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Joseph Kosuth: Análise de uma teoria para a arte

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Academic year: 2017

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Fernanda Pereira Medina

Joseph Kosuth:

Análise de uma teoria para a arte

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Artes.

Área de Concentração: Arte e Tecnologia da Imagem Orientador: Professor Doutor Stéphane Huchet

Belo Horizonte

Escola de Belas Artes da UFMG

2007

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Agradecimentos:

Agradeço a Kosuth e aos que o antecederam, por me apresentarem caminhos tão sedutores. Agradeço a meu pai, ainda que não aprove os desvios no meu trajeto. Mas foi ele quem me ensinou a nunca escolher o caminho mais fácil e deu-me um conselho: “nunca siga os meus conselhos”.

Agradeço à minha mãe, por me superestimar.

À Escola de Belas Artes da UFMG, por receber bem uma mestranda desviada. Ao Professor Stéphane Huchet, por sua orientação pontual e precisa.

Ao Professor Marcos Hill. Foi ele quem me apresentou Kosuth.

A mim mesma e ao que há de curioso em mim. Ao que me impulsiona ao desconhecido. À minha coragem de me desviar, pois ninguém se desvia impunemente.

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Resumo:

Essa pesquisa baseou-se nos escritos de Joseph Kosuth, artista plástico

norte-americano, expoente do movimento da arte contemporânea, conhecido como Arte Conceitual. Entre os artistas conceituais, foi um dos que mais se dedicou ao pensamento e à construção de bases teóricas consistentes para a delimitação deste movimento. Lançou novos desafios aos artistas, ao público e à crítica do final dos anos 60 e início dos 70. Sua mais polêmica tese, ele lançou no texto Art After Philosophy, de 1969. É quando afirma que o século 20 assiste a morte da filosofia e o nascimento da arte. Ele defende uma linha de pensamento que nega a dimensão estética da arte, buscando justificativas lingüísticas para as proposições artísticas. Seus argumentos encontram base no pensamento de filósofos analíticos e na teoria da linguagem de Ludwig Wittgenstein. As discussões levantadas por Kosuth opõem-se

diretamente às convenções artísticas, postuladas pelo Modernismo e à crítica correspondente, sobretudo Clement Greenberg, o crítico modernista por excelência. A linha seguida no desenvolvimento deste trabalho discute as relações da Arte Conceitual com a estética kantiana, com a teoria lingüística de Wittgenstein e com o pensamento que Greenberg estabelecia para a arte.

Palavras-chave: Arte Conceitual; Estética; Modernismo

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Abstract

This research is based on Joseph Kosuth writings. He is an American plastic artist and is considered one of the most influent in the contemporary art movement, known as Conceptual Art. Among all of the conceptual artists, he was one who most dedicated his thoughts to the construction of consistent theoretical bases to the delimitation of this movement. He proposed new challenges to artists, public and critics in the end of 60s and beginning of the 70s. In his most controversial thesis, published in the text Art after

Philosophy, in 1969, he states that the 20th century watches the death of philosophy and the birth of art. He defends a thought line which denies the aesthetic dimension of the art, in order to justify linguistically the art propositions. His arguments are based on the thoughts of some analytical philosophers and on the linguistic theory of Ludwig Wittgenstein. The discussions sent by Kosuth go straightly against the artistic conventions postulated on Modernism and the corresponding criticism, especially Clement Greenberg, the modernist critic for excellence. The guide line of this work discusses the relation between the Conceptual Art and the Kantian aesthetic, along with the Wittgenstein linguistic theory and the ways Greenberg would

establish for the art.

Key words: Conceptual Art; Aesthetic; Modernism.

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Sumário:

I- Introdução... 6

II- Apresentando Kosuth... 14

III- Figura 1………33

IV- One and Three Chairs ... 34

V- A Arte Conceitual e o Modernismo...36

VI- Figura 2...59

VII- One and Eight...60

VIII- Da Estética à Lógica...62

IX- Figura 3...85

X- The Play of the Unsayable: Ludwig Wittgenstein and the Art of the 20th Century………..86

XI- Conclusão……….87

XII- Notas………93

XIII- Referências Bibliográficas………...96

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Introdução:

Há uma dimensão do homem que não encontra sentido na ciência, por mais

pragmático que ele tenha se tornado. Uma dimensão que não se satisfaz na razão. Freud dizia que o homem busca saídas para o mal estar imposto pela cultura e pode encontrá-las no trabalho, nas drogas, na religião e na arte. A Arte é uma das saídas, segundo ele, a mais sublime, para o mal estar imposto ao homem pela cultura.

Desde a mais remota forma de civilização, realiza-se algum tipo de arte, que vem satisfazer uma necessidade exclusivamente humana. Para Hegel, a Arte deve sua

superioridade a uma participação no espírito e, portanto, na verdade. Só o espírito é verdade. A palavra Arte, não importa em que cultura, não importa em que tempo, não importa em que sociedade, carrega uma carga de significados diferentes, desde a Grécia antiga. Algumas vezes, esses significados se contradizem e seu sentido amplo continua inesgotável através dos tempos. Talvez por isso, o homem não se canse de tentar defini-la de todas as formas de que dispõe. Assim se faz a história da arte, de tentativas para se definir o que talvez seja

indefinível.

A arte contemporânea, pelas vicissitudes de uma arte desalojada da representação tradicional e dos aspectos formais reconhecíveis, que fazem a arte do passado tão confortável, suscita em nós, antes de tudo, estranheza e estupefação. As noções de belo de que dispomos não são suficientes para lidarmos com esses sentimentos. Falar em arte do passado pode dar a impressão de que defendo aqui um pensamento evolucionista para a arte, como se um

momento da história fosse sempre superado pelo momento posterior. Seria equivocado tal pensamento. Estabelecer essa referência é apenas para ressaltar a necessidade de uma

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se diz a esse respeito é extremamente novo, passível de discussões acaloradas. Participar dessas discussões, ainda que modestamente, é participar da construção de uma teoria em nascimento.

Minha escolha pela Arte Conceitual, dentre tantos movimentos contemporâneos, não é casual. De fato, nenhuma escolha é casual. Explica-se, de maneira razoável, pela minha pessoal ligação com a linguagem. Minha formação em psiquiatria e meu contato com a psicanálise fazem do pensamento e da palavra meus instrumentos de trabalho. Ora, que tipo de arte é esse fundamentado nos aspectos formais do pensamento? Como se faz arte, arte visual, sem a necessária produção de obras de arte?É possível fazer arte sem a presença empírica do objeto artístico? Quais são então os parâmetros de julgamento dessa arte? Todos esses questionamentos são pertinentes e me interpelaram, à medida que ia me envolvendo no estudo da Arte Conceitual.

As relações entre imagem e texto não são uma novidade nas artes plásticas. A era moderna abre um terreno amplo para a experimentação, onde os limites entre os campos da produção de saber vão-se alargando. A Arte Conceitual cria uma relação entre imagem e texto incomum para as artes visuais. Não é uma relação complementar. É uma relação que sugere uma hierarquia entre os sistemas discursivos, delegando à linguagem um patamar de

superioridade.

Diante de um campo tão propício à discussão, Joseph Kosuth desponta como uma figura de destaque pela sua densa produção teórica e artística. Para este estudo interessará, sobretudo, a primeira. Há que se considerar as diferenças entre o texto como obra de arte e o texto essencialmente teórico. A atividade de Kosuth como artista e o exercício crítico que ele propõe aos artistas são atividades que se desenvolvem paralelamente. As intersecções não bastam para tornar o texto de um artista o seu trabalho de arte. Segundo Kosuth, “por trás de

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todo texto sobre arte, existe a possibilidade de um trabalho de arte, se não a presença de um”.1 Mas há, ainda segundo ele, uma diferença ontológica entre um texto de arte e uma discussão sobre arte. Textos sobre arte promovem uma experiência diferente daqueles que são o trabalho de arte. Essa diferença separa também o que Kosuth nomeou de “ teoria primária” e “teoria secundária”. Assim, Kosuth faz uma distinção entre a atividade crítica do artista, nascida de dentro do contexto de seu trabalho de arte, estreitamente vinculada a sua prática e a atividade crítica geral.

Os textos que me guiaram nessa pesquisa foram aqueles de finalidade claramente teórica e crítica. Essa sempre foi a inclinação de meu trabalho. Meu objetivo foi estabelecer os limites da Arte Conceitual, como um movimento especial da arte contemporânea, essencial para a compreensão de atividades que vão muito além desses limites. Em alguns momentos, o tratamento dado à discussão proposta aproxima o trabalho do campo da história da arte. Em outros, invade o terreno da filosofia. Na verdade, esses saberes se tocam e contribuem para o exercício de uma atividade crítica.

Entre os artistas conceituais, Kosuth pode, seguramente, ser considerado um dos que mais se dedicou ao pensamento e à construção de bases consistentes para a fundação da Arte Conceitual. Ele lançou novos desafios ao artista e ao público de arte do final dos anos 60 e início dos 70. Propunha ao artista um novo papel, diferente daquele até então ocupado, de mero produtor de obras de arte. O artista, para Kosuth, deve promover, através da sua

produção plástica e através de um compromisso teórico, discussões acerca da função da arte. Deve exercer o papel de crítico de arte e nomear-se a si mesmo como artista. Definir o que é, afinal, arte. Deve inserir-se na sua cultura. Analogamente a um antropólogo, afetar e ser afetado por essa cultura. Finalmente, como artista, comportar-se como um analista da linguagem e discutir a arte, a partir dos seus próprios elementos.

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Seu trabalho artístico é tão impactante quanto seus textos. Aliás, Kosuth quer que sua teorização seja vista com a mesma reverência que suas obras. Paradigmáticos de suas

proposições em arte são os trabalhos One and Three Chairs e Néon Electrical Light English

Glass Letters pink Eight. Estão postos, simultaneamente, diante de nossos olhos, o objeto, sua

referência visual e sua referência verbal. A arte apresentada como uma tautologia, numa referência explícita a Wittgenstein.

Minha intenção imediata, tão logo me pus em contato com essas obras, foi a de estudar as relações estabelecidas entre a Arte Conceitual e a linguagem, tendo como referência minha leitura em psicanálise. Pensava na lingüística Saussuriana e na inversão promovida por Lacan na sua teoria da formação do inconsciente. Iniciados meus trabalhos de pesquisa bibliográfica, percebi que não seria fácil definir a linha que iria me conduzir nessa empreitada. A Arte Conceitual, por si, já traz uma série de questões e polêmicas e a densidade teórica de Kosuth poderia me levar a várias direções. O caminho da filosofia seria uma delas. Aos poucos, afastei-me do objetivo inicial, a psicanálise, pois o uso que Kosuth faz da teoria da linguagem não o aproxima de Lacan, mas de Wittgenstein. Dispus-me a ouvir o que Kosuth tinha a me dizer. Fundamental nessa decisão tomada foi a leitura cuidadosa do texto

Art After Philosophy, de 1969, que pode ser visto como a mais importante referência teórica

para a arte conceitual.

Em Art After Philosophy, Kosuth estabelece as direções essenciais para o que ele chama de arte, de Arte Conceitual, ainda que o termo não tenha sido cunhado por ele. Nesse canônico texto, ele faz a sua mais polêmica afirmação, a de que o século XX assiste a morte da filosofia e o início da arte. Define, a partir da relação de oposição que ele estabelece entre arte e estética, a linha de pensamento que irá conduzir todo o seu trabalho, desde 1966, segundo suas próprias palavras. Assim, a meu ver, desenvolve-se toda a rede que configura o

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terreno da Arte Conceitual: a discussão sobre a forma, sobre a materialidade do objeto de arte, sobre o papel do artista, sobre a função da arte, sobre o julgamento da obra de arte e sobre o papel do crítico de arte.

O fio condutor desse trabalho foi estabelecido na leitura da coletânea de textos de Kosuth entre 1966 e 1990. Art After Philosophy and After. Collected Writings, 1966-1990 foi meu livro de cabeceira, desde que iniciei minha pesquisa. A partir das diretrizes apontadas por Kosuth para a Arte Conceitual, fui buscar embasamento teórico para realizar minha própria análise de sua teoria. Assim, busquei em Kant, na Terceira Crítica, os elementos para entender a estética e promover um diálogo com a concepção de estética que Kosuth manifesta em seus textos. Com Thierry de Duve, proponho uma possível validação da estética kantiana na arte contemporânea. Finalmente, uma leitura de Wittgenstein se impôs pela analogia que Kosuth estabelece entre sua teoria da linguagem e a Arte Conceitual.

À medida que me afastava da intersecção com a psicanálise, mais me aproximava da filosofia. Então, não me furtei a uma incursão pela filosofia, ainda que não seja esta a

proposta da dissertação. Não se trata de dissertar sobre filosofia. Meu objetivo foi-se

definindo pela análise dos elementos que estruturam a Arte Conceitual, a partir da produção teórica de Joseph Kosuth, especialmente sua relação com a estética. Um aspecto que se mostrou fundamental para essa análise foi estabelecer um contraponto entre a teoria desenvolvida por Kosuth e suas ligações históricas e ideológicas.

No primeiro capítulo da dissertação, apresento uma visão panorâmica do artista Joseph Kosuth, com algumas referências históricas e biográficas. Exponho seus principais textos, onde as relações com outros artistas contemporâneos que lhe serviram de referência, como Judd, Sol Lewiit, Ad Reinhardt e Marcel Duchamp estão esboçadas. Sua transformação como artista, suas justificativas para a Arte Conceitual e para seu próprio trabalho artístico

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estão postas. Um tratamento mais minucioso foi dado nos capítulos seguintes. É dessa apresentação que extraio o cerne das discussões posteriores.

A relação de Kosuth com a crítica de arte é, numa visão ampliada, um aspecto de sua relação com o Modernismo. Kosuth opôs-se a certas premissas defendidas pelos críticos modernistas, melhor dizendo, por Clement Greenberg e pela crítica influenciada por ele. Greenberg, um formalista convicto, defendia a pintura abstrata como a única forma de se chegar ao que ele chamava de uma arte pura. O purismo na arte, pela visão de Greenberg, era algo a ser cultivado, através de um respeito aos limites próprios a cada tipo de linguagem artística. Com uma visão absolutamente oposta a de Kosuth, Greenberg acreditava na experiência estética como experiência imediata da arte. Fazia do julgamento de gosto o legítimo julgamento da arte. O debate teórico entre os dois forneceu-me um rico material para a construção do segundo e parte do terceiro capítulo dessa dissertação.

O segundo capítulo traz uma análise da Arte Conceitual dentro do contexto histórico da época, final dos anos 60 e início dos 70 e de suas relações com o Modernismo e o

Minimalismo. Tento delimitar um sentido mais restrito para o termo conceitual,

demasiadamente amplo e inespecífico. O próprio Kosuth atenta para a necessidade de critérios mais rígidos na definição da Arte Conceitual. Ele rejeita, explicitamente, algumas formas de manifestações artísticas ,usualmente associadas ao conceitualismo. Busco na etimologia e na filosofia usos que podem ser aplicados à Arte Conceitual.

No terceiro capítulo, faço uma breve incursão pela estética Kantiana, com o intuito de analisar a questão que me pareceu crucial durante toda a minha pesquisa: a relação de oposição que Kosuth estabelece entre a arte e a estética. Requerendo para a arte uma função analítica, acaba por transportar a arte para um outro campo, para ser mais exata, o da lógica. Kosuth não se apóia em nenhum de seus contemporâneos para justificar essa polêmica teoria. Ao contrário, ele esclarece que não fala em nome de mais ninguém e que chegou sozinho a

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essas conclusões. Trazer à tona uma conexão entre a morte da filosofia e o início da arte justifica-se, segundo ele, para analisar a viabilidade da arte e para fornecer um entendimento mais claro do termo “Arte Conceitual”.

Não é em Kant que está apoiada sua teoria para a Arte Conceitual. Na verdade, a filosofia lingüística de Wittgenstein, sobretudo a do segundo Wittgenstein, forneceu-lhe boa parte de seus argumentos. Nasce assim a visão da arte como uma tautologia e a de conceito baseada no uso. Seus textos, porém, fazem crer que ele se preocupou com as categorias kantianas, como gosto, por exemplo. É preciso, sem dúvida, fazer uma crítica à sua leitura da Estética Kantiana. Com uma visão absolutamente oposta a de Kosuth, Greenberg faz uso das categorias kantianas no seu ofício de crítico de arte e, mesmo não sendo um filósofo, traz uma grande contribuição para as discussões teóricas no circuito da arte. Faço uso dessa

contribuição para minha própria análise da Arte Conceitual.

Greenberg tornou-se uma importante referência na elaboração desse debate, por sua relevância como crítico do Modernismo, e por sua produção teórica, não menos merecedora de uma análise. A oposição de Kosuth a uma linha de pensamento que mantinha a arte presa a convenções institucionalizadas era, em grande parte, uma oposição a tudo o que Greenberg defendia como essencial para o desenvolvimento de uma arte superior. Daí sua presença marcante neste trabalho.

Durante a construção dessa dissertação, esbarrei em certas dificuldades, algumas minhas e outras inerentes à própria pesquisa. Joseph Kosuth não chega a ser um artista popular, principalmente no Brasil. Daí a escassez de referências a seus trabalhos, na língua portuguesa. A leitura de seus textos, densos e ricos em teoria, não ficou mais fácil na língua original, mas foi a menor das dificuldades a serem superadas. A linha adotada para a pesquisa tendia a uma perigosa aproximação com a filosofia. Perigosa, já que não é a linguagem que eu mais domino. Incrivelmente sedutora, ainda assim, como sempre me foi sedutora a própria

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arte. Esse terreno movediço criou alguma limitação, certo constrangimento, na execução do meu texto. As palavras pareciam levar-me a armadilhas. Não seria possível dizer qualquer coisa ou poderia botar tudo a perder. Nunca me pareceu tão necessária a precisão dos termos.

Ao final do trabalho, gostaria de ter ido mais longe nessa análise. Poderia ter me aprofundado em alguns aspectos, como na minha incursão pela filosofia. Gostaria de ter aproximado mais a teoria da práxis, em relação ao trabalho plástico de Kosuth. Alguns pontos permanecem sem uma conclusão definitiva. Não me considero completamente satisfeita. Ainda bem. Cheguei, com certeza, a algumas respostas. Creio ter desenvolvido uma crítica original em relação ao assunto proposto. O que não foi possível concluir nessa ocasião, deixo suspenso, nunca esquecido.

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I - Apresentando Kosuth:

Não pretendo expor uma mera compilação de referências históricas e dados

biográficos. A necessidade de uma apresentação cuidadosa de Joseph Kosuth está justificada pela complexidade de seu trabalho artístico, pela densidade de suas proposições teóricas e por sua importância na arte contemporânea.

Um primeiro contato com sua produção plástica e teórica, aliás, ele associa uma à outra, não deixa dúvidas de se tratar de um artista perturbador. Sua visão da arte e do artista subverte a tradicional concepção de arte. Para ele, o artista é um intelectual. Tem a

responsabilidade de questionar a função da arte e sua própria atuação como pessoa e como artista. Ele insiste na necessidade de uma produção teórica paralela à produção plástica e busca para o artista a responsabilidade de uma crítica em relação ao trabalho de arte.

As referências teóricas que trouxe para as artes carreiam elementos da filosofia da linguagem, antropologia, marxismo e psicanálise. Seu trabalho investiga a natureza lingüística das proposições artísticas, seu contexto social, institucional, psicológico e etnológico. Sua produção plástica faz poucas concessões aos meios visuais tradicionais de apresentação, como cores e formas, mas é certamente visual, uma vez que se localiza e se desenvolve no tempo e no espaço. Jean-François Lyotard compara o trabalho visual de Kosuth às letras do Torah, à espera de seu uso, de seu sentido. As palavras, as sentenças escritas, tornam presente um gesto incapaz de ser lido no sentido literal do discurso. É uma ausência que se faz presente, numa dimensão espacial e temporal, cujo alcance vai muito além da legibilidade das palavras.

“Eu comparo o trabalho visual de Kosuth às letras do Torah. Essas letras são também textos, mas estão à espera de sua pronúncia, suas vogais, sua pontuação, sua entonação, à espera de serem postas em prática. As palavras esperam para ser talhadas e definidas[...]E as definições léxicas em diversas línguas mostram que elas próprias são feitas de palavras, mas ainda estão à espera de seus sentidos”. 2

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Kosuth não é um poeta, não é um escritor, mas o meio com o qual nos apresenta a arte visual é a palavra escrita. Seu material é a linguagem. Mas ele rejeita as possíveis comparações entre seu trabalho e a poesia concreta que, segundo ele, é uma formalização do material do poeta. Os limites arbitrários entre as diversas formas de apresentação da arte, ele põe em questão e concebe a arte como um modo global de linguagem. Nos termos de

Wittgenstein, em última análise, todas as artes têm uma semelhança de família.

Evidenciamos, nos textos de Kosuth, uma distinção entre o termo geral arte e o que ele chama de linguagens artísticas, referindo-se à pintura, à escultura e às outras formas de apresentação das obras de arte. Poesia, pintura, escultura são palavras que devem ser

abandonadas, porque dizem respeito a uma ação limitada ou especificam materiais limitados. Preferível a palavra Arte, que está cheia de sentido. Tem uma conotação geral e ainda guarda sua especificidade. Na sua razão de ser, está separada da ciência, da política, da filosofia e do entretenimento.

Segundo Kosuth, a arte substituirá, em nosso tempo, o lugar metafísico que, no passado, foi preenchido pela filosofia e pela religião. Mas sua viabilidade, adverte, exige o abandono da experiência visual.

Não foi Kosuth o “inventor” da Arte Conceitual. Nem mesmo foi ele quem usou o termo pela primeira vez. Segundo ele mesmo, a arte puramente conceitual foi vista pela primeira vez na obra de Terry Atkinson e Michael Baldwin em Coventry, Inglaterra. Os dois faziam parte do grupo Art & Language e usaram o conceito da “declaração” como uma técnica para fazer arte. Em 1967, formularam os Air conditioning show e Air show, uma série de afirmações referentes ao uso teórico de uma coluna de ar comprimindo a base de 1,6 km² de uma distância não especificada na dimensão vertical. Na sua própria produção, ele identifica como seu primeiro trabalho conceitual, a obra Leaning glass, de 1965. A peça consistia de uma chapa de vidro para ser recostada em qualquer parede.

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Joseph Kosuth teve uma formação pictórica, período ao qual se referia como de uma ingenuidade artística, da qual logo tentou desvencilhar-se. Em entrevista a Jeanne Siegel, ele sintetizou a evolução pela qual passou sua produção plástica, desde que deixou de pintar. Na primeira peça que produziu, nessa nova perspectiva, utilizava vidro porque solucionava um dos problemas da composição, a cor. Para superar a forma, tentou apresentar o trabalho em condições variadas: despedaçado, moído, empilhado. Com a primeira peça de vidro, Any Five

Foots Sheet of Glass To Lean Against Any Wall, Kosuth tentava evitar os problemas da

composição e fabricar um objeto que não era nem pintura e nem escultura, numa forte

referência minimalista. Um aspecto importante do Minimalismo, segundo o próprio Kosuth, é que não produziu nem pintura, nem escultura, mas simplesmente arte. Um ponto final na trajetória do formalismo.

Como explica Donald Judd, em Objetos Específicos3,considerado o manifesto teórico do Minimalismo:

“Os novos trabalhos tridimensionais não constituem um movimento, escola ou estilo. Os aspectos comuns são muito gerais e muito pouco comuns para definirem um movimento. As diferenças são maiores do que as semelhanças. [...] A

tridimensionalidade não está tão próxima de ser simplesmente um continente quanto a pintura e a escultura parecem estar [...].”

“Grande parte da motivação subjacente aos novos trabalhos é livrar-se de tais formas. O uso das três dimensões é uma alternativa óbvia. Abre espaço para qualquer coisa. Muitas das razões para esse uso são negativas, de reação à pintura e à escultura [...]”.

Depois, Kosuth passou para as fotografias, usando verbetes de dicionários, buscando uma maneira de fazer arte sem seus componentes formais tradicionais. Tendo sempre em mente a premissa de que os objetos são conceitualmente irrelevantes para a condição artística, o artista pode pintar ou esculpir, se quiser, mas isso provavelmente não importa. Se tal objeto for fundamental para um determinado comentário sobre arte, então seu uso se justifica. Caso contrário, não há porque produzir mais objetos num mundo já repleto deles. Dizendo de outro

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modo, é importante separar a arte de seu meio de apresentação. As cópias fotostáticas, que aparecem várias vezes em seus trabalhos, são, como ele explica, apenas um meio de a idéia ser apresentada. Um meio sem importância, que poderia ser jogado fora e refeito a qualquer momento. É assim que Kosuth define sua relação com os objetos de arte:

“O que torna um artista, ou qualquer outro pensador, importante é no que ele contribuiu para a história das idéias[...]. Não há nada de errado em se usar objetos na arte – se eles, como ferramentas, podem arcar com o contínuo crescimento da complexidade dos debates em arte. E por essa razão, nesse momento, textos são o resultado necessário das atividades da Arte Conceitual. Quando objetos são usados – por mim ou por Bambridge ou Hurrel, por exemplo – eles são normalmente usados como um tipo de linguagem ‘formal’, necessária para um claro entendimento dos termos envolvidos.” 4

Entre seus contemporâneos, alguns são particularmente ovacionados por ele como referência inequívoca para a Arte Conceitual. É o caso de Sol Lewitt, a quem ele atribui a criação de um ambiente que tornou aceitável a Arte Conceitual. Mas suas influências mais diretas são Ad Reinhardt, Duchamp e Donald Judd. Kosuth sempre se preocupou com uma definição mais precisa da Arte Conceitual. Por seu pensamento radical, sempre foi uma polêmica e influente figura, num movimento que, até hoje, ressoa nas produções artísticas contemporâneas. Por essas razões e por outras que, porventura, tenham sido omitidas, uma apresentação de Kosuth faz-se necessária.

Joseph Kosuth nasceu em 31 de Janeiro de 1945, em Toledo, Ohio. Freqüentou a Toledo School of Design de 1955 a 1962 e estudou sob a orientação do pintor belga Line Bloom Draper. Em 1963, ingressou no Cleveland Art Institute. Mudou-se para Nova York em 1965, após passar um ano viajando pela Europa. Tinha então vinte anos de idade.

Tão logo chega a Nova York, o jovem artista imergiu inteiramente na vida cultural da cidade. Desde o início de sua carreira, ele deixou clara sua escolha de não ser um mero fabricador de objetos artísticos. Sempre provocou reflexões que levavam a um entendimento crítico do fazer artístico. Promoveu encontros e discussões com outros artistas, como On

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Kawara, Roy Lichtenstein, Claes Oldenburg, Sol Le Witt, Robert Smithson e Donald Judd. Com eles, manteve permanente trocas de idéias a respeito de arte.

Em 1967, Kosuth fundou a Lannis Gallery, um espaço destinado a exibições alternativas, que logo passaria a ser chamado The Museum of Normal Art. Foi neste espaço que organizou a Opening Exhibition of Normal Art. Ali, além de seus próprios trabalhos, mostrava obras de Carl André, Mel Bochner, Walter de Maria, On Kawara e Sol Le Wittt.

Numa importante homenagem ao recém falecido Reinhardt ( 1913 – 1962 ), Kosuth deu a seu trabalho, desenvolvido entre 1966 e 1975, o subtítulo Art as Idea as Idea, numa referência à bem conhecida sentença de Reinhardt, Art as Art. Esses trabalhos tornaram-se ícones da Arte Conceitual. As obras consistiam de palavras e verbetes, que traziam definições dicionarizadas de muitos dos termos chaves presentes no debate sobre a natureza e o status da arte moderna – “significado”, “objeto”, “representação”, “teoria”. Depois, passaram para conjuntos compostos por um objeto, sua fotografia e a definição em dicionário do objeto. O espectador é submetido à experiência de relacionar, instantaneamente, o objeto “real”, sua imagem icônica e sua correlação lingüística. Cada um dos três elementos deixa de ser puro texto ou pura imagem, rompendo a pretensa hierarquia existente na relação entre palavra (nome) e coisa.

Este é o caso da série One and Three Chairs, de 1965. As três representações da cadeira (o objeto real, a fotografia e a definição de dicionário) problematizam as relações entre o objeto, sua referencia visual e verbal. Este trabalho faz parte da série de

Protoinvestigações. Traz a intenção de erradicação da aura da obra de arte e de imersão numa

nova proposta, surgida para levantar questões sobre a natureza da arte e sua relação com a linguagem. 5O nome do programa foi dado posteriormente pelo artista, em função de seu programa de pesquisa posterior: The First Investigation, The second... Em The Second

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Investigation, Kosuth ampliou seu campo referencial e realizou inserções textuais fora do

ambiente artístico tradicional, em jornais, outdoors e em espaços urbanos.

Ad Reinhardt foi sempre uma importante referência para o jovem Kosuth. Ele

estudou história da arte na Universidade de Colúmbia e depois pintura, na Academia Nacional de Desenho norte-americana. Sua admiração por Reinhardt data do primeiro encontro dos dois artistas, em 1964, quando Reinhardt esteve no Cleveland Art Institute, como artista visitante. Suas pinturas, segundo o historiador Paul Wood, representam um caso limite no modernismo e foram concebidas sob uma rubrica exclusiva:

“A única coisa a dizer sobre a arte é que ela é uma coisa. A arte é arte-como-arte e todo o resto é todo o resto. Arte-como-arte nada é além de arte. A arte não é o que não é arte.”

(REINHARDT, 1962). 6

Em 1951, Reinhardt inicia uma série de quadros monocromáticos, chegando às suas

Black paintings. Elas aspiram a uma espécie de não-cor, em que a pintura exista em si mesma,

sem a interferência de efeitos de luz. O mesmo se vê nas Ultimate painting, que recomeça, sistematicamente, ao longo de dez anos. Em 1962, Reinhardt publica Art-as-art, em Art

International. O texto foi retomado em várias ocasiões, até 1967, reiterando seus princípios da

arte pura e atemporal, de uma art-for-art’s sake, como única possibilidade da arte em um mundo dominado pelo mercado. A pintura abstrata pura, autenticamente sem maneiras, desimpedida e desembaraçada, sem estilo e universal, era sua proposta de arte.

Kosuth define a pintura de Reinhardt como uma espécie de passagem, onde a

tradição da pintura parece ter-se concluído para a arte começar a se redefinir. Mais importante que sua qualidade formal é a auto-reflexão que promove, dentro do contexto do Modernismo. E essa auto-reflexão ou redefinição da arte toca nas questões da crítica e do mercado, pontos de grande relevância nas discussões propostas por Reinhardt. Para ele, o artista deveria ter a responsabilidade pelo sentido de seu trabalho. Kosuth diz que a pintura de Reinhardt, assim como seus escritos, iniciou um processo de auto-reflexão nas artes. Ela é, ao mesmo tempo,

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pintura e a negação da pintura, pois estabelece uma relação de negação com a cor e com as outras qualidades pelas quais a pintura é usualmente julgada. Os nove quadrados negros que compõem as Black paintings, se vistos isoladamente, são iguais mas, quando analisados em conjunto, põem em evidência um jogo de relações mais profundo.

Em 1968, na Lannis Gallery, Kosuth promoveu o que ele chamou de sua primeira exibição “secreta”. Intitulada 15 People Present Their Favorite Book, a mostra trazia o que o título prometia. O artista pediu a outros artistas que contribuíssem com seus livros favoritos para a exposição.

Neste mesmo ano, tornou-se professor na School of Visual Art. Foi quando começou a ganhar notoriedade como a principal e controversa figura do movimento emergente,

conhecido como Arte Conceitual. Nesta época, ele conheceu Seth Siegelaub, que se interessou por seu trabalho e, mais tarde, veio a se tornar um dos primeiros marchand da Arte

Conceitual. Foi ele o responsável pela série de exposições coletivas que deu origem ao famoso catálogo 5-31 January, 1969. O trabalho produzido indagava o que era uma

exposição, o que fazia um artista e os limites do que poderia ser tido como uma obra de arte. Enquanto alguns exemplos materiais de obra eram mostrados em prédios alugados, o

verdadeiro espaço da exposição era o catálogo. Nos termos de Siegelaub, tornou-se informação primária e não mais secundária.

O ano de 1969 foi crucial para a carreira de Kosuth. Foi o ano de sua primeira exposição individual na Leo Castelli Gallery e foi quando publicou seu primeiro texto importante, Art After Philosophy. Neste ensaio, publicado na edição de outubro do periódico

Studio International, suas investigações receberam o mais efetivo suporte teórico.

É possível ser um artista sem ser um pintor e nem um escultor? Nos conturbados e fecundos anos 60, essa foi uma pergunta que cruzou a cabeça de muitos artistas. Sem dúvida, contribuiu para que Kosuth escrevesse Art After Philosophy, que pode ser considerada a mais

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extensa declaração teórica feita por um artista conceitual, até aquela altura. Nesse texto, ele apresenta sua conhecida tese em que afirma que o século XX marca o fim da filosofia e o início da arte, sustenta uma distinção entre arte e estética e rejeita toda forma tradicional de linguagem artística, marcadamente o par pintura/escultura.

Esse foi um texto chave na compreensão do discurso teórico e da prática artística de Kosuth, àquela época, além de desenhar as proposições principais do movimento da Arte Conceitual. Suas críticas recaem sobre a filosofia tradicional, sobretudo a influenciada por Hegel que, diz Kosuth, no século XIX , foi capaz de oferecer uma solução aceitável para o conflito entre a teologia e a ciência. O resultado da influência de Hegel, se aceitarmos o pensamento de Kosuth, foi transformar os filósofos contemporâneos em historiadores da filosofia, “bibliotecários da Verdade, por assim dizer”. Devemos, então, segundo Kosuth, abandonar a filosofia tradicional e seguir o pensamento dos filósofos analíticos da linguagem? Seus argumentos fazem referências à linha de pensamento defendida pelo filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, que caracterizava as leis lógicas como tautologias.7 Com base no pensamento de Wittgenstein, Kosuth propõe que não nos ocupemos mais com a filosofia do continente, referindo-se ao existencialismo e à fenomenologia:

“Refiro-me com isso ao existencialismo e à fenomenologia. Mesmo Merleau-Ponty, com sua posição intermediária entre o empirismo e o racionalismo, não foi capaz de expressar a sua filosofia sem o uso de palavras (portanto usando conceitos); e seguindo esse caminho, como alguém pode discutir a experiência sem distinções nítidas entre nós e o mundo?”

Kosuth defendia que a condição artística poderia ser percebida em qualquer objeto, apresentado num contexto artístico, e tem sua razão de ser em condições

absolutamente alheias à sua implicação material. Essa condição, seguindo seus argumentos, é análoga a uma proposição analítica. A apreciação feita por A. J. Ayer da distinção entre analítico e sintético é aplicada por Kosuth a esta linha de pensamento:

“Uma proposição é analítica quando sua validade depende apenas das definições dos símbolos que contém e sintética quando sua validade é determinada pelos fatos da experiência”.

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Continuando com Ayer,

“Os axiomas de uma geometria são simplesmente definições e os teoremas de uma geometria são simplesmente a conseqüência lógica dessas definições. A geometria não traz em si o problema físico do espaço. Não traz em si nenhuma questão sobre qualquer outra coisa.Mas nós podemos usar a geometria para raciocinar sobre o espaço físico...se a geometria pode ser aplicada ao mundo físico ou não, é uma questão empírica, que está fora do âmbito da geometria em si. Não há sentido em se questionar qual dos vários conhecimentos geométricos são falsos ou quais são verdadeiros. Já que estão livres de contradições, eles são sempre verdadeiros.” 8

As obras de arte, defende Kosuth, se observadas dentro de seu contexto, como arte, são proposições analíticas, pois não veiculam qualquer informação sobre outra coisa. O artista, assim como o analista, não está diretamente preocupado com as propriedades físicas das coisas, mas com as conseqüências das proposições artísticas. Para Kosuth, elas são lingüísticas e não factuais.

Finalmente, Kosuth aproxima um trabalho de arte à lógica e à matemática, no

momento em que define um denominador comum as três, a tautologia. As proposições lógicas e matemáticas são verdadeiras a priori e isto equivale a dizer que são tautológicas.

Tautologias, mesmo se pensarmos que podem nos servir de guia para as pesquisas empíricas, não contém, em si, nenhuma informação, nenhum fato experimental. Um trabalho de arte é uma tautologia, uma vez que é a apresentação da intenção do artista. Isto é, se ele diz que um trabalho particular de arte é arte, ele está propondo uma definição de arte. A idéia de arte e arte são a mesma coisa e podem ser apreciados enquanto arte, sem sairmos de seu contexto para verificação.

Desde Duchamp e do reaparecimento da vanguarda artística, estava claro que uma obra de arte dependia tanto de seu contexto artístico, como de sua nomeação como arte pelo autor. Então, o fato daquilo ser arte é, a priori, verdadeiro. É o que Judd quer dizer ao afirmar que “se alguém chama algo de arte, isso é arte”.

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pensamento, desenvolvida por outros artistas que o precederam. Todos eles, de uma maneira ou de outra, direta ou indiretamente, estiveram envolvidos no debate crítico da cena artística norte americana, após o Expressionismo Abstrato:

“A arte abstrata, ou não pictórica, tem a mesma idade desse século, e embora seja mais especializada do que a arte precedente, é mais clara, mais completa e, como todo

pensamento e conhecimento moderno,mais exigente em seu domínio de relações.” ( Ad Reinhardt [1948]). 9

“A única coisa a ser dita sobre a arte é que ela é uma coisa. A arte é arte-como–arte e todo o resto é todo o resto. A arte como arte não é nada além de arte. A arte não é o que não é arte.” ( Ad Reinhardt [1963]).10

“A principal qualificação para a posição inferior da pintura é a de que os avanços na arte nem sempre são avanços formais”. ( Donald Judd [1963]).11

“A metade ou mais da metade dos melhores trabalhos novos nos últimos anos não foram nem pintura nem escultura.” ( Donald Judd [1965]).12

“ A principal virtude das formas geométricas é que elas não são orgânicas, como todo o resto da arte é. Uma forma que não fosse nem geométrica nem orgânica seria uma grande descoberta” (Judd [1967]).13

“ A idéia se torna uma máquina que faz a arte”. (Sol LeWitt [1967]).14

“Para cada trabalho de arte que se torna algo físico há diversas variações que não se tornam.”(LeWitt).15

“Na França há um velho ditado, “burro como um pintor”. O pintor era considerado burro, mas o poeta e o escritor eram considerados muito inteligentes. Eu queria ser inteligente. Eu tinha que ter a idéia de invenção. Não é nada fazer o que seu pai fazia. Não é nada ser outro Cézanne. Em meu período visual há um pouco daquela burrice do pintor. Toda a minha obra no período anterior ao Nu era pintura visual. Então cheguei à idéia. Eu pensei que a formulação ideática era um modo de escapar das influências. ( Marcel Duchamp).16

Reconhecer esses precedentes não significa identificar uma relação direta entre tais artistas e Kosuth, principalmente quando a questão em foco é a oposição entre arte e estética. Ao contrário, o próprio Kosuth alega que chegou sozinho a essa conclusão e que fala apenas em seu nome, quando defende essa premissa.

A influência de Marcel Duchamp é particularmente importante no pensamento de Kosuth a respeito da Arte Conceitual. Em Apropos of Ready-mades, de 1961 – uma palestra para o simpósio Art of Assemblage, no MOMA, em Nova York - Duchamp declara que a

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escolha dos ready- made funda-se numa “reação de indiferença visual”. Mais enfático ainda ele foi em 1962, em carta a Hans Richter, publicada, em 1965:

“Quando eu descobri os ready-mades eu pensei em desencorajar a estética. O Neo-Dada retomou meus ready-mades e encontrou beleza neles. Eu atirei um suporte para garrafas e um urinou na cara deles como um desafio e agora eles os admiram por sua beleza estética.”

A direção tomada, ao se admitir essa linha de argumentação, leva-nos a aceitar a irrelevância conceitual da estética para a arte. Esse é um dos apontamentos mais conhecidos e polêmicos que Kosuth levanta em Art After Philosophy. Ao afirmar que o século XX trazia o fim da filosofia e o início da arte, ele não destaca, naturalmente, nenhum sentido mecanicista nessa conexão, mas também não vê o fato como acidental. O que ele quer é separar estética de arte, porque a estética ocupa-se com opiniões sobre a percepção do mundo em geral. Isso não diz respeito a considerações feitas dentro de um contexto artístico.

Qualquer coisa física pode ser tomada como um objeto de arte, mas isso nada tem a ver com o fato de ser ou não esteticamente agradável. Esta conexão equivocada entre estética e arte perpetuou-se em razão do apego da arte tradicional e da crítica correspondente aos aspectos morfológicos e decorativos dos objetos artísticos.

“É necessário separar a estética da arte porque a estética lida com opiniões sobre a percepção do mundo em geral. No passado, um dos destaques da função da arte era seu valor como decoração. Assim, qualquer ramo da filosofia que lidasse com a beleza, e, portanto com o gosto, era inevitavelmente obrigado a discutir também a arte. A partir desse hábito surgiu a noção de que havia uma conexão conceitual entre a arte e a estética.”... (KOSUTH, 1969)17

“De fato as considerações estéticas são sempre alheias à função ou à razão de ser de um objeto. A não ser, é claro, que a razão de ser de um objeto seja estritamente estética. Um exemplo de objeto puramente estético é um objeto decorativo, uma vez que a função primordial da decoração é acrescentar algo de modo a tornar mais atrativo; adornar; ornamentar, e isso se relaciona diretamente com o gosto. O que nos leva diretamente à arte e à crítica formaslistas.” 18

Kosuth, além de absorver a influência de Duchamp, creditou a ele o ineditismo do questionamento a respeito da função da arte. Mesmo reconhecendo uma tendência a autodefinição da arte, a partir de Cézanne e através do cubismo, Kosuth define suas obras

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como tímidas e ambíguas, em comparação com o trabalho de Duchamp. Mesmo dizendo coisas novas, a arte moderna permanecia ligada aos trabalhos anteriores pela linguagem artística utilizada. O evento que concebeu a idéia de que se podia “falar outra linguagem” e isso ainda ter sentido de arte, foi o primeiro ready-made “sem assistência” de Marcel Duchamp, o Suporte para Garrafas, de 1914. Mas a verdadeira celeuma surgiu alguns anos mais tarde, com a Fonte, de 1917. Um urinol, comprado em uma loja de ferragens, assinado com um dos pseudônimos de Duchamp, “R. Mutt”, submetido ao comitê de seleção de uma exposição aberta de esculturas em Nova York. Era uma provocação. A obra foi rejeitada pelo júri e não foi exibida. Com os ready-made, Duchamp estava dizendo que a arte mudara seu foco da forma da linguagem para aquilo que estava sendo dito. Uma mudança de “aparência para concepção”. Para Kosuth, estava marcado o eclipse da morfologia da arte e se iluminava a intenção do artista e o valor contextual do trabalho de arte.

Segundo análise de Gabriele Guercio,19 duas linhas de pensamento correntes na época aparentemente se encontram em Art After Philosophy. Uma delas, a que considera a intenção do artista, data provavelmente de 1934. Foi quando André Breton, para uma publicação do Minotaure, define os ready-made como objetos industriais, promovidos à dignidade de arte pela vontade única do artista. Essa definição encontra eco, posteriormente, nos escritos do grupo Art & Language. A segunda linha de pensamento originou-se somente no final dos anos 60 e dá aos ready-made o valor de um denunciador da arte como uma instituição social. É uma noção exibida nos escritos de Arthur Danto e P. Bürger.

Em Transfiguração do Lugar-Comum, Danto examina a diferença ontológica entre os trabalhos artísticos e os objetos do cotidiano, algumas vezes indistinguíveis. Essa

indiferenciação se vê, especialmente, após a consagração das tendências artísticas surgidas entre as décadas de 50 e 60, como a Arte Pop, o Minimalismo e a Arte Conceitual. Ele discute a idéia do fim da arte, fim de uma narrativa evolutiva da arte, desde a mimese até o

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Modernismo, que colapsa com o episódio da Brillo Box, de Warhol. A conseqüência deste colapso, segundo Danto, é a distinção entre arte (e sua crítica) e estética (como disciplina filosófica).20

Bürger, por sua vez, identifica, em Theorie der Avantgarde (1974), uma noção de vanguarda, através de uma crítica da arte como uma instituição social. Para ele, o Dadaísmo representa o movimento mais radical da vanguarda européia. 21

Em suma, duas posições primordiais apóiam as afirmações de Art after Philosophy. Uma delas é de que a arte é sempre anterior a sua materialização e, finalmente, subordinada ao agenciamento do artista. De acordo com Kosuth, a arte só poderia libertar-se das

constrições morfológicas tornando-se ciente de seu funcionamento como tautologia, definindo-se a si mesma e, assim, absorvendo a função antes delegada aos críticos.

Utopicamente, Kosuth pretendia promover a idéia de que a arte deveria prescindir de qualquer intermediação entre o público e o artista. Ele próprio deveria ser um analista, questionando a linguagem da arte e promovendo o contato direto com o não artista. Esta imagem do artista, como um analista que questiona a linguagem da arte, carrega certas implicações que levam a um retorno a Reinhardt.

Reinhardt possuía um forte senso de responsabilidade moral do artista. Ele

repudiava a idéia corrompida de um artista que não sabe o que faz, ou que quer fazer acreditar que não sabe o que faz. Para ele, havia alguma coisa errada com a imagem corrente de uma falta de controle sobre a interpretação do trabalho do artista e sua subseqüente manipulação pela mídia e pelo mercado.

Em 1970, em sua Introductory Note, Kosuth atenta para o fato de que o questionamento sobre a natureza da arte torna a Arte Conceitual uma atividade tão

informativa e séria quanto a filosofia. Em entrevista a Jeanne Siegel, transmitida pela WBAI-FM, em Abril de 1970, quando questionado sobre o que ele quis dizer ao afirmar que um

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artista é alguém que questiona a natureza da arte, ele responde apontando a larga implicação social de sua definição de artista. A não ser que o artista assuma sua responsabilidade como pessoa e sobre as implicações sociais de seu trabalho, todo o valor da arte será submetido ao mercado e se tornará um negócio de classe alta, completa Kosuth.

A partir da década de 70, Kosuth passa a estudar antropologia na Graduate Faculty of The New School of Social Research. Seus textos ganham uma crescente tonalidade social e política. Cada vez mais, ele reivindica um novo papel para o artista, mais intelectualizado, engajado e preocupado com os efeitos de sua atuação cultural.

Em The Artist as Anthropologist, de 1975, o mosaico de citações que constitui a primeira parte do texto, sugere um modelo de arte enriquecida pelas possibilidades de seu entendimento dentro de um contexto social e histórico. O papel das instituições e de todo o aparato que cerca o mundo da arte, questões já implícitas em Art after Philosophy, são novamente discutidas. Agora, num contexto mais abrangente e político.

Tudo isto pode ser lido como uma espécie de prelúdio para as críticas de Kosuth à ideologia cientificista, com sua lógica da neutralidade, e seu alerta de que a Arte Conceitual deve dissolver essa pretensa autonomia da arte em relação ao mundo. A arte, diz Kosuth, deve internalizar e fazer uso de sua consciência social. A falácia do Modernismo é seu

posicionamento a favor de uma cultura do cientificismo. Para ele, o Modernismo oferece duas escolhas, dois caminhos: um da impessoalidade e da objetividade. O outro, de uma

subjetividade idiossincrática (referindo-se ao expressionismo abstrato), logo tornada objeto do mercado da arte. Isso é arte fora do homem, uma arte que vive para si mesma.

Esse chamado por uma consciência social nas artes derivou de uma crescente compreensão de Kosuth das contradições a que o conceitualismo estava submetido. Isto tinha ficado claro pelo crescente envolvimento do cenário artístico novaiorquino com as questões políticas. Durante a década de 60, uma onda de ativismo político anti-guerras havia sacudido

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Nova York. A década de 70 ganhou um tom mais teórico e marxista. Muitos artistas em Nova York passaram a escrever mais do que produzir objetos artísticos. Nesse contexto, Kosuth criou, em 1975, a revista Fox. A despeito de sua curta existência, apenas um ano, teve um importante papel na promoção de debates sobre política e arte. Entre outras questões

discutidas na revista, o fracasso da arte conceitual frente à voracidade do mercado de arte, que acabou por assimilar o conceitualismo como uma mera ruptura estilística. Kosuth, nesta época, já lidava com a delicada missão de redefinir o conceitualismo, dentro de uma perspectiva antropológica.

Em The Artist as Anthopologist, Kosuth reconhece que a Arte Conceitual, se tomada dentro de sua perspectiva primordial, como um modelo analítico de arte, tem uma capacidade limitada para criar uma crítica incisiva ao Modernismo. A importância desse texto não está só na sua proposta de um comprometimento social da arte. Nele, Kosuth continua a traçar um papel distintivo para o artista, num mundo pós-moderno. O que está em questão é uma percepção das condições sob as quais o artista existe no mundo e que interferem no aparato artístico. Visto como um antropólogo, o artista não deve abandonar sua faceta de analista da linguagem da arte. Deve combiná-la com uma visão da arte dialeticamente relacionada à cultura e à história. Assim, a arte deve ser entendida e criticada como uma criação do homem. O artista, analogamente a um antropólogo, deve fazer-se presente numa cultura. Não numa cultura alheia à sua, como no caso do antropólogo, mas na sua própria cultura. Deve, ao mesmo tempo, afetar e ser afetado por essa cultura, num processo dialético. Uma prática analítica da arte, como proposta pela Arte Conceitual, não poderia ser realizada numa perspectiva que mantivesse a ideologia da neutralidade, defendida pelos modernistas. Aparentemente, nessa nova etapa, Kosuth passa a manifestar objeção por uma característica assumida pelo conceitualismo que é o isolamento o que, para ele, contribuiu para um certo fracasso de suas proposições. De certa forma, The Artist as Anthropologist,

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pode ser lido como uma tentativa de correção para as ambivalências existentes em Art after

Philosophy. O próprio Kosuth reconhece um isolamento nesse tipo de arte analítica, que não

deixa de manter proximidade com a crença modernista de uma arte autônoma, que existe para si mesma. Essa foi uma perspectiva amplamente combatida pelo artista ao longo de seus escritos. A postura antropológica do artista, envolvido não só com a análise da linguagem da arte, mas com uma responsabilidade cultural, deveria ser uma saída para esses impasses ,diagnosticados nas propostas anteriores. Apesar disso, Art after Philosophy ainda pode ser lido como uma tentativa radical de mudança na arte, o que logo se viu, seria mais difícil de atingir do que se poderia pensar em 1969.

Nos anos seguintes, Kosuth assumiu uma política que pode ser sumarizada por um princípio dialético entre a prática individual do artista ,ao lado do aparato da arte (instituição artística) e a capacidade criativa, como parte de um contexto social abrangente. Isto é o que tornava possível a existência de uma arte que produzisse sentido.

Em 1977, em Within the Context: Modernism and Critical Pactice, ganha mais força a idéia, já discutida nos textos anteriores, a respeito da arte imaginada dentro de um domínio conceitual de recepção, interpretação e reciclagem de informações, sob o agenciamento do artista. O artista, tomado como um analista ou como um antropólogo, é percebido como um criador de sentido, cuja reflexão crítica é uma atividade tão importante quanto o próprio trabalho de arte. A proposta para a arte passou a defender a eliminação da dualidade entre a subjetividade do artista e a objetividade do trabalho. Não que isso pudesse eliminar as diversas possibilidades de interpretação contidas num trabalho de arte. Em outras palavras, o que Kosuth propunha era que o trabalho dos artistas conceituais trouxesse a subjetividade do artista e a discussão sobre a função da arte, ambas integradas na sociedade e na história. Nesses termos, Kosuth continua a tecer uma crítica à arte autônoma e anti-histórica postulada pelos modernistas. Kosuth desejava a humanização do trabalho de arte. Produzir sentido

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deveria levar em conta a relação entre duas subjetividades, a do criador e a do espectador. Afinal, segundo ele, sentido é feito por homens e é esse “produzindo sentido” o que nos conecta uns aos outros e ao mundo.

Mais recentemente, na década de 80, Kosuth mostra seu interesse pela psicanálise, mais precisamente pela obra de Sigmund Freud. Suas referências a Freud são visíveis em um grupo de trabalhos, produzidos a partir de 1980: Cathexis ( 1980-81),

Hypercathexis (1982), Fort! Da! (1985), Intentio (Project) (1985), Zero @ Not ( 1985-89), It

Was It ( 1986) e Modus Operandi (1987-89). É dessa época também o texto Necrophilia

Mon Amour, publicado na Artforum de Maio de 1982. Suas alusões a Freud não estão

baseadas em nenhuma escola específica e nem numa aplicação particular da psicanálise, mas numa reflexão sobre a teoria freudiana em si. O artista ,disposto a reconhecer as estruturas e relações que produzem o sentido e que afetam a arte e a cultura, deve levar em conta a teoria freudiana. Para Kosuth, o que ela representava era um sistema culturalmente internalizado de crenças e um meio de ampliar o princípio de significação na arte.

Em Notes on Cathexis, publicado em 1982, em conjunto com a exposição Cathexis ( Nova York), Kosuth define a intenção de compreender as condições do conteúdo. Esse

processo de entendimento, finalmente, se transforma no conteúdo do trabalho. Por conteúdo, não se deve entender o sentido como um tipo de instrumento, mas as condições que permitem a construção do sentido. O material desse trabalho são relações. O desejo de Kosuth era construir o trabalho (o sentido que ele tem como arte), por baixo da superfície visível, que são fragmentos de outros discursos (um sistema de sentido). Esta série é composta de textos e fotografias invertidas de pinturas de velhos mestres e serve de convite para que o espectador a veja, para além da forma do trabalho. A pintura, o texto e as cores estabelecem essa relação de sentidos, mas são eventos momentâneos, um ponto de entendimento dessa estrutura de

relações que constitui o trabalho de arte.

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Vê-se, neste período, uma forte identificação do artista com o analista freudiano e, não por acaso, com o arqueólogo. Freud, em Construções em Análise, de 1937, vê a

psicanálise como um tipo de arqueologia do sujeito. Kosuth desenha um paralelo implícito entre a arqueologia e a Arte Conceitual, dotando essa última de uma função de produtora de sentido, reconhecida dentro de um contexto social.

Desde Art After Philosophy, um pouco antes, talvez, Kosuth se dedica a definir e redefinir os contornos da arte, traçando para a Arte Conceitual pressupostos polêmicos e radicais, nem sempre inequívocos. Ele reconsiderou algumas de suas proposições, redefiniu conceitos, refinou sua teoria, mas mantém a essência de uma arte nascida com a missão de discutir a arte. Rompeu definitivamente com as convenções da arte moderna, sempre promovendo acirrados debates no terreno artístico.

A justificativa para sua produção artística e teórica ele buscou nos filósofos analíticos, com a atenção especialmente voltada para a teoria lingüística de Wittgenstein. Kosuth explora, desde sua série Protoinvestigações, de 1965, o pensamento de Wittgenstein, estabelecendo relações entre arte e linguagem. Em 1989, foi o curador da exposição The Play

of The Unsayable (Viena e Bruxelas, 1989), em comemoração ao centenário de nascimento de

Wittgenstein. Essa exposição, constituída como uma grande instalação, questiona os formatos e processos tradicionalmente usados nas organizações de mostras de arte.

Paralelamente a este denso trabalho teórico, desenvolve sua obra visual e determina para o artista uma função muito mais ampla e abrangente que a tradicional produção de obras de arte. Tornam-se convergentes, a partir de sua teoria, os papéis do artista, do crítico de arte, do antropólogo e do analista. As linhas traçadas por ele são, a meu ver, fundamentais para a compreensão da Arte Conceitual e, de uma maneira mais ampla, da arte contemporânea.

Hoje em dia Kosuth mantém-se ativo no circuito da arte, tanto como artista quanto como teórico da arte. Vive entre Nova York e Bélgica. Desde a década de 90, seu trabalho

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tem-se alternado entre “trabalhos privados”, que exibe temporalmente em galerias e museus e obras públicas permanentes, em diversas cidades da Europa, Austrália e Ásia. Seus trabalhos, a despeito de suas duras críticas ao mercado da arte, fazem parte da coleção de vários museus pela Europa e Estados Unidos. Talvez seja impossível superar a força do mercado. Mesmo para alguém como Kosuth.

Ainda hoje, ele defende uma posição para a Arte Conceitual de um movimento que vai muito além de um estilo ou um “ismo”. Ele mantém as posições que assumiu na década de 60, principalmente em relação à celeuma entre o artista, responsável por um discurso produtor de sentido, e a crítica de arte. Para ele, o principal motivo de desencontro entre os artistas contemporâneos e os historiadores e críticos é a negligência desses últimos em relação às intenções do artista, na produção de seu trabalho. A maior parte dos artistas contemporâneos tem questionado a primazia do objeto em sua proposta criativa, enquanto os historiadores e críticos seguem aferrando-se ao mesmo para o desenvolvimento de seu trabalho. (KOSUTH, 2003).22

Nas páginas que se seguirão, tentarei estabelecer, a partir dos textos de Kosuth, o que foi a essência da Arte Conceitual, suas relações com o Modernismo e com a crítica

correspondente, sua relação com a filosofia e com a teoria da linguagem de Wittgenstein.

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One and Three Chairs, 1965

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One and Three Chairs :

Esta é uma das primeiras obras de Kosuth dentro de seu programa de

Protoinvestigações, em que atualiza o pensamento de Wittgenstein e a relação que estabelece

entre a arte e a linguagem. Estão em evidência os elementos constituintes da linguagem, assim como o processo de produção artística. Está eliminada a aura do objeto artístico e a habilidade técnica do artista como produtor de arte. Afinal, o que Kosuth entende por arte nos leva a uma dimensão em que a produção de sentido se dá fora do campo formal.

Não posso deixar de pensar na relação de similitude que Magritte nos apresenta com a pintura do cachimbo e a frase que a nomeia: “Ceci n´est pas une pipe”. O desenho ingênuo e o enunciado simples que o comenta. Seria um “mal-escrito”, um mal-entendido? Magritte denuncia que uma imagem não deve ser confundida com um aspecto do mundo nem com alguma coisa de tangível. A pintura denuncia a semelhança, que é um ato essencial do pensamento:

“A semelhança é um pensamento suscetível de tornar-se visível pela pintura [...] Uma imagem da semelhança mostra tudo o que ela é, quer dizer, uma reunião de figuras onde nada é subentendido”.

Isto é uma cadeira... Isto não é uma cadeira... Uma cadeira é...

As cadeiras são três. Ao contrário do cachimbo de Magritte, a cadeira de Kosuth é uma cadeira real. Poderíamos nos sentar nela. A segunda cadeira, a fotografia, é a imagem que aponta para a relação de similitude. Esta não é uma cadeira. É a representação da cadeira. Mas há ainda a terceira cadeira. Nela, a relação de similitude está criada pela palavra, que dá nome, que descreve convenientemente o objeto, o mundo.

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Nosso pensamento é, então, impelido ao esforço de associar, simultaneamente, o objeto, sua imagem e sua descrição verbal. Os três elementos submetem-se uns aos outros. Formam uma unidade visível, sem hierarquia de nenhum sistema discursivo. Separa-los, seria uma mutilação no seu sentido.

Kosuth nos apresenta os elementos da linguagem. A palavra, o verbo, existe para delimitar um sentido. Uma cadeira é sempre uma cadeira. Não pode ser nada além de uma cadeira. Ironicamente, entretanto, a cadeira de Kosuth pode ser substituída por qualquer outra cadeira, infinitamente, a cada nova montagem da instalação. Mas as três cadeiras

permanecerão sempre justapostas, pela intenção do artista.

O conjunto é visualmente simples. One and Three Chairs pode ser julgado pela sua obviedade ou, por outro lado, como um complexo arranjo de signos. O espectador, quando vai além da mera visualidade, é obrigado a se perguntar: o que é real aqui?

O que é real, na intenção de Kosuth, é a relação estabelecida pela linguagem e evidenciada pela cadeira, que é uma e é três.

“O famoso cachimbo... Como fui censurado por isso!

E entretanto...

Vocês podem encher de fumo, o meu cachimbo?

Não, não é mesmo?

Ela é apenas uma representação.

Portanto,

Se eu tivesse escrito sob meu quadro:

‘isto é um cachimbo’, Eu teria mentido.”

( René Magritte)

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II - A arte conceitual e o modernismo:

Passo agora ao segundo momento dessa análise. Tendo feito a apresentação de Joseph Kosuth e dos aspectos principais de seu trabalho, tratarei de situar sua teoria para a Arte Conceitual. A história, nesse caso, traz argumentos indispensáveis para uma compreensão mais abrangente do que se tratou, afinal, esse movimento tão controverso. As relações ideológicas que os artistas da época estabeleciam entre si, com o público e com a crítica especializada, suas concepções da arte, da política, da vida de uma maneira geral, merecerá uma análise nessa etapa. É de especial interesse os pontos de conflitos entre a teoria da Arte Conceitual e os paradigmas, até aquele momento, consolidados pelo Modernismo. Para ser mais exata, refiro-me ao tipo de arte que, após 1945, passou a ser celebrada como

Expressionismo Abstrato ou Pintura Americana.

Não existe uma uniformidade na arte moderna americana, se considerarmos as primeiras décadas do século XX, até o período que ficou consolidado na história da arte como Modernismo. A mudança drástica nos paradigmas teóricos e práticos da arte americana, do período naturalista ou social-realista, de 1930 até mais ou menos 1940, para a fase de abstração pictórica, explica-se, em grande parte, pela atuação de certos críticos e historiadores. Em particular, Clement Greenberg.

Ainda que não se possa falar de uma única forma de arte modernista, Greenberg teve seu período de glória entre artistas e críticos da arte, entre as décadas de 40 e 50,

influenciando os acontecimentos no cenário artístico americano dessa época. Foi uma importante figura para o que ficou conhecido como Expressionismo Abstrato. A despeito de sua fama de déspota, foi um crítico de relevo e um estudioso dedicado da história e filosofia

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da arte. Apesar de publicar desde 1939, seus escritos ganharam maior relevo, a partir de fins da década de 40 e início de 50, influenciando ativamente a carreira de diversos artistas e o pensamento de jovens críticos, como Michael Fried.

A arte americana do século XX pode ser dividida em dois momentos bem marcados. As razões não são meramente didáticas. Vê-se, de fato, uma verdadeira ruptura entre os valores do período anterior à Segunda Guerra Mundial e o período pós-guerra. Antes de 1945, as instituições de arte americanas demonstravam pouco interesse pela arte moderna nacional, tida como secundária, em relação aos artistas e movimentos europeus. A pintura dos anos 30 refletia uma sociedade enraizada numa auto-imagem doméstica, provinciana, com formas de produção artística baseadas em perspectivas “realistas”. De uma maneira geral, as pinturas dessa época revelam o apego a uma função da arte como elemento de autodefinição de uma sociedade. A partir de meados da década de 40 e início de 50, há uma abertura da sociedade norte-americana para a cultura internacional e um desprezo ao provincianismo das obras regionais. Além disso, a Europa, desgastada pela guerra, perde o poderio econômico e cultural e deixa de ditar as regras no mercado da arte. A arte dos anos 50, nos Estados Unidos, é decididamente abstrata, universalista e desapegada das preocupações sociais.

Em Pintura à Americana, texto de 1955, Greenberg avalia a importância do fenômeno “expressionismo abstrato” para a pintura norte americana, sobretudo em Nova York, na década de 40. Muitos dos nomes ovacionados nesse período tiveram suas carreiras alavancadas pela crítica favorável de Clement Greenberg. É o caso de Arshile Gorky, Willem de Kooning, Hans Hofmann e Jackson Pollock.

É claro que não podemos dizer que a arte é determinada por uma visão crítica

específica. Sabemos, porém, que ela é determinada também por um mundo que está além do atelier. Um mundo que produz idéias sobre a arte e a institucionaliza. As relações entre arte e crítica de arte são questões para uma investigação ampla. Essas relações são problematizadas

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nos textos de Joseph Kosuth. Como já vimos, ele combatia o autoritarismo do crítico de arte ( e das instituições ) e instigava o artista a produzir uma crítica do seu próprio trabalho em andamento. Em referência direta aos expressionistas abstratos, Kosuth dizia que suas obras costumam ser “ejaculações”, apresentadas na linguagem morfológica da arte tradicional. A única importância que teve Pollock, segundo ele, foi a criação de um método novo de pintura, fora do cavalete e não suas noções de auto-expressão. Essa importância terminou quando ele passou a pendurar esses drippings na parede.

Greemberg distinguia aspectos bons e ruins no Expressionismo Abstrato. Acreditava, mesmo assim, que esse era o tipo de pintura que se podia classificar como uma arte maior e ambiciosa, com a grande missão de desbancar o provincianismo da arte moderna americana:

“Se eu disser que desde os dias do cubismo não se viu uma galáxia de pintores vigorosamente talentosos e originais como a formada pelos expressionistas abstratos, serei acusado de exagero chauvinista, ou até de falta de senso de proporção. Mas será que posso ao menos sugeri-lo?” (Greenberg, 1955 ).2

O que se converteu em uma vantagem adicional, foi a distância que os Estados Unidos da América mantiveram da guerra e a presença no país, durante os anos da guerra, de artistas europeus como Mondrian, Léger, Chagal, Ernst e Lipchitz, bem como de críticos, marchands e colecionadores.

Os pintores expressionistas abstratos assimilaram a arte importante dos períodos anteriores, com Klee, Miró, Picasso e Matisse. Segundo Greenberg, todos eles partiram da pintura francesa, adquiriram dela seu senso básico de estilo e mantiveram algum tipo de continuidade com ela. Talvez por isso mesmo, o Expressionismo Abstrato tenha sido o primeiro fenômeno na arte norte americana a conquistar o respeito de um setor considerável da vanguarda parisiense. A grande ousadia dos expressionistas abstratos foi ultrapassar as

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