la como: “Abortamento na adolescên-cia: da vida à experiência do colo vazio”.

Discussão

Buscar a compreensão do processo do aborta-m ento peraborta-m itiu constatar tal experiência não como um acontecimento único e transitório, mas como um evento que possui histórico prévio, o qual envolve aspectos biopsicossociais e que não termina após a alta hospitalar, ou seja, um acon-tecimento relacionado e resultante de uma histó-ria de vida passada, presente e futura.

As experiências revelaram que a maioria das adolescentes e as pessoas do seu convívio não se deram conta da ocorrência da gravidez. O desco-nhecimento do funcionamento corporal é um dos fatores que implicam descuido com a prevenção da maternidade/paternidade indesejada ou não planejada23.

A prática da sexualidade na adolescência vem reforçando o comportamento sobre a tradição

do uso da contracepção como principal atribui-ção feminina. A paixão pelo namorado trans-forma-o, através do pensamento mágico, em al-guém que a protegerá dos perigos da gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis; assim, a adolescente sente-se sem coragem para se posicio-nar, em face do parceiro, sobre a necessidade da utilização da anticoncepção24.

O uso inadequado e a falta de informação mais consistente sobre os métodos contracepti-vos destacam -se com o causas da gravidez na adolescência25,26. Embora várias pesquisas

apon-tem que a gravidez na adolescência emerge de um desejo legitímo27,28, neste estudo verificou-se

que a constatação da gravidez – a qual foi, na maioria das vezes, negada – trouxe à tona a cons-cientização da possibilidade reprodutiva e com ela a emergência de diferentes sentimentos. Estu-dos afirmam que, passado o primeiro momento de choque, surge uma diversidade de sentimen-tos, como medo, isolamento, culpa, rejeição, ne-gação, felicidade, conforto e aceitação7.

Nas experiências analisadas, não confirmar a gravidez representou a falta de percepção do seu corpo, resultando principalmente na falha em não buscar assistência, retardando o diagnóstico da gravidez, assim como intervenções que poderi-am prevenir o abortpoderi-amento.

A “perda do produto da concepção” não se tra-duz apenas pela “morte de um bebê”; suas conse-quências são mais amplas, gerando transtornos que se revelariam em vários aspectos por toda a vida de quem vivenciou tal processo29. As

adoles-centes entrevistadas referiram que a perda fetal ge-rou sentimentos de tristeza, medo e desamparo.

Por meio de um estudo qualitativo, foi anali-sado o significado da perda fetal em mulheres que vivenciaram a experiência e constataram que tal evento originou uma ruptura-crise na vida dessas mulheres, implicando a necessidade de re-construção de sua identidade26. Acompanhar as

adolescentes em processo de abortamento per-mitiu a constatação da necessidade de estratégias que vão além do cuidado imediato inerente a tal intercorrência. Fazem-se necessárias intervenções em todos os aspectos biopsicossociais, não caben-do aos profissionais a atribuição de juízo de va-lor, mas sim a compreensão de que a adolescente, por encontrar-se em período de transição entre a infância e a fase adulta, ao enfrentar o aborta-mento sente que o aflorar de uma nova vida trans-formou-se na experiência do colo vazio.

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mento, momento da experiência em que ela intera-ge consigo mesma e com outros atores (marido, companheiro, familiares, equipe etc.) no redireci-onamento de sua vida, amparada pelos conheci-mentos advindos de sua própria experiência.

Conclusão

A análise dos relatos feitos pelas adolescentes permitiu visualizar o processo do abortamento, descrito desde a descoberta da gravidez até a ne-cessidade de retornar ao cotidiano. O processo foi permeado por sentimentos de dúvida, ansie-dade, medo, negação e desamparo, intensifica-dos pela falta de conhecimentos prévios, de ori-entações e de apoio, tanto dos familiares como da equipe de saúde, da qual esperavam maiores esclarecimentos, o que possivelmente facilitaria a compreensão do evento e as condutas futuras.

O estudo das experiências das adolescentes, no decorrer de todo o processo do abortamen-to, evidenciou que tais vivências não devem ser analisadas com o um evento isolado, m as sim dentro de um contexto amplo e de imprecisas delimitações, constatando-se que poderiam es-tar relacionadas à falta de habilidade evidenciada entre profissionais da saúde, educação, pais e fi-lhos em lidar com a sexualidade emergente nessa fase da vida.

Para as adolescentes, enfrentar o abortamen-to traduziu-se na necessidade de amadurecimen-to e mudança de comportamenamadurecimen-to; voltar ao coti-diano gerou expectativa e esperança de uma nova vida apoiada pelos familiares. Informações nem sempre são suficientes, fazendo-se necessárias a

promoção da educação e a conscientização do exercício de uma sexualidade saudável, as quais são de responsabilidade do indivíduo, da família e dos profissionais da área da saúde e da educa-ção. Outro aspecto resultante dessa pesquisa está atrelado à formação acadêmica, que deveria esti-mular o comprometimento do estudante, futuro profissional, no desenvolvimento de habilidades relacionadas à abordagem do processo saúde-doença, enfocando entre outros assuntos aqueles relacionados à visão integral do indivíduo no to-cante à sexualidade e à saúde reprodutiva.

Nesse contexto, ressalta-se a necessidade de maior envolvimento de profissionais das áreas da saúde e educação, além dos familiares, com a finalidade de promover a saúde sexual e oferecer assistência imediata às mulheres com diagnósti-co de abortamento, principalmente no grupo das adolescentes, no qual a prevenção da gravidez poderia evitar a ocorrência do abortamento e, consequentemente, melhor qualidade e valoriza-ção da vida, produzindo impacto positivo sobre a saúde individual e coletiva.

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Colaboradores

LM Vieira, TBL Goldberg, SO Saes e AAB Dória participaram, igualmente, de todas as etapas de elaboração do artigo.

Referências

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Artigo apresentado em 16/08/2007 Aprovado em 16/07/2008

Versão final apresentada em 10/09/2008 17.

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