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Violência, direitos civis e demografia no Brasil na década de 80: o caso da área metropolitana do Rio de Janeiro.

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Academic year: 2017

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(1)

CIVIS E DE MOGRAFIA NO BRASIL

NA DÉ CADA DE 80:

o caso da Área Metropolitana

do Rio de Janeiro

E milio Dellasoppa

Alicia M. Bercovich

E duardo Arriaga

RBCS V ol. 14 no 39 fevereiro/ 99

Introdução

A década de 80 no Brasil foi um período de estagnação econômica e social, muitas vezes referi-do como a “década perdida”. Aumentaram os indi-cadores associados à violência na sociedade, como a mortalidade por causas externas, crimes violentos e homicídios, e aumentou a desigualdade social, uma caraterística da estrutura social brasileira.

A incapacidade do Estado de controlar a violência e suas causas foi percebida e condenada por todos os setores sociais. A ausência de um planejamento estratégico consistente se fez eviden-te ao longo da década, assim como se faz no presente. Mas, ao mesmo tempo, o Brasil também experimentou melhoras nos seus processos e insti-tuições políticas, sendo a democracia e os direitos civis plenamente restabelecidos depois de duas décadas de regime autoritário. Desafortunadamen-te, na década de 80 verifica-se também um aumen-to sistemático em indicadores de violência tais como índices de mortalidade e número de anos perdidos por causas violentas, aumento que conti-nua no presente, porém em porcentagens menores, sugerindo uma desaceleração no processo. Estes indicadores têm sido piores para os grupos etários

mais jovens, um resultado consistente com as tendências internacionais.

Junto com os indicadores, o medo e a insegu-rança têm aumentado em todos os setores sociais, desde os muito pobres até os muito ricos. Porém, o tipo de incidentes violentos que os cidadãos brasi-leiros estão propensos a sofrer varia amplamente quanto a suas causas, natureza e probabilidade, dependendo fortemente da faixa etária, da renda, e da região onde se mora e trabalha. A extrema desigualdade que notávamos antes nos indicadores sociais manifesta-se também nessa grande variabi-lidade dos riscos (Cedec, 1996 e 1997).

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caraterís-ticas específicas observadas no Brasil e na RMRJ. Este mapeamento baseia-se numa concepção da presente estrutura de relações sociais que, como produto humano, inclui entre seus componentes as diferentes manifestações da violência, entendida como um dos produtos sociais da externalização humana na produção dessa estrutura de relações sociais.1 Finalmente, sugere-se que a pesquisa interdisciplinar é o melhor caminho para desvendar os determinantes socioeconômicos dessa situação e uma contribuição importante ao debate sobre direi-tos civis e ação afirmativa em relação ao problema da violência urbana, que consideramos ser um problema de saúde pública.

Dados e métodos

Os dados de mortes por causas externas e homicídios utilizados nesta análise provêm do SIM — Sistema de Informação sobre Mortalidade (Mi-nistério da Saúde, 1996), das estatísticas vitais (FIBGE, 1979, 1980, 1981, 1990, 1991 e 1992) e dos censos brasileiros (FIBGE, 1980 e 1991). Os códi-gos das causas de morte utilizados pelo SIM são os Códigos E da Nona Revisão da Classificação Inter-nacional de Doenças (CID – BR).2 Foram utilizadas médias de três anos para minimizar a variação estatística nos dados.3

Para avaliar as mudanças nas mortes por causas naturais e violentas, analisamos as mudanças verificadas nas taxas de mortalidade por causas e grupos de idade entre 1980 e 1991. Para uma avaliação quantitativa das mortes violentas e não violentas, foi usado o método de anos de vida perdidos (Arriaga, 1984). Este método permite a análise das mudanças na mortalidade por causa individual e grupos de idade, bem como para o conjunto de grupos de idades combinados. O núme-ro de anos de vida perdidos não mede diretamente a mudança da mortalidade, senão o impacto da mu-dança da mortalidade na vida da população, do mesmo modo que na esperança de vida ao nascer.

O método dos anos de vida perdidos leva em conta a idade da pessoa que morre e refere-se diretamente à mudança das esperanças de vida. O número de anos de vida perdidos calculado neste artigo é a medida do número de anos de vida ou da

esperança temporária de vida entre as idades ana-lisadas que são perdidos devido à mortalidade por causas violentas ou não violentas. A diferença entre os anos de vida perdidos na mesma área (por exemplo, no mesmo município) entre um ano e outro indica a variação na esperança temporária de vida devida à mudança da mortalidade por diferen-tes causas de morte. Se considerarmos áreas rentes (e portanto populações diferentes), a dife-rença entre o número de anos de vida perdidos entre as duas populações evidencia a mudança na esperança temporária de vida que teria acontecido em uma população se o nível de mortalidade por uma causa específica de morte para essa população fosse igual ao nível da outra população.

Por exemplo, se compararmos as regiões me-tropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo, a diferença em anos de vida perdidos mostra o incremento na esperança temporária de vida entre 15 e 64 anos que teria ocorrido se a mortalidade da população da RMRJ igualasse a mortalidade obser-vada na RMSP para cada causa de morte. Foi realizada a análise para as idades entre 15 e 64 anos, e comparada a mortalidade atual com o suposto de mortalidade nula entre essas idades. O estudo foi focalizado nessas idades porque as mortes violentas afetam fundamentalmente os homens jovens, e para excluir grupos etários com mortalidade alta origina-da em outras causas, como as crianças e os idosos.4

Resultados

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Tabela 1

Número de anos perdidos por causas - Homens

Anos de vida perdidos entre 15 e 64 anos

Anos RMRJ RMSP SUL SUDESTE ARGENTINA

1980 6,85 5,77 5,16 5,92

1991 8,08 7,09 4,81 6,26 3,76

Incremento do número de anos perdidos 1,23 1,32 -0,34 0,34

Incremento relativo (%) 17,93% 22,81% -6,64% 5,78%

Anos perdidos entre 15 e 64 anos por causas naturais

RMRJ RMSP SUL SUDESTE ARGENTINA

1980 4,80 4,17 3,84 4,45

1991 4,82 4,61 3,33 4,33 2,98

Incremento do número de anos perdidos por

causas naturais 0,03 0,44 -0,50 -0,12

Incremento relativo (%) por causas naturais 0,54% 10,51% -13,11% -2,77%

Anos perdidos entre 15 e 64 anos por causas violentas

RMRJ RMSP SUL SUDESTE ARGENTINA

1980 2,05 1,60 1,32 1,47

1991 3,26 2,48 1,48 1,94 0,79

Incremento do número de anos perdidos por

causas violentas 1,20 0,88 0,16 0,47

Incremento relativo (%) por causas violentas 58,57% 54,83% 12,19% 31,69% Fonte: IBGE, Estatísticas do Registro Civil, 1979, 1980, 1981, 1990, 1991 e 1992.

anos é tão importante que poderá influenciar nega-tivamente ou ainda reduzir a esperança de vida do grupo masculino na sua totalidade. Se levarmos também em conta que a população brasileira en-contra-se sob o impacto de uma nova “onda jovem” (Bercovich e Madeira, 1990),5 isto poderá implicar um número de mortes violentas excepcionalmente alto na década de 90.

Existem notáveis diferenças entre as duas mais importantes áreas metropolitanas do Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo.6 Na RMSP, o número de anos perdidos por causas naturais entre os homens cres-ceu nos primeiros três grupos, com um máximo absoluto de 0,33 anos perdidos (aumento de 57,9%) para os homens no grupo etário 25-34 anos, e um máximo relativo representando 60,6% de cresci-mento para homens entre 15 e 24 anos (0,20 anos perdidos). Em contraste com o Rio de Janeiro, na RMSP até os homens no grupo etário entre 35 e 44 anos experimentaram um crescimento no número de anos perdidos por causas naturais, em relação a 1980. Este aumento é atribuído à epidemia da AIDS, que mostra um rápido crescimento nas estatísticas desde 1988 (Waldvogel, 1992). Ainda, ao observar-mos o número de anos perdidos pelos homens em 1991 na RMSP por causas violentas e por grupos etários, tendo como base de comparação 1980, notamos um padrão semelhante, em níveis mais baixos, àquele encontrado na RMRJ.

Quando consideramos a proporção de mortes violentas e a proporção do total do número de anos

0,00 0,20 0,40 0,60 0,80 1,00 1,20 1,40 1,60

15-24 25-34 35-44 45-54 55-64

Grupos etários

Núe

m

ro de

a

nos

pe

rdidos

Violentas 80

Violentas 91

Figura 1

Anos perdidos por causas violentas e grupos etários

(4)

perdidos por causa da violência para homens e mulheres, nas diferentes regiões do Brasil, notamos, primeiro, que a proporção de anos perdidos por causa da violência é sempre mais alta do que a proporção de mortes violentas. Isso se dá como conseqüência da tendência de mortes violentas entre jovens, como verificado por Arriaga (1994). Como as mortes violentas acontecem fundamental-mente entre jovens, os anos que esses jovens ainda teriam para viver são muito importantes quantitati-vamente: 40% do total de anos perdidos pelos homens entre 15 e 64 anos na RMRJ é devido a causas violentas; na Região Sul do Brasil e na Argentina (Região Metropolitana de Buenos Aires) essa proporção cai para 31% e 20%, respectivamen-te. Em segundo lugar, notamos que os números são mais elevados no sexo masculino do que no femini-no, seguindo o padrão encontrado em outros países onde ocorre um número significativo de mortes por causas externas. Terceiro, importantes diferenças entre as regiões podem ser observadas em relação ao número de anos perdidos. Para efeito de compa-ração, incluímos os valores da Argentina em 1991, que são muito mais baixos para os homens, mas que mostram os mesmos padrões observados para as mulheres de diferentes regiões do Brasil.

A Figura 2 mostra os incrementos no número de anos perdidos por causas e grupos etários dos homens, de 1980 a 1991, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Devemos notar que o número de anos perdidos por causas e grupos etários na RMSP é mais elevado do que na RMRJ para os primeiros dois grupos etários, quase equivalente no grupo entre 35 e 44 anos, e mais baixo para os últimos dois grupos. Além disso, na RMSP o incremento de anos perdidos por causas naturais é positivo até mesmo para o grupo entre 15 e 24 anos, contrastan-do, desta forma, com o pequeno decréscimo expe-rimentado na RMRJ.

Outra diferença é o peso relativo das causas naturais e violentas. Na RMRJ, todo o incremento no número de anos perdidos no grupo de 15-24 anos provém de causas violentas, contra um pe-queno decréscimo para causas naturais. Na RMSP, no entanto, para o mesmo grupo etário, 30% do crescimento no número de anos perdidos deve-se a causas naturais. Para o grupo etário de 25-34 anos

a diferença é notável: o incremento no número de anos perdidos por causas naturais responde por 31,4% do crescimento total na RMRJ, ao passo que na RMSP ele responde por 55% do total (Tabela 2). A Figura 3 mostra os incrementos no número de anos perdidos por causas e grupos etários para as mulheres na RMRJ entre 1980 e 1991.

Observa--0,10 0,00 0,10 0,20 0,30 0,40 0,50 0,60 0,70 0,80

15-24 25-34 35-44 45-54 55-64

Grupos etários D if er en ças

Incremento do número de anos perdidos por causas violentas

Incremento do número de anos perdidos por causas naturais

Figura 2

Incremento no número de anos perdidos por causa e grupo etário - Homens RMRJ 1980-1991

Figura 3

Incremento no número de anos perdidos por causa e grupo etário - Mulheres RMRJ 1980-1991

Figura 4

Incremento no número de anos perdidos entre 1980-1991. Homens e Mulheres de 15 a 64 anos

-0,20 -0,10 0,00 0,10 0,20 0,30 0,40 0,50 0,60 0,70 0,80

15-24 25-34 35-44 45-54 55-64

Grupos etários D ifer e n ças

Incremento dos anos perdidos por causas violentas

Incremento dos anos perdidos por causas naturais -0,60 -0,40 -0,20 0,00 0,20 0,40 0,60 0,80 1,00 1,20 1,40

RMRJ RMSP SUL SUDESTE

Regiões Inc re m e n to no núm e ro de A nos pe rd idos

Incremento do número de anos perdidos - Homens

Incremento do número de Anos Perdidos - Mulheres

(5)

Tabela 2

Número de anos perdidos por causas e grupos de idade – Homens

RMRJ

Causas 15-24 25-34 35-44 45-54 55-64 TOTAL

Naturais 80 0,54 0,73 1,18 1,48 0,86 4,80

Violentas 80 0,73 0,68 0,40 0,19 0,05 2,05

Naturais 91 0,50 0,90 1,18 1,43 0,83 4,82

Violentas 91 1,47 1,03 0,50 0,21 0,05 3,26

Aumento em anos perdidos, causas naturais -0,04 0,16 -0,01 -0,05 -0,04 0,03 Aumento em anos perdidos, causas violentas 0,74 0,35 0,09 0,02 0,00 1,20

RMSP

Causas 15-24 25-34 35-44 45-54 55-64 TOTAL

Naturais 80 0,34 0,57 1,06 1,37 0,83 4,17

Violentas 80 0,63 0,45 0,30 0,17 0,05 1,60

Naturais 91 0,58 0,90 1,09 1,29 0,75 4,61

Violentas 91 1,19 0,71 0,36 0,17 0,04 2,48

Aumento em anos perdidos, causas naturais 0,24 0,33 0,03 -0,08 -0,08 0,44 Aumento em anos perdidos, causas violentas 0,56 0,27 0,06 0,01 -0,01 0,88

Região Sudeste

Causas 15-24 25-34 35-44 45-54 55-64 TOTAL

Naturais 80 0,41 0,69 1,15 1,40 0,81 4,45

Violentas 80 0,50 0,46 0,30 0,16 0,04 1,47

Naturais 91 0,45 0,78 1,06 1,29 0,75 4,33

Violentas 91 0,79 0,61 0,34 0,16 0,04 1,94

Aumento em anos perdidos, causas naturais 0,04 0,09 -0,09 -0,11 -0,06 -0,12 Aumento em anos perdidos, causas violentas 0,29 0,14 0,03 0,00 0,00 0,47

Região Sul

Causas 15-24 25-34 35-44 45-54 55-64 TOTAL

Naturais 80 0,38 0,51 0,90 1,25 0,80 3,84

Violentas 80 0,41 0,40 0,29 0,17 0,05 1,32

Naturais 91 0,30 0,45 0,72 1,11 0,76 3,33

Violentas 91 0,53 0,44 0,29 0,17 0,05 1,48

Aumento em anos perdidos, causas naturais -0,08 -0,07 -0,18 -0,14 -0,04 -0,50 Aumento em anos perdidos, causas violentas 0,12 0,05 -0,01 0,00 0,00 0,16 Fonte: IBGE, Estatísticas do Registro Civil, 1979, 1980, 1981, 1990, 1991 e 1992.

mos um pequeno crescimento no número de anos perdidos por causa da violência no grupo etário de 15-24 anos. Na RMSP, temos uma diminuição do número de anos perdidos em todas as faixas etári-as. Este quadro obtido para as mulheres aponta marcantes diferenças ao ser comparado aos resulta-dos apresentaresulta-dos para os homens. Na Figura 4

(6)

da esperança de vida temporária das mulheres, por todas as causas. A influência da RMRJ e da RMSP leva a um resultado líquido positivo em número de anos perdidos para a Região Sudeste, onde essas áreas metropolitanas estão localizadas.

Resumindo os resultados anteriores, pode-mos verificar que quando considerapode-mos o número de anos perdidos pelos homens, por regiões e

causas, observamos diferenças no peso relativo das causas entre a RMRJ e a RMSP, assim como um contraste com a Região Sul, que apresenta um valor negativo. No caso das mulheres, o contraste com o resultado obtido para os homens é evidente em todas as regiões (Tabela 3). No caso dos homens, quando comparamos o número de anos perdidos por tipo de causa entre 1980 e 1991 nas duas áreas

Tabela 3

Número de anos perdidos por causas e grupos de idade – Mulheres

RMRJ

Causas 15-24 25-34 35-44 45-54 55-64 TOTAL

Naturais 80 0,30 0,47 0,75 0,85 0,52 2,89

Violentas 80 0,11 0,10 0,07 0,05 0,02 0,34

Naturais 91 0,25 0,42 0,63 0,84 0,51 2,64

Violentas 91 0,13 0,11 0,07 0,04 0,02 0,37

Aumento em anos perdidos, causas naturais -0,05 -0,05 -0,12 -0,01 -0,02 -0,25 Aumento em anos perdidos, causas violentas 0,03 0,01 0,00 0,00 0,00 0,03

RMSP

Causas 15-24 25-34 35-44 45-54 55-64 TOTAL

Naturais 80 0,26 0,37 0,64 0,80 0,50 2,57

Violentas 80 0,11 0,07 0,06 0,04 0,01 0,29

Naturais 91 0,23 0,34 0,50 0,71 0,45 2,22

Violentas 91 0,11 0,08 0,05 0,03 0,01 0,28

Aumento em anos perdidos, causas naturais -0,03 -0,04 -0,14 -0,09 -0,05 -0,35 Aumento em anos perdidos, causas violentas 0,00 0,00 -0,01 0,00 0,00 -0,01

Região Sudeste

Causas 15-24 25-34 35-44 45-54 55-64 TOTAL

Naturais 80 0,29 0,46 0,73 0,82 0,51 2,82

Violentas 80 0,10 0,08 0,05 0,04 0,01 0,27

Naturais 91 0,23 0,36 0,54 0,73 0,46 2,32

Violentas 91 0,10 0,08 0,05 0,03 0,01 0,27

Aumento em anos perdidos, causas naturais -0,06 -0,10 -0,19 -0,10 -0,05 -0,50 Aumento em anos perdidos, causas violentas 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00

Região Sul

Causas 15-24 25-34 35-44 45-54 55-64 TOTAL

Naturais 80 0,26 0,38 0,62 0,74 0,49 2,49

Violentas 80 0,09 0,06 0,05 0,03 0,01 0,24

Naturais 91 0,19 0,27 0,45 0,65 0,43 2,00

Violentas 91 0,10 0,07 0,05 0,04 0,01 0,27

(7)

metropolitanas e nas regiões Sul e Sudeste, chama a atenção o incremento de 10% no número de anos perdidos por causas naturais na RMSP.

Já nas regiões Sul e Sudeste observa-se um aumento da esperança de vida temporária devido à diminuição da mortalidade por causas não violentas e, ao mesmo tempo, um aumento no número de anos perdidos por causa da violência. Os maiores incrementos estão na RMRJ e na RMSP. Deve ser levado em conta que o incremento na Região Sul é calculado com base em valores absolutos muito menores. Esta observação é válida para as mulheres em todos os casos. Observa-se que a mortalidade das mulheres apresenta incrementos relativos posi-tivos na RMRJ e na Região Sul, mas com valores absolutos muito baixos, resultados compatíveis com as tendências internacionais.

Anos perdidos devido à violência nos

municípios da área metropolitana do

Rio de Janeiro

Aproximadamente 80% da população do Es-tado do Rio de Janeiro está concentrada na sua área metropolitana. A Tabela 4 apresenta a listagem dos municípios pertencentes à área metropolitana, suas

populações em 1980 e 1991 e as taxas de cresci-mento no período.7

Os indicadores socioeconômicos são extre-mamente diferentes entre os municípios da RMRJ e até mesmo no interior de cada município, mas no presente estágio de desenvolvimento desta pesqui-sa esses indicadores não estão incluídos em uma relação de causa. Não existe consenso sobre este ponto, que permanece extremamente controverso. Vários autores sustentam que “fatores subjacentes aos precursores imediatos [da violência] podem incluir a pobreza, as oportunidades sociais e econô-micas inadequadas, a instabilidade social e familiar e a freqüente exposição pessoal à violência como um meio aceitável ou preferível de resolver desa-venças” (Reiss e Roth, 1993; NCIPC e CDC, 1989). No entanto, outros (Coelho, 1988) não encontram nenhuma relação entre os níveis de pobreza e os de violência. A próxima etapa deste trabalho deverá incluir considerações relacionando desigualdade e níveis de anos perdidos por causas violentas.

A Figura 5 mostra o número de anos perdidos devido à violência nos municípios da RMRJ, entre 1980 e 1991. Podemos observar dois grupos de municípios: o primeiro, composto de municípios (São Gonçalo, Paracambi, Nilópolis, São João de

Tabela 4

Municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. População 1980-1991

Municípios 19 8 0 19 9 1 Taxa de crescimento anual

E stado do Rio de Janeiro. Total 11.291.520 12.807.706 1,15%

Região Metropolitana 8.772.265 9.814.574 1,03%

Rio de Janeiro 5.090.700 5.480.768 0,67%

Duque de Caxias 575.814 667.821 1,36%

Itaboraí 114.540 162.742 3,24%

Itaguaí 90.133 113.057 2,08%

Magé 166.602 191.734 1,29%

Mangaratiba 13.845 17.925 2,38%

Maricá 32.618 46.545 3,29%

Nilópolis 151.588 158.092 0,38%

Niterói 397.123 436.155 0,86%

Nova Iguaçu 1.094.805 1.297.704 1,56%

Paracambi 30.319 36.427 1,68%

São Gonçalo 615.352 779.832 2,18%

São João de Meriti 398.826 425.772 0,60%

(8)

Meriti e Niterói) com um número de anos perdidos em 1980 entre 0,75 e 1,25; o segundo, composto por municípios (Rio de Janeiro, Maricá, Itaguaí, Nova Iguaçu, Itaboraí e Duque de Caxias) com um número de anos perdidos em 1980 que oscilava entre 2 e 2,5. Um grupo residual é composto por dois municípios que não apresentaram freqüências suficientes para serem incluídos na análise. Obser-vamos também que em 1991 aparecem novamente os dois grupos de municípios, porém com número de anos perdidos em níveis mais altos em todos os casos, numa generalização do aumento dos anos perdidos em toda a área metropolitana do Rio de Janeiro. Os resultados mostram o crescimento da violência: no primeiro grupo houve um incremento para 2-3 anos perdidos, e no segundo para 3-4,5 anos perdidos. Para a RMRJ como um todo, houve um crescimento importante no número de anos perdidos por homens em 1980-91. A Figura 5 mostra como as condições pioraram no Município de São Gonçalo, onde houve um crescimento de quase 240% no número de anos perdidos devido à violência. São Gonçalo faz divisa com Niterói, outro município com um crescimento de quase 120% no número de anos perdidos, mas mesmo assim apre-sentando níveis mais baixos do que a maioria dos municípios da RMRJ.

Homicídios, acidentes de trânsito e

outras causas de morte na RMRJ

Como foi mostrado antes (Tabelas 1, 2 e 3), em todas as regiões consideradas houve um cresci-mento tanto na proporção de mortes violentas quanto na proporção de anos perdidos devido à violência. Como conseqüência do impacto dessas mortes nas coortes jovens, observamos que o cres-cimento da proporção de anos perdidos devido à violência é sempre maior do que o crescimento da proporção de mortes violentas no total das mortes. Os padrões para homens e mulheres são semelhan-tes em todas as regiões, com uma razão homem/ mulher de aproximadamente 3 para 1. Vamos agoranos deter na RMRJ e no Município do Rio de Janeiro e analisar sumariamente os componentes principais do grupo de causas violentas: acidentes de trânsito de veículos a motor, homicídios e demais causas externas.

De acordo com a pesquisa de Lopes (1994), dados sobre homicídios são geralmente subestima-dos e mortes por outras causas não definidas devem ser incluídas nos homicídios, deixando de lado a participação proporcional dos suicídios.8 Como indica a Figura 6, existe uma compensação a longo prazo nos valores para homicídios e para

0,00 0,50 1,00 1,50 2,00 2,50 3,00 3,50 4,00 4,50 5,00

PARA CAMB

I

NILÓPOLIS SÃO GONÇALO

SÃO JOÃO DE MERITI

NITERÓI RIO DE JANEIRO

DUQU E DE C

AXIAS ITAGUAÍ NOVA

IGUA ÇU

MARICÁ MA GÉ

ITABORAÍ

Municípios

Número de anos perdidos

VIOLENT 80

VIOLENT 91

Figura 5

(9)

outras formas não definidas de violência. O cresci-mento constante nos valores adicionados desde 1980 (20,7 pontos percentuais) para a RMRJ é muito semelhante ao resultado encontrado na área metro-politana de Recife (César e Rodrigues, 1996): 22,3% de 1979 a 1981. Em Recife também foi observado um crescimento constante na proporção de homicí-dios e um decréscimo constante em mortes causa-das por outras formas de violência. Ao mesmo

tempo, em Recife a mortalidade proporcional devi-da a acidentes com veículos motorizados diminuiu de 40,7% para 38,4% do total das mortes por causas externas. Uma situação semelhante é observada na RMRJ (Figura 7).

Além disso, o índice de mortalidade por causas violentas aumentou na RMRJ em 1991, com um máximo de 324,8 por 100 mil habitantes para homens do grupo etário 15-24 anos e 302,5

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Anos

P

roporç

ão (%

)

Homicídios 29,53 28,298 23,32 20,86 19,508 18,966 21,965 21,621 24,346 30,106 34,917 37,071 33,713 35,462

Outras violências não definidas 29,111 34,575 36,734 41,528 43,019 46,202 44,122 46,752 46,62 40,816 36,13 36,368 43,596 43,835

Homicídios e outras violências não definidas 58,642 62,872 60,053 62,388 62,527 65,169 66,087 68,373 70,966 70,922 71,046 73,439 77,309 79,297

80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93

0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 9000

Anos

m

e

ro

Acidentes de transporte

Homicídios e outras violências não definidas

Acidentes de transporte 1404,7 1073,7 1148,3 1290,7 1506 1529,7 1573,3 1676,7 1760,3 1911 1796,3 1505,7 1114,3 954,33

Homicídios e outras violências não definidas 3920 4220 4056 4461,3 4862,3 5471,3 5765,7 6300,3 7029,7 7405,7 7478,3 7421 7687,3 7989,7

80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93

Figura 6

Porcentagem de homicídios e outras violências não definidas no total das causas externas

Figura 7

(10)

por 100 mil habitantes para o grupo etário 25-34 anos. As taxas de homicídio para o mesmo ano e mesmos grupos atingiram valores de 299,2 e 267 por cada 100 mil habitantes. Os dados utilizados para as mortes violentas são os das estatísticas vitais (FIBGE), e para homicídios, do SIM/Data-sus. Ao compararmos essas duas fontes, observa-mos que os valores do SIM eram levemente infe-riores aos valores do Registro Civil, mantendo, porém, a compatibilidade.

Se considerarmos separadamente o Municí-pio do Rio de Janeiro, os valores para mortes violentas em 1991 para os homens dos mesmos grupos etários são mais elevados do que os da RMRJ. Eles são de 358,8 para o grupo etário de 15-24 anos e 308,3 por 100 mil habitantes para o grupo de 25-34 anos. Uma comparação entre os municípi-os do Rio de Janeiro e Buenmunicípi-os Aires, na Argentina, mostra valores muito mais baixos para Buenos Aires, com uma “barriga” no grupo de 25-34 anos: 59,3 por 100 mil habitantes.9

A mudança das curvas de

mortalidade da RMRJ e da RMSP

A esperança de vida da população brasileira subiu de 41 anos em 1935 para 65 anos em 1991.

Mas, na última década, observa-se que o diferen-cial na esperança de vida por gênero cresceu, apresentando valores de 69,8 para as mulheres e 61,1 para os homens (Beltrão et al., 1996). Obser-va-se ainda que as curvas de mortalidade sofre-ram grandes mudanças de forma pela influência de vários fatores.

Durante os anos 80, a mortalidade na RMRJ e na RMSP cresceu entre os homens de quase todos os grupos etários, o que contrasta com a sua diminuição para as mulheres de todas as idades. A mudança mais importante no caso dos homens tem sido o destaque de uma “barriga de causas externas” para o grupo etário de 15-34 anos. Esse efeito também pode ser notado na mortalidade feminina, mas está limitado à redu-ção ou cancelamento da melhora das taxas de mortalidade para os mesmos grupos de idade (Figura 8).10

A mesma situação, porém em níveis inferio-res, pode ser observada nas curvas de mortalidade da Região Sul. Nesse caso, o contraste é mais evidente para as mulheres, que experimentam uma diminuição nas taxas de mortalidade durante o período, em todos os grupos etários. O desenvolvi-mento da “barriga de causas externas” nas curvas de mortalidade dos homens ocorreu num ritmo

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H OM EN S 1980

H OM EN S 1991

M ULH ER ES 1980

M ULH ER ES 1991

Figura 8

Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 1980-1991 Taxas de mortalidade

(11)

mais lento. Assim sendo, as mudanças na curva masculina denotam uma estagnação, ao invés de uma deterioração, nos grupos etários de 15-34 anos e uma pequena melhora nos outros grupos. Na Figura 9, os índices de mortalidade para os homens foram apresentados para causas naturais e violentas por grupos etários. Na RMRJ observamos um cres-cimento das taxas de mortalidade em todos os grupos etários, com exceção do grupo de 0-14 anos. Mais notável, porém, é o aumento dos índices de mortalidade na RMSP no grupo de 20-44 anos, um resultado que é consistente com as mortes relacionadas à AIDS.

Com algumas causas de morte importantes influenciando os índices de mortalidade, como mortes violentas e AIDS, podemos ficar tentados, como Pollard (1996), a adotar previsões mais con-servadoras para o futuro. Mas, como argumenta esse autor, aqueles que adotaram previsões conser-vadoras no passado foram geralmente considera-dos, mais tarde, cautelosos demais. Infelizmente, as projeções atuais podem gerar resultados que mos-trem uma deterioração ainda maior das taxas de mortalidade adulta nas áreas metropolitanas do Brasil.

Discussão

É certamente complexo analisar os fatores subjacentes aos processos de mudança nos padrões de mortalidade a partir de fenômenos socioeconô-micos. No entanto, depois de determinar a magni-tude dos anos de vida perdidos na Região Metropo-litana do Rio de Janeiro e compará-la à da Região Metropolitana de São Paulo e outras regiões geo-gráficas do Brasil, podemos considerar algumas características específicas da estrutura de relações sociais no Brasil que entendemos estar relaciona-das aos índices de violência persistentemente altos verificados na sociedade brasileira. Nossos resulta-dos mostraram um crescimento das mortes violen-tas nos grupos etários de 15-24 anos e 25-29 anos entre 1980 e 1991, o que é consistente com as tendências internacionais.

Em primeiro lugar, devemos considerar a questão das causas imediatas e específicas e dos fatores subjacentes aos precursores imediatos da violência. De maneira geral, é reconhecido (CDC, 1994) que, no presente, as causas específicas e imediatas desse problema continuam incertas. O aumento na ocorrência de homicídios pode ser o resultado do recrutamento de jovens, principal-mente das classes média e baixa, pelo mercado de

10 100 1000 10000

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N A T 80 N A T 91

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Figura 9

Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 1980-1991 Taxas de mortalidade por causa - Homens

(12)

drogas, do uso de armas de fogo nesses mercados e da conseqüente distribuição de armas para outros jovens da comunidade. Isso, em retorno, pode resultar em um uso mais freqüente de armas para resolver conflitos (Blumstein, 1994).

Existe uma controvérsia em relação tanto às causas imediatas e específicas da violência, quanto aos fatores subjacentes a estas causas. Uma posição (Reiss e Roth, 1993; NCIPC e CDC, 1989) argumenta que os fatores subjacentes aos precursores imedia-tos da violência devam incluir a pobreza, as opor-tunidades educacionais e econômicas inadequadas ou inexistentes, a instabilidade social e familiar e a freqüente exposição individual à violência como uma forma aceitável de resolver desavenças. Outro ponto de vista, enfatizado no Brasil desde Coelho (1988, p. 151), afirma que a evidência empírica disponível não oferece apoio à hipótese de que o desemprego, a pobreza e a crise econômica este-jam relacionados, em nível causal, aos índices de criminalidade.

Novamente é necessário cautela, pois ne-nhum fator isolado ou soma mecânica de fatores poderá explicar um fenômeno social complexo como a violência na sociedade brasileira. Antes de aceitar qualquer explicação, devemos identificar e examinar as diversas características do problema da violência no Brasil, que podem ser responsáveis por uma parcela substantiva das especificidades brasi-leiras. O objetivo deste trabalho é contribuir com um estudo interdisciplinar que almeja, como objetivo final, modelar uma explicação para esse complexo fenômeno, que poderá ter utilidade no desenvolvi-mento e na avaliação de diferentes alternativas de políticas sociais.

Sustentamos que, como primeiro passo para compreender a dinâmica das transformações soci-ais e demográficas relacionadas ao fenômeno da violência na sociedade brasileira, devemos exami-nar diversas características específicas da estrutura social do país, com vistas a construir uma “feno-menologia densa” (Elster, 1990). As características escolhidas podem ser consideradas fenômenos-tema: conceitos produzidos por processos de abs-tração que se debruçam sobre áreas de significa-do da estrutura social. Acontece que a sociedade, como produto humano, constrói e reformula

per-manentemente essas características e suas inter-relações.

Essas características, que identificamos inici-almente como específicas, são a impunidade, a fragilidade do sistema de justiça criminal, a corrup-ção nos órgãos estatais, o uso de força letal pela polícia, a emergência de cidades defensivas e de cidadãos defensivos, o vigilantismo, as chacinas e linchamentos, a “onda jovem” como mobilizadora da dinâmica demográfica e o papel da mídia como integradora de âmbitos de significado. Além disso, esses fatores devem ser colocados contra o pano de fundo das extremas desigualdades sociais da soci-edade brasileira, desigualdades que apontam para as limitações do processo de democratização polí-tica do país. Essa lista não deixa de ser controversa, mas tentaremos nos manter o mais próximo possí-vel dos fatos. Também a análise será limitada pelo espaço disponível para a exposição, e será neces-sariamente incompleta porque seria impossível analisar também aqui o significado da corrupção ou o papel da mídia em relação à violência.11

Vamos começar com a impunidade, que acre-ditamos ser, pela sua relevância, uma característica que assume formas específicas na sociedade brasi-leira. A impunidade no Brasil é marcada por uma resiliência extremada, mesmo nos casos em que a pressão da sociedade civil leva a algum tipo de penalidade, que geralmente é limitada em suas conseqüências. Essa resiliência na impunidade pode ser detectada não apenas nos níveis políticos e econômicos mais elevados,12 mas também em cri-mes como o tráfico de drogas, o jogo do bicho e as chacinas supostamente cometidas pela polícia.13

Uma segunda característica marcante é a fragi-lidade do sistema de justiça criminal brasileiro. Junto com a impunidade, esta fragilidade, como já foi notado (Adorno, 1992), gera uma baixa proporção de prisioneiros sentenciados. Como Adorno observa em relação à RMSP em 1992, “de um total de 4.274 prisioneiros acusados por crimes contra a pessoa, 33% foram sentenciados. No caso de crimes contra a propriedade, essa proporção é ainda menor [...] apenas 28% foram sentenciados”. Essa situação verifica-se em todos os estados da Federação.

(13)

situa-ção, a corrupção relacionada com a violência tem crescido desde os anos 70, como conseqüência do desenvolvimento do tráfico de drogas, que oferece oportunidades de lucros elevados não só no pró-prio negócio das drogas como também no tráfico de armas de fogo e na lavagem do dinheiro. A extorsão de traficantes pela polícia tornou-se uma situação comum, a ponto de a própria polícia da RMRJ reconhecer a existência na instituição de uma chamada “banda podre”, que auferiria altos lucros com a extorsão e outros sérios delitos. A corrupção existe não apenas dentro da polícia, mas também no sistema judiciário e em praticamente todos os órgãos burocráticos. A expressão “montar um es-quema” faz parte da linguagem comum, como sinônimo de corrupção.

Também há o uso de força letal pela polícia. A proporção extremamente baixa de prisioneiros sentenciados, determinada pelas razões examina-das acima, também é um ponto importante porque tem a violência como conseqüência: como o crime é uma ocupação sem altos riscos, graças à corrup-ção da Polícia Civil e à ineficiência do sistema de justiça criminal, é inútil encarcerar um homicida. Assim sendo, a punição é freqüentemente aplicada pela Polícia Militar sob a forma de pena capital, mediante o uso de força letal. A sabedoria popular de que “ladrão tem de morrer mesmo” assume o valor de uma crença que é compartilhada por amplos setores da população, independente de classe social, e é talvez um dos mais perversos resultados da falência atual do sistema de justiça criminal. Um setor da mídia tem transformado essa noção em uma apelação sistemática na captação do receptor. Um conceito tão fundamental quanto a idéia de que devemos olhar além da sentença e da correção e examinar o papel do sistema judiciário como parte integrante da educação, prevenção e tratamento é ainda impensável no Brasil.

Deve ser salientada, ainda, a mudança no padrão dos homicídios. Em 30 anos, o padrão de homicídios no Brasil se tem transformado dramati-camente.14 Complexas redes criminosas, com orga-nização empresarial e conexões importantes, tanto nacionais quanto internacionais, não controlavam o tráfico de drogas nos anos 60. O comércio de drogas e armamento pesado, produtos e

instala-ções químicas, tem adquirido padrões complexos, envolvendo a lavagem de dinheiro e extensiva corrupção de órgãos governamentais. O homicídio, que no Brasil de 30 anos atrás estava mais associa-do a causas passionais (Coelho, 1988), hoje em dia tende a estar também associado aos conflitos entre gangues de traficantes, às atividades clandestinas dos esquadrões da morte ou “polícias mineiras” e “justiceiros”. Mas, como vimos, está também asso-ciado ao uso de força letal pelas PMs de vários estados, particularmente do Rio de Janeiro e São Paulo (Pinheiro et al., 1991). Estes elementos

de-vem ser incorporados à análise dos homicídios tanto quanto os dados sobre a violência exercida em situações de lazer (bares, geralmente da perife-ria das áreas metropolitanas, bailes etc.), violência que atinge, como atores e vítimas, os indivíduos das camadas mais carentes da população.

São precisamente os pobres das periferias os que convivem com o risco das chacinas e dos homicídios no fim de semana. Segundo os dados do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, 50% dos homicídios acontecem no fim de semana, “[…] a maioria por motivos fúteis, como brigas de bar ou desentendimentos entre vizinhos. Em seguida aparece o tráfico de drogas, e logo a seguir a vingança e o enfrentamento entre quadrilhas e membros de uma mesma quadrilha por desentendimentos na partilha” (Folha de S.

Paulo, 24/3/1998, pp. 3-6). Vale a pena citar as

declarações do delegado Marco Antônio Desgual-do, diretor do DHPP:

Muitos homicídios são cometidos por pessoas de bem, sem passagem pela polícia, que se desenten-dem com alguém em um bar e acabam atirando. Se elas não estivessem armadas, esses crimes não aconteceriam. A pessoa está desempregada, com a família passando fome, sofrendo uma enorme pressão social. Quando ela bebe, essa tensão aflora e um pisão no pé pode ser suficiente para ela acabar cometendo um crime.15

(14)

matam e morrem pelos mesmos motivos fúteis. Estes motivos fúteis são transformados pelo contex-to em motivos socialmente relevantes: os dados da vigilância epidemiológica e da polícia confirmam que os maiores valores absolutos e a tendência à escalada ocorrem nas periferias das áreas metropo-litanas do Rio de Janeiro e de São Paulo.16 E estas periferias caraterizam-se por ter experimentado, em muitos distritos, um grande crescimento popu-lacional em áreas distantes e sem qualquer infra-estrutura, onde a pobreza é generalizada, o analfa-betismo duplica ou triplica os valores médios da região, não há perspectivas de mobilidade social e a homogeneidade social está baseada na exclusão de todos. Nas periferias pobres, os investimentos públicos são insuficientes, faltam escolas de pri-meiro e segundo graus e as existentes são muitas vezes de péssima qualidade e sempre sujeitas ao vandalismo, os hospitais estão afastados do bairro, não há saneamento básico ou este é muito deficien-te, não há creches e geralmente as opções de lazer estão limitadas aos bares da região. Finalmente, o trabalho está sempre a muitas horas de ônibus do local da residência: “Aqui só tem trabalho de ajudante em loja de material de construção” (Folha

de S. Paulo, 4/1/1998, pp. 3-7). Perspectiva de

mobilidade social, só para os donos das lojas. Uma observação mais atenta aos padrões de violência originados da percepção de um sistema de justiça criminal corrupto, indigno de confiança, lento e injusto, revelará fenômenos tais como os justiceiros e os esquadrões da morte. Existem tam-bém organizações de pistoleiros contratados por pequenos comerciantes e companhias de transpor-te público nas periferias de muitas cidades brasilei-ras para controlar a criminalidade, matando ladrões e até grupos que se recusam a pagar pelo transpor-te ou simplesmentranspor-te perturbam a ordem nas áreas onde tais comerciantes ou companhias de transpor-te operam. Às vezes o assassinato é cometido por seguranças privados desses empresários, agindo não como justiceiros profissionais, mas simples-mente “fazendo um bom trabalho” na área.17 Em conseqüência dessas atividades, a imprensa atual-mente mantém estatísticas sobre o número de chacinas na RMSP. Essas chacinas produzem múlti-plas vítimas, freqüentemente relacionadas umas às

outras, com a óbvia intenção de eliminar testemu-nhas. A maior parte desses crimes nunca é resolvi-da e ninguém é punido por eles.18

Se nessas áreas metropolitanas as chacinas envolvem uma média de três a quatro vítimas por chacina, outros massacres adquirem importância nacional devido a um número muito mais elevado de vítimas envolvidas. Alguns destes foram denun-ciadas no exterior. Nos últimos seis anos, oito grandes chacinas aconteceram no Brasil, com mais de 200 mortes.19

Um panorama das características da violência no Brasil deve também levar em consideração os linchamentos. Nesta década, o linchamento é outro fenômeno brasileiro sobre o qual existe uma con-vergência entre o ponto de vista das PMs sobre o uso de força letal e explicações populares exacer-badas sobre a impunidade de criminosos (incluin-do mortes causadas pela polícia) e a inutilidade tanto da polícia quanto do sistema judiciário. A vingança das populações vítimas do crime e que não têm esperança de obter justiça e compensação por parte da polícia e do sistema judiciário é apresentada muitas vezes na mídia como um ato espontâneo. Na realidade, na maior parte dos casos existe uma estrutura oculta organizando os lincha-mentos (Martins, 1989; Pinheiro, 1991). Entre 1979 e 1989, como mostra Martins (1989), houve 272 linchamentos, metade deles ocorridos após o fim do regime militar.20

A emergência das cidades defensivas

e dos cidadãos defensivos

Nos anos 60 e 70, quando se notou que o crime violento nos Estados Unidos crescia num ritmo considerado alarmante para os padrões ameri-canos de então, foram exploradas (Gold, 1970) as relações entre o desenho urbano e o controle e prevenção da violência. Naquele momento, inter-pretou-se que muitas das principais cidades ameri-canas estavam sendo fortificadas, e a hipótese de cidades defensivas aparecia como uma possibilida-de concreta, com todas as suas conseqüências destrutivas da sociabilidade.

(15)

urbanas violentas.21 As subculturas, no caso dos Estados Unidos, foram interpretadas como fenôme-nos urbafenôme-nos originados em bairros racialmente segregados e economicamente carentes, habitados por indivíduos que não eram criminosos “profissi-onais” que minimizam os riscos, e sim “jovens irados que não acreditam na sociedade” (Gold, 1970). Esses jovens tinham aspirações consumistas semelhantes àquelas do resto da sociedade, mas valores e atitudes diferentes e uma economia de subsistência e lucro financeiro diferenciados, possí-veis devido às características específicas da vida desses grupos de jovens nas cidades norte-america-nas da década de 70. O tráfico de drogas cresceu aumentando fortemente as possibilidades de lucros financeiros imediatos, em sinergia com a percep-ção da violência como um comportamento normal, necessário à sobrevivência no competitivo merca-do das drogas.

Cidades defensivas e subculturas produziram cidadãos defensivos. Esse fenômeno, com caracte-rísticas semelhantes, pôde também ser notado no Brasil. No caso dos ricos, ampliou-se o uso de guardas de segurança privados e de procedimentos e regulamentos privados para resolver questões de segurança em áreas específicas (bairros afluentes, condomínios de casas ou apartamentos de luxo ou de classe média etc.). Ao mesmo tempo, nas áreas carentes e periféricas das regiões metropolitanas, houve um crescimento das atividades dos “justicei-ros” e do ato de desespero extremo e vingativo de linchamento. Desta forma, o índice de homicídios numa mesma região metropolitana oscilará forte-mente quando se consideram áreas geográfica e socialmente distantes, sob diferentes condições de controle da criminalidade. As chances de morrer assassinado também fazem uma clara distinção entre os protegidos e os socialmente excluídos. Há toda uma gradação de áreas de risco que inclui, na Região Metropolitana de São Paulo, desde bairros com taxas de homicídios muito baixas, quase “euro-péias” (Consolação, Perdizes, Jardim Paulista etc.), até uma faixa de regiões de altíssimo risco (Brasilân-dia, Jardim Ângela Guaianazes, Capão Redondo, e o próprio centro de São Paulo, Sé). A média das taxas de homicídio por 100 mil habitantes das cinco regiões mais violentas de São Paulo é de 84,4; a

média das cinco menos violentas, 5,3, ou seja, 16 vezes menor. Isto implica patamares de violência qualitativamente diferentes, e condições de vida e possibilidades de sociabilidade também qualitativa-mente diferentes.22

Desigualdades extremas: a

persistência dos “dois Brasis”

Finalmente, o pano de fundo. As diferenças entre Perdizes e Jardim Ângela não são um caso isolado. Elas revelam uma contínua oposição entre dois Brasis. Existem no país condições sociais que expressam desigualdades extremas. De acordo com os valores do Programa para o Desenvolvimento das Nações Unidas (1992), a renda dos 20% mais ricos da população brasileira era então 26 vezes maior que a renda dos 20% mais pobres. Em 1991, o Brasil tinha a pior distribuição de renda de todos os países com mais de dez milhões de habitantes. Nos anos 80, na chamada “década perdida”, o PIB per

capita do Brasil baixou 4%. A população abaixo da

linha de pobreza (uma renda familiar mensal per

capita abaixo de aproximadamente US$35) chegou

(16)

as áreas mais carentes, acaba-se perpetuando ou aprofundando a disparidade de situações.

Descontinuidades demográficas e a

“onda jovem” nos anos 90

A “onda jovem” (Bercovich e Madeira, 1990) acontece quando, como resultado de uma dinâmi-ca demográfidinâmi-ca prévia, os grupos etários entre 15 e 24 anos experimentam um crescimento excepci-onal. Este alongamento, à medida que cresce na pirâmide populacional, gera exigências que o go-verno deve enfrentar com políticas específicas. No Brasil, este fenômeno está acontecendo nos anos 90. O resultado dessa tendência é a concen-tração de jovens nas áreas periféricas carentes das regiões metropolitanas. No ano 2000, o grupo etário de 15-19 anos será muito maior do que nos anos precedentes. Isso significa acesso insuficien-te aos recursos sociais, baixos níveis de instrução e qualificação para o trabalho, uma interrupção precoce da adolescência e, como vimos, um risco maior de sofrer uma morte violenta. Além disso, mais da metade desses jovens pertence a famílias com uma renda familiar menor que o salário mínimo (Fundação SEADE, 1994). Esse fato tem implicações e levanta complexas questões socioe-conômicas relacionadas a diversos problemas que precisam ser discutidos (juventude e pobreza, ju-ventude e educação e oportunidades de trabalho, jovens como consumidores, drogas e juventude, gangues e juventude, juventude e o uso de armas de fogo, jovens como perpetradores, jovens como vítimas).

Essas questões exigem sérios esforços para educar e afastar jovens e pré-adolescentes da vio-lência, mas esses objetivos requerem o estabeleci-mento de um novo quadro de prioridades econô-micas, enfocando a saúde, a educação e o trabalho, objetivos que parecem ir em direção oposta às políticas econômicas brasileiras atuais.

Uma abordagem desta questão explora a relação entre o peso relativo da população jovem e o potencial de tensão na sociedade. Wriggings (1988) aponta diversos possíveis fatores subjacen-tes aos movimentos jovens radicais: um mercado de trabalho cada vez menor; oportunidades

limita-das de obter a educação requerida por um mercado de trabalho com exigências de preparo tecnológico cada vez maiores; perda de confiança no sistema político e nos líderes políticos; percepção de uma corrupção disseminada etc. No caso do Brasil, o potencial para a tensão social também está localiza-do nos grupos de jovens (15-24 anos), excepcional-mente numerosos no presente.

Implicações da pesquisa e observação

Se no passado as políticas de saúde pública no Brasil lidavam essencialmente com doenças infecciosas, que representavam o mais importante grupo de doenças que contribuíam para a taxa de mortalidade total, as mudanças nos padrões da mortalidade demonstram, no presente, uma impor-tância cada vez maior das chamadas doenças soci-ais, que incluem causas externas como acidentes e homicídios. A violência constitui hoje um problema de saúde pública, devido ao seu impacto na saúde e no bem-estar dos jovens. O enfoque demográfico é uma das abordagens científicas que pode colabo-rar para a compreensão do problema da violência no Brasil, ao pesquisar, entre outras, a dimensão geográfica de um fenômeno que varia muito entre as regiões. Pode também contribuir para o debate sobre as mudanças nos índices de mortalidade e violência e ajudar a determinar que medidas po-dem efetivamente prevenir a violência.

Uma vez que a violência é considerada um problema de saúde pública, parece existir um acordo sobre a necessidade de:

a) descrição do problema, o que inclui coleta e análise dos dados disponíveis, tendências e pro-jeções em áreas definidas. Esses dados devem incluir as características, a distribuição e as tendên-cias da população alvo, com indicadores que pos-sam medir, além da morbilidade e mortalidade, as características e tendências sociais, econômicas, políticas e do meio ambiente;

b) identificação dos fatores de risco e de proteção, com a desagregação desses fatores por área e parâmetros demográficos das diferentes populações;

(17)

d) seleção, priorização e implementação de estratégias, incluindo a implementação de progra-mas promissores no âmbito das comunidades;

e) monitoramento dos programas criados para combater a violência.

A pobreza, a discriminação e a falta de opor-tunidades para a educação e o emprego constituem importantes fatores de risco e devem ser abordados como parte de qualquer solução para o problema da violência entre jovens. Um conhecimento mais vasto e abrangente das características sociais e econômicas da sociedade brasileira e da dinâmica de suas mudanças constitui parte importante dessa abordagem.

Estratégias para a redução da violência devem também começar cedo na vida, antes que os jovens adotem idéias e práticas violentas e vícios de com-portamento na resolução de conflitos. Embora as estratégias mais eficazes para prevenir a violência nos jovens não tenham sido determinadas, esforços no sentido de prevenir esse problema devem em-pregar princípios estabelecidos de promoção da saúde e enfatizar o uso de múltiplas medidas de intervenção complementar (Mercy et al., 1993;

Green e Kreuter, 1991): ou seja, estamos falando de políticas públicas multisetoriais de longo alcance.

A demografia e as ciências sociais têm um papel importante em qualquer tentativa de solução destes problemas no Brasil, pois fornecem a infor-mação necessária para a sua abordagem no âmbito da saúde pública. Sua contribuição inclui: coleta e análise de dados; preparação de resumos de moni-toramento sobre acidentes de trânsito, homicídios, suicídios e mortalidade causada por uso de armas de fogo no Brasil; pesquisa sobre fatores de risco e proteção; treinamento; desenvolvimento da consci-ência pública dos problemas e soluções; e avalia-ção dos projetos específicos de intervenavalia-ção sobre a violência entre os jovens (CDC, 1994).

Sabemos pouco sobre as razões dessas mu-danças que estão ocorrendo. Mediante o desenvol-vimento de uma análise demográfica de dados poderemos avançar além da proposta de Da Matta (1982)24 de uma oposição entre espaços públicos e privados, ou da afirmação de que a violência criminal no Brasil é primariamente um problema de possessão do corpo, dentro da tradição

escravocra-ta de Calegaris (1996). Embora escravocra-tais pontos de visescravocra-ta possam ser válidos em áreas restritas de conheci-mento, não podemos esperar muita ajuda deles no sentido de estabelecer objetivos ou uma ação; a magnitude do problema parece indicar que o traba-lho orientado no sentido de pensar políticas públi-cas é de uma urgência incontestável.

Violência, demografia e direitos civis

No início da década de 80, o segundo encon-tro do Grupo de Peritos em Populações e Direitos Civis das Nações Unidas (Viena, 1981) já discutia as implicações sobre os direitos civis decorrentes da persistência de taxas elevadas de mortalidade em subpopulações vulneráveis e, em países em desen-volvimento, da possibilidade real de uma discrimi-nação que poderia afetar algumas coortes jovens, de tamanhos excepcionalmente grandes, que apre-sentam freqüentemente problemas sociais e de políticas públicas de difícil solução para o Estado. A discontinuidade no tamanho de coortes específicas (Bercovich e Madeira, 1990) levanta, já no presen-te, sérios problemas no que se refere à alocação de recursos públicos escassos. Cabe esperar que este processo se aprofunde no futuro, quando os jovens serão convocados a suportar o ônus dos custos sociais de coortes de maior idade cada vez mais numerosas.

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Fernan-do Henrique CarFernan-doso25 argumentando que atual-mente, no Brasil, mais do que adquirir bens de consumo anteriormente inacessíveis, os cidadãos estão usando seus direitos civis, seja mais do que uma mera retórica de validade conjuntural para grandes segmentos da população.

Como foi mostrado aqui, em situações em que a luta contra as desigualdades está em jogo (Farley, 1988), muitas questões que a ação suscita não podem ser respondidas apenas com dados demo-gráficos, porque elas dependem de nossas idéias em relação ao que é justo e igualitário. Mas os interesses do governo relacionados a essas questões e a programas específicos podem ser avaliados basean-do-se em suas conseqüências. Contribuir ao debate sobre o problema da violência no Brasil, e sobre objetivos e estratégias das políticas sociais e de segurança, constitui um desafio para os cientistas sociais e os demógrafos envolvidos na pesquisa interdisciplinar.

NOTAS

1 Neste ponto, como o leitor já terá percebido, estamos seguindo tanto o Durkheim de A s regras do método

so-ciológico (1988) como Berger e Luckmann (1989) de A

construção social da realidade. Veja também Elster

(1990).

2 A Classificação Internacional de Doenças (CID) é coor-denada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e tem uma aceitação praticamente mundial. Dentro da classificação estão os denominados “Códigos E”, corres-pondentes ao grupo das denominadas “causas exter-nas” (E800-E999). Estão incluídos os homicídios e lesões intencionalmente infligidas sob os códigos E960-E969. Existe uma importante bibliografia que discute as virtu-des e problemas virtu-desta classificação, discussão que se associa com o problema da subenumeração dos homi-cídios. Ver Mello Jorge (1988), Minayo (1994), Lopes (1994) e Bercovich et al. (1998).

3 Como resultado deste procedimento, padrão nas análi-ses demográficas, aparecem resultados fracionários no número de óbitos.

4 Neste ponto, o Brasil compartilha um fenômeno que tem caraterísticas mundiais: o aparecimento de diferen-tes “ondas jovens”.

5 Chamada nos Estados Unidos de eco do “baby boom. 6 Em 1991, a população da área metropolitana do Rio de Janeiro era de 9.814.574 habitantes e a população da

área metropolitana de São Paulo somava 15.145.410 habitantes. Cf. FIBGE, Censo Demográfico de 1991. 7 A Tabela 1 lista somente os municípios incluídos neste

estudo. Atualmente, a composição da área metropolita-na está levemente modificada, devido à criação de novos municípios por subdivisão dos antigos. 8 Entre as razões para esta subestimação dos dados de

homicídios, Lopes (1994) destaca o preenchimento incorreto ou incompleto do formulário da certidão de óbito. O campo 37, que descreve as causas externas de morte, é preenchido corretamente em somente 31% dos formulários. Lopes acredita que isso ocorra porque o médico encarregado não está ciente da importância desse campo. Nossa própria experiência indica que a razão para isso pode estar em o funcionário não querer se envolver com procedimentos judiciais que se iniciam automaticamente diante do atestado de homicídio. Ou-tra razão para a subestimação, embora sua relevância seja pequena, pode ser a existência de cemitérios clandestinos e as falsas afirmações da causa mortis. Podemos incluir razões políticas nesta subestimação de homicídios. Para uma discussão da qualidade dos dados de mortalidade no Brasil ver Vasconcelos (1996). 9 Os números são também altos para Recife (César e

Rodrigues, 1996). No período 1989-91, os valores para o sexo masculino na faixa etária entre 20 e 49 anos foram de 430,37 para causas violentas e de 258,8 para homicí-dios, por 100 mil habitantes.

10 A crescente proeminência da “barriga de causas exter-nas” entre homens jovens tem sido maior, em termos re-lativos, na RMSP, quando comparada à RMRJ. Essa maior deterioração na RMSP é associada a uma combinação de causas externas e mortes relacionadas à AIDS no grupo etário de 25-40 anos (ver Ferreira e Castinheiras, 1996; Waldvogel, 1992; Camargo, 1996; Mello Jorge, 1998). 11 Para uma análise de processos na estrutura social que

inter-relacionam corrupção e violência, ver Bercovich, Dellasoppa e Arriaga (1998).

12 Aqui podemos notar as conseqüências extremamente limitadas do impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello e dos deputados e senadores envolvi-dos no chamado “escândalo do orçamento”.

13 No caso das chacinas da Candelária, Vigário Geral e Acari, no Estado do Rio de Janeiro, os procedimentos judiciais, como de costume, desenrolaram-se de modo extremamente lento, levando a resultados dúbios, até mesmo após o pronunciamento de sentenças severas. 14 Nos Estados Unidos, as mudanças foram maiores para o

sexo masculino na faixa etária de 15 a 19 anos, onde as taxas cresceram substancialmente.

15 Folha de S. Paulo, 24/3/1998, pp. 3-6. “Note-se que [...] se

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vendem bebidas alcoólicas que o fazem perigoso em ter-mos de violência, mas há evidência que sustenta diversas explicações. Pessoas que bebem em bares violentos po-dem se comportar violentamente de modo a ‘enturmar-se’ ou a sustentar uma posição social, ou ainda a progre-dir socialmente. Pessoas com raiva ou frustração podem procurar estes bares porque acreditam que beber nestes locais implica uma permissão social para se comportar violentamente [...] As conexões entre bebida e violência têm sido identificadas pelos pesquisadores em muitos países com culturas predominantemente européias. Mas não têm sido encontradas em muitas outras culturas tri-bais e tradicionais, mesmo onde beber para alegrar o es-pírito é comum. Por razões desconhecidas, as expectati-vas de que a violência siga à bebida não têm se desenvol-vido nestas culturas (Roth, 1994).

16 No caso de São Paulo, ver os dados do Programa de Aprimoramento das Informações sobre a Mortalidade (Pro-Aim) da Prefeitura de São Paulo.

17 Em fevereiro de 1997, cinco adolescentes foram mortos em Belford Roxo, um dos municípios da RMRJ, por um guarda de segurança de uma companhia de transportes privada, depois de terem se recusado a pagar pelo serviço (a passagem custa aproximadamente US$ 0,70) e iniciado uma baderna no ônibus (Jornal do Brasil, 23-24/2/1997). A privatização do espaço público e o controle da polícia privada encontram-se aqui expres-sos de uma forma extremada.

18 De janeiro a novembro de 1995, o SPMR registrou 163 homicídios em 48 chacinas; no mesmo período em 1996 foram registrados 162 homicídios em 46 chacinas (Folha

de S. Paulo, 30/11/1996). Este jornal guarda a estatística

de múltiplos assassinatos deste tipo.

19 Estas chacinas são: Acari (RMRJ, julho de 1990), Carandi-ru (Prisão de CarandiCarandi-ru, São Paulo, outubro de 1992), Candelária (Rio de Janeiro, junho de 1993), Vigário Geral (RMRJ, agosto de 1993), índios Yanomâmis em Roraima (agosto de 1993), Taquaril (Belo Horizonte, março de 1996) e Eldorado dos Carajás (Pará, abril de 1996). 20 Em Salvador, na Bahia, houve 26 linchamentos em 1988,

82 em 1989 e 112 em 1990. Nos três primeiros meses de 1991 houve 53, o que significa um em cada três dias (Pinheiro, 1991). Linchamentos continuam a acontecer em muitos lugares. Em julho de 1993, em Olaria, um bairro do Rio de Janeiro, três adolescentes suspeitos de serem ladrões foram perseguidos por uma multidão e espancados até a morte por duas horas e meia. Pouco tempo depois provou-se serem inocentes. A multidão foi instigada por quatro empregados de um bicheiro que controla o jogo do bicho na área. Existe um pacto de silêncio em Olaria: “Quem falar morre”, foi a ordem do bicheiro (V eja, 14/7/1993). Como afirma Martins (1989), nesses linchamentos que ocorrem em capitais a classe pobre e trabalhadora manifesta sua vontade; ela está na posição de juiz, rendendo veredictos em relação a crimes aos quais está sujeita. Às vezes, como em Olaria, estes trabalhadores levam inocentes à morte, sob o comando de homens de segurança do jogo do bicho que só desejam “manter a área limpa”.

21 Estas subculturas foram definidas como grupos da população que favorecem e aceitam a violência como um comportamento normal, e não como uma atividade ilícita. Os valores e as atitudes das subculturas são mais prevalecentes entre os homens da classe mais baixa dos afro-americanos, do fim da adolescência até o final da meia idade, vivendo em cidades centrais. Deixar de cometer violência, “de provar-se como homem”, por exemplo, poderia mais provavelmente resultar no ostra-cismo social, embora nem todas as pessoas pertencen-tes às subculturas cometam violência em todas as situações (Gold, 1970).

22 Ver Cedec (1996 e 1997). No caso de São Paulo, é apresentado o “risco distrital” para o município segundo valores de população e óbitos por homicídios para o ano de 1995 (Tabela 1). Já no caso do Rio de Janeiro, os resultados apresentados na Tabela 1 (taxa estimada de homicídios para residentes de 15 a 34 anos, por bairro de residência, de janeiro a outubro de 1996) devem ser questionados tanto pelo fato de se ter utilizado a população residente de 15 a 34 anos correspondente ao Censo de 1991 junto com dados de homicídios de janeiro a outubro de 1996, como por não se ter realizado qualquer tratamento estatístico e agrupamentos que pudessem minimizar a instabilidade (reconhecida) das taxas calculadas. Além disso, utilizar os dados de popu-lação de 1991 implica ignorar a existência de uma “onda jovem” de forte impacto nos resultados demográficos. 23 Mede a renda, excluindo a agricultura. FIBGE,

Tabula-ções especiais da PNAD, 1979, 1983, 1986 e 1990. 24 No Brasil, temos o mito do homem cordial, um homem

que age com o coração com amigos e colegas seme-lhantes, um arquétipo que, juntamente com as desigual-dades sociais, constitui um acessório fixo da Sociologia brasileira. Este modelo aparece várias vezes em diferen-tes explicações. Uma visão antropológica da violência (Da Matta, 1982) sustenta a existência de uma oposição entre dois espaços: casa e rua. Casa é o espaço privado, onde cada pessoa tem uma identidade de contornos definidos, com reconhecimento moral e pessoal. A rua é o espaço público, o espaço do ilimitado (ou indefini-do), e (hipoteticamente) de identidades idênticas e anônimas, que requer o reconhecimento burocrático do Estado para preservar a condição de cidadão. O estabe-lecimento de redes sociais, para muitos brasileiros, tem ainda uma forte conotação de patrimonialismo, e as relações, em política e negócios, são marcadas por personalismo e patronagem.

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Referências

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