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Conflitos de interesses na pesquisa médico-farmacológica.

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237 Rev. bioét. (Impr.). 2013; 21 (2): 237-40

Artig

os de a

tualiz

ão

Conlitos de interesses na pesquisa

médico-farmacológica

Ricardo Pires de Souza1, Abrão Rapoport2, Rogério Aparecido Dediviis3, Cláudio Roberto Cernea4, Lenine Garcia Brandão5

Resumo

A pesquisa médico-farmacológica clínica corresponde à aplicação experimental de determinada droga em

seres humanos. Seu controle visa proteger os sujeitos de efeitos adversos inaceitáveis e de ineiciência do me

-dicamento testado diante de outras possibilidades mais eicientes. Parcerias entre a indústria farmacêuica e pesquisadores externos estabelecem potenciais conlitos de interesses. Consulta bibliográica realizada neste estudo indica que pesquisas com inanciamento da indústria farmacêuica têm proporção mais alta de resul

-tados favoráveis e que os conlitos de interesses representam vieses, podendo alterar resul-tados. Há estudos que comparam a eicácia de diferentes drogas e outros que comparam seus custos. Mesmo resultados negai

-vos devem ser publicados. Conclui que o setor privado deve inanciar a ciência para beneiciar o ser humano, especialmente no combate à doença; no entanto, deve manter empenho em inanciar as pesquisas sem in

-luenciar seus desenhos, resultados e desinações, caminhando em direção ao respeito à dignidade da pessoa.

Palavras-chave: Conlito de interesses. Pesquisa biomédica. Experimentação humana. Má conduta proissional. Má conduta cieníica.

Resumen

Conlicto de interés en la invesigación médico-farmacológica

La invesigación médico-farmacológica clínica corresponde a la aplicación experimental de determinado fár

-maco en seres humanos. Su control iene como objeivo proteger los sujetos de efectos adversos inacepta

-bles e ineicaces del fármaco probado. Relaciones entre la industria farmacéuica e invesigadores externos establecen potenciales conlictos de intereses. En una consulta bibliográica llevada a cabo en este estudio indica que invesigaciones con inanciación de la industria farmacéuica ienen proporción más elevada de resultados favorables y que los conlictos de intereses representan sesgos que pueden cambiar los resultados. Hay estudios que la eiciencia de disintos fármacos, mientras otros comparan sus costos. Todos los resultados obtenidos deben ser publicados, incluyendo cuando se los obienen negaivos. Se concluye que el sector pri

-vado deberá inanciar la ciencia para beneicio del hombre, especialmente en el combate a la enfermedad. Sin embargo, La industria debería mantener su empeño en inanciar las invesigaciones sin inluenciar su diseño, resultados y desinación caminando hacia a la comprensión de la persona en su dignidad.

Palabras-clave: Conlicto de intereses. Invesigación biomédica. Experimentación humana. Mala conducta profesional. Mala conducta cieníica.

Abstract

Conlicts of interest in the medical pharmacological research

The clinical medical pharmacological research corresponds to the experimental applicaion of speciic drug in human beings. Such applicaion aims to protect them from unacceptable adverse efects and its ineiciency when comparing with other possibiliies, more eicient. Partnerships between the pharmaceuical industry and external researchers establish potenial conlict of interest. Literature use for this work indicates that re

-searches performed under the sponsorship of pharmaceuical industry have a high rate of favorable results, and the conlicts of interest represent gaps which may interfere the result. There are studies that compare the eiciency of diferent drugs, whereas others compare their costs. All results should be published, even when negaive. The present work concludes that the private sector must sponsor the science in order to improve hu

-man beings, especially to avoid diseases. However, it must keep its engagement in sponsoring the research with any inluence on its methods, results and applicaion, for a respecful understanding of the dignity of a person.

Key words: Conlict of interest. Biomedical research. Human experimentaion. Professional misconduct. Scieniic misconduct.

1.Doutor ricapires@uol.com.br – Hospital Heliópolis. 2.Livre-docente arapoport@terra.com.br – Universidade de São Paulo, Hospital

Heliópolis 3.Livre-docentedediviis.hns@uol.com.br – Universidade de São Paulo 4.Livre-docentecerneamd@uol.com.br – Universidade

de São Paulo 5.Livre-docenteleninegb@uol.com.br – Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.

Correspondência

Abrão Rapoport – Rua Cônego Xavier, 276 CEP 04231-030. São Paulo/SP, Brasil.

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A pesquisa médico-farmacológica clínica cor-responde à aplicação, em caráter experimental, de

determinada droga cujas ações se quer estudar, em

seres humanos, de forma controlada. O controle da aplicação visa proteger os pacientes sujeitos do ensaio clínico tanto de efeitos adversos inaceitáveis

quanto de ineiciência do medicamento testado diante de outras possibilidades claramente mais ei -cientes, podendo o processo de pesquisa ser inter-rompido a qualquer momento se for detectada, por

meio de resultados parciais, a sua inadequação. Tal

controle exige acompanhamento permanente e es-treito de supervisores externos e isentos.

A indústria farmacêuica necessita estabelecer parcerias com insituições e médicos pesquisadores

externos aos seus quadros de colaboradores para

realizar a fase clínica de teste de qualquer droga em relação a qual deseja autorização governamen

-tal para implantação comercial. E é neste momento que se estabelecem os conlitos de interesses na

pesquisa médico-farmacológica. A forma que a

in-dústria farmacêuica tem de promover a fase clínica da pesquisa em parceria com insituições e médicos pesquisadores externos que se responsabilizem pe

-las mesmas é inanciar os estudos, fornecendo ma -terial e dinheiro.

A indústria farmacêuica pode contratar em -presas de consultoria que possuam em seus

qua-dros médicos-pesquisadores capazes de avaliar pro

-dutos especíicos. Outras vezes, as pesquisas icam

a cargo de médicos-pesquisadores independentes – frequentemente doutores, pós-doutores e livres-

docentes – que detêm personalidades jurídicas habilitadas a receber o inanciamento da indústria farmacêuica. Em qualquer caso, entretanto, os pos

-síveis beneícios dos estudos para as insituições não devem inluir na aitude metodológica dos seus pesquisadores, não devendo ter inluência nos de -senhos, na avaliação e divulgação dos resultados.

O que permanece indeinido é como se esta -belecem os honorários do médico-pesquisador e

sua equipe no inanciamento. A questão fundamen

-tal é se a relação inanceira pode interferir na apli -cação da metodologia condicionando os resultados

da pesquisa. Supostamente, não há moivos para

alguém trabalhar de graça, o que inclui o médico- pesquisador e sua equipe. Nestes casos, o valor do honorário é assunto que, segundo o pacto social, não interessa a ninguém senão aos contratantes.

Assim, contemplados os princípios éicos da

Declaração de Helsinque de 1964 e suas modiica

-ções posteriores (até 2008), e desde que o rigor me -todológico seja atendido, sempre sob a supervisão

de órgãos colegiados autônomos e considerando a exigência de cumprir prerrogaivas legais, não há

problema em que um médico-pesquisador teste

cli-nicamente, a pedido da indústria farmacêuica, de -terminada droga visando sua implantação comercial e receba, assim como sua equipe, remuneração por esse trabalho.

O compromisso do pesquisador, em qualquer circunstância, sempre deverá ser o de respeitar

prin-cípios éicos e manter isenção metodológica, apli

-cando os critérios deinidos pelo estudo com o maior rigor éico e cieníico possível. Nesse senido, deve revelar prontamente à comunidade acadêmica os

resultados de seu trabalho, quaisquer que sejam –

favoráveis ou desfavoráveis para o inanciador. O resultado favorável pode signiicar nova pa -tente e lucro. O resultado desfavorável pode

repre-sentar perda signiicaiva de invesimento, tempo e expectaiva do lucro. Idealmente, isso não deveria inluenciar médicos-pesquisadores e seria de se es -perar que a proporção de resultados favoráveis e desfavoráveis não poderia ser muito diferente entre

pesquisas inanciadas pela indústria farmacêuica e

as provindas de fontes independentes, geralmente

produzidas em insituições acadêmicas. Mas, como

será observado a seguir, não é o que ocorre 1.

Conlitos de interesses na pesquisa

Há evidências na literatura de que as pesqui

-sas realizadas com inanciamento da indústria far

-macêuica têm melhor proporção de resultados fa

-voráveis do que as levadas a cabo em insituições in

-dependentes 2,3,4. Jang et al2 avaliaram 236 análises

econômicas de uso de medicamentos apresentados

em congressos de oncologia e hematologia

estadu-nidenses com conlitos de interesses; e ideniica

-ram que 89,9% dessas análises fo-ram favoráveis ao inanciador da pesquisa, direta ou indiretamente. Embora os resultados variem na literatura, existem evidências consistentes de que a presença de conli

-tos de interesses é prevalente 3,4.

Os conlitos de interesses podem represen

-tar poderoso viés na pesquisa cieníica, alterando o resultado, produzindo má ciência e, mais grave, afetando negaivamente a saúde dos paricipantes, já que efeitos adversos inesperados e ausência da

ação prevista podem decorrer de falsos resultados.

Esse viés pode ser premeditado ou involuntário, em

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ta isenção, assim como a inlexibilidade do método cieníico, é somente um ideal, não algo real.

A pesquisa na indústria farmacêuica evita sistemaicamente, na fase clínica, testar um novo

medicamento, comparando-o a outra droga

simi-lar já existente, preferindo compará-lo a placebo 5.

Apenas isso já representa um viés no desenho da

pesquisa, decorrente do conlito de interesse. Já nas análises econômicas promovidas pela indústria farmacêuica, comparações de análises de custo-be

-neício desinadas às fontes pagadoras costumam

comparar diretamente seu produto com os dos con-correntes diretos ou indiretos, buscando evidenciar

a ineiciência, em úlima análise inanceira, de pro -dutos concorrentes.

Também chama a atenção o fato de que, em trabalhos apresentados em congressos e arigos pu

-blicados em revistas especializadas, seja frequente a não declaração de conlitos de interesses 2. Jang et al ideniicaram 27 análises econômicas de uso de me

-dicamentos em um universo amostral de 356 análi -ses, nas quais os autores eram empregados ou

con-sultores da indústria farmacêuica, mas não haviam declarado seu conlito de interesse 2. Atualmente, a declaração de conlitos de interesses é feita pelo próprio autor (ou autores) voluntariamente, não

havendo controle externo rígido como contraponto. A questão da não publicação de resultados

desfavoráveis pela indústria farmacêuica pode con -tribuir para a desproporção de pesquisas favoráveis

em relação às das insituições acadêmicas de pes

-quisa. Este não é um mal exclusivo à pesquisa con

-duzida pela indústria farmacêuica, mas nela parece

ser mais premeditado.

Considerações inais

O consórcio entre tecnologia, ciência e comér -cio é inerente ao próprio desenvolvimento industrial

e faz parte dos fundamentos da civilização contem -porânea. A simbiose entre todos esses elementos e o poder também embasa as estruturas simbólicas e o comportamento das sociedades hodiernas

pau-tadas pelo modo de vida ocidental. Ao inanciar a ciência e a tecnologia no senido de aliviar o sofri -mento humano, promover seu bem-estar, prolongar

sua existência e até mesmo melhorá-lo, o comércio age dentro de elevado aspecto éico. Em seu aspec

-to não éico, se une ao poder em busca de lucro exa -gerado e termina, dentre outras possibilidades, por

produzir má ciência e tecnologias potencialmente

perigosas.

A pesquisa biotecnológica em geral e a

pes-quisa médico-farmacológica em paricular lidam

com a dignidade da pessoa no seu momento mais

crucial: o enfrentamento da morte, o que impõe pe

-culiaridades às simbioses acima descritas. Embora o fomento e o inanciamento da pesquisa médico- farmacológica pela indústria farmacêuica sejam si -multaneamente desejáveis e inevitáveis, seu

aspec-to não éico deve ser prevenivamente conido com rigor. Bioéica e jusiça são, aqui, as pedras funda -mentais desta contenção.

Ensaios clínicos são experimentação in anima

nobile. Se sua supervisão já é, atualmente, bastante

rigorosa, este rigor deveria ser levado ao extremo. O desenho dos ensaios clínicos deveria estar sujei-to à apreciação de colegiado externo isensujei-to e sob

controle de órgãos governamentais. Nesse senido, por exemplo, estudos com uilização de placebo de

-veriam ser evitados ou proscritos 6,7.

Estudos com conlitos de interesses decla -rados deveriam ter atenção redobrada ou mesmo

tratamento especíico pelos conselhos editoriais das revistas especializadas e pelos comitês cieníicos dos congressos. A caracterização do ipo de conli -to de interesse, em cada caso, deve ser clara, o que inclui declaração de recebimento de honorários por médicos pesquisadores independentes. A não

de-claração de conlitos de interesses deve ser tratada com rigor. Casuísica, método e resultados de qual -quer pesquisa biomédica devem ser compulsoria-mente comunicados.

Deve exisir um espaço no qual casuísica, mé -todo e resultados de pesquisas não publicadas sejam obrigatoriamente depositados e que possam ser

con-sultados por especialistas. Tal local poderia ser virtual e deveria estar sob controle dos Estados. Metanálises deveriam ser atualizadas sistemaicamente, compa -rando resultados de drogas, destacando pesquisas

sob conlito de interesse e uilizando material não pu -blicado, mas depositado em local apropriado, como

sugerido acima. Na relação entre a indústria farma

-cêuica e a pesquisa médico-farmacológica em sua fase clínica, idealmente, a indústria deveria manter seu empenho em inanciar a pesquisa abrindo mão proaiva e completamente de qualquer possibilidade de inluência em seus desenhos, resultados e desi

-nações editoriais. É possível que, em futuro não sa

-bemos o quão próximo, qualquer aitude diferente da expressa acima por parte da indústria farmacêuica

possa ser interpretada como ruptura do pacto social.

Hoje, caminhamos com nossas contradições

em direção à compreensão da pessoa em sua

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divíduo humano percebido como único e irrepeível e cuja existência se situa acima de qualquer preço.

Da busca da universalidade nasce a jusiça. Por im,

muitas das análises e relexões aqui expressas po

-dem ser estendidas sem muita diiculdade para toda

a pesquisa biotecnológica.

Referências

1. Massud M. Conlito de interesses entre os médicos e a indústria farmacêuica. Rev. bioét. (Impr.). 2010;18(1):75-91.

2. Jang S, Chae YK, Majhail NS. Financial conlicts of interest in economic analyses in oncology. Am J Clin Oncol. 2011;34(5):524-8.

3. Jagsi R, Sheets N, Jankovic A, Motomura AR, Amarnath S, Ubel PA. Frequency, nature, efects, and correlates of conlicts of interest in published clinical cancer research. Cancer. 2009;115(12):2783-91. 4. Kesselheim AS, Lee JL, Avorn J, Servi A, Shrank WH, Choudhry NK. Conlict of interest in oncology

publicaions: a survey of disclosure policies and statements. Cancer. 2012;118(1):188-95. 5. Angel M. A verdade sobre os laboratórios farmacêuicos: como somos enganados e o que

podemos fazer a respeito. Rio de Janeiro: Record; 2008.

6. Garrafa V, Prado MM. Alterações na Declaração de Helsinque: a história coninua. Bioéica. 2007;15(1):11-25.

7. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM no 1.885, de 23 de outubro de 2008. [Internet]. É

vedado ao médico paricipar de pesquisa envolvendo seres humanos uilizando placebo, quando houver tratamento disponível eicaz já conhecido. Diário Oicial da União. 27 out. 2008 [acesso 20 jun. 2012];Seção I:90. Disponível: htp://www.portaldabioeica.com.br/legislacao/27.pdf

Paricipação dos autores

Abrão Rapoport: estruturação do texto; Ricardo Pires de Souza e Rogério Aparecido Dediviis:revisão

da literatura e formatação do texto; Cláudio Roberto Cernea e Lenine Garcia Brandão: revisão críica

e formatação do texto.

Recebido: 27. 5.2012 Revisado: 6. 8.2012

Referências

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