GETÚLIO VARGAS – DIREITO GV
ANTONIO CARLOS FERNANDES DECCACHE
OS REQUISITOS DE FORMA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS E A
JURISPRUDÊNCIA DO STJ
OS REQUISITOS DE FORMA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS E A
JURISPRUDÊNCIA DO STJ
Dissertação apresentada à
Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas – Direito GV, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito
Linha de pesquisa:
Direito dos Negócios e
Desenvolvimento Econômico e Social
Orientadores: Profs. Drs.
Viviane Muller Prado e Ary Oswaldo Mattos Filho
Deccache, Antonio.
Os Requisitos de Forma da Cláusula Compromissória Inserida nos Contratos Comerciais Internacionais e a Jurisprudência do STJ / Antonio Deccache – 2014.
175 f.
Orientadores: Viviane Muller Prado e Ary Oswaldo Mattos Filho
Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.
1. Direito comercial. 2. Contratos de venda para exportação. 3. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 4. Arbitragem comercial internacional. 5. Contratos. 6. Convenção de Nova Iorque (1958). I. Prado, Viviane Muller. II. Mattos Filho, Ary Oswaldo. III. Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. IV. Título.
OS REQUISITOS DE FORMA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS E A
JURISPRUDÊNCIA DO STJ
Dissertação apresentada à
Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas – Direito GV, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito
Linha de pesquisa:
Direito dos Negócios e
Desenvolvimento Econômico e Social
Data de aprovação: 26/03/2014
Banca examinadora:
Prof. Dr. Viviane Muller Prado (Orientador)
FGV-EDESP
Prof. Dr. Ary Oswaldo Mattos Filho (Orientador) FGV-EDESP
Prof. Dr. André Rodrigues Corrêa
FGV-EDESP
Prof. Dr. Lauro da Gama e Souza Junior
PUC-RJ
Muitas pessoas contribuíram para a consecução desta pesquisa.
Em primeiro lugar, agradeço ao Senhor Jesus Cristo por todo o seu amor.
A Ele devo tudo o que tenho na minha vida.
Depois, agradeço aos meus orientadores Profs. Ary Oswaldo Mattos Filho
e Viviane Muller Prado pela atenção e confiança depositadas ao longo destes
dois anos de trabalho. Seu constante apoio, paciência e compreensão foram
imprescindíveis para o resultado apresentado. E seu exemplo me inspira a
nunca querer parar de estudar.
Aos Profs. Lauro Gama, André Rodrigues Correa e Nadia de Araujo
também agradeço pelas críticas e sugestões, sempre valiosas, que me
guiaram no caminho.
Agradeço muito aos meus amigos de escritório por terem me apoiado
durante esta longa ausência. Que eu possa retribuir com muito trabalho nos
próximos anos. Agradeço também aos meus amigos de faculdade, pelas
agradáveis conversas sobre o assunto.
Ao meu pai, mãe, irmãos e irmã, obrigado por seu amor, amizade e
carinho. Vocês dão sentido a tudo o que faço. Por fim, agradeço do fundo do
Nesta pesquisa comparo as interpretações que têm prevalecido no contexto
internacional e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”),
versando sobre os requisitos de forma da cláusula compromissória inserida nos
contratos comerciais internacionais. Contratos comerciais internacionais, nesta
pesquisa, são aqueles que contém cláusula compromissória que elege
arbitragem com sede fora do Brasil. Na Primeira Parte, examino a experiência
internacional a partir (a) da questão da lei aplicável ao exame dos requisitos de
forma da cláusula compromissória inserida nos contratos comerciais
internacionais, (b) dos seus requisitos de forma propriamente ditos e (c) da
interrelação destes requisitos com a exceção de ordem pública no âmbito da
arbitragem comercial internacional. No que diz respeito aos requisitos de forma
propriamente ditos, passo pela análise histórica dos principais foros
internacionais, de alguns instrumentos de soft law selecionados, da legislação e da jurisprudência estrangeira. Meu objetivo é verificar a solução conferida no
contexto internacional à questão, criando um quadro de análise para ser
comparado com o levantamento da jurisprudência do STJ que será feito na
Segunda Parte. Na Segunda Parte, por sua vez, examino a jurisprudência do
STJ versando sobre estes mesmos requisitos de forma. Ao fim, concluo que,
enquanto efetivamente há alguns pontos de divergência entre a orientação do
STJ e àquela que prevalece na experiência internacional, estas diferenças não
são tantas e vem sistematicamente diminuindo. Na Conclusão procuro
sintetizar e confrontar os achados da pesquisa, fazendo ainda algumas
proposições objetivas com o intuito de pacificar a discussão sobre o tema no
Brasil.
In this research I compare the interpretations that have been prevailing in the
international context and in the jurisprudence of the Superior Court of Justice
(“STJ”) with respect to the formal requirements of the arbitration agreements
inserted in international commercial contracts. International commercial
contracts in this research are those, which contain an arbitration agreement
electing arbitration with a situs outside of Brazil. In the first part, I examine the international experience, passing by (a) the question relating to the applicable
law to the analysis of the formal requirements of the arbitration agreement
inserted in international commercial contracts; (b) the formal requirements
themselves and (c) the interplay between these formal requirements and the
public order exception in the context of an international commercial arbitration.
With respect to the formal requirements themselves, I examine the history of the
main international forums, some selected soft law instruments, as well as the
international legislation and jurisprudence. My objective is to determine the
solution given to the question in the international context, in order to create a
frame of analysis to be compared with the jurisprudence of the STJ, which shall
be examined in the Second Part. In the Second Part, in turn, I examine the
jurisprudence of the STJ relating to these same formal requirements. In the end,
I conclude that while there are effectively some points of divergence between
the understanding of the STJ and the international experience, these
differences are not so many and are systematically decreasing. In the
conclusion, I synthetize and confront the results of the research, formulating
some objective propositions, with the objective of pacifying the discussion of the
question in Brazil.
RESUMO...06
AGRADECIMENTOS...08
SUMÁRIO...09
INTRODUÇÃO – DOS REQUISITOS DE FORMA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS NA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL E NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA...11
1.COLOCAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA...11
2.ESCOPO E DELIMITAÇÕES DA DISSERTAÇÃO...19
3.PLANO DE TRABALHO...22
PRIMEIRA PARTE – DA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL VERSANDO SOBRE OS REQUISITOS DE FORMA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS...25
1.INTRODUÇÃO DO CAPÍTULO...25
2. DA LEI APLICÁVEL AO EXAME DOS REQUISITOS DE FORMA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS...25
3. DOS REQUISITOS DE FORMA PROPRIAMENTE DITOS DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS...38
3.1. DEBATES SOBRE OS ASPECTOS FORMAIS DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS NOS FOROS INTERNACIONAIS...39
3.2. DEBATES SOBRE OS ASPECTOS FORMAIS DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS NOS INSTRUMENTOS DE SOFT LAW...50
3.3. DEBATES SOBRE OS ASPECTOS FORMAIS DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS NA LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA...54
3.4. DEBATES SOBRE OS ASPECTOS FORMAIS DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS NA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL...58
4. DA INTERRELAÇÃO ENTRE OS REQUISITOS DE FORMA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS E A EXCEÇÃO DE ORDEM PÚBLICA...73
VERSANDO SOBRE OS REQUISITOS DE FORMA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS...84
1.INTRODUÇÃO DO CAPÍTULO...84
2.DO SISTEMA DE HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇAS ARBITRAIS ESTRANGEIRAS NO BRASIL...85
3. DEBATES SOBRE OS ASPECTOS FORMAIS DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA...88
4. DEBATES SOBRE OS ASPECTOS FORMAIS DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA...92
4.1.QUESTÃO MERAMENTE PROCESSUAL...92
4.2. QUESTÃO DE MÉRITO DO PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO...95
4.2.1. QUANTO À LEI APLICÁVEL AO EXAME DOS REQUISITOS DE FORMA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS...96
4.2.2. QUANTO AOS REQUISITOS DE FORMA PROPRIAMENTE DITOS DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS...100
4.3. QUANTO À INTERRELAÇÃO ENTRE OS REQUISITOS DE FORMA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS E A EXCEÇÃO DE ORDEM PÚBLICA...114
5.CONCLUSÃO DO CAPÍTULO...116
CONCLUSÃO...119
1.SÍNTESE DOS ACHADOS DE PESQUISA...119
2.ANÁLISE DOS ACHADOS DE PESQUISA...122
3.PROPOSIÇÕES OBJETIVAS...124
REFERÊNCIAS...127
RELAÇÃO DE ANEXOS ANEXO 1...147
ANEXO 2...149
ANEXO 3...150
ANEXO 4...152
INTRODUÇÃO
DOS REQUISITOS DE FORMA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS NA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL E NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1.COLOCAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA
A arbitragem apoia-se na vontade das partes8. Dito de outro modo, é a livre
manifestação de vontade por este meio alternativo de solução de conflitos que
legitima sua adoção. Somente aqueles que escolheram decidir seus conflitos pela
via arbitral tem a obrigação de se submeterem a ela. Esta limitação decorre do
princípio que garante a todos o acesso à justiça9 e tem por objetivo assegurar que
ninguém tenha negado o direito de resolver seus conflitos perante o Poder
Judiciário, salvo livre manifestação em contrário.
Para assegurar este estado de coisas, o art. 4º, parágrafo 1º, da Lei 9.307/96
(“Lei de Arbitragem” ou “LA”), estabelece que “a cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira”. No plano internacional, dispõe o art. II, da Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais
Estrangeiras (“Convenção de Nova Iorque” ou “CNI”), ratificada pelo Brasil e
8
Cf. PARK, William W., Non Signatories and International Contracts: an Arbitrator’s Dilemma, in Multiple Party Actions in International Arbitration 3, 2009, p. 16; LEW, Julian; MISTELIS, LOUKAS; KROLL, Stefan. Comparative International Commercial Arbitration. Kluwer Law International, 2003, p. 131; FOUCHARD, Phillipe; GAILLARD, Emmanuel; GOLDMAN, Berthold. On international arbitration. The Hague: Kluwer Law International, 1999, p. 253; REDFERN, Alan; HUNTER, Martin; BLACKABY, Nigel; e Partasides, Constantine. Redfern and Hunter on International Arbitration. Oxford University Press, 2009, p. 85; LEW, Julian. The Law Applicable to the form and substance of the Arbitration Agreement. In: VAN DEN BERG, Albert jan (ed.). ICCA Congress Series nº 9, 1998, Paris. Improving the Efficiency of Arbitration Agreements and Awards: 40 Years of Application of the New York Convention. The Hague: Kluwer Law International, 1999, p. 114; e, dentre outros, ALVAREZ, Guillermo Aguilar. Article II(2) of the New York Convention and the Courts. In: VAN DEN BERG, Albert jan (ed.). ICCA Congress Series nº 9, 1998, Paris. Improving the Efficiency of Arbitration Agreements and Awards: 40 Years of Application of the New York Convention. The Hague: Kluwer Law International, 1999, p. 68.
9
promulgada pelo Decreto 4.311/2002, que a cláusula compromissória deve estar
“por escrito”, exigindo, ademais, que ela seja “firmada pelas partes ou contida em uma troca de cartas ou telegramas”.
Em determinados setores do mercado, entretanto, é comum que, devido à alta
volatilidade dos preços praticados e à distância física entre compradores e
vendedores, os contratos sejam celebrados, entre as partes ou por intermediários,
verbalmente ou, quando por escrito, por meio de troca de correspondências, sem
assinatura ou o cumprimento de qualquer outra formalidade. Além disso, muitos
destes contratos não contêm expressamente cláusula compromissória, fazendo
apenas referência a outros documentos que a contém10.
Confira-se, neste sentido, que tanto o art. 11 da Convenção das Nações
Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (“CISG”,
na sigla em inglês)11 quanto o art. 1.2 dos Princípios sobre Contratos Comerciais
editados pela UNIDROIT (“Princípios UNIDROIT”)12 estipulam que a formação do
contrato não depende do preenchimento de qualquer formalidade, bastando o
consentimento das partes. Em muitos destes casos, embora não haja cláusula
compromissória escrita e assinada como determina a CNI, as partes manifestam sua
vontade no sentido de que os conflitos decorrentes da operação sejam resolvidos
pela via arbitral.
Depreende-se desta breve explicação que, se no contexto da arbitragem
exige-se que a cláusula compromissória esteja por escrito, assinada ou contida em troca
de correspondências, na prática comercial de determinados setores do mercado, por
outro lado, privilegia-se a informalidade e a funcionalidade na hora de contratar. Há,
10
WALD, Arnoldo. Os Aspectos Formais da Convenção de Arbitragem (Comentário do art. II, (1) e (2), da Convenção de Nova Iorque, e sua aplicação no Direito Brasileiro). In: WALD, Arnoldo; LEMES,
Selma Ferreira. Arbitragem Comercial Internacional: a convenção de Nova Iorque e o direito
brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 119. 11
BRASIL. Decreto Legislativo nº 538, de 18 de outubro de 2012. Aprova o texto da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, estabelecida em Viena, em 11 de abril de 1980, no âmbito da Comissão das Nações Unidas para o Direito Mercantil Internacional. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2012/decretolegislativo-538-18-outubro-2012-774414-publicacaooriginal-137911-pl.html>. Acesso em: 16 jan. 2014.
12
efetivamente, uma diferença entre a prática de contratação de determinados setores
do mercado e as exigências de forma da cláusula compromissória.
No contexto da arbitragem comercial internacional, a tensão acima
apresentada já foi objeto de inúmeros artigos e trabalhos acadêmicos13, além de
haver farta jurisprudência estatal versando sobre o tema14. Conforme se verá na
13
Ver: ALVAREZ, Guillermo Aguilar. Article II(2) of the New York Convention and the Courts. In: VAN DEN BERG, Albert jan (ed.). ICCA Congress Series nº 9, 1998, Paris. Improving the Efficiency of Arbitration Agreements and Awards: 40 Years of Application of the New York Convention. The Hague: Kluwer Law International, 1999; BERGER, Klaus Peter. Re-Examining the Arbitration Agreement, Applicable Law Consensus or Confusion?. In: VAN DEN BERG, Albert jan (ed.). ICCA Congress
Series nº 13. International Arbitration 2006:: Back o Basics; BORN, Gary B. International Commercial
Arbitration. v. I. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International, 2009 FOUCHARD, Phillipe; GAILLARD, Emmanuel; GOLDMAN, Berthold. On international arbitration. The Hague: Kluwer Law International, 1999; INTERNATIONAL COUNCIL FOR COMMERCIAL ARBITRATION. ICCA's Guide to the Interpretation of the 1958 New York Convention: A Handbook for Judges, p. 42, 2011. Disponível: <www.arbitration-icca.org>. Acesso em: 16 jan. 2014; LEW, Julian. The Law Applicable to the form and substance of the Arbitration Agreement. In: VAN DEN BERG, Albert jan (ed.). ICCA Congress Series nº 9, 1998, Paris. Improving the Efficiency of Arbitration Agreements and Awards: 40 Years of Application of the New York Convention. The Hague: Kluwer Law International, 1999; LEW, Julian; MISTELIS, LOUKAS; KROLL, Stefan. Comparative International Commercial Arbitration.
Kluwer Law International, 2003; LOWENFELD, Andreas F.. Conflict of Laws: Federal, State and
International Perspectives. Revised 2nd Edition. Lexis Nexis, 2002; PARK, William W., Non Signatories and International Contracts: an Arbitrator’s Dilemma, in Multiple Party Actions in International Arbitration 3, 2009; REDFERN, Alan; HUNTER, Martin; BLACKABY, Nigel; e PARTASIDES, Constantine. Redfern and Hunter on International Arbitration. Oxford University Press, 2009;
SCHWEBEL, S.. The Severability of the Arbitration Agreement. International Arbitration: Three Salient
Problems, 1987; UNITED NATIONS COMISSION ON INTERNATIONAL TRADE LAW – UNCITRAL. UNCITRAL. Recommendation regarding the interpretation of article II, paragraph 2, and article VII, paragraph 1, of the Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards, done
in New York, 10 June 1958 (2006). Disponível em:
<http://www.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/arbitration/2006recommendation.html>. Acesso em:
16 jan. 2014; UZELAC, Alan. The Form of the Arbitration Agreement and the Fiction of Written Orality
– How Far Should We Go?. Croat. Arbit. Yearb. Vol. 8 (2001),. Disponível em:
<http://alanuzelac.from.hr/pubs/B13forma-cay.pdf>. Acesso em: 02 set. 2013; UZELAC, Alan. Written
Form of the Arbitration Agreement Towards a Revision of the UNICTRAL Model Law. Corat. Arbit. Yearb. Vol. 12 (2005), Disponível em: <http://alanuzelac.from.hr/pubs/B22written.pdf>. Acesso em: 02 set. 2013; VAN DER BERG, Albert jan. The New York Convention of 1958. Kluwer: Deventer, 1981; 14
Ver: ALEMANHA. Bundesgerichtshof. Partes não identificadas, julgado em 25.01.2011; ALEMANHA. Oberlandesgericht. München. Partes não identificadas, julgado em 11.07.2011. Disponível em: <http://www.newyorkconvention1958.org/>. Acesso em: 16 jan. 2014; AUSTRÁLIA.
Supreme Court of Queensland. Appeal 8159/1999. Austin John Montague v. Commonwealth
Development Corporation, julgado em 27.06.2000; RÚSSIA. Presidium of the Highest Arbitrazh Court
of the Russian Federation. Lugana Handelsgesellschaft mbH (Germany) v. OAO Ryazan Metal
Ceramics Instrumentation Plant (Russia), julgado em 02.02.2010; AUSTRÁLIA. Federal Court. Seeley International Pty Ltd v. Electra Air, julgado em 29.01.2008; CANADÁ. Court of Appeal of Manitoba. Sheldon Proctor v. Leon Schellenberg, julgado em 11.12.2002; CANADÁ. Supreme Court of British
Columbia. Javor v. Francoeur, julgado em 06.03.2003; CHINA. Supreme People’s Court. Concordia
Trading B.V. v. Nantong Gangde Oil Co., Ltd, julgado em 03.08.2009; ESTADOS UNIDOS DA
AMÉRICA. United States Court of Appeals, Fifth Circuit. Sphere Drake Insurance PLC v. Marine
Towing, Inc. and others, julgado em 23.03.1994; ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. United States Court of Appeals, Second Circuit. Kahn Lucas Lancaster, Inc. v. Lark International Ltd., julgado em
29.07.1999; FRANÇA. Corte de Apelação de Versailles. Bomar Oil N.V. v. ETAP – L’Enterprise
Primeira Parte da pesquisa, a tendência atual da doutrina e da jurisprudência
internacional é interpretar extensivamente as exigências de forma da cláusula
compromissória inserida nos contratos comerciais internacionais com o fim de
adequá-las à realidade do comércio internacional.
No Brasil, por outro lado, não ocorre o mesmo. Apesar do grande número de
trabalhos e julgados tratando da arbitragem em geral, há muito pouco escrito e
decidido sobre os requisitos de forma da cláusula compromissória inserida nos
contratos comerciais internacionais.
Se a pesquisa for recortada para restringi-la aos julgados do Superior Tribunal
de Justiça (“STJ”), tribunal que tem a última palavra sobre a matéria15, ver-se-á que
há apenas 18 (dezoito)16 decisões versando especificamente sobre a questão.
Destas, em 4 (quatro) ocasiões o STJ entendeu que a cláusula compromissória era
inválida, por motivos que variam desde a ausência de assinatura das partes até
ofensa à ordem pública. Conforme se verá na Segunda Parte da pesquisa, no
âmbito da Corte Superior não há efetivamente uniformidade na aplicação dos
requisitos de forma da cláusula compromissória inserida nos contratos comerciais
Municipalité de Khoms El Mergeb v. Dalico Contractors, julgado em 20.12.1993; HONG KONG. High
Court of Hong Kong. China Nanhai Oil Joint Serv. Corp. Shenzhen Branch v. Gee Tai Holdings Co.,
julgado em 13.07.1994; HONG KONG. High Court of Hong Kong. Jiangxi Provincial Metal and
Minerals Import and Export Corp [China] v. Sulanser Co., julgado em 06.04.1995; ÍNDIA. Supreme
Court. , Apelação Cível 12930/1996. Smita Conductors Ltd. v. Euro Alloys Ltd., julgado em
31.08.2001; ÍNDIA. Supreme Court. Dallah Real Estate and Tourism Holding Company v. Ministry of
Religious Affairs, Government of Pakistan, julgado em 03.11.2010; ITÁLIA. Corte de Cassação.
Processo 10704/93. Robobar Ltd v Finncold sas, julgado em 28.10.1993; ITÁLIA. Corte de Cassação.
Del Medico & C. SAS v. Iberprotein Sl, julgado em 16.06.2011; SUÍÇA. Suprema Corte Federal. Tradax Export S.A. (Panama) v Amoco Iran Oil Company (US), julgado em 07.02.1984; SUÍCA.
Suprema Corte Federal. Tracomin SA v. Sudan Oil Seeds Co., julgado em 05.11.1985; SUÍÇA. Corte
de Apelação da Basel. DIETF Ltd. v. RF AG, julgado em 05.07.1994; SUÍÇA. Suprema Corte Federal.
Compagnie de Navigation et Transports S.A. v. Mediterranean Shipping Company S.A., julgado em 16.01.1995, 1995 Bull. ASA 488. Disponível em: <http://www.newyorkconvention1958.org/>. Acesso em: 16 jan. 2014; dentres outras.
15
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: [...] i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias (BRASIL.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 16 jan. 2014). 16
internacionais, muito menos tendência em mitigar estes requisitos como forma de
adequá-los à realidade do comércio internacional.
A seguinte situação fática – extraída do processo de homologação de
Sentença Estrangeira Contestada (“SEC”) 978 que tramitou perante o STJ entre os
anos de 2006 e 2009 – ilustra o problema de pesquisa que pretendo enfrentar nesta
pesquisa:
Em 29.05.2002, INDUTECH SPA (“INDUTECH” ou “compradora”), sociedade
italiana, e ALGOCENTRO ARMAZÉNS GERAIS LTDA. (“ALGOCENTRO” ou
“vendedor”), sociedade brasileira, celebraram contrato mercantil por meio do qual se
comprometeram a comprar e vender a quantidade de 3.100 toneladas de algodão
cru, nas qualidades e condições lá especificadas. O referido contrato foi redigido – e
ostenta o timbre – de intermediário representante da compradora italiana no Brasil, a
HORUS CONSULTORIA REPRESENTAÇÃO E CORRETAGEM S/C LTDA.
(“HORUS” ou “intermediário"), e contém 3 (três) espaços para assinatura – do
vendedor, da compradora e do representante da compradora –. O espaço reservado
à assinatura do vendedor não está assinado.
[ANEXO 1]
Posteriormente, em 26.11.2002, as partes resolveram aditivar o referido
contrato para reduzir a quantidade de algodão de 3.100 toneladas para 2.100,
mantendo-se, no mais, todas as demais cláusulas e condições contratuais [ANEXO 2]. O contrato aditado foi assim redigido – e assinado (somente por ele) – pelo intermediário representante da compradora no Brasil:
[ANEXO 3]
Na cláusula 15a do contrato, as partes convencionaram submeter toda e
qualquer divergência instaurada no curso da sua execução à arbitragem sediada em
Londres, Inglaterra, a ser regida e administrada pela Liverpool Cotton Association
Tendo ocorrido o inadimplemento das obrigações do vendedor, em 26.08.2003
a compradora notificou-o para ressarcir os prejuízos decorrentes do
descumprimento, sob pena de submissão da controvérsia à arbitragem. Diante da
sua inércia, a compradora iniciou procedimento arbitral perante a LCA, tendo, de
acordo com as regras da instituição, cada parte indicado um árbitro para compor o
Tribunal Arbitral. Em sua defesa, o vendedor alegou que nunca não celebrou o
referido contrato, tanto que ele não ostenta sua assinatura. A compradora, por sua
vez, alegou que este contrato foi celebrado pelas partes no contexto de uma relação
comercial contínua, envolvendo inclusive outro contrato anterior que elas resolveram
modificar por interesse mútuo.
Os árbitros nomeados pelas partes não lograram chegar a um consenso sobre
o resultado da controvérsia e, nos termos das regras de arbitragem da LCA, foi
indicado árbitro-presidente para desempatar a disputa.
Ao final do procedimento, o árbitro-presidente entendeu que o contrato, apesar
de não estar assinado pelo vendedor, fora efetivamente concluído no contexto da
aludida relação comercial contínua que havia sido estabelecida entre as partes.
Estando, pois, o contrato concluído e não tendo o vendedor entregue o produto,
entendeu o árbitro-presidente que o vendedor descumpriu sua obrigação contratual,
proferindo laudo em seu desfavor. Especificamente no que diz respeito a questão
relacionada à existência da cláusula compromissória, o tribunal arbitral se
manifestou no sentido de que, após ter considerado com cautela a questão, a
evidência disponível no procedimento deixava claro as partes haviam efetivamente
celebrado o referido contrato e indicado a LCA como entidade responsável por
administrar a arbitragem.
Fixada sua condenação, o vendedor deixou de cumpri-la espontaneamente,
impondo à compradora o ajuizamento da SEC 978 no Brasil para ver reconhecida e
satisfeita a decisão arbitral. Citado por carta de ordem, o vendedor também não
respondeu ao pedido de homologação. Na forma do art. 9, §3º, da Resolução/STJ
917, foi nomeado curador especial para defender seus interesses que, em
contestação, resistiu ao reconhecimento da referida decisão sob o argumento de
que o contrato não fora assinado pelo vendedor, de sorte que não haveria prova da
sua concordância em relação à cláusula compromissória. Na sua visão, em não
havendo concordância com a cláusula compromissória, o Tribunal Arbitral prolator
da sentença arbitral seria incompetente.
Chamado a decidir sobre a questão relativa à validade formal desta
modalidade de cláusula compromissória, o Ministro Relator Hamilton Carvalhido, da
Corte Especial do STJ, iniciou sua decisão explicando que o art. 4o da LA exige
“expressa manifestação por escrito das partes acerca da opção pelo juízo arbitral”, para depois concluir que a lei brasileira não admitiria, no seu entender, a “anuência
tácita ou implícita, por se tratar de exceção à regra da jurisdição estatal”. Prosseguiu afirmando que não haveria que se discutir a existência ou não do contrato, porque
tema estranho ao pleito homologatório, acrescendo que a existência do contrato
teria restado afirmada e reconhecida pelo juízo arbitral. Apesar deste quadro, na
visão do Ministro o pedido não seria passível de homologação na medida em que a
cláusula de eleição do juízo arbitral contida no contrato e em seu termo aditivo, bem
como a indicação de árbitro em nome do vendedor, não possuiriam qualquer
assinatura ou visto, ressentindo-se de requisito indispensável previsto na LA. Para o
STJ, homologar o pedido importaria em violar o art. 4o, parágrafo 2o, da LA, o
princípio da autonomia da vontade e a ordem pública18.
17
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Resolução nº 09, de 04 de maio de 2005. Dispõe, em caráter transitório, sobre competência acrescida ao Superior Tribunal de Justiça pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Disponível em: <www.stj.gov.br>. Acesso em: 16 jan. 2014.
18
“[…] Ao que se tem, a legislação patria prevê a adoção do sistema arbitral para solução dos litígios, exigindo, contudo, como condição de eficácia, expressa manifestação por escrito das partes acerca da opção pelo juízo arbitral.Tal manifestação pode se dar em instrumento apartado ou no próprio contrato, desde que haja anuência expressa e específica em relação à cláusula compromissória, não se admitindo, pois, anuência tácita ou implícita, por se tratar de exceção à regra da jurisdição estatal. Posto isso, não há de se discutir a existência ou não do contrato objeto da sentença estrangeira, porque tema estranho ao pleito homologatório, assistindo, nesse passo, razão à requerente.
contra-A situação descrita no caso narrado acima retrata a tensão existente entre a
prática de contratação de determinados setores do mercado e as exigências de
forma da cláusula compromissória. Mais especificamente, retrata também as
diferentes interpretações que têm prevalecido na experiência internacional e na
jurisprudência do STJ versando sobre o tema. Este é, pois, precisamente o
problema de pesquisa que pretendo abordar nesta dissertação. Procuro explorar as
diferentes posições existentes entre a interpretação que tem prevalecido na
experiência internacional e aquela que tem sido adotada no Brasil, versando sobre
os requisitos de forma da cláusula compromissória inserida nos contratos comerciais
internacionais.
Parto da hipótese de que a resposta dada a este problema pela experiência
internacional está mais em linha com o regime da CNI e é mais sensível à realidade
do comércio internacional que aquela aventada na jurisprudência do STJ.
Assim, com objetivo de contribuir para o debate em torno da questão dos
requisitos de forma da cláusula compromissória inserida nos contratos comerciais
internacionais, pretendo comparar a experiência internacional com a correspondente
jurisprudência do STJ com a finalidade de ressaltar as potenciais diferenças
existentes e, se possível, formular algumas proposições objetivas como forma de
pacificar a discussão sobre o tema no Brasil. Ademais, a frequência com que a
questão se apresenta faz surgir a pergunta adicional sobre se seria necessário
promover alguma mudança legislativa para solucionar o problema.
Trata-se, em síntese, do problema de pesquisa que pretendo abordar nessa
dissertação. E uma vez estabelecido a problemática e a hipótese da pesquisa, passo
a esclarecer suas limitações e, ao final, relatar o meu plano de trabalho.
2.ESCOPO E LIMITAÇÕES DA DISSERTAÇÃO
O escopo desta dissertação é comparar a interpretação que tem prevalecido na
experiência internacional versando sobre os requisitos de forma da cláusula
compromissória inserida nos contratos comerciais internacionais com a
correspondente jurisprudência do STJ. Com este escopo em mente, faço as
seguintes limitações:
A primeira limitação diz respeito à restrição da análise aos contratos comerciais
internacionais que contêm cláusula compromissória que elegem a arbitragem com
sede fora do Brasil, não me preocupando com aqueles que elegem arbitragem com
sede em território nacional. Escolhi este critério geográfico, territorial, porque,
conforme será mais bem explorado na Primeira Parte da pesquisa, entendo que por
força do art. I da CNI e 34 da LA, enquanto as cláusulas compromissórias que
elegem arbitragem com sede no Brasil estão sujeitas aos requisitos de forma
prescritos na LA, as convenções que elegem a arbitragem com sede fora do Brasil
estão sujeitas aos requisitos da CNI. Nesta pesquisa, adoto este mesmo recorte
geográfico e restrinjo minha análise apenas os contratos que contém cláusula
compromissória que elege arbitragem com sede fora do Brasil, não interessando as
que elegem arbitragem com sede em território nacional.
A segunda limitação diz respeito à restrição da análise aos julgados do STJ
proferidos em sede de homologação de sentença estrangeira, não me preocupando
com as demais hipóteses em que o Poder Judiciário é chamado a se manifestar
sobre a questão. Escolhi estes julgados porque essa é, realmente, a mais frequente
– e, muitas vezes, a única – ocasião que a Corte Superior tem para enfrentar a
comerciais internacionais 19 . Nesta pesquisa, portanto, examino somente a
jurisprudência do STJ em sede de homologação de sentença estrangeira versando
sobre os aspectos formais da cláusula compromissória inserida nos contratos
comerciais internacionais. Apesar desta limitação, devo dizer que, como será
explorado na Primeira Parte da pesquisa, é o meu entendimento que as conclusões
aqui alcançadas possam ser aproveitadas em todas as ocasiões em que o Poder
Judiciário seja chamado a enfrentar a questão da validade formal da cláusula
compromissória inserida nos contratos comerciais internacionais, e não apenas nos
processos de homologação.
A terceira limitação diz respeito à restrição da análise ao exame dos requisitos
de forma da cláusula compromissória, não me preocupando com compromisso
arbitral. Convenção de arbitragem é negócio jurídico pelo qual as partes manifestam
sua vontade – na mesma direção – no sentido de se socorrerem da arbitragem para
resolver seus litígios20. Convenção de arbitragem é gênero, do qual são espécies,
cláusula compromissória e compromisso arbitral21. Cláusula compromissória é
convenção que visa resolver litígios futuros e eventuais que venham a surgir no
âmbito de uma relação negocial; compromissório arbitral é convenção que visa
resolver litígios atuais. Tratam-se de tipos contratuais distintos, cada qual com seus
próprios requisitos formais. Nesta pesquisa pretendo examinar somente os
requisitos de forma das cláusulas compromissórias inseridas nos contratos
comerciais internacionais, não me preocupando com o compromisso arbitral. As
referências feitas à convenção de arbitragem dirão respeito à espécie “cláusula
compromissória”.
A quarta limitação diz respeito à restrição da análise ao exame da validade
formal da cláusula compromissória, não me preocupando com sua validade
19
As cortes de um país podem ser chamadas a examinar a validade formal de uma cláusula compromissória em várias situações: (a) pode ser que uma parte inicie um procedimento ordinário perante o Poder Judiciário e a contraparte defenda-se pleiteando que as partes sejam remetidas à arbitragem; (b) quando medidas urgentes são pleiteadas junto ao Poder Judiciário em suporte da arbitragem; (c) quando uma parte ingressa com pedido judicial para obrigar a contraparte a se submeter à arbitragem; e (d) em processo de homologação de sentença estrangeira (LEW, Julian; MISTELIS, LOUKAS; KROLL, Stefan. Comparative International Commercial Arbitration. Kluwer Law International, 2003, p. 109).
20
ALVIM, J. E. Carreira. Direito arbitral. 2a edição. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 171.
21
substantiva, nem tampouco com a questão relacionada a sua extensão para
não-signatários. A validade substantiva da cláusula compromissória preocupa-se com a
existência, ou não, de consentimento entre as partes quanto à escolha da
arbitragem como método de solução de conflitos22. Isto é, se as partes concordaram,
ou não, em resolver seus conflitos através da arbitragem e/ou se há algum vício de
consentimento a macular esta manifestação de vontade. A validade formal, por outro
lado, relaciona-se com o preenchimento das exigências previstas na legislação
aplicável para que a convenção de arbitragem seja considerada válida e eficaz23.
Nesta pesquisa pretendo examinar a questão relacionada aos requisitos de forma da
cláusula compromissória inserida nos contratos comerciais internacionais, não
adentrando no mérito da discussão relativa à sua validade substantiva.
Além disso, há uma última limitação importante que preciso fazer. Entendo que
o exame de validade formal da cláusula compromissória segue regras diferentes
quando feito pelo tribunal arbitral ou pelo Poder Judiciário 24. Isso porque,
diferentemente do tribunal arbitral, o Poder Judiciário tem o dever de obedecer à lei
do foro no que se refere às regras de conflito de lei para escolha da lei aplicável ao
exame de validade da cláusula compromissória25. Isto quer dizer que, enquanto o
tribunal arbitral tem liberdade para eleger as regras de conflito de lei que definirão a
lei aplicável ao exame de validade formal da cláusula compromissória, o Poder
Judiciário está adstrito à utilização das regras das regras desta natureza da sua
jurisdição, sejam elas leis domésticas ou outras previstas em tratados e convenções
22
BERGER, Klaus Peter. Re-Examining the Arbitration Agreement, Applicable Law Consensus or Confusion?. In: VAN DEN BERG, Albert. ICCA CONGRESS SERIES nº 13. International Arbitation 2006: Back to Basics, p. 304.
23
As razões para tais exigências são das mais variadas: dita formalidade pode ser instituída com a finalidade de (a) assegurar mais elevada dose de reflexão das partes considerando as consequências da cláusula compromissória; (b) permitir separar com maior clareza os termos definitivos do negócio da fase pré-contratual e ainda fazer uma formulação mais precisa e completa da vontade das partes no negócio jurídico; (c) facilitar a prova posterior23; e, dentre outras, (f) possibilitar a publicidade do
negócio, oponível à terceiros (MOTA PINTO, Carlos Alberto da. Teoria Geral do Direito Civil. 3a
edição atual.. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 430-431). 24
BERGER, Klaus Peter. Re-Examining the Arbitration Agreement, Applicable Law Consensus or Confusion?. In: VAN DEN BERG, Albert jan (ed.). ICCA Congress Series nº 13. International Arbitration 2006:: Back o Basics, p. 304. Ver também: REDFERN, Alan; HUNTER, Martin; BLACKABY, Nigel; e Partasides, Constantine. Redfern and Hunter on International Arbitration. Oxford University Press, 2009, p. 235; e
25
internacionais26. É verdade que há uma tendência natural dos tribunais arbitrais de
seguir a orientação do Poder Judiciário na determinação da lei aplicável à cláusula
compromissória, em razão, principalmente, do seu interesse em proferir uma
sentença que seja futuramente executável. Esta posição, todavia, não é unânime e
há diversos exemplos27 de procedimentos arbitrais em que não se seguiu a regra de
conflito de lei do local da sede da arbitragem para escolher a lei aplicável ao exame
dos requisitos de forma da cláusula compromissória. Nesses casos, o tribunal
arbitral preferiu aplicar norma distinta usualmente com a finalidade de afirmar sua
jurisdição. Como essa dissertação pretende contribuir para o debate em torno do
entendimento do Poder Judiciário brasileiro sobre a validade formal da cláusula
compromissória inserida nos contratos comerciais internacionais, faço ainda a
limitação adicional de que não me preocupo com o ponto de vista do tribunal arbitral
sobre a questão, restringindo meu exame ao ponto de vista do Judiciário. Esta é a
quinta e última limitação que faço sobre a dissertação.
Utilizei nesta pesquisa a versão brasileira da CNI, conforme consta do anexo
do Decreto 4.311/2002. Nas transcrições em língua estrangeira de doutrina,
legislação e jurisprudência, foram mantidas as línguas originais, quando não havia
tradução para o português, com a finalidade de guardar fidelidade com o seu
significado.
3.PLANO DE TRABALHO
Dividi essa dissertação em duas partes.
26
BERGER, Klaus Peter. Re-Examining the Arbitration Agreement, Applicable Law Consensus or Confusion?. In: VAN DEN BERG, Albert jan (ed.). ICCA Congress Series nº 13. International Arbitration 2006: Back to Basics, p. 304.
27
“Contrary to a State judge, who is bound to conform to the conflict law rules of the State in whose name he metes outs justice, the arbitrator is not bound by such rules. He must look for the common intention of the parties, and use the connecting factors generally used in doctrine and in case law and must disregard national peculiarities” (Sapphire International Petroleum Ltd v. The National Iranian Oil Company (1964), 13 ICLQ 1011, p. 1012. In: REDFERN, Alan; HUNTER, Martin; BLACKABY, Nigel; e Partasides, Constantine. Redfern and Hunter on International Arbitration. Oxford University Press,
2009, p. 235). Trata-se de enunciação do princípio voie directe ou direct choice, que dá aos árbitros
Na Primeira Parte, examino a experiência internacional versando sobre os
requisitos de forma da cláusula compromissória inserida nos contratos comerciais
internacionais. Considero, sucessivamente, (a) a questão da lei aplicável ao exame
dos requisitos de forma da cláusula compromissória inserida no contrato comercial
internacional, (b) os requisitos de forma propriamente ditos da cláusula
compromissória inserida nos contratos comerciais internacionais e (c) a interrelação
destes requisitos de forma com a exceção de ordem pública no âmbito da
arbitragem comercial internacional. Meu objetivo é verificar a solução conferida na
experiência internacional à questão, criando um quadro de análise para ser
comparado com o levantamento da correspondente jurisprudência do STJ que será
feito na Segunda Parte da pesquisa. Esta tarefa foi concluída a partir da realização
de pesquisa documental, passando por bancos de dados disponíveis na internet,
bem como por obras doutrinárias e artigos científicos versando sobre o assunto. A
descrição da metodologia utilizada para reunir as decisões que fundamentam a
Primeira Parte da pesquisa está contida no Anexo 5 da pesquisa.
Na Segunda Parte, por sua vez, examino a jurisprudência do STJ versando
sobre os requisitos de forma da cláusula compromissória inserida nos contratos
comerciais internacionais. Para consecução desta tarefa, foram eleitas as SECs 856,
967, 887, 866, 507, 1210, 839, 978, 3660, 4415, 885, 6335, 3709, 6365, 6760, 5828,
4213 e 6761, sendo que destas, 14 deferiram e quatro indeferiram o pedido de
homologação com fundamento na inexistência/invalidade da cláusula
compromissória. Estes casos foram escolhidos levando em conta suas
características e qualidade intrínseca – eles estão os únicos casos em que o STJ
teve a oportunidade de enfrentar a questão dos requisitos de forma desta
modalidade de cláusula compromissória, e, portanto, constituem todo o universo de
análise. A descrição da metodologia utilizada para montar este banco de dados
também está contida no Anexo 5 da pesquisa.
Na Conclusão procuro sintetizar e confrontar os achados colhidos das Primeira
e Segunda Parte da pesquisa, com o objetivo de trazer novos elementos para ajudar
na reflexão sobre o alcance e os limites dos requisitos de forma da cláusula
algumas proposições objetivas e me manifesto sobre a eventual necessidade de se
PRIMEIRA PARTE
DA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL VERSANDO SOBRE OS REQUISITOS DE FORMA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INSERIDA NOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS
1. Introdução do Capítulo
Nesta parte da dissertação, pretendo examinar a experiência internacional
versando sobre os requisitos de forma da cláusula compromissória inserida nos
contratos comerciais internacionais. Para tanto, passo a considerar, (a) a questão da
lei aplicável ao exame dos requisitos de forma da cláusula compromissória, (b) seus
requisitos de forma propriamente ditos e (c) a interrelação destes requisitos de forma
com a exceção de ordem pública no contexto da arbitragem comercial internacional.
No item (b) – seus requisitos de forma propriamente ditos, trato da questão dos
requisitos de forma da cláusula compromissória a partir dos debates encontrados
nos principais foros internacionais, instrumentos de soft law, bem como na legislação
e jurisprudência estrangeira.
No que refere à jurisprudência estrangeira, catalogo os julgados destacados na
pesquisa nos seguintes subitens: (i) cláusula compromissória por escrito e assinada;
(ii) cláusula compromissória contida em troca de correspondências; (iii) incorporação
por referência da cláusula compromissória; (iv) cláusula compromissória tácita e (v)
vedação à conduta contraditória (venire contra factum proprium).
2. Da Lei Aplicável ao Exame dos Requisitos de Forma da Cláusula Compromissória Inserida nos Contratos Comerciais Internacionais
A Autonomia da Cláusula Compromissória:
É universalmente aceito no contexto da experiência internacional o princípio da
autonomia da cláusula compromissória. Tanto as legislações arbitrais28, quanto a
28
jurisprudência internacional29, reconhecem e consagram esta regra30. Ela dita que,
apesar de estar fisicamente inserta em outro contrato (o chamado “contrato
principal”), a cláusula compromissória constitui negócio jurídico autônomo, com vida
própria31. O objetivo é evitar que a parte possa se esquivar da obrigação de
submeter seus litígios à arbitragem, quando tenha prometido fazê-lo, sob a mera
alegação de que o contrato em que a cláusula compromissória está inserida seria
nulo32. Por esta regra, associada ao princípio competência-competência33, compete
aos árbitros decidirem, em primeiro lugar, as questões relacionadas à existência,
validade e eficácia da cláusula compromissória, de maneira independente e
autônoma em relação ao contrato principal.
Reconhecer a autonomia da cláusula compromissória importa, para a presente
pesquisa, em duas implicações diretas: (a) a possível aplicação de leis distintas ao
contrato principal e à cláusula compromissória; e (b) a possível validade da cláusula
compromissória mesmo que o contrato principal seja inválido e vice-versa.
A primeira implicação da autonomia da cláusula compromissória se traduz no
fato de que esta pode ser regida por lei distinta daquela que rege o contrato
principal. Isto não quer dizer que a lei aplicável à cláusula compromissória será
Lei de Arbitragem Espanhola de 2003 (art. 11 - ESPANHA. Ley 60/2003 de 23 de diciembre, de Arbitraje. Disponível em: <www.kluwerarbitration.com>. Acesso em: 16 jan. 2014), dentre outras. Nos
países da common law, a jurisprudência também já teve oportunidade de afirmar a existência do
princípio da autonomia da cláusula compromissória, como, por exemplo, no caso ESTADOS UNIDOS
DA AMÉRICA. Suprema Corte do Estados Unidos da América. Prima Paint v. Flood & Conklin,
julgado em 1967 [Prima Paint v. Flood & Conklin Mfg. Co., 388 U.S. 395, 402 (1967)]. Este princípio
também consta do art. 16.1, da Lei Modelo de Arbitragem da UNCITRAL. 29
Ver, dentre outros, os seguintes julgados: ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Suprema Corte do
Estados Unidos da América. Prima Paint v. Flood & Conklin, julgado em 1967 [Prima Paint v. Flood &
Conklin Mfg. Co., 388 U.S. 395, 402 (1967)]; FRANÇA. Corte de Cassação. American Bureau of Shipping v. Jules Verne et al., julgado e 26.06.2001. Disponível em: <www.kluwerarbitration.com>. Acesso em: 16 jan. 2014; e CANADÁ. Supreme court of British Columbia. Brian Harper v. Kvaerner Fjellstrand Shipping A.S., julgado em 13.09.1991, XVIII YBCA, p. 358 (1993).
30
No Brasil, o art. 8o da LA dispõe expressamente que “[a] cláusula compromissória é autônoma em
relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.” (BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro
de 1996. Dispõe sobre arbitragem. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm>. Acesso em: 23 set. 2013). 31
ALVIM, J. E. Carreira. Direito arbitral. 2a edição. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 194.
32
ALVIM, J. E. Carreira. Direito arbitral. 2a edição. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 194.
33
Este princípio está enunciado no parágrafo único do art. 8º da LA: “Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.” (BRASIL. Lei nº
9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre arbitragem. Disponível em:
necessariamente diferente da lei aplicável ao contrato principal34. Quer dizer apenas
que as leis aplicáveis ao contrato principal e à cláusula compromissória podem ser
diferentes35.
A segunda implicação da autonomia da cláusula compromissória se dá no fato
de que a invalidade do contrato principal não afeta necessariamente a validade da
cláusula compromissória e vice-versa, que devem ser examinados pelo intérprete de
maneira autônoma e independente um do outro36. Isto significa que a invalidade do
contrato principal não implica necessariamente na invalidade da cláusula
compromissória, bem como que a imputação de invalidade do contrato principal
pode – e deve –, por vezes, ser dirimida pela via arbitral, posto que tal imputação
não atinge diretamente a cláusula compromissória37. Significa também que o fato da
cláusula compromissória ser inválida não exonera necessária e automaticamente as
partes do cumprimento do contrato principal, que pode muito bem continuar a ser
válido, dependendo dos motivos que levaram à invalidação da primeira38. É claro
34
De fato, é muito comum que a mesma lei aplique-se tanto ao contrato principal quanto à cláusula
compromissória (BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. v. I. Alphen aan den Rijn:
Kluwer Law International, 2009, p. 354). 35
À título ilustrativo, confira-se que a Corte de Apelação de Paris, França, no caso Isover St. Gobain
v. Dow Chemical et al., se manifestou no sentido de que a validade formal da cláusula compromissória inserida nos contratos comerciais internacionais não deve ser examinada a partir da lei eleita pelas partes para reger o contrato principal, mas sim pela sua vontade comum revelada pelas circunstâncias da negociação/execução do contrato e pelos usos e costumes do comércio
internacional (FRANÇA. CA Paris. Isolver St. Gobain v. Dow Chemical et al., julgado em 21.10.1983,
Revue de L´Arbitrage, p. 98 (1984). In: DOLINGER, Jacob; TIBÚRCIO, Carmen. Direito internacional
privado: arbitragem comercial internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 144). Na mesma linha,
pode-se citar também o célebre caso Comité Populaire de la Municipalité de Khoms El Mergeb v. Sté
Dalico Contractors (“Caso Dalico”), julgado pela Câmara Civil da Corte de Cassação Francesa, em que, tratando-se de contrato prevendo a aplicação da lei libanesa ao mérito da disputa, e arguindo a parte que a convenção de arbitragem seria inválida segundo as leis do Líbano, nada obstante entendeu a corte que sua validade deveria ser aferida pela vontade das partes, sem recurso a
qualquer legislação estatal (FRANÇA. Ca Paris. Comité populaire de la municipalité de Khoms El
Mergeb v. Dalico Contractors, julgado em 20.12.1993, 121 J.D.I. 432 (1994). In: FOUCHARD, Phillipe; GAILLARD, Emmanuel; GOLDMAN, Berthold. On international arbitration. The Hague: Kluwer Law International, 1999, p. 248). No Brasil, a jurisprudência também já teve a oportunidade de se debruçar
sobre o tema. Cito, como exemplo, precedente do STJ da lavra do Ministro Luiz Fux, verbis:
“Saliente-se ainda a autonomia da cláusula arbitral em relação ao contrato na qual se encontra inserta, o qual poderá ser considerado nulo, sem contudo, implicar na nulidade do pacto preliminar, cabendo ao árbitro dirimir as questões pertinentes à convenção de arbitragem, porquanto autoridade competente para tal, nos termos do princípio da Kompetenz-Kompetenz.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sentença Estrangeira Contestada nº 854. Relator: Min. Luiz Fux. Brasília, julgado em 21.08.2013. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 16 jan. 2014).
36
ALVIM, J. E. Carreira. Direito arbitral. 2a edição. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 196.
37
BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. v. I. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law
International, 2009, p. 355. 38
Destaco, neste sentido, julgamentos (a) da Corte de Apelação do Segundo Circuito Federal dos
que haverá causas de invalidade do contrato principal que também afetarão a
cláusula compromissória. É o caso, por exemplo, da alegação de que o contrato
principal jamais foi concluído ou que o foi com vício de consentimento. Mas nem
todas as causas de invalidade do contrato principal afetam necessariamente a
cláusula compromissória. Ela deve, à luz do princípio que consagra sua autonomia,
ser examinada pelo intérprete de maneira autônoma e independente em relação ao
contrato principal39.
Cabe, pois, antes de adentrar no exame dos requisitos de forma propriamente
ditos da cláusula compromissória inserida nos contratos comerciais internacionais,
indagar qual será a lei aplicável para resolver às questões ligadas a forma da
convenção de arbitragem.
intend, arbitration clauses as a matter of federal law are ‘separable’ from the contracts in which they are embedded […] where no claim is made that fraud was directed to the arbitration clause itself, a broad arbitration clause will be held to encompass arbitration of the claim that the contract itself as induced by fraud.” (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Suprema Corte. Prima Paint v. Flood & Conklin, julgado em 12.06.1967, [388 U.S. 395, 402 (1967)]. In: DOLINGER, Jacob; TIBÚRCIO, Carmen. Direito internacional privado: arbitragem comercial internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 75); bem como da Suprema Corte do Canadá, afirmando que um vício no contrato principal
não afeta necessariamente a convenção de arbitragem: “[...] In my view an arbitration agreement can
exist even if the contract in which it appears is void ab initio. As a result, even if the defendant terminated the contract, the provisions of the contract itself are not relevant to determine the validity of the arbitration agreement.” (CANADÁ. Supreme Court of British Columbia. Cecrop Co. Ltd. v. Kinetic SAciences Inc.., julgado em 19.01.2001, BCSC 532 (2001). Disponível em: <http://www.courts.gov.bc.ca/jdb-txt/sc/01/05/2001bcsc0532.htm>. Acesso em: 07 jan. 2014).
39
O Sistema da CNI para Eleição da Lei Aplicável à Cláusula Compromissória:
A CNI foi concluída em conferência diplomática realizada no âmbito da
Organização das Nações Unidas – ONU em 10.06.1958 e entrou em vigor em
07.06.1959, após ser assinada por 24 Estados40. Hoje, a CNI já foi conta com mais
de 140 Estados signatários, tendo o Brasil ratificado-a em 2002. Na opinião de
BATISTA MARTINS, “a CNI, de 10-6-1958, visa [...] imprimir confiança jurídica internacional aos pressupostos fundamentais do instituto da arbitragem no tocante à eficácia da convenção e da sentença arbitral.”41 O objetivo da CNI, pois, é o de facilitar o reconhecimento e a execução de acordos de arbitragem e sentenças
arbitrais que se sujeitem ao seu regime42.
Em primeiro lugar, é preciso definir quais são as cláusulas compromissórias
que estão sujeitas ao regime da CNI. Neste ponto, o art. I dispõe que a Convenção
aplica-se “ao reconhecimento e à execução de sentenças arbitrais estrangeiras
40
ARAUJO, Nádia de; SPITZ, Lígia. A Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a
Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras: Análise sobre o seu Âmbito de Aplicação. In: WALD,
Arnoldo; LEMES, Selma Ferreira (coordenadores). Arbitragem comercial internacional: a convenção
de Nova Iorque e o direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 53. 41
BATISTA MARTINS, Pedro. Arbitrabilidade e as Ressalvas Constantes do Artigo II (3), da
Convenção de Nova Iorque. In: WALD, Arnoldo; LEMES, Selma Ferreira (coordenadores). Arbitragem comercial internacional: a convenção de Nova Iorque e o direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 127. No mesmo sentido já teve oportunidade de proclamar a Suprema Corte Norte-Americana: “The goal of the Convention, and the principal purpose underlying American adoption and implementation of it, was to encourage the recognition and enforcement of commercial arbitration agreements in international contracts and to unify the standards by which agreements to arbitrate are observed.” (Scherk v. Alberto-Culver Co., 417 U.S. 506 (1974). In: LOWENFELD, Andreas F.. Conflict of Laws: Federal, State and International Perspectives. Revised 2nd Edition. Lexis Nexis, 2002, p. 320).
42
Neste sentido, vale notar que o art. III da CNI dispõe que os Estados signatários deverão reconhecer a validade dos acordo de arbitragem e sentenças arbitrais sujeitos ao seu regime. Há, pois, uma obrigação positiva dos Estados signatários da CNI de darem efetividade às sentenças e às cláusulas compromissórias que se submetam aos seu regime, bem como direito subjetivo da parte que pretender o reconhecimento de determinada sentença/cláusula compromissória oponível aos Estados signatários da Convenção, de obter do Poder Judiciário a prestação correspondente
(GREBLER, Eduardo. A Recusa de Reconhecimento à Sentença Arbitral Estrangeira com Base no
Artigo V, (1), Alíneas “a” e “b” da Convenção de Nova Iorque. In: WALD, Arnoldo; LEMES, Selma
Ferreira (coordenadores). Arbitragem comercial internacional: a convenção de Nova Iorque e o direito
brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 192). Há vários julgados no contexto internacional versando sobre a obrigação dos Estados signatários de reconhecerem as cláusulas compromissórias que se
sujeitem ao regime da Convenção: ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Supreme Court. Scherk v.
Alberto-Culver Company, julgado em 17.06.1974; SUÍÇA. Suprema Corte Federal. Tradax Export S.A. (Panama) v Amoco Iran Oil Company (US), julgado em 07.02.1984; AUSTRÁLIA. Federal Court. Seeley International Pty Ltd v. Electra Air, julgado em 29.01.2008; COLOMBIA. Supreme Court of
Justice. Sunward Overseas SA v. Servicios Maritimos Limitada Semar, julgado em 20.11.1992;
FRANÇA. Court of Appeal of Grenoble. SA C.F.T.E. v Jacques Dechavanne, julgado em 13.09.1993.
proferidas no território de um Estado que não o Estado em que se tencione o reconhecimento e a execução de tais sentenças”. Acrescenta ainda que “[a] Convenção aplicar-se-á igualmente a sentenças arbitrais não consideradas como sentenças domésticas no Estado onde se tencione o seu reconhecimento e a sua execução” 43.
Depreende-se da leitura deste dispositivo que a CNI adota, em primeiro lugar,
critério geográfico para definir quais são as sentenças arbitrais que se sujeitam ao
seu regime. Assim, para que esteja submetida ao regime da Convenção, basta que
a sentença arbitral seja proferida em um Estado, mas que tenha de ser reconhecida
e executada em outro. E em segundo lugar, são também estrangeiras todas as
sentenças arbitrais não reputadas domésticas no Estado onde se tencione o seu
reconhecimento e execução. Ou seja: mesmo que a sentença tenha sido proferida
no mesmo país em que se pretende reconhecê-la e executá-la, esta será
considerada estrangeira para os efeitos da CNI, se a legislação deste país assim a
qualificar.
De acordo com o art. I da CNI, pois, é preciso identificar o local eleito pelas
partes para sediar a arbitragem para que então possa se falar em submissão ao
regime legal da Convenção.
Ocorre que a leitura atenta deste dispositivo demonstra que esse critério
geográfico somente foi estabelecido na CNI para as sentenças arbitrais, nada
tratando o texto sobre as cláusulas compromissórias. Em consequência desta
lacuna, há algumas decisões no contexto internacional que entendem que qualquer
elemento internacional teria o condão de submeter a cláusula compromissória ao
regime da CNI44, o que amplia consideravelmente seu escopo de aplicação. A maior
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BRASIL. Decreto nº 4.311, de 23 de julho de 2002. Promulga a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4311.htm>. Acesso em: 23 set. 2013.
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Neste sentido, confira-se, por exemplo, que em Corcoran v. AIG Inc., a Suprema Corte de Nova
Iorque, Estados Unidos da América, aplicou os requisitos da CNI à convenção de arbitragem prevendo arbitragem dentro do território americano, com fundamento no fato de que algumas das partes envolvidas eram estrangeiras (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Supreme Court of New
York. James P Corcoran v. AIG Multi-line Syndicate, Inc., et al.. XV Yearbook Comm. Arb. 586
(SCtNY 1989). In: LEW, Julian; MISTELIS, LOUKAS; KROLL, Stefan. Comparative International Commercial Arbitration. Kluwer Law International, 2003, p. 112). Ver também: ESTADOS UNIDOS DA