INFLUENCIA DA DIETA HIPOSSODICA Ε DA ALERGIA
ALIMENTAR NO TRATAMENTO DA EPILEPSIA
CARLOS EDUARDO LEITE *
A restrição do cloreto de sódio na dieta foi empregada no tratamento da
epilepsia. Richet e Toulouse
2 9, em 1899, preconizaram essa medida com a
finalidade de reduzir os efeitos colaterais do brometo de potássio, medicação
de escolha para a doença na época. Esses autores observaram que a
dimi-nuição da ingestão de sal, permitia a redução da dose de brometo, sem perda
da eficiência medicamentosa. Esse tratamento apresentou resultados positivos,
conforme relato dos idealizadores, mas com o tempo começaram a aparecer
trabalhos mostrando que a redução do sal, facilitava a intoxicação pelos
brome-tos. Em vista disso, o tratamento acabou sendo abandonado. Todavia, tem-se
notícia de que, na ocasião, alguns médicos continuaram o tratamento da epilepsia
pela associação da restrição de sal com a administração de drogas. O trabalho
mais interessante que conhecemos é o de Mirallié
2 2, que fala de resultados
favoráveis com essa terapêutica.
Por outro lado, é conhecido o fato de que o jejum pode determinar a
cessação de crises epilépticas. Na literatura médica moderna, as primeiras
referências que encontramos a respeito são de Guelpa
1 4e Geyelin
1 1que
rela-tam a melhora de casos comiciais quando submetidos ao jejum. Geyelin que
se dedicou muito ao assunto, em publicação ulterior*
2, confirma suas primeiras
impressões, tornando-se um seguidor dessa terapêutica, referindo longos
perío-dos de acalmia ou mesmo o desaparecimento das crises nos seus pacientes pelos
sucessivos tratamentos com o jejum.
Essa verificação despertou o interesse de vários pesquisadores, sendo que
alguns interpretaram essa melhora com o jejum como conseqüência da acidose
que provoca, especialmente nos primeiros dias. Baseados nessa hipótese
W i l d e r
ω, Petermann
2 8e outros propuseram o tratamento dietético em que a
acidose fosse o elemento fundamental. Surgiu então a dieta cetogênica, que
consiste em uma alimentação rica em gorduras e com baixo conteúdo de
hidra-tos de carbono e proteínas. Essa terapêutica teve boa receptividade durante
largo período, com o aparecimento de numerosos trabalhos e livros enaltecendo
seus resultados. A verdade porém, é que aos poucos ela foi perdendo prestígio,
dada a dificuldade de aceitação pelo doente e de sua manutenção. Outro fator
importante para seu abandono, foram os resultados inconstantes que apresenta.
Outros pesquisadores interpretaram a melhora com o jejum como
decorrên-cia da desidratação que ele determina nos primeiros dias, já que vários trabalhos
mostram que a acentuada perda de peso que ocorre logo no início nos
jejuado-res, deve-se principalmente à perda de líquidos
8»
1 0'
1 9.
Um dos autores que postulou a teoria da desidratação foi F a y
8que,
baseado na sua experiência e no relato de intervenções neurocirúrgicas em
pacientes epilépticos que referiam um acúmulo de líquido no espaço
subaracnoi-deo, na região fronto-temporal, tentou o tratamento desses doentes pela
trepa-nação e evacuação desse líquido.
Esse grupo de estudiosos, partidários da desidratação, procurou dar ênfase
ao fato de que a dieta cetogênica também é uma dieta desidratante
3 4, e que
os resultados que se obtém com ela, advém mais da desidratação do que da
acidose. Como corolário foi tentado colocar em evidência o fato de que a
intoxicação aquosa, tanto em humanos como em animais, ocasiona o
apareci-mento de crises convulsivas, especialmente em comiciais
1 5»^. Incentivados por
esses achados, vários pesquisadores passaram a usar a dieta desidratante no
tratamento da epilepsia, alguns com restrições drásticas com o uso de diuréticos,
havendo relatos de resultados bons e até espetaculares
8»
1 9.
Apesar do grande empenho de alguns de seus seguidores
8,19,35^procurando
encontrar exclusivamente na ingestão de água, um distúrbio do metabolismo
hidrossalino que fosse o ponto de partida para o estabelecimento de uma teoria
coerente sobre a origem das convulsões, o fato é que aos poucos, essa
tera-pêutica acabou no esquecimento. Vale notar ainda que ulteriormente foi
veri-ficado que lesões cerebrais por traumatismos, infecções e isquemia podem
con-duzir à hiponatremia, ocasionando convulsões
1. Também a hipernatremia pode
levar a quadro clínico semelhante
4»
7»
2 3.
Entretanto é estranho que tanto o tratamento pela restrição de cloreto de
sódio como pela dieta desidratante que trouxeram alguma esperança, não tenham
tido continuadores. No caso do sal, o que deve ter desviado a atenção dos
pesquisadores foi a constatação de que as soluções de cloreto de sódio têm um
efeito anticonvulsivante verificado principalmente nas crises provocadas pela
intoxicação aquosa. Outra razão importante para que essas pesquisas não
tivessem seguidores, foi o grande impulso da indústria farmacêutica com a
introdução de drogas realmente eficazes no combate à epilepsia e a crença
quase generalizada na época de que logo viriam novas drogas, mais
aperfei-çoadas e que levariam à cura da doença. Também toda a mística que envolve
o uso do sal entre o povo e mesmo na ciência, de alimento sagrado, de alimento
indispensável à saúde, deve ter contribuído para que aqueles resultados
alenta-dores não despertassem maior curiosidade.
De outra feita, é interessante assinalar que as drogas usadas no tratamento
da epilepsia exercem uma ação sobre o metabolismo hidrossalino, reforçando a
noção de que o cloreto de sódio possa estar envolvido no mecanismo básico das
convulsões
1 3»
3 7. Assim é que os barbitúricos têm um efeito favorável sobre o
edema cerebral, reduzindo-o e protegendo o tecido edemaciado
2 1»
2 4; a
difenilhi-dantoina tem efeito sobre o íon sódio, diminuindo sua concentração
intracelu-l a r
4 1; a carbamezepina pode induzir estados de hiponatremia com piora do
quadro convulsivo
2 7. Schneider
3 3constatou, em trabalho experimental, que
antes da crise epiléptica há uma diminuição da excreção urinaria de sódio e
que, após a crise, essa excreção aumenta; verificou também que em epilépticos
existe um defeito na "bomba" de sódio, favorecendo o acúmulo intracelular
desse íon e a conseqüente hidratação.
Baseados nessas considerações, resolvemos experimentar a dieta com
restrição de cloreto de sódio, em pacientes epilépticos, associada a drogas. O
tratamento foi feito exclusivamente em pacientes de ambulatório, aos quais foi
explicado nosso propósito e que concordaram em efetuá-lo.
CASUÍSTICA
Caso 1 — Ν . E . S., s e x o m a s c u l i n o , 34 a n o s . R e t a r d o m e n t a l d e s d e a i n f â n c i a , n ã o
c o n s e g u i n d o a p r o v e i t a m e n t o e s c o l a r , m a s s e n d o c a p a z d e c u m p r i r p e q u e n a s t a r e f a s . S e g u n d o f a m i l i a r e s d e s d e o s 18 a n o s a p r e s e n t a c r i s e s c o n v u l s i v a s p a r c i a i s c o m g e n e r a -l i z a ç ã o s e c u n d á r i a . E -l e t r e n c e f a -l o g r a m a ( E E G ) a -l t e r a d o c o m s u r t o s d e o n d a s a g u d a s b i l a t e r a l m e n t e . N o m o m e n t o e s t á t o m a n d o p r l m i d o n a e c a r b a m e p e z i n a , m e d i c a m e n t o s c o m o s q u a i s s e d á m e l h o r . £ m u i t o n e r v o s o , i r r i t a d i ç o , b r i g u e n t o , i m p u l s i v o . I n s t i -t u í d a a d i e -t a s e m s a l , o s f a m i l i a r e s n o -t a r a m g r a n d e m e l h o r a d o c o m p o r -t a m e n -t o , f i c a n d o o p a c i e n t e m a i s c a l m o e s o c i á v e l . C o n t r o l e m a i s f á c i l d a s c o n v u l s õ e s .
Caao 2 — S. F . , s e x o f e m i n i n o , 30 a n o s . A t r a s o m e n t a l d e s d e o n a s c i m e n t o , p r o v á
-v e l s e q u e l a d e a n ó x i a f e t a l . F a r e s i a d o s m e m b r o s à e s q u e r d a e c o n -v u l s õ e s p a r c i a i s c o m g e n e r a l i z a ç ã o s e c u n d á r i a d e s d e a i n f â n c i a . EEG a l t e r a d o d i f u s a m e n t e c o m s u r t o s p a r o -x l s t i c o s . T o m a f e n o b a r b i t a l e d i f e n i l h i d a n t o i n a . I r r i t a d i c a , a g i t a d a , g o s t a d e -x i n g a r e b r i g a r . I n s t i t u í d a a d i e t a s e m s a l , h o u v e m e l h o r a d o q u a d r o c o n v u l s i v o , p e r m i t i n d o a r e d u ç ã o d a p o s o l o g i a , e m b o r a p e r m a n e c e s s e c o m o s d o i s r e m é d i o s , t o r n a n d o - s e p o r é m m a i s c a l m a , c o m p r e e n s i v a , i n t e r a d a e m a l g u n s a f a z e r e s s i m p l e s .
Caao 3 — Μ . N . R . , s e x o f e m i n i n o , 21 a n o s . A p r e s e n t a c o n v u l s õ e s e p i l é p t i c a s d o t i p o g r a n d e m a l h á s e i s a n o s . E E G a l t e r a d o c o m s u r t o s d e o n d a s a g u d a s b i l a t e r a l m e n t e . T o m a b a r b e x a c l o n e e c l o n a z e p a m . R e i e r e c e f a l é i a u n i l a t e r a l e m p o n t a d a s , p e r i o -d i c a m e n t e , q u e n ã o m e l h o r a c o m o s a n t i c o n v u l s i v a n t e s . M u i t o n e r v o s a , i r r i t a -d i c a , c o m c o m p o r t a m e n t o a g r e s s i v o . S e g u i n d o a d i e t a s e m s a l . m e l h o r o u d o q u a d r o c o n v u l s i v o , p e r m i t i n d o a r e d u ç ã o d a m e d i c a ç ã o . Não t e m t i d o c r i s e s d e c e f a l é i a c o m a i n t e n s i d a d e e f r e q ü ê n c i a d e a n t e r i o r m e n t e , M e l h o r o u t a m b é m d e s e u e s t a d o i r r i t a d i ç o , ficando, m a i s c a l m a ,
Caao k ·— Κ . A. T . C , s e x o f e m i n i n o ,
31
a n ^ s . P a c i e n t ecom
e p i l e p s i afocal
ea g r e s s i v a . A p ó s a d i e t a s e u s a l , p a s s o u a r e f e r i r m e l h o r a d o " e s t a d o n e r v o s o " e m a i o r f a c i l i d a d e n o c o n t r o l e d a s c r i s e s . E s t á d o r m i n d o m e l h o r e e s t á l i v r e d e u m a c e f a l é i a p e r i ó d i c a q u e a i n c o m o d a v a f r e q ü e n t e m e n t e . S e n t e - s e o u t r a p e s s o a a p ó s a d i e t a .
Caso 5 — A . S., s e x o f e m i n i n o , 10 a n o s . R e t a r d o m e n t a l d e s d e o n a s c i m e n t o . S í n
-d r o m e -d e L e n n o x - G a s t a u t . B E G l e n t o , -d e s o r g a n i z a -d o , n o t a n -d o - s e s u r t o s -d e p o n t a - o n -d a l e n t a c o n t í n u o s o u n ã o . V á r i o s t i p o s d e c r i s e s : m i o c l ô n i c a s , p a r c i a i s c o m g e n e r a l i z a ç ã o s e c u n d á r i a , a u s ê n c i a s a t í p i c a s . J á c o n s u l t o u v á r i o s e s p e c i a l i s t a s s e m r e s u l t a d o , t e n d o t o m a d o t o d o a r s e n a l t e r a p ê u t i c o a n t i e p i l é p t i c o c o m o : f e n o b a r b i t a l , d l f e n i l h i d a n t o i n a , p r i m i d o n a , c a r b a m e z e p i n a , á c i d o v a l p r ó i c o , b a r b e x a c l o n e , d i a z e p a m , c l o n a z e p a m , n i t r a -z e p a m e m v á r i a s a s s o c i a ç õ e s e c o m m e d i c a ç ã o a d j u v a n t e . M u i t o a g i t a d a , i r r i q u i e t a , i n t o l e r a n t e . E s t a b e l e c i d a a d i e t a s e m s a l , o s f a m i l i a r e s n o t a r a m m e l h o r a d o q u a d r o c o n v u l s i v o e m e l h o r a n í t i d a d o c o m p o r t a m e n t o , f i c a n d o m e n o s a g i t a d a , m a i s c a l m a .
Caso 6 — A . L . D . G., s e x o f e m i n i n o , 7 a n o s . P r e m a t u r a , m a s c o m d e s e n v o l v i
-m e n t o n e u r o p s i c o -m o t o r n o r -m a l . A o s t r ê s a n o s t e v e u -m a c r i s e d e p e r d a d e c o n s c i ê n c i a n a v i g ê n c i a d e p r o c e s s o i n f e c c i o s o , r o t u l a d a d e c o n v u l s ã o f e b r i l . F e z E E G q u e s e m o s t r o u a l t e r a d o . D e s d e entfio t o m a f e n o b a r b i t a l l í q u i d o . F o r d u a s v e z e s , a t e n t a t i v a d e r e t i r a d a d a m e d i c a ç ã o foi s e g u i d a d e c o m e ç o d e n o v a c r i s e . E E G s e m a n t é m a l t e r a d o . M u i t o n e r v o s a , i r r i t a d i ç a . A p ó s a d i e t a s e m s a l , m e l h o r a g e r a l d o c o m p o r t a m e n t o , m a i s a p l i c a d a a o s e s t u d o s , f i c a n d o m e n o s a g i t a d a .
Caso 7 — J . B . C , s e x o m a s c u l i n o , 23 a n o s . P a c i e n t e a p r e s e n t a n d o c r i s e s p s i c o m o
-t o r a s , -t e n d o j á -t o m a d o -t o d a s a s m e d i c a ç õ e s e x i s -t e n -t e s p a r a e e u m a l , a -t é o p r e s e n -t e s e m g r a n d e r e s u l t a d o . E l e t r e n c e f a l o g r a m a a l t e r a d o , c o m s u r t o s d e o n d a s l e n t a s b i l a t e r a l -m e n t e . S e n t e - s e -m e l h o r c o -m n i t r a z e p a -m e c a r b a -m e z e p i n a . R e f e r e q u e n ã o c o n s e g u e f a z e r d i e t a s e m s a l d i r e i t o , m a s n o p e r í o d o q u e a faz, p a s s a b e m m e l h o r , c o m r e d u ç ã o d a s c r i s e s .
Caso 8 — C. S., s e x o m a s c u l i n o , 37 a n o s . P a c i e n t e a p r e s e n t a n d o c r i s e s c o n v u l s i v a s
g e n e r a l i z a d a s q u e s ã o p r e c e d i d a s d e c o m p o r t a m e n t o a g r e s s i v o e e s t a d o d e c o n f u s ã o m e n t a l . E E G a l t e r a d o c o m s u r t o s p a r o x i s t i c o s e d e s o r g a n i z a ç ã o d i f u s a d o t r a ç a d o . T o m a c l o n a z e p a m e c l o r p r o m a z i n a , m e d i c a m e n t o s c o m o s q u a i s s e d á m e l h o r . J á e s t e v e
i n t e r n a d o v á r i a s v e z e s e m h o s p i t a l p s i q u i á t r i c o . A p ó s a i n s t i t u i ç ã o d a d i e t a s e m s a l , o s f a m i l i a r e s r e f e r e m m e l h o r a d a s c r i s e s , m e l h o r a d o q u a d r o d e e x c i t a b i l i d a d e . D e s d e e n t ã o n ã o m a i s foi i n t e r n a d o .
C O M E N T Á R I O S
Estes achados indicam que o cloreto de sódio exerce uma ação favorecedora
de convulsões. Entretanto, a simples retirada do sal da dieta, não traz qualquer
benefício. Nem mesmo a dieta sem acréscimo de sal, mas que contenha
alimen-tos ricos em cloreto de sódio como frios, carnes, queijos, molhos, pão comum
e outros, produz resultados reais. A esse respeito, Watkin e col.
3* tem
demons-trado, em trabalhos experimentais, que os regimes alimentares sem sal para
serem eficientes necessitam de quantidades mínimas desse composto, já presentes
nos alimentos em sua forma primitiva. Mesmo assim é necessário reduzir a
de sódio, como é o caso dos alimentos de origem animal. Assim sendo,
decidi-mos introduzir dietas do tipo Kempner
1 7, muito conhecidas e largamente usadas,
que contêm menos de 3g de cloreto de sódio por dia (a dieta normal contém
cerca de 10 a 20g de sal por dia). Só com esse procedimento é que foi
possí-vel a obtenção de efeito terapêutico. Contudo, não foi fácil ganhar a
coopera-ção dos doentes para esse tipo de dieta. Isso só foi conseguido junto àqueles
pacientes com crises de difícil controle que aquiesceram em experimentá-la e
depois a ela se acostumaram, principalmente devido à melhora apresentada.
Fato surpreendente, não esperado, foi o relato dos doentes e a observação
de seus familiares, de que a melhora não se limitou apenas às convulsões, mas
houve melhora do comportamento em geral, melhora da irritabilidade e de dores
de cabeça do tipo enxaqueca. Uma possível explicação para tal ocorrência seria
lembrar o fato de que uma das propriedades biológicas fundamentais do sódio
é ser um estimulante neuromuscular ^
1*. A possibilidade do cloreto de sódio,
na quantidade em que é ingerida diariamente pelo homem, que é excessiva
segundo vários pesquisadores
5»
9'
3 6, ser a origem de crises de excitação e
com-portamento agressivo, não está prevista nos compêndios básicos de Neurologia
e Psiquiatria. Entretanto, segundo nossos achados, essa eventualidade é real,
e o cloreto de sódio desempenha papel importante nas perturbações
neuropsíqui-cas humanas.
Durante a gravidez, o excesso de cloreto de sódio circulante no organismo
materno pode induzir alterações fisiológicas no cérebro de fetos susceptíveis. Em
conseqüência, ao nascer, a criança pode se apresentar irritadica ou ter
convul-sões, em função desse excesso salino. Alterações desse tipo podem ser
encon-tradas na infância em decorrência da alimentação da criança que é praticamente
constituída de alimentos condimentados com sal, inclusive o leite materno.
De-pendendo da quantidade de sal ingerido diariamente, podem se desenvolver
quadros frustos de desidratação hipertônica com febre, excitação e convulsões.
Se houver infecção concomitante, essa possibilidade é ainda maior, pois nesse
período existe uma oliguria com maior retenção hidrossalina. Esse mecanismo
permite explicar alguns casos de convulsão febril, tão freqüentes na clínica
diária. A anormalidade em relação ao cloreto de sódio pode se tornar crônica
devendo, por isso, ser cogitada em todos os casos de agitação neuropsíquica,
presentes na criança ou no adulto.
Por outro lado, durante nosso trabalho, aos poucos foi-se tornando evidente
que alguns pacientes não melhoravam significativamente com a retirada correta
do sal. Eram casos em que as drogas tinham ação mínima, pois os doentes
apresentavam certo período de acalmia, seguido de período de crises epilépticas,
independente de qualquer tratamento anticonvulsivo que fosse feito. Esses
pa-cientes exibem um eletrencefalograma tendendo a desorganização difusa, não
aparecendo nitidamente os surtos paroxísticos típicos das crises comuns. Como
um desses nossos pacientes, uma criança prematura de 5 anos, sem qualquer
melhora evidente com a retirada do sal, tivesse também história de crises
perió-dicas de bronquite, de origem alérgica (segundo seu médico pediatra), decidimos,
Deve-se a Pagniez
2 5uma das primeiras descrições convincentes de
convul-sões provocadas por alimentos. Ulteriormente vários casos foram
descri-tos
6 > I M ° .Hoje se conta em várias centenas os relatos publicados. Na
reali-dade o número de epilépticos de origem alérgica deve ser maior do que o
suposto, porque em muitos pacientes não há qualquer indício pregresso de
alergia.
3 1. No caso da alergia alimentar, os testes cutâneos que se fazem de
rotina são freqüentemente negativos
3 1. Esses pacientes necessitam de testes
especiais para que sua intolerância seja evidenciada
8 0. No caso do menino,
aventamos a idéia de que as crises convulsivas clônicas em flexão que
apre-senta, fossem devido a alergia alimentar. Seguindo a orientação de Rowe
3 1,
foi introduzida uma dieta de eliminação, comprovando-se que peixes, carnes,
leite, abacate, tomate, azeitona quando ingeridos, desencadeavam uma salva de
crises convulsivas. Com esse achado, os produtos incriminados foram afastados
da dieta, havendo uma melhora significativa das crises, permitindo uma redução
da posologia. Não sabemos se o restante do quadro convulsivo é devido a
alergia alimentar. Entretanto, convém notar que a mãe do garoto refere que
quando viaja para a zona rural, seu filho passa bem, sem crises. Voltando à
casa, as convulsões reaparecem, sugerindo no caso também um componente de
alergia respiratória.
Outro paciente, uma senhora de 55 anos, que apresenta epilepsia parcial
continua há mais de 20 anos, com todos exames neurorradiológicos negativos,
tem um quadro clínico caracterizado por períodos de acalmia de até três meses,
seguidos de um período de crises convulsivas que não cedem mesmo com o
reforço da medicação. As crises só se atenuam com duas ou três ampolas de
diazepam para retornarem horas depois ou no dia seguinte, até que o período
convulsivo complete o seu ciclo. Essa paciente, seguindo o tratamento dietético
vem obtendo bons resultados, estando bem há mais de seis meses. Nesses
pacientes foi tentado o uso de antihistamínicos e antialérgicos, sem qualquer
benefício até o presente. Esses casos são de avaliação recente, ainda em estudo,
justificando-se esta referência sobre os mesmos, a fim de que a alergia
alimen-tar seja lembrada no diagnóstico diferencial das causas de crises epilépticas.
Uma pesquisa de grande interesse, mas que permanece no ostracismo, é o
trabalho de Claude
2, feito em gatos. Este autor provocava lesões no cérebro
desses animais com cloreto de zinco, que eram seguidas de crises convulsivas
até sua cicatrização, quando as convulsões cessavam. Meses após, a introdução
de estricnina, por qualquer via, oral ou parenteral, determinava naqueles animais
o reaparecimento das crises, enquanto que em animais testemunhos, com cérebro
íntegro, as convulsões não apareciam. Esse tipo de trabalho foi repetido por
outros pesquisadores, com substâncias diferentes, sendo obtido o mesmo
resul-tado, conforme nos dá conta Pagniez em seu livro
2 βÉ provável que a ingestão diária excessiva de cloreto de sódio, que é
responsável pelo estaüo ue hidrataçao do organismo
ü, inclusive do sistema
nervoso, seja o ponto de partida para o aparecimento de alterações
hidrossa-niias que determinem as convulsões. Daí a idéia de se suprimir esse
condi-mento, visando facilitar o controle das mesmas.
R E S U M O
É feita uma apreciação dos métodos de tratamento da epilepsia no início do
século como o jejum, a dieta desidratante e a restrição de cloreto de sódio. O
autor se fixa neste último, julgando que ele possa ser um fator desencadeante
de crises epilépticas. Apresenta oito casos tratados com dietas restritas em
cloreto de sódio, havendo melhora do quadro convulsivo em todos os pacientes.
Fato surpreendente foi a melhora concomitante do comportamento em geral, da
excitabilidade e de dores de cabeça, referidos pelos doentes e seus familiares.
Por fim, é realçada a importância da alergia alimentar como causa de crises
epilépticas.
S U M M A R Y
Influence of hyponatremia and food anti-allergic measure in the treatment
of epilepsy.
An appreciation of the methods on epilepsy treatment has been done since
the beginning of the century such as fasting, dehydrating diet and the restriction
of sodium chloride. The autor says that the latter may be a breating out factor
of epileptic crisis. He presents eight cases treated on restritive diets on sodium
chloride so that a progress is shown in the convulsive board of all patients.
Surprising facts were the simultaneous progress on behavior in general,
excitabi-lity and headaches, told by patients and their relatives. At last, the importance
of alimentary allergy is emphasized as cause of epileptic crisis.
R E F E R E N C I A S
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