Florística do estrato herbáceo de um remanescente de cerradão em
Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil
1Vivian Almeida Assunção2,3, Adriana Guglieri-Caporal2 e Ângela Lúcia Bagnatori Sartori2
Recebido: 20.08.2009; aceito: 22.06.2011
ABSTRACT -(Floristic survey of the herbaceous layer of a cerrado woodland remnant in Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brazil). The Cerrado is the second largest Brazilian morphoclimatic domain. It very rich in species, many endemic but it is also influenced by surrounding phytogeographic domains. The Cerrado, particularly cerrado woodland, is vulnerable to changes in climate and soil and to wildfires. Based on the avaliation of the richness of the herbaceous of the cerrado woodland of an urban RPPN want to answer the following questions: What is the growth habit, biological form and dispersal syndrome predominant? These species are exclusive of Cerrado phytogeographical domain? Samples were collected from May 2007 to June 2008 in a remnant of cerrado woodland on the RPPN/UFMS, Campo Grande, MS. We found 59 species, 49 genera and 17 families. The families most representative were Fabaceae (15 species), Poaceae (12) and Asteraceae (seven). Predominated the erect herbs (83%), hemicryptophyte (59%) and autochorich (61%). About distribution of species in Brazilian phytogeographic domains, 12% are exclusive to Cerrado and 16% are in Cerrado, Amazônia, Caatinga, Mata Atlântica and Pampa.
Key words: flora, floristic survey, herbs, savannah
RESUMO - (Florística do estrato herbáceo de um remanescente de cerradão em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil). O Cerrado é o segundo maior domínio morfoclimático brasileiro. O Cerrado é o segundo maior domínio morfoclimático brasileiro. Esta formação é rica em espécies, recebe influência dos domínios fitogeográficos circunvizinhos. O Cerrado, particularmente o cerradão, é vulnerável às mudanças de clima, solo e queimadas. Com base na avaliação da riqueza do estrato herbáceo do cerradão de uma RPPN urbana pretende-se responder as seguintes questões: Qual o hábito de crescimento, forma biológica e síndrome de dispersão predominantes? As espécies avaliadas são exclusivas do domínio fitogeográfico do Cerrado? As coletas foram realizadas de maio de 2007 a junho de 2008 em um remanescente de cerradão da RPPN/UFMS, Campo Grande, MS. Encontramos 59 espécies, 49 gêneros e 17 famílias. As famílias mais representativas foram Fabaceae (15 espécies), Poaceae (12) e Asteraceae (sete). Predominaram as herbáceas eretas (83%), hemicriptófitas (59%) e autocóricas (61%). Em relação à distribuição nos domínios fitogeográficos brasileiros observamos que 12% das espécies são exclusivas de Cerrado e 16% ocorrem no Cerrado, Amazônia, Caatinga, Mata Atlântica e Pampa.
Palavras-chave:Cerrado, ervas, flora, levantamento florístico
Introdução
O Cerrado é o segundo maior domínio morfoclimático brasileiro (Rodrigues 2005) e sua flora estimada em cerca de 12.000 espécies é formada predominantemente pelo estrato herbáceo (Mendonça
et al. 2008). Sua composição florística varia entre as
fitofisionomias em função do gradiente de luz e tolerância ao sombreamento (Coutinho 1978, Mantovani & Martins 1993) e é vulnerável às
mudanças de clima, tipos de solo e ocorrência de queimadas (Batalha & Martins 2002).
Estudos florísticos realizados no Cerrado estão restritos aos estratos arbóreo e arbustivo, sendo o herbáceo e o subarbustivo comumente negligenciados. Dentre os estudos florísticos envolvendo o estrato herbáceo no Cerrado destacam-se os de: Tannus & Assis (2004) em campo úmido, Munhoz & Felfili (2005, 2006) em campo sujo, Carvalho (1993), Mantovani & Martins (1993), Batalha et al. (2001),
1. Parte da Monografia de Conclusão de Curso de Ciências Biológicas da primeira autora na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
2. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, CCBS/DBI, Laboratório de Botânica, Cidade Universitária, Caixa Postal 549, 79070-900 Campo Grande, MS, Brasil
Batalha & Mantovani (2001), Batalha & Martins (2002), Meira Neto et al. (2007) e Mendonça et al.
(2007) em diferentes formações vegetacionais. A avaliação das formas biológicas e do hábito de crescimento tem sido utilizada para descrever qualitativamente a fisionomia da vegetação, a partir da quantificação de suas categorias (Mueller-Dombois & Ellenberg 1974).
Os mecanismos de dispersão, essenciais na distribuição natural das espécies, requer interações entre as plantas e seus dispersores e podem variar conforme os hábitos de crescimento. A dispersão de espécies no Cerrado pode ser efetuada por animais em espécies arbóreas ou por agentes abióticos em espécies herbáceas e subarbustivas (Batalha & Martins 2004).
Determinados estudos (Prado et al. 1992,
Oliveira Filho & Ratter 1995) tem indicado que o Cerrado influencia e recebe influência de distintos domínios fitogeográficos brasileiros compartilhando com esses alguns táxons. Entretanto, a distribuição geográfica dos táxons herbáceos ocorrentes no Cerrado e nos diferentes domínios brasileiros ainda requer análises.
O presente estudo com base na avaliação da riqueza do estrato herbáceo do cerradão de uma RPPN urbana pretende responder as seguintes questões: Qual o hábito de crescimento, a forma biológica e a síndrome de dispersão predominantes no cerradão? As espécies avaliadas são exclusivas do domínio fitogeográfico do Cerrado?
Material e métodos
O estudo foi realizado na Reserva Particular do Patrimônio Natural da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (RPPN/UFMS), cadastrada desde fevereiro de 2003 no Sistema Nacional de Unidades de Conservação. A RPPN com 50 ha, se localiza em Campo Grande, Mato Grosso do Sul (figura 1a), nas coordenadas geográficas 20°30S e 54°36W, a 600 m de altitude. O clima da região é o Cwa conforme classificação de Köppen (1931), com temperatura média entre 20 e 22 °C, com alternância de duas estações, chuvosa (verão) e seca (inverno), a precipitação média anual é de 1.532 mm e a umidade relativa raramente atinge 80% (Embrapa-CNPGC 1985). O solo é caracterizado como Latossolo Vermelho Escuro, Latossolo Roxo, Areia Quartzosas e solos litólicos (REPAMS 2008).
A formação fitofisionômica da RPPN/UFMS foi classificada como cerradão de acordo com Furley & Ratter (1988), constituído por três estratos: o superior, com árvores de 10-12 m de altura e algumas emer-gentes de 15-18 m; o mediano, mais ou menos denso, formado por arbustos ou arvoretas que atingem até 3 m e o estrato herbáceo. É observada a ocorrência de clarei-ras em trechos da área de estudo, localizadas no interior das parcelas. Atualmente encontra-se em regeneração, tendo sido por anos sujeita a pastejo de gado bovino.
A área selecionada para estudo com cerca de 3 ha corresponde a uma parte da Reserva (figura 1b), onde foram estabelecidas 13 parcelas, plotadas no sentido leste-oeste, de 2.400 m2 (400 × 6 m cada), distantes a 29 m uma da outra.
As coletas mensais foram realizadas no período de maio de 2007 a junho de 2008 por meio de caminhadas nas parcelas. Durante as coletas, foram obtidos indivíduos preferencialmente férteis. A definição do hábito herbáceo seguiu Guedes-Bruni
et al. (2002), onde foram consideradas ervas as plantas
não lenhosas.
Para identificação do material coletado foram utilizadas bibliografias especializadas, comparação com material de herbário e quando necessário consulta a especialistas. A nomenclatura para família seguiu APG III (2009). O material fértil coletado e devidamente identificado foi herborizado de acordo com as técnicas usuais e incorporado ao Herbário CGMS da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul campus Campo Grande.
O hábito de crescimento dos indivíduos amostrados foi classificado em ereto, subereto, decumbente, prostrado, ereto e decumbente, e ereto a subereto, a partir de observações em campo. Cada espécie foi classificada quanto à forma biológica (caméfita, geófita, hemicriptófita, terófita, terófita a hemicriptófita), de acordo com o sistema de Raunkier adaptado por Müller-Dombois & Ellenberg (1974).
A caracterização das síndromes de dispersão foi baseada no tamanho, cor e morfologia dos diásporos, incluindo a ornamentação e estruturas acessórias. Para as síndromes foi adotada a nomenclatura de van der Pijl (1982), sendo consideradas as categorias autocórica, anemocórica e zoocórica.
considerado o domínio fitogeográfico do Pantanal como unidade diferenciada conforme proposto por Joly et al.
(1999). Indivíduos identificados ao nível de gênero não foram considerados nesta análise.
Resultados
Foram encontradas 59 espécies, distribuídas em 49 gêneros e 17 famílias (tabela 1); Fabaceae foi a mais rica em espécies (15 espécies), seguida por Poaceae (12) e Asteraceae (sete) que representam juntas cerca de 58% do total amostrado.
O gênero com maior riqueza foi Mimosa com três
espécies, seguido de Arachis, Aristida, Desmodium, Eriosema, Gomphrena, Hybanthus, Pavonia e Sida,
com duas espécies cada. Dentre as espécies
constatadas, 83% foram classificadas como eretas e as demais categorias variaram pouco entre si; hemicriptófita foi a forma de vida predominante (ca. 59%) e geófita a mais rara (ca. 8%), como mostra a tabela 1. Observamos a ocorrência de um grande número de heliófilas em clareiras e na borda do cerradão.
As síndromes de dispersão mais comuns entre as espécies avaliadas foi a autocórica (ca. 61%) e a anemo-córica (ca. 24%). O predomínio de espécies autoanemo-córicas deve-se principalmente aos representantes de Fabaceae e Poaceae, que juntos somaram aproximadamente 56% desta categoria. Asteraceae contribuiu consideravel-mente com o predomínio de espécies anemocóricas (ca. 43%). As espécies destas famílias foram mais comuns na borda e em clareiras dentro da área de estudo. Mimosa maracayuensis e Hybanthus spp.
não foram classificados quanto à síndrome de dispersão devido à ausência de frutos.
Das espécies avaliadas quanto à distribuição nos domínios fitogeográficos brasileiros, 12% são exclusivas do Cerrado e 16% ocorrem nos cinco domínios considerados. Das 49 espécies avaliadas, constatamos maior número de espécies em comum com a Mata Atlântica (37 espécies) e menor número com o Pampa (12) como mostra a tabela 2.
Alysicarpus vaginalis, Oeceoclades maculata, Digitaria insularis, Hyparrhenia rufa, Melinis minutiflora e Urochloa brizantha são consideradas
Figura 1. a. Mapa de Mato Grosso do Sul com destaque para o município de Campo Grande. b. Localização e vista aérea da Reserva Particular do Patrimônio Natural da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (RPPN/UFMS) campus Campo Grande, Mato Grosso do Sul. A seta mostra o sentido no qual as parcelas foram alocadas na área.
Tabela 1. Espécies herbáceas encontradas na RPPN/UFMS, Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Informações sobre hábito de crescimento dos indivíduos, forma de vida, síndromes de dispersão e material testemunho (Herbário CGMS da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).
Table 1. Herbaceous species found in the RPPN/UFMS, Campo Grande, Mato Grosso do Sul information about growth habit, life form, dispersal syndromes and voucher (CGMS Herbarium da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).
Famíla/Subfamília/Espécie Hábito de Forma de Síndrome de Material
crescimento vida dispersão testemunho
(CGMS) ACANTHACEAE
Justicia sp. Ereta Hemicriptófita Autocórica 23987
Ruellia cf. geminiflora Kunth Ereta Hemicriptófita Autocórica 23988
Stenandrium pohli Nees Ereta Hemicriptófita Autocórica 23989
AMARANTHACEAE
Gomphrena macrocephala A. St.-Hil. Ereta Hemicriptófita Anemocórica 23990
Gomphrena sp. Ereta Geófita Anemocórica 23991
ASTERACEAE
Acanthospermum australe (Loefl.) Kuntze Prostrada Terófita Zoocórica 23992
Elephantopus angustifolius Sw. Ereta Hemicriptófita Anemocórica 23993
Eupatorium sp. Ereta Hemicriptófita Anemocórica 23994
Porophyllum ruderale (Jacq.) Cass. Ereta Terófita Anemocórica 23995
Pterocaulon lanatum Kuntze Ereta Terófita/Hemicriptófita Anemocórica 23996
Tridax procumbens L. Prostrada Terófita Anemocórica 23997
Vernonia remotiflora Rich. Ereta Indeterminada Anemocórica 23998
BROMELIACEAE
Ananas ananassoides (Baker) L.B. Sm. Ereta Hemicriptófita Zoocórica 23999
Dyckia sp. Ereta Hemicriptófita Anemocórica 24000
COMMELINACEAE
Commelina erecta L. Ereta Terófita Autocórica 24001
CYPERACEAE
Cyperus imbricatus Retz. Ereta Hemicriptófita Autocórica 24002
Rhynchospora nervosa (Vahl) Boeckeler Ereta Hemicriptófita Autocórica 24003
EUPHORBIACEAE
Cnidoscolus sp. Ereta Hemicriptófita Autocórica 24005
Euphorbia hyssopifolia L. Ereta Terófita Autocórica 24004
IRIDACEAE
Cipura paludosa Aubl. Ereta Geófita Autocórica 24006
FABACEAE Caesalpinoideae
Chamaecrista nictitans (L.) Moench Ereta Hemicriptófita Autocórica 24007
Mimosoideae
Mimosa diplotricha C. Wright ex Sauvalle Ereta Caméfita Autocórica 24008
Mimosa gracilis Benth. Ereta Hemicriptófita Autocórica 29511
Mimosa maracayuesis Chodat & Hassl. Ereta Hemicriptófita Indeterminada 24009
Papilionoideae
Alysicarpus vaginalis (L.) DC. Ereta Caméfita Autocórica 24010
Arachis archeri Krapov. & W.C. Gregory Decumbente Geófita Autocórica 24012
Arachis glabrata Benth. Prostrada Geófita Autocórica 24011
Clitoria falcata Lam. Ereta Caméfita Autocórica 24013
Crotalaria stipularia Desv. Ereta Hemicriptófita Autocórica 24014
Desmodium barbatum (L.) Benth. Ereta e decumbente Hemicriptófita Zoocórica 24015
Desmodium incanum (Sw.) DC. Ereta e decumbente Hemicriptófita Zoocórica 24016
Eriosema campestre Benth. Ereta Hemicriptófita Autocórica 24017
Eriosema crinitum (Kunth) G. Don Ereta Hemicriptófita Autocórica 24018
Periandra heterophylla Benth. Ereta Caméfita Autocórica 24019
Zornia latifolia Sm. Decumbente Hemicriptófita Zoocória 24020
LYTHRACEAE
Cuphea carthagenensis (Jacq.) J.F. Macbr. Ereta Terófita Autocórica 24021
Tabela 1 (continuação)
Famíla/Subfamília/Espécie Hábito de Forma de Síndrome de Material
crescimento vida dispersão testemunho
(CGMS) MALVACEAE
Pavonia communis A. St.-Hil. Ereta Caméfita Zoocórica 24022
Pavonia sp. Ereta Hemicriptófita Autocórica 24023
Sida cordifolia L. Ereta Hemicriptófita Autocórica 24024
Sida rhombifolia L. Ereta Terófita/Hemicriptófita Autocórica 24025
Waltheria communis A. St.-Hil. Ereta Caméfita Autocórica 24026
ORCHIDACEAE
Oeceoclades maculata (Lindl.) Lindl. Ereta Caméfita Anemocórica 24027
POACEAE
Andropogon fastigiatus Sw. Ereta Terófita Autocórica 24028
Aristida riparia Trin. Ereta Hemicriptófita Anemocórica 24053
Aristida setifolia Kunth Ereta Hemicriptófita Anemocórica 24029
Axonopus pressus (Ness ex Steud.) Parodi Ereta Hemicriptófita Autocórica 24030
*Digitaria insularis (L.) Fedde Ereta Hemicriptófita Autocórica 24031
Eragrostis polytricha Ness Ereta Hemicriptófita Autocórica 24032
Hyparrhenia rufa (Ness) Stapf Ereta Hemicriptófita Autocórica 24034
Ichnanthus procurrens (Ness ex Trin.) Swallen Ereta e decumbente Hemicriptófita Autocórica 24035
Melinis minutiflora P. Beauv. Ereta e decumbente Hemicriptófita Anemocórica 24036
Paspalum glaucescens Hack. Ereta Hemicriptófita Autocórica 24037
Schizachyrium sp. Ereta Hemicriptófita Anemocórica 24038
Urochloa brizantha (Hochst. ex A. Rich.) R.D. Ereta e subereta Hemicriptófita Autocórica 24039
Webster POLYGALACEAE
Polygala sp. Ereta Terófita Autocórica 24040
SOLANACEAE
Solanum sisymbrifolium Lam. Ereta Terófita Zoocórica 24041
TURNERACEAE
Piriqueta corumbensis Moura Ereta Geófita Autocórica 24042
VIOLACEAE
Hybanthus sp. 1 Ereta Hemicriptófita Indeterminada 24043
Hybanthus sp. 2 Ereta Hemicriptófita Indeterminada 24057
como subespontâneas, o que corresponde a 12% das espécies avaliadas (tabela 2).
Discussão
Em uma área de cerradão em Santa Bárbara, SP, foram constatadas duas espécies herbáceas (Meira Neto et al. 2007) e em Assis, SP, 14 (Rossato et al.
2008), números nitidamente inferiores ao obtido pelo presente estudo. Possivelmente diferenças nos métodos de amostragem e esforço amostral tenham sido responsáveis por tais discrepâncias.
Fabaceae se destacou em riqueza no estrato herbáceo de cerradão em Campo Grande, MS (Cristaldo dados não publicados), assim como em cerrado denso em Moji Guaçu, SP (Mantovani & Martins 1993). Semelhantes ao presente estudo, as áreas de cerrado avaliadas pelos referidos autores são atualmente protegidas e estão em regeneração, após
terem sido, ao longo de anos, desmatadas e queimadas para implantação de pastagens.
Filgueiras (2002) observou que Fabaceae e Asteraceae estão entre as famílias mais represen-tativas nas comunidades herbáceas de cerradão. Estudos anteriores destacaram como famílias de maior riqueza florística, Cyperaceae e Poaceae em campo úmido (Tannus & Assis 2004), Poaceae e Asteraceae em vereda (Araújo et al. 2002), e Poaceae em campo
sujo (Munhoz & Felfili 2004, 2006). Já o elevado número de espécies de gramíneas no presente estudo se deve em parte à alteração da área, que propiciou o estabelecimento de espécies oportunistas como
Andropogon fastigiatus, Digitaria insularis, Hyparrhenia rufa, Melinis minutiflora e Urochloa brizantha.
Eriosema e Mimosa se destacaram entre os
Tabela 2. Distribuição das espécies herbáceas encontradas na RPPN/UFMS, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, conforme os domínios fitogeográficos brasileiros. *espécies subespontâneas.
Table 2. Distribution of herbaceous species found in the RPPN/UFMS, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, according to the Brazilian phytogeographic areas. *subspontaneous species.
Família/Subfamília/Espécie Amazônia Caatinga Cerrado Mata Atlântica Pampa
ACANTHACEAE
Ruellia cf. gemminiflora X X X X
Stenandrium pohli X X
AMARANTHACEAE
Gomphrena macrocephala X
ASTERACEAE
Acanthospermum australe X X X X
Elephantopus angustifolius X X X X X
Porophyllum ruderale X X X
Pterocaulon lanatum X
Tridax procumbens X X X X X
Vernonia remotiflora X
BROMELIACEAE
Ananas ananassoides X X X X
COMMELINACEAE
Commelina erecta X X X X
CYPERACEAE
Cyperus imbricatus X X X X X
Rhynchospora nervosa X X X X
EUPHORBIACEAE
Euphorbia hyssopifolia X X X X X
IRIDACEAE
Cipura paludosa X X X X
FABACEAE Caesalpinoideae
Chamaecrista nictitans X X X X
Mimosoideae
Mimosa diplotricha X X X
Mimosa gracilis X X
Mimosa maracayüensis X X
Papilionoideae
*Alysicarpus vaginalis X
Arachis archeri X
Arachis glabrata X X
Clitoria falcata X X X
Crotalaria stipularia X X X X
Desmodium barbatum X X X X X
Desmodium incanum X X X
Eriosema campestre X X
Eriosema crinitum X X X
Periandra heterophylla X X
Zornia latifolia X X X X
LYTHRACEAE
Cuphea carthagenensis X X X X X
MALVACEAE
Pavonia communis X X
Sida cordifolia X X X X
Sida rhombifolia X X X X X
Waltheria communis X X
ORCHIDACEAE
*Oeceoclades maculata X X X X
Tabela 2 (continuação)
Família/Subfamília/Espécie Amazônia Caatinga Cerrado Mata Atlântica Pampa
POACEAE
Andropogon fastigiatus X X X
Aristida riparia X X X X
Aristida setifolia X X
Axonopus pressus X X X X
*Digitaria insularis X X X X
Eragrostis polytricha X X X X
*Hyparrhenia rufa X X X X
Ichnanthus procurrens X X X X
*Melinis minutiflora X X X
Paspalum glaucescens X X X
*Urochloa brizantha X X X X
SOLANACEAE
Solanum sisymbrifolium X X X X X
TURNERACEAE
Piriqueta corumbensis X
(1993) e Mimosa em formações abertas do Cerrado
(Filgueiras 2002) e em campo sujo (Munhoz & Felfili 2004). Comparando os dados do presente estudo com os obtidos por Cristaldo (dados não publicados) e Pott
et al. (2006), observamos oito e 16 espécies em
comum, respectivamente.
Segundo Coutinho (1978) o estrato herbáceo-subarbustivo é constituído predominantemente por espécies perenes heliófilas, e é mal representado no cerradão, devido a intolerância ao sombreamento. A riqueza verificada para o estrato herbáceo no presente estudo, está provavelmente relacionada ao estabelecimento de espécies heliófilas nas clareiras e na borda, onde há maior incidência de luz.
Espécies hemicriptófitas, caméfitas, terófitas e geófitas decrescem nas fisionomias densas do Cerrado, sendo que a raridade das terófitas e geófitas no cerradão deva-se possivelmente à exigência de elevados níveis de luminosidade (Meira Neto et al.
2007). De fato, no presente estudo, as espécies hemicriptófitas predominaram e as terófitas e geófitas foram pouco representadas e restritas à borda ou clareiras mais amplas com alta incidência de luz.
A síndrome autocórica teve destaque entre os estratos herbáceo e subarbustivo em campo limpo, campo sujo, campo cerrado e cerrado s.s. do Parque
Nacional das Emas, GO (Batalha & Martins 2004), à semelhança do presente estudo.
Conforme avaliado, as espécies constatadas não são exclusivas do Cerrado, o que corrobora a hipótese de que o mesmo recebe influência de outros domínios brasileiros (Prado et al. 1992, Oliveira Filho & Ratter
1995). O cerradão da RPPN urbana estudada é rico em espécies herbáceas, e apesar da antropização ainda conserva elementos da flora do Cerrado, da Mata Atlântica, da Caatinga e do Pampa.
Agradecimentos
Aos botânicos Ana Cristina Cristaldo, Fábio Matos Alves, Geciani Miriam da Silva, Leila Carvalho Costa, Vali Joana Pott, Arnildo Pott, Inês Cordeiro, José Francisco Montenegro Valls, Matías Morales e Osmar Ribas pela confirmação das identificações botânicas. À FUNDECT pelo financiamento do projeto Fauna Antófila. Ao CNPq pela concessão da bolsa de Iniciação Científica à primeira autora. À CAPES pela bolsa PRODOC concedida à segunda autora entre 2006 e 2009.
Literatura citada
APG (Angiosperm Phylogeny Group) III. 2009. An update
of the Angiosperm Phylogeny Group classification for the orders and families of flowering plants: APG III. Botanical Journal of Linnean Society 161: 105-121.
Araújo, G.M., Barbosa, A.A.A., Arantes, A.A. & Amaral, A.F. 2002. Composição florística de veredas no município
de Uberlândia, MG. Revista Brasileira de Botânica 25: 475-493.
Batalha, M.A. & Mantovani, W. 2001. Floristic composition
of the Cerrado in the Pé-de-Gigante reserve (Santa Rita do Passo Quatro, Southeastern Brazil). Acta Botanica Brasilica 15: 284-304.
Batalha, M.A. & Martins, F.R. 2002. Life-form spectra of
Batalha, M.A. & Martins, F.R. 2004. Reproductive
phenology of the cerrado plant community in Emas National Park (central Brazil). Australian Journal of Botany 52:149-161
Batalha, M.A., Mantovani, W. & Mesquita Júnior, H.N. 2001.
Vegetation structure in Cerrado Physiognomies in south-Eastern Brazil. Brazilian Journal Biology 61: 475-483.
Carvalho, D.A. 1993. Espécies herbáceas e subarbustivas
ocorrentes em cerrados do sudoeste de Minas Gerais. Ciência e Prática 17: 162-170.
Coutinho, L.M. 1978. O conceito de Cerrado. Revista
Brasileira de Botânica 7: 17-23.
Embrapa - CNPGC. 1985. Boletim Agrometeorológico. Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Campo Grande.
Filgueiras, T.S. 2002. Herbaceous plant communities. In: P.S. Oliveira & J.R. Marquis (eds.).The cerrados of Brazil: Ecology and natural history of a neotropical savanna. Columbia University Press, New York, pp. 121-139.
Flora do Brasil.2010. Lista de Espécies da Flora do Brasil.
Jardim Botânico do Rio de Janeiro. http:// floradobrasil.jbrj.gov.br/2010/ (acesso em 10.06.2010).
Furley, P.A. & Ratter J.A. 1988. Soil resources and plant
communities of the central Brazilian cerrado and their development. Journal Bio Geografic 15: 96-108.
Guedes-Bruni, R.R., Morim, M.P., Lima, H.C. & Silvestre, L.S.
2002. Inventário florístico. In: L. da S. Sylvestre & M.M.T. Rosa (orgs.). Manual metodológico para estudos botânicos na Mata Atlântica. Seropédica, Rio de Janeiro, pp. 24-49.
Joly, C.A., Aidar, M.P.M., Klink, C.A., McGrath, D.G., Moreira, A.G., Moutinho, P., Nepstad, D.C., Oliveira, A., Pott, A., Rodal, M.J.N. & Sampaio, E.V.S.B. 1999.
Evolution of the Brazilian phytogeography classification systems: Implications for biodiversity conservation. Ciência e Cultura Journal of the Brazilian Association for the advancement of Science 51: 331-348.
Köppen, W. 1931. Grundriss der Klimakunde. 2 ed. W. de
Gruytu, Berlin.
Mantovani, W. & Martins, F.R. 1993. Florística do Cerrado
na Reserva Biológica de Moji Guaçu, SP. Acta Botanica Brasilica 7: 33-59.
Meira Neto, J.A.A., Martins, F.R. & Valente, G.E. 2007.
Composição florística e espectro biológico na Estação Ecológica de Santa Bárbara, Estado de São Paulo, Brasil. Revista Árvore 31: 907-922.
Mendonça, R.C., Felfili, J.M., Walter, B.M.T., Silva Júnior, M.C., Rezende, A.V., Filgueiras, T.S. & Nogueira, P.E.N. & Fagg, C.W. 2008. Flora vascular do Cerrado. Checklist com 12.356
espécies. In:S.M. Sano, S.P. Almeida & J.F. Ribeiro (eds.). Cerrado: ambiente e flora. v.2. Embrapa Cerrados, Embrapa Informação Tecnológica, Brasília, pp. 421-443.
Mendonça, R.C., Filgueiras, T.S. & Fagg, C.W. 2007.
Análise florística da Chapada dos Veadeiros. In:J.M. Felfili, A.V. Rezende & M.C. Silva Júnior (orgs.). Biogeografia do Bioma Cerrado: Vegetação e solos da Chapada dos Veadeiros. Editora Universidade de Brasília, Finatec, Brasília, pp. 119-124.
Müller-Dombois, D., Ellenberg, H. 1974.Aims and
methods of vegetation ecology. John Wiley & Sons, New York.
Munhoz, C.B.P. & Felfili, J.M. 2004. Fitossociologia do
componente herbáceo-subarbustivo de uma área de campo sujo no Distrito Federal, Brasil. Acta Botanica Brasilica 29: 1823-1832.
Munhoz, C.B.R. & Felfili, J.M.2005. Fenologia do estrato
herbáceo-subarbustivo de uma comunidade de campo sujo na Fazenda Água Limpa no Distrito Federal, Brasil. Acta Botanica Brasilica 19: 979-988.
Munhoz, C.B.R. & Felfili, J.M. 2006. Fitossociologia do
estrato herbáceo-subarbustivo de uma área de campo sujo no Distrito Federal, Brasil. Acta Botanica Brasilica 20: 671-685.
Oliveira-Filho, A.T. & Ratter, J.A. 1995. A study of the
origin of central Brazilian Forests by the analysis of plant species distribution patterns. Edinburgh Journal of Botany 52: 141-194.
Pott, A., Pott, V.J., Sciamarelli, A., Sartori, A.L.B., Resende, U.M., Scremin-Dias, E., Jacques, E.L., Aragaki, S., Nakajima, J.N., Romero, R., Cristaldo, A.C.M. & Damasceno-Junior, G.A. 2006. Inventário
das Angiospermas no Complexo Aporé-Sucuriú. In: T.C.S. Pagotto & P.R. Souza (orgs.). Biodiversidade do Complexo Aporé-Sucuriú - Subsídios à conservação e ao manejo do Cerrado. UFMS, Campo Grande, pp. 45-66.
Prado, D.E., Gibbs, P.E., Pott, A. & Pott, V.L. 1992. The
Chaco-Pantanal transition in southern Mato Grosso, Brazil. In: P.A Furley, J. Proctor & J.A. Ratter (eds.). Nature and Dynamics of Forests-Savana Boundaries, Chaman & Hall, London, pp. 461-470.
Repams.2008. Associação de Proprietários de Reservas
Particulares de Mato Grosso do Sul. http:// www.repams.org.br/rppns.php?cod=11. (Acesso em 13.12.2008).
Rodrigues, M.T. 2005. A biodiversidade dos cerrados:
conhecimento atual e perspectivas, com uma hipótese sobre o papel das matas de galerias na troca faunística durante ciclos climáticos. In: A. Scariot, J.C. Sousa-Silva & J.M. Felfili (orgs.). Cerrado: Ecologia, Biodiversidade e Conservação. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, pp. 235-246.
Rossato, D.R., Toniato, M.T.ZU. & Durigan, G. 2008. Flora
fanerogâmica não-arbórea do cerrado na Estação Ecológica de Assis, Estado de São Paulo. Revista Brasileira de Botânica 31: 409-424.
Tannus, J.L.S. & Assis, M.A. 2004. Composição de espécies
vasculares de campo sujo e campo úmido em área de cerrado, Itirapina - SP, Brasil. Revista Brasileira de Botânica 27: 489-506.
Van der Pijl, L. 1982. Principles of dispersal in higher plants.