SENDO ENFERMEIRA NO CENTRO DE TERAPIA INTENSIVA1
Adrina Katia Corrêa2
RESUMO:
Encaminhando-me na perspectiva da fenomenolog ia, minha proposta
éapreender, através dos depoimentos das enfermeiras que trabalham no CTI , os signifi
cados que as mesmas atribuem a essa vivência. Ao refletir sobre tais sign ificados,
aliando-os à minha experiência profissional, busco compreender o fenômeno ser enfer
meira no CTI . Coletei depoimentos escritos das enfermeiras que atuavam no centro de
terapia intensiva da U n idade de Emergência do Hospital das Clín icas da Faculdade de
Medicina - Ribeirão Preto - USP, tendo como questão orientadora:
o que significa
para você ser enfermeira no CTI.
Da análise desses depoimentos (MARTI NS, 1 992) ,
emergiram a s categorias temáticas, revelando q u e ser enfermeira no CTI é cuidar dire
tamente dos pacientes, é ter capacidade admin istrativa, é conviver com máq uinas e
equipamentos, exige muitos requisitos e o domínio de conhecimentos específicos,
édesempenhar um trabalho impotante, de responsabilidade e g ratificante, bem como,
conviver com situações limitantes e de estresse. A partir de uma reflexão compreensi
va do modo de ser da enfermeira desse CTI , pretendo contribuir para busca de novas
perspectivas do fazer, ampliando seu horizonte de possibilidades.
UNITERMOS:
Enfermagem - Fenomenolog ia - U nidades de Terapia Intensiva
1 . O EMERGIR DESTE ESTUDO
. Após concluir o curso de Enfermagem, em
1 989,
iniciei minha vida profissional como en
fermeira assistencial no Centro de Terapia In
tensiva (CTI ) da U n idade de Emergência do
Hospital das Clín icas da Faculdade de Medici
na de Ribeirão Preto - Universidade de São Pau
lo. Esse era o local no qual eu desejava come
çar minhas atividades profissionais, por acredi
tar q ue teria maiores opotu nidades de desenvolver habilidades e con hecimentos técn ico-ci
entfficos, considerando a g ravidade dos pacien
tes ai internados.
Com o passar do tempo, o trabalho mostrou
se a mim como u ma reprod ução da prática já
existente, sendo muito enfocado o fazer, com
pouca ênfase na reflexão do que, como e por
quê fazer .
Exercendo minha prática profissional no CTI ,
na busca de compreendê-Ia, refletia meu cotidi
ano de trabalho, i ndagando-me quanto às ativi
dades que executava, minha relação com paci
entes e colegas de trabalho, a importância do
que fazia, os sentimentos e as realizações que
experimentava .
E assim, apesar de vivenciar o mu ndo do CTI há q uase ci nco anos, o ser enfermeira mostra
se a mim como algo a ser interrogado e desve
lado a patir da experiência vivida pela enfer
meira de CTI - essa enfermeira que sou e tan
tas outras. O que é isso, ser enfermeira em CTI ?
Na busca de respostas a esse interrogar, a
modalidade de pesqu isa fenomenológ ica é
u m
1 - Trabalho adaptado da dissetação d e mestrado "Sendo Enfermeira no Centro d e terapia Intensiva", orientada pela profa Ora. Elizabeth R . M . do Valle, apresentada à Área Enfermagem Fundamental do Programa de Pós-graduação da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-Universidade de São Pau:o, em abril de 1 995.
2 - Enfermeira, Mestre em Enfermagem Fundamental.
posslvel caminho, na medida em que se volta
para a busca de compreensão dos fenômenos,
enquanto são experienciados conscientemente
no mundo-vida dos indivlduos.
Minha proposta é apreender, através dos
depoimentos das enfermeiras que trabalham no
CTI , os significados que as mesmas atribuem a
essa vivência. Ao refletir sobre esses significa
dos, aliando-os
à
minha experiência profissio
nal busco compreender o fenômeno ser enfer
meira no CTI .
2 .
TRAJ ETÓ RIA METO D O L Ó G I CA - O
ACESSO ÀS ENFERMEIRAS
Consiierando minha interrogação -
O que é
isso, ser enfermeira em CTI - neste estudo vou
à
busca dessa compreensão, a patir dos depo
imentos das enfermeiras que vivenciam o coti
diano no Centro de Terapia I ntensiva da U nida
de de Emergência do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Med icina de Ribeião P reto - USP.
Foram coletados, em julho de 1 994, sete
depoimentos (quatro de enfermeiras atuantes e
três de enfermeiras que haviam saído recente
mente). Esses sete depoimentos mostraram-se
suficientes para a análise, considerando a ocor
rência de convergências nos d iscursos.
Num contato inicial, foram expostos a cada
enfermeira o meu interesse em sua vivência no
CTI e a finalidade da pesqu isa. Foi, então, en
tregue a elas u ma folha de papel almaço, con
tendo a questão orientadora deste estudo: O que
significa para você ser enfermeira no CTI?
Considerando que esse setor é um local de
freqüentes atividades, foi solicitado a cada en
fermeira que a mesma, em sua residência ou
outro local onde se sentisse tranqüila e à vonta
de, relatasse de forma espontânea, na folha de
papel almaço que lhe foi entreg ue, que signifi
cado tem para ela a vivência de ser enfermeira
no CTI .
3. O SIGNIFICADO DE SER ENFERMEIRA NO
CENTRO DE TERAPIA INTENSIVA
Para desvelar o fenômeno em estudo, pro
ced i
àanalise dos depoimentos obtidos, tendo
em vista, o delineamento da pesquisa fenome
nológica explicitado por MARTI NS(1 992). Ou
seja, foram utilizados os três momentos da tra
jetória fenomenológica - a descrição, a redução
e a compreensão.
A descrição fenomenológica compõe-se, na
visão de Merleau-Ponty, por três elementos: a
percepção, a consciência que se dirige para o
mundo-vida, o sujeito que se vê capaz de expe
rimentar o corpo-vivido através da consciência.
A redução fenomenológica, por sua vez, é o
momento em q ue são selecionados as pates
da descrição que são consideradas essenciais
e aquelas que não o são, através da variação
imaginativa. O pesqu isador imagina cada pate
como estando presente ou a usente na experi
ência, até que a descrição seja reduzida ao es
sencial para a existência da consciência da ex
periência.
A compreensão fenomenológica se dá em
conjunto com a interpretação. É o momento em
que se tenta obter o sign ificado essencial na
descrição e na redução.
O
pesqu isador assume
o resultado da redução como um conjunto de
asserções ou unidades de significado, que se
mostram significativas para ele, apontando tam
bém para a experiência do sujeito, para a cons
ciência que o sujeito tem do fenômeno. I n icial
mente, as u nidades de significado são assumi
das na linguagem do sujeito que descreve o fe
nômeno (discurso ingên uo) , sendo posterior
mente transformadas em expressões próprias
do d iscurso que sustentam o que está sendo
buscado, por exemplo, um discurso psicológi
co, educacional, social. Finalmente é organ iza
da uma sintese dessas u n idades de sign ificado
encontradas, sendo buscadas, então, suas con
vergências, d ivergências e idiossincrasias.
Assim, n u m movimento de aproximação
-afastamento, realizei leituras atentas de cada
depoimento, buscando os sign ificados revela
dos nos discursos das enfermeiras, consideran
do a q uestão orientadora deste estudo. Daí
emergiram as
unidades significativas.
Conver
gindo e divergindo tais unidades, na aproxima
ção de um depoimento ao outro, aticulando os
sign ificados, apreendi algumas
categorias te
máticas.
Nesse momento, optei por recortar as
un idades significativas dos depoi mentos , as
quais foram coladas numa folha de papel alma
ço, sendo agrupadas, o q ue acil itou minha aná
lise e o emergir de�sas categorias. Essas, en
quanto possibilidade
'
'de compreensão, consti
tuíram-se tendo em 'ista a mfnha perspectiva
de enfermeira de CTI , revelando facetas do fe
nômeno em estudo, objeto de meu interrogar.
3'.1 .
As categorias temáticas
Os significados atribu ídos
à
vivência de ser
enfermeira ao CTI revelam-se através das se
guintes categorias tamáticas:
- Ser enfermeira no CTI é cuidar diretamente
dos pacientes;
- Ser enfermeira no CTI é ter capacidade ad
ministrativa;
- Ser 'enfermeira no CTI é conviver com má
quinas e equipamentos;
- Ser enfermeira no CTI exige muitos requ i
sitos e o domínio de con hecimentos específi
cos:
- Ser enfermeira no CTI é desempenhar u m
trabalho impotante, de responsabilidade e gra
tificante;
- Ser enfermeira no CTI é conviver com situ
ações limitantes e de estresse.
Nesse momento, passo a, ap[e�ntªr !lgu
mas u nidades significativas3 de cada u ma des
sas categorias. Posteriormente serão feitas con
s i d e raçõe s , em c o nj u n to , ex p l icitadas n a
Estrutura Geral d o Fenômeno.
- Ser enfermeira no CTI
écuidar direta
mente dos pacientes
03 - "( . . . ) Ser enfermeira no CTI , representa
( . . . ) ter habilidades no
cuidado diret04
de paci
entes graves
(. . . ) É
o que mais d iferencia u ma
enfermeira de u ma área a berta comparada
à
enfermeira do CTI . "
05 - " A
assistência é direta,
da enfermeira,
(é
em conjunto com os auxiliares) , acho muito
importante para melhor supevisão, recupera
ção do paciente e valorização do profissional."
- Ser enfermeira no CTI é ter capacidade
administrativa
03 -
"É
um elemento dentro da equipe que
deve ter
conhecimentos ( . . . ) administrativos
para
desenvolver tarefas,
justificando-as; para
oganizar, coordenar
e
fazer cumprir
todas
as atribuições de competência das várias cate
gorias da enfermagem( .. . )"
04 - "Ser enfermeiro no CTI significa
esta
belecer rotinas de atendimento ( . . . ) Avaliar
desempenho
do pessoal que deve ser qualifi
cado.
Controlar
as normas e rotinas,
avaliar
o n í
vel do atendimento
(
. . .
)
"D6
- "( . . . ) Cabe ainda, a res
onsabilidade pelo
planejamento
e pela
avaliação
do
cuidado
de
cada paciente, e
delegar encargos
aos demais
membros da equipe de enfermagem.
"
-Ser enfemeira no CTI é conviver com má
quinas e equipamentos
04 - " Ser enfermeiro no CTI significa ( . . . ) co
laborar
na escolha
de
equipamentos
e dos
materiais."
05
- "( .. . ) tem q u e ter
( ... ) visão global
dos
( . . . ) equipamentos e manuseios."
03 - "( ... ) Ser enfermeira no CTI , representa
( . . . ) habilitar-se no conhecimento e
manuseio
dos vários
equipamentos
utilizados numa te
rapia intensiva.
É
o que mais
diferencia
uma
enfermeira de u ma área aberta comparada
à
enfermeira de CTI .-"
-Ser enfermeira no CTI exige muitos re
quisitos e o domínio de conhecimentos es
pecíficos
01
- "( .. . ) os enfermeiros de un idades espe
cializadas como o CTl
.
acumulam mais conhe
cimentos
ao longo da carreira, pelas próprias
exigências do setor. Por isso acred ito serem
estes
profissionais diferenciados."
03
-
"É
um elemento dentro da equipe que
deve ter
conhecimentos técnicocient'Cos (
. . .
"
04-
"A enfermeira
deve ter"- Conhecimento do seviço de CTI
- Facilidade de relacionamento e comun
ica-ção
3
- As unidades significativas vêm acompan hadas com o número dos depoimentos que as originaram (D1 - Depoimento 1 , D2 - Depoimento 2 e assim por diante) .4
- Os destaques nos depoimentos são da autora .- Capacidade de trabalho
- Liderança
- I niciativa
- Didática ( . . .
"
-Ser enfermeira no CTI é desempenhar um
trabalho impotante, de responsabilidade e
gratificante
D2 - "( . . . )
Sei que posso dar uma assistên
cia melhor
ao paciente
( ... ) É
muito bom ver
um paciente recuperando sua saúde e você
saber que seu trabalho (
...) colaborou para
ess, melhora."
D5 - "Quem
toma conta
do CTI sao as
en
fermeiras."
D5 - " Pelas dificuldades que sempre vivenci
amos, pela falta de funcionários,
conseguimos
a recuperação do paciente da melhor forma,
o menos possível de escaras, atendimento efi
caz nas paradas cárdio-respiratórias, as aspira
ções freqüentes, etc (
.
.
.
"
D7 - "Apesar desses problemas, gostei mui
to dl experiência e profissionalmente
tenho a
ceteza que pude crescer. "
- Ser enfermeira no CTI é conviver com
situações limitantes e de estresse
D1
- " Pode parecer onipotência
mas, mui
tas vezes, sinto-me
responsável pela vida e
pela mote de alguns pacientes, o que gera em
mim um
stress
muito grande."
D 1
- "No CTI existe u ma dependência quase
que total ou, muitas vezes, total do paciente em
relaçao à enfermagem, o que faz com que o tra
balho torne-se árduo, muitas vezes mecânico
e repetitivo."
D 7 - "( .. . ) a s
condições de funcionamento
do centro de terapia no que refere-se
àinstitui
çao, corpo clinico e de enfermagem,
deixaam
muito a desejar ( . . . ) foram constantes os aspec
tos sócio-políticos
eeconõmicos que estavam
abalando o país e a manutenção do setor."
3.2
A Estrutura Geral do Fenômeno
Apreendo que as enfereiras do CTI se sen
tem diferenciadas em comparação às enfermei
ras que atuam em outros setores, o que está
relacionado aos aspectos peculiares do seu tra
balho como possuirem con hecimentos e
habili-dades especificas, conciliarem as ativihabili-dades de
cuidar direto e administrar, refletindo a possibili
dade de realizarem u m trabalho abrangente.
O cuidar direto revela-se um modo significa
tivo do existir profissional dessas enfermeiras,
sendo enfocado como atividade prioritária, im
potante para melhorar a supevisão, a recu
peraçao do paciente, a valorização e gratifica
Çao profissionais.
Além de prestarem cuidados diretos, essas
enfermeiras que atuam em CTI também reve
lam, através de um discurso normativo, capaci
dade administrativa, que denota preocupação
em manter a organizaçao do setor.
A questão administrativa mostra-se, de ma
neira explicita, em alguns momentos, relaciona
da ao cuidar. Nesse sentido, há a preocupação
em estabelecer rotinas, avaliar o n ível do aten
dimento e planejar
ocuidado de cada paciente.
A realizaçao de atividades administrativas por
essas enfermeiras colocam-nas em contato com
as pessoas c'm as quais trabalham (pessoal
de enfermagem) , no sentido de direcioná-Ias ao
fazer esperado. Assim são mencionados aspec
tos como garantir cumprimento de atribuições e
avaliaçao de desempenho.
Considerando as finalidades pré-determina
das de um CTI , os equipamentos apresentam
se como instrumentos do trabalho cotidiano da
enfermeira. Contudo, os depoimentos mostram,
de modo geral, que os equipamentos estao ali
eprecisam ser manuseados, representando uma
condiçao "sine qua non"do seu trabalho. Cabe
salientar que um dos depoimentos (D3) revela
que a enfermeira se sente d iferenciada tanto por
prestar cuidados diretos, como por conhecer e
manusear os aparelhos. Entretanto, contrapon
do em conjunto os depoimentos que se referem
ao cuidar direto àqueles que dizem respeito à
convivência com máq u inas e equ ipamentos,
apreendo que o cuidar direto é mais enfatizado.
Compreendo que as exigências do trabalho
em CTI situam-se, de modo geral, nas dimen
sões intelectual, motora e expressiva.
As dimensões intelectual e motora envolvem
aspectos cognitivos, relativos aos conhecimen
tos técnico-científicos exigidos no desempenho
das atividades especificas do CTI . A dimensão
expressiva volta-se para os aspectos que en
volvem as relações humanas ( relacionamento,
comunicação, por exemplo).
Ser enfermeira no CTI envolve a realização
de um trabalho permeado por ambiguidades
-aspectos gratificantes e limitantes estão presen
tes no seu mundo-vida.
Os sentimentos bons experimentados pelas
enfermeiras de CTI mostram-se relacionados,
em alguns momentos, à satisfação em colabo
rar na recuperação do paciente. Acredito que
essa satisfação torna-se revelante, consideran
do que,muitas vezes, o paciente está num limi
ar vida-mote. Nesse contexto, recuperar a saú
de é recuperar a vida e a enfermeira convive
com essa dimensão do existir humano, o que
dá ao seu trabalho um cunho de impotãncia. A
satisfação com a melhora do paciente envolve
se com a satisfação consigo mesma, reforçan
do o sentir-se competente.
Algumas enfermeiras vivenciam u m senti
mento de orgulho de si mesmas, percebendo
se como impotantes e competentes, estando
gratificadas com o trabalho que realizam. Em
bora manifestem tais sentimentos, elas também
vislumbram situações limitantes e de estresse.
De modo geral, as limitações configuram-se
de forma complexa, envolvendo desde os limi
tes vida-mote até as q uestões de âmbito insti
tucional e do contexto da saúde. Essas limita
ções são apenas constatadas pelas enfermei
ras, dada a sua complexidade.
U m aspecto que se mostra significativo é que
os limites vida-morte pouco emergem nos rela
tos das enfermeiras, apesar da ocorrência da
mote ser comum nesse ambiente de trabalho.
Considerando que as q uestões de âmbito
político-econômico se mostram em u m depoi
mento apenas
(07),acredito que, de modo ge
rai, as percepções das enermeias quanto ao seu
azer otidiano pouco extapolam a própria unida
de, não englobando contextos mais amplos.
As enfermeiras desse CTI revelam valorizar
suas atividades e, ao valorizá-Ias diferenciam
se a si mesmas. Essas enfermeiras parecem
buscar preencher de significados aquilo q ue
fa-zem, seu existir profissional. Essa busca mos
tra-se, de modo geral, através de um discurso
idealizado e envolvido por conceitos pré-esta
belecidos. Nesse sentido, é comum o uso de
"palavras prontas", ou seja, as enfermeiras utili
zam-se de u m vocabulário cientifico, composto
por palavras-chaves - cuidar, planejar, organi
zar, dentre outras - e denominam o que fazem
no cotidiano com tais palavras, permanecendo
contudo, na supeffcie das mesmas, as quais,
muitas vezes, não dão conta de responder àquilo
mesmo que fazem.
Esse discurso idealizado também se faz pre
sente, ao pontuarem as q ualidades que devem
possuir as enfermeiras de .CTI e os sentimentos
de gratificação pelo trabalho , apesar da exis
tência de limitações complexas, revelando com
isso ums postura de super-valorização de seu
existir profissional.
4.
REFLETI N DO ... SER E N F ERMEIRA NO
CENTRO DE TERAPIA INTENSIVA
As facetas que se mostraram na análise dos
depoimentos, clareando o fenômeno em estudo
a minha experiência profissional nesse CTI , as
leituras já realizadas, os pensamentos reelabo
rados agora se envolvem prestando-se a um
refletir5 que traga compreensão do fenômeno
ser enfermeira no CTI .
Refletir, nesse momento, não representa
julgar o que se mostrou, buscar soluções, nem
con stru i r ideal izações, mas, é partir do con
creto e a ele retornar com u m novo ol har.
Concreto esse que é o próprio existir profissi
onal da enfermeira na cotidianidade do CTI .
U
(
. . .
)A reflexão não se retira do mundo em
direção
àunidade da consciência enquanto
fundamento do mundo; ela toma distância
para ver brotar as transcendências; ela dis
tende os fios intencionais que nos ligam ao
mundo para fazê-los aparecer
( . . . )" (M E R
LEAU-PONY, 1 994, p. 1 0).
Na perspectiva de refletir o fenômeno em
estudo, u ma das acetas que se izeram presen
tes, é o cuidar direto.
5
- A reflexão é aqui compreendida conforme o pensar de Merleau-Ponty, nas obras Fenomenologia da Percepção { 1 994}e Ciências do Homem e Fenomenologia (1 973).
Esse CTI é uma u nidade que, apesar da gra
vidade dos pacientes, apresenta u ma menor
número de leitos, sendo possrvel à enfermeira,
juntamente com o pessoal auxiliar, exercer o
cuidado direto, nao somente nas situações de
urgência, mas cotidianamente, seguindo a roti
na já estabelecida. A enfermeira executa ativi
dades desde as denominadas mais simples até
as mais complexas - higiene do paciente, verifi
caça0 de sinais vitais, curativos, administraçao
de medicamentos, sondagens, punções veno
sas e ateriais, dentre outras.
A organizaçao do cuidar também diferencia
se da divisa0 de trabalho por tareas, amplamen
te empregada em outros setores do hospital,
contudo, penso que o paciente ainda é visto da
maneira compatimentalizada - o homem bioló
gico, o homem psicológico, o homem social sao
tomados como dimensões estanques.
Algumas vezes, ocorrem situações nas quais
o mundo da enfermeira e o mundo do paciente
se interpenetram, coexistindo no compatilhar
das vivências, na alegria da cura ou no sofri
mento da morte. Essas experiências, porém,
acabam nao sendo refletidas, exploradas pela
enfermeira naquilo que significaram e acabam
dilu rdas no fazer cotidiano.
De modo geral, acaba por predominar o cui
dar biológico, com ênfase na competência téc
nica da enfermeira.
O
domrnio de um saber téc
nico pela mesma mantém-na apta ao cuidar,
próxima ao paciente e ao pessoal auxiliar. Dar a
valorizaçao do cuidar direto pela enfermeira de
CTI - ela é vista pelos demais e por si mesma
como alguém que sabe fazê-lo.
Nesse sentido, a consciência da enfermeira
se dirige para o cuidar direto, contudo, isso nao
garante modificações no seu olhar para o paci
ente. Compreendo que, apesar das modifica
ções no organizaçao do cuidar, diferenciando
se da divisa0 de trabalho por tareas, bem como,
estandó a enfermeira exercendo o cuidar direto
de forma mais intensa, a "ilosofia" do cuidar nao
extrapolou ainda a dimensao da tarefa.
Retornando a organizaçao do cuidar, a en
fermeira envolve-se a tal ponto na rotina esta
belecida (higienizar o paciente, dar a medica
Çao, mudar o decúbito, . . . ) que seu trabalho se
entrelaça, sobremaneira, ao do pessoal auxiliar
e técnico. Se, por um lado, como já comentado,
a enfermeira se valoriza e é valorizadas nesse
situaçao, por outro lado, ela pode experimentar
incetezas quanto às especificidades do seu pró
prio trabalho.
Em meu experienciar o mundo do CTI , já vi
venciei situações nas q uais as enfermeiras se
indagavam quanto à organizaçao do cuidar: Até
que ponto estamos apenas dividindo o trabalho
com o pessoal auxiliar e técnico? Trata-se de
um fazer mais completo? Quais seriam as ativi
dades que nos distinguiriam dos demais, situ
ando-nos em nossas especificidades? Essas
indagações que, às vezes, emergiram nas reu
niões, representavam um questionamento de
nosso existir profissional que poderia ter sido
encaminhado a um refletir. Todavia, por nao ter
mos respostas imediatas, deixávamos de lado
as inquietações e nos lançávamos no fazer co
tidiano, permanecendo ar imersas, com poucas
possibilidades de um despetar para outras pers
pectivas.
Nesse momento, intenciono-me com mais
especificidade ao administrar, que também se
revelou uma aceta signiicativa do fenõmeno em
estudo.
Tratando-se de um setor fechado, no qual
aenfermeira presta, rotineiramente, cuidados di
retos, o administrar encaminha-se na ótica de
subsidiar as ações do cuidar, restringindo-se,
muitas vezes, ao estabelecimento e cumprimen
to de rotinas.
Sendo o cuidar o fio condutor do adminis
trar, ambos estao em contrnua relaçao. O cui
dar rotineiro e o administrar normativo se fotale
cem mutuamente, presos à estrutura organiza
cional.
A administraçao realizada pela enfermeira
nesse CTI envolve o gerenciamento de pesso
as. Nesse contexto, a enfermeira reproduz e se
enquad ra no discurso que busca os padrões
únicos, os modelos hierárquicos estanques, que
ditam as regras do compotamento, o que en
caminha para a perspectiva do treinar, adestrar.
REZENDE ( 1 990: 48) comentando Merleau
Ponty, explicita que "( .. . ) em vez de falarmos do
compotamento
(behaviour) deveriamos falar
de existência ( . . . ) o homem não se compota
mas existe, e quando apenas
se compotaé
porque ainda não cedeu
àordem propriamen
te humana da existência( .. . )"
A enfermeira nesse CTI não opta simples
mente por esse enquadramento comentado,
mas está imersa nesse contexto que a encarce
ra, limitando seu sendo e seu vir a ser enfermei
ra. Essa é uma possibilidade mesma do existir
humano, Refere, ainda, REZENDE( 1 990) que a
existência humana é ambiqua, sendo vivida na
dialética da apropriação e da alienação. A ame
aça de viver sem perceber os sentidos que sua
vida está tendo é constante para o homem.
Ainda encaminhando-me na perspectiva de
refletir o ser enfermeira no CTI , lanço meu olhar
para outro aspecto que se mostra significativo
às enfermeiras - a convivência com máquinas e
equ ipamentos.
Como já comentado, os depoimentos das
enfermeiras revelam que as mesmas, de modo
geral, buscam conhecer e manusear o arsenal
tecnológico, embora não o supevalorizem. Con
tudo, apreendo que a presença da máquina é
apenas constatada pelas enfermeiras, não sen
do questionada a patir de prismas mais abran
gentes, ou seja, não emergem q uestões éticas,
polfticas e econõmicas que a envolve.
Subsidiando o cuidar, o administrar, o lidar
com as máquinas, as enfermeiras desse CTI re
latam que necessitam possuir conhecimentos téc
nico-cientiicos e relativos à área expressiva.
Acredito que as enfermeiras de CTI , dada a
natureza das atividades que fazem, consideran
do a g ravidade dos pacientes dos q uais cuidam
diretamente, estão em constante desenvolvi
mento de sua capacidade de obsevação, des
treza técnica, capacidade de agir com segu ran
ça em situações de emergência, bem como,
man usear alg u n s equ i pamentos especificos.
.
Essas são algumas das exigências do seu
pró-prio trabalho, as q uais, necessariamente, têm
que ser aprimoradas e valorizadas pelas enfer
meiras.
Porém, tais con hecimentos e habilidades,
quando vistos apenas na sua imediaticidade,
podem formar o mito da competência das enfer
meiras de CTI .
Quando digo mito, não quero negar essa
competência mas, colocá-Ia em outro plano.
Como referi anteriormente, tal competência se
faz necessária para a realização das atividades
da enfermeiras, não se tratando de invenção.
Contudo, às vezes, ela aparece super-valoriza
da, provavelmente, refletindo a ênfase nos as
pectos bio-tecnológicos q ue caracterizam um
CTI . Ou seja, em alguns momentos, ao serem
reduzidos os paciente à vida biológica, as pes
soas q ue manipulam, interferem e controlam
esse viver são extremamente valorizadas. Es
sas enfermeiras, então, tendo o domínio de al
guns con hecimentos contrapõem com ceta fa
cilidade o "normal" do "anormal", o "esperado"
do "inesperado". O n ível biológico determina,
prioritariamente, a busca de conhecimentos. E,
essa idéia é retratada também pela literatura:
"(
. . . ) É
a enfermeira que obseva o paciente
por maior per(odo de tempo. Por esse moti
vo,
é
freqüente que seja a primeira pessoa a
diagnosticar as alterações nos sitemas fisi
ológicos principais"(LÓPEZ,
1 973; 7).
Apesar de serem mencionados pelas enfer
meiras os conhecimentos relativos à área ex
pressiva, além do n ivel técnico-biológico, per
cebo uma perspectiva na q ual tais con hecimen
tos são visual izados de manei ra estanque.
Questiono, entretanto, como na concreticidade
do mundo-vida do CTI , tais conhecimentos se
integram na totalidade do ser enfermeira.
O saber das enfermeiras assim posto, pro
vavelmente, limita seus horizontes de compre
ensão daquilq mesmo que azem, enquanto pes
soas que coexistem, com partil hando, dentre
outros, aspectos técnicos, políticos, econõmicos,
éticos, humanos, os quais se integram no movi
mento do seu existir proissional.
As enfermeiras também expressam os sen
timentos que têm quanto ao seu trabalho. Os
aspectos g ratificantes e limitantes estão de tal
modo imbricados, interligados, constituindo o
próprio ir e vir da dialética do existir humano.
Apreendo que os sentimentos de g ratiica
ão que as enfermeiras manifestam pelo seu tra
balho, estão muito relacionados a elas mesmas
- são as próprias enfermeiras que constituem,
n utrem e reproduzem esses sentimentos. Por
outro lado, com o já co m e ntado , os aspectos li
m ita ntes e de estresse que envolvem seu tra
ba l h o , d izem respe ito , de modo gera l , a q u es
tões complexas, a penas constatadas.
Compreendo q u e a co mplexidade dos aspec
tos l i m ita ntes do tra ba l h o pod e afastar as enfer
meiras do se u enfre nta m e nto , e n ca m i n ha ndo
as para o sent i m e nto de con fi a n ça em si m es
mas, perm a n ece ndo n u ma situa ção onde pre
dominam os sentimentos de g ratificação. Se, por
u m lad o , essa atitude as prese rvam de a l g u ns
aspectos d ifícieis, por outro l a d o , h á a possi bi l i
dade de se adeq uare m às situações esta be leci
das, as quais não são interrogadas. Nessa pers
pectiva é l i m itado o horizonte de possibil idades
das enferm e i ras, e n ca m i n h a ndo seu cot i d i a n o
para o fazer carente d e reflexão acerca do s e u
próprio contexto d e tra b a l h o e d e si m e s m a s .
Nesse m o m e nto , c a b e citar M E R LEAU-PON
TY(1 973 : .40) :
"( .
.. )
a reflexão não é, absol utame nte , a observação de um fato, é um esfo r ço para c o m p reender, não é a passividade de um s ujeito q ue c o ntem pla s u a vivê n c ia e , s i m , o esfo rç o de u m s uje ito q u e a p reende a s i g n ificação de s u a experi ê n c i a ( . . . "
A m o rte
éu m aspecto q u e m e rece reflexão .
Acred ito q u e , na s u a ocorrência , a com petên
cia , os conheci m e ntos específicos, as h a b i l
ida-des das enferm e i ras são confrontadas com a
fi nitude da existência h u m a n a . Compatilho com
a idéia expressa por
BOEMER"et ai". (1 989)
essas pessoas sentem-se compomissadas com
a vida e , ao presevá-Ia sentem-se gratificadas.
Ass i m , a mote não surge enquanto possibilida
de con creta da existên ci a , u m a vez que preva
lece a idéia de q u e o CTI representa um m u ndo
de l uta pela vida.
O
q uestionamento do seu próprio cotidiano
pelas enferm e i ras desse CTI poderia encami
nhá-Ias da vivência na espera pré-relexiva para
a reflexão crítica d esse cotidiano. Seria uma
perspectiva de u ltra passar o cumprimento
ape-.
nas de pla ntões q u e vão se sucedendo no dia
a-d i a para a com preensão daq u i l o mesmo que
se faz, além do i m ediato . N esse movimento po
dem a profu ndar a consciê n ci a de si mesmas no
m u ndo-vida do CTI , com vistas
àapropriação
de sua existência profissional e criação de ca
m i n hos q u e vislum bre m o a l ça nce de novas
perspectivas do fazer.
M i n has reflexões até aqui encaminhadas re
velam meu i n q u i etar com a l g u mas facetas do
fenômeno se r enfermeira n o CTI . Tais relexões,
provavel mente, não se esgotara m . Deixo, ao
térm i n o deste estudo, a idéia de inacabado , en
quanto possibilidade mesma de outras relexões.
ABSTRACT:
Considering the perspective of phenomenology, the a uthor's proposal
using testi m o n ies of n u rses worki ng i n the ITU (l ntensive Therapy U nit) is to learn the
mea n i ngs they attri bute to this experience . Reflecting u pon these meani ngs and allying
them to her professional experience , the author searches to understand the phenome
non "being a n u rse at a n ITU". Written testimon ies, from n u ses worki ng i n the intensive
thera py u n it of the Emerge ncy U n it ofthe "Hospita l das C l ín i cas" , College of M ed i ci n e of
Ribeirã o P reto, U n iversity of São P a u l o , have been col lected having as a g u ide questi
on: "What does it mean to you to be a n u rse in the ITU?" Analyzing those testi monies
and
-
accord ing to MART I N S (1 992) , thematic categories emerged showing that being a
n u rse i n the ITU is to ca re perso n a l l y of the patients, have ad m i n istrative capacity l ive
together with m a ch i n e ry a nd equ i pment, master specific knowledge , pefo rm i m potant ,
gratifying a n d responsible fu n ctions, as wel l as t o l ive with l i m iting and stressing situati
ons. Ater a com prehensive reflection u pon the mode of the being of the ITU n u ses, the
author's i ntention is to contri bute to fi nd new perspectives of "the doing", wide n i ng
their horijons of possi b i l ities.
KEWORDS :
N u rse - N u rsing - Phenomenology - I ntensive Care U n its;
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