• Nenhum resultado encontrado

O Programa Nacional de Direitos Humanos 3 e a cobertura dos jornais O Estado de São...

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "O Programa Nacional de Direitos Humanos 3 e a cobertura dos jornais O Estado de São..."

Copied!
421
0
0

Texto

(1)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta como propósito investigar a maneira pela qual os jornais “O Estado de S.Paulo” e “Folha de S.Paulo” fizeram a cobertura do Programa Nacional de Direitos Humanos 3 no período de 21 de dezembro de 2009 a 21 de março de 2010. O PNDH-3 reflete a compreensão que os Direitos Humanos abarcam desde o advento da Declaração Universal.

Foi resultado da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada em dezembro de 2008, tendo sido um processo democrático plural e aberto, tendo havido a presença da sociedade civil bem como também de diversos atores governamentais, no desempenho democrático caracterizado por “tensões, divergências e disputas", tal como foi especificado no seu prefácio.

Das duas versões anteriores, foi o programa mais denso, polêmico, com maior número de proposições e o que causou maior alvoroço e desencadeou uma onde de protestos às vésperas da eleição presidencial de 2009. Compreendido em 521 ações programáticas, contempladas em seis eixos orientadores: interação democrática entre estado e sociedade civil; desenvolvimento e diretos humanos; universalizar os Direitos Humanos em um contexto de desigualdades; segurança pública; acesso à Justiça e combate à violência; educação e cultura em Direitos Humanos; e direito à memória e à verdade.

Dentre algumas características que estiveram presentes ao longo de todo o processo da elaboração do Programa, vários ministérios foram convidados a integrar nesta ação, tendo o PNDH-3 contado com as suas assinaturas, considerando a interministerialidade bem como a transversalidade de suas diretrizes.

Pode-se afirmar que o PNDH-3 é o reflexo

(...) da própria história dos direitos humanos, que, como lembra Norberto Bobbio, não nascem todos de uma vez e nem de uma vez por todas. Direito ao meio ambiente, ao desenvolvimento sustentável, à verdade, à livre orientação sexual, aos avanços tecnológicos, diretos dos idosos, entre outros, são temas da agenda contemporânea de direitos humanos. O programa reflete as complexidades da realidade brasileira, a conjugar uma pauta pré-republicana (por exemplo, o combate e prevenção ao trabalho escravo) com desafios da pós-modernidade (como o fomento às tecnologias socialmente inclusivas e ambientalmente sustentáveis) (PIOVESAN, 2010, p. J6).

(2)

‘repressão’ política de 1964 a 1985. Na compreensão de Paulo Sérgio Pinheiro, “uma das tarefas da Comissão da Verdade seria requisitar os arquivos das Forças Armadas, isso deve ser feito não para julgar ninguém, porque nenhuma Comissão da Verdade faz isso, mas sim, reconstituir o passado, essa conversa de revanchismo é coisa de saudosista da ditadura” (ARRUDA, 2010, p. A10).

A jurisprudência internacional reconhece que leis de anistia violam obrigações no campo dos Direitos Humanos. A Corte Interamericana considerou que essas leis perpetuam a impunidade, impedem o acesso à Justiça de vítimas e familiares e o direito de conhecer a verdade e de receber a reparação correspondente, consistindo numa direta afronta à Convenção Americana (PIOVESAN, 2010, p. J6).

Como destacou Brossard, “se há dogmas em matéria jurídica esse é um deles” – Lei de Anistia (...) a anistia pode ser mais ou menos justa, mas não é a justiça seu caráter marcante” (BROSSARD, 2010, n.p.).

Para Vannuchi, se faz necessário que o Brasil possa saber qual é o pensamento das Forças Armadas, já que para ele, “ainda não sabemos qual a transição que as Forças Armadas fizeram, ou não, para o pensamento democrático constitucional” (ARRUDA, 2010-e, p. A10). Na ocasião, mais de 11.000 assinaturas tinham aderido ao Manifesto Contra a Anistia aos Torturadores lançado na 2ª semana de dezembro de 2009, tendo a participação bastante expressiva de jornalistas, educadores, artistas, estudantes, escritores, profissionais liberais, pessoas comuns, do então secretário Paulo Vannuchi, Chico Buarque, o jornalista Fernando Morais, os artistas plásticos Sérgio Ferro, Fábio Miguez, dentre outros. Essa expressiva lista manifesta que o debate em questão em pauta diz respeito e atinge a toda a sociedade brasileira e não se trata de revanchismos, mas sim, de uma real necessidade de se recuperar a memória e efetivar justiça.

Vannuchi salientou na ocasião que outros países da América Latina que enfrentaram a ditadura militar, já haviam instalado Comissões de Verdade para apurar violações de Direitos Humanos e desta forma, estamos recuados na evolução de uma sociedade democrática.

(3)

Outra polêmica foi com relação à união homoafetiva que na edição de 2009 defendia a união civil entre pessoas do mesmo sexo, garantindo os direitos decorrentes, tais como herança, a adoção, dentre outros.

Também foi bastante polemizada pelas entidades de classe, patronais e de empregados a compreensão que tiveram do Programa suscitar a censura à imprensa em razão de ter sido sugerido um organismo estatal ou a concepção de uma comissão para monitorarem o conteúdo editorial da mídia, confeccionando desta forma, um ranking e estabelecendo sanções às empresas que não estiverem enquadradas no padrão sugerido pelo governo.

Quanto ao outro ponto polêmico - liberdade religiosa – tinha a proposição de construir dispositivos para que pudesse inviabilizar a ostentação de símbolos religiosos em repartições públicas, estabelecimentos públicos. “Se na época dos retimes ditatoriais a agenda dos direitos humanos era contra o Estado, com a democratização os direitos humanos passam a ser também uma agenda do Estado – que combina a feição híbrida de agente promotor de direitos humanos e, por vezes, agente violador de direitos” (PIOVESAN, 2010, p. J6).

O fato é que vários dos pontos polemizados no PNDH-3 já haviam sido referendados nas versões anteriores e não causou o tamanho estardalhaço como na última edição dele.

Apesar de todas as críticas que foram despejadas na última versão do Programa, para vários defensores dos Direitos Humanos houve a percepção que o PNDH-3 apresenta significativa colaboração ao estender e incrementar o debate público acerca dos Direitos Humanos, sinalizando com a noção que não é possível haver democracia bem como Estado de Direito sem que haja respeito aos Direitos Humanos.

Piovesan destaca que o PNDH-3 apresenta “(...) como mérito maior lançar a pauta de direitos humanos no debate público, como política de Estado, de ambiciosa vocação transversal” (PIOVESAN, 2010, p. J6).

A versão original do Programa desagradou diversos atores sociais tais como os militares, além de segmentos da sociedade civil, do empresariado, da Igreja Católica, do setor rural dentre os que mais protestaram na ocasião. O então ministro Paulo Vannuchi admitiu que “(...) da forma como estão redigidos, há consenso que precisamos alterar os temas do aborto, dos símbolos religiosos e da mediação pacífica dos conflitos agrários” (...) segundo Vannuchi, “só publicaremos novamente o programa após construir largos consensos” (MENDES, 2010, p. A7).

(4)

A4), acabou minimizando a necessidade que houve da revisão dos pontos mais polêmicos, e tentou justificar que das 521 ações programáticas, somente 21 tiveram algum tipo de contestação e segundo ele, “se houver um grande consenso em torno das 500 restantes, o País terá dado um avanço em matéria de direitos humanos”.

Reiterou ainda que “o programa não é lei, nem invade competências do Judiciário ou do Legislativo, apenas arrola propostas (...) afirmou que as alterações foram determinadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e reforçadas pela Comissão de Ética do Palácio do Planalto (...)“ (MENDES, 2010, p. A7).

Desta forma, o Decreto nº 7.037, de 21 de Dezembro de 2009 foi atualizado pelo Decreto nº 7.177, de 12 de maio de 2010, tendo retrocedido nos seus pontos polêmicos. Pontos esses que conforme bem colocou Navi Pillay1

(...) um plano de ação (...) envolve um profundo processo de consulta entre o Estado, suas instituições e amplos setores da sociedade brasileira sobre as principais questões que afetam a implementação dos direitos humanos. Também envolve uma programação articulada de ações concretas que visem superar os obstáculos que impedem a realização dos direitos humanos da população (PILLAY, 2010, p. A3).

A experiência tem mostrado frequentemente que as sociedades não podem desfrutar plenamente de paz sustentável, do desenvolvimento e da reconciliação sem abordar abusos dos Direitos Humanos. Vários instrumentos internacionais, dos quais o Brasil faz parte em sua maioria, consagram a obrigação do Estado de iniciar investigações e processos em torno das graves violações de Direitos Humanos e violações do direito internacional humanitário.

Os instrumentos internacionais também reconhecem o direito à reparação para as vítimas e o direito das vítimas e da sociedade de saber a verdade sobre as violações, além de buscar garantias para que tais violações não se repitam.

Esses padrões internacionais estabelecem limites normativos para as Nações Unidas. Por exemplo, as Nações Unidas não apoiam anistias para os culpados de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra ou violações massivas dos Direitos Humanos, incluindo tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, desaparecimentos forçados, violação ou outras formas de violência sexual de gravidade comparável.

É encorajador ver a vontade do Brasil em defender os Direitos Humanos no mundo inteiro. Ao mesmo tempo, o Brasil tem reconhecido que a única forma que esses esforços vão

(5)

dar frutos é na medida em que o país possa demonstrar um verdadeiro compromisso de defender esses direitos em nível nacional (PILLAY, 2010, p. A3).

Diferentes leituras são feitas de acordo com os interesses pessoais, corporativos, políticos e amparados pelas circunstâncias e conveniências do momento. Conforme pontuou Araújo, “(...) o Brasil reconhece quando interessa e ignora quando não interessa2 (...) (ARAÚJO, 2012, n.p.).

O cerne do presente trabalho tentou-se pautar nos pontos acima levantados, no entanto, na tentativa de possibilitar uma melhor compreensão deste assunto, achou-se melhor discorrer acerca da concepção da temática dos Direitos Humanos e tentar avançar e contemplar alguns dos seus mais significativos avanços contemporâneos.

Desta forma, achou-se melhor estruturar o presente trabalho em quatro distintos capítulos, iniciando de forma mais ampla e generalizada para à medida que fosse adentrando e avançando o conteúdo, ser cada vez mais focado e funilado, havendo o formato de uma pirâmide invertida.

Melhor exemplificando, o primeiro capítulo – considerado como a base da pirâmide – tentou abarcar a concepção de Direitos Humanos. Num primeiro momento, apresentou-se a história dos Direitos Humanos desde os seus primórdios, a sua evolução ao longo da história da humanidade.

Tentou-se trilhar por este caminho por acreditar não ser possível compreender os Direitos Humanos sem associá-los à história da humanidade. E parafraseando Bobbio (1992), os Direitos Humanos, por mais fundamentais que são, é fato que estão diretamente vinculados aos direitos históricos.

Os Direitos Humanos emanam das desavenças contra o abuso bem como em oposição ao excesso de poder, no confronto contra a opressão, a ditadura, o despotismo, o absolutismo, a autocracia, utilizados para mutilar quaisquer possibilidades de expressão, de manifestação, de ação latentes e inerentes aos diretos humanos.

Iniciou-se o percurso histórico desde algumas ocorrências na Antiguidade3, as contribuições de diversas civilizações e culturas4, ocorrências na Idade Média5, na Idade

2 Referindo-se às várias sentenças e deliberações que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Corte de São José bem como os organismos da OEA têm sobre o Brasil mas que foram publicamente ignoradas em nosso país.

3 Tai como o Código de Hamurábi (XVIII a.C.), contribuições de Amenófis IV (XIV a.C.), a filosofia de Mêncio (IV a.C.), contribuições de Platão (IV a.C.) e também de vários outros filósofos, aos estoicos, ao Direito Romano, dentre outros.

(6)

Moderna6, o Iluminismo7, o advento da fundação dos Estados Unidos da América8, bem como possibilidades quanto a origem dos Direitos Humanos.

Tentou-se fundamentar teoricamente essa parte com as contribuições bibliográficas oriundas dos seguintes estudiosos e pesquisadores: Antônio Augusto Cançado Trindade, Celso Lafer, Erian Karina Nemetz, Fábio Konder Comparato, Frei Betto, João Batista Herkenhoff, Margarida Bulhões Pedreira Genevois, Mit Mujalli, Norberto Bobbio e Wagner Rocha D’Angelis.

Ainda no primeiro capítulo, discorreu-se acerca dos direitos naturais e direitos positivos. Segundo Lafer (1991), o Direito Natural apresenta como alicerce os componentes da imutabilidade, da intemporalidade, da revelação ou dedução, da universalidade - dentre outros -, com a missão de sinalizar como justa ou injusta alguma ação, vinculando, desta forma, norma e valor, direito e moral.

Enquanto a ética bem como a regulação moral do comportamento são os pilares na concepção jusnaturalista, já na compreensão positivista é enaltecido o emprego da linguagem jurídica, e busca orientar o fenômeno jurídico por meio da apreciação das normas positivas, melhor dizendo, pelas normas estabelecidas pela autoridade soberana de determinada sociedade. De acordo com essa corrente de pensamento, o direito é considerado conforme os elementos mutáveis bem como empíricos de acordo com o tempo.

Tentou-se também proporcionar algumas definições de Direitos Humanos. Algumas conceituações pendem para enaltecer a universalidade bem como sua natureza humana. Para Benevides, “os direitos humanos são universais e naturais (...) se referem à pessoa humana (...) dizem respeito à dignidade da natureza humana” (BENEVIDES, s.d., p. 5).

Tentou-se contemplar diferentes conceitos acerca de Direitos Humanos, sejam pautados na corrente jusnaturalista como positivista e alguns conceitos que acolhiam elementos de correntes distintas.

Como bem destacou Fábio Konder Comparato, a ciência jurídica não conseguiu “encontrar uma definição rigorosa do conceito de direitos humanos” (COMPARATO, 1997, p. 6). Mas apesar de certa dificuldade em sua definição, pode-se chegar, independendo da 5 Determinadas contribuições oriundas da Idade Média (séculos V a XV d.C.), as contribuições de São Tomás de Aquino, por meio das religiões, etc.

6 Tendo sido a Inglaterra como propulsora de diversas iniciativas e afirmações de contenção do poder e defesa dos indivíduos, tais como o habeas corpus imposto pelos nobres britânicos ao rei da Inglaterra.

(7)

corrente, a algumas afirmações. Os Direitos Humanos são históricos, universais, inalienáveis, progressivos, imprescritíveis, transnacionais, irrenunciáveis, indivisíveis, interdependentes e irrevogáveis.

Além de alguns dos estudiosos e pesquisadores acima discriminados, nesta parte puderam também ser contemplados os seguintes: Allan Rosas, André de Carvalho Ramos, Dalmo de Abreu Dallari, Eduardo Carlos Bianca Bittar, Flávia Piovesan, Ignacy Sachs, José Afonso da Silva, José Carlos Vieira de Andrade, José Joaquim Gomes Canotilho, Lisz Bieira & Celso Bredariol, Maria Victória Benevides, Murilo Duarte Costa Corrêa, Oscar Vilhena Vieira, Paul Farmer e Selma Regina Aragão.

A última parte contemplada no primeiro capítulo diz respeito às relevantes contribuições dos Códigos Precursores da Modernidade. Códigos estes presentes em todas as Declarações de Direitos Humanos Universais desde 1948. Referem-se, sobretudo, à concepção contemporânea de Direitos Humanos, introduzida com a Declaração Universal de 1948. Tendo também feito menção à Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena (1993)9, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, dentre os mais relevantes.

Esta parte incorporou as contribuições da pesquisadora Clarice Seixas Duarte além dos que já foram mencionados.

O segundo capítulo, num processo ascendente à pirâmide bibliográfica, abordou acerca dos Direitos Humanos no Brasil contemporâneo. Num primeiro momento, ateve-se especificamente ao contexto da transição do regime militar à democratização, porém, tentou proporcionar previamente uma sucinta retrospectiva dos primórdios dos Direitos Humanos no Brasil.

Para tanto, remeteu-se a alguns acontecimentos do século XVI – período colonial brasileiro10, na sequência, apontou-se as principais contribuições do século XVIII11, XIX12 e

9 Tendo sido especificamente nesta Conferência Mundial que foi afirmado que “todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase” (Declaração e Programa de Ação de Viena. 1993, n. p.).

10 Dentre algumas características marcantes deste período, podem-se destacar: a) concepção absolutista do estado; b) impossibilidade da propagação de ideias que disseminavam a igualdade bem como de alguma participação popular, c) sociedade marcada por grandes contrastes sociais, d) confrontos pela liberdade.

11 Marcado pela disparada ao ouro no interior brasileiro e concomitantemente com o aumento populacional e condições desumanas de trabalhos nas minas, ocorrências das revoluções norte-americanas (1776) e a francesa (1789), a vinda de ideias liberais ao Brasil.

(8)

XX13. Tal como bem salientou Bobbio (1992), a problemática dos Direitos Humanos não se trata de justificá-los, mas sim, de protegê-los.

Um importante ponto a ser destacado nesta passagem, diz respeito a legitimização pelo Brasil do status de lei constitucional para todas as Convenções bem como Tratados Internacionais ratificados. Começou-se a haver maior interlocução entre o Estado brasileiro e os movimentos sociais. Destacaram-se brevemente as mazelas ocasionadas pela permanência dos 21 anos contínuos do regime ditatorial brasileiro, fato que muitas delas perduram até os dias atuais.

Com relação a esta parte, além dos estudiosos supra mencionados, podemos também destacar os seguintes: Alexis de Tocqueville, Alzira Alves de Abreu, José Honório Rodrigues e Renato Lemos.

Num momento seguinte, outro ponto contemplado no segundo capítulo foi acerca das Conferências de Direitos Humanos no Brasil14, tendo sido destacado a temática, os objetivos, os eixos temáticos orientadores, os embasamentos, as principais deliberações bem como se apresentou breve contextualização em que foram apresentadas desde a 1ª realizada em 04/1996 até a 11ª em 12/2008 e que apresentou como foco principal, revisar e atualizar o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH na sua 3ª edição.

Nesta parte, foram contempladas as contribuições teóricas dos seguintes estudiosos: Boaventura de Sousa Santos, Clóvis Henrique Leite de Souza, Evelina Dagnino, Ermínia Maricato, Gilberto Hochman Leonardo Avritzer, Orlando Alves dos Santos Júnior e Silvia Camurça.

O outro sub-tópico que foi contemplado no segundo capítulo diz respeito aos três PNDH’s, sendo destacado que a ideia surgiu com o advento da Conferência Mundial dos Direitos Humanos em Viena (1993).

Conforme apontou Adorno (2010), nesta Conferência, sugeriu aos países participantes que pudessem realizar programas nacionais com o intento de abarcar a promoção bem como a

da escravatura e a concepção de nossa primeira Constituição Republicana, tendo sido declarada a liberdade formal para todos os cidadãos.

(9)

proteção dos Direitos Humanos como programa de governo. Os Programas Nacionais de Direitos são (ou deveriam ser) políticas de Estado antes de serem medidas governamentais. São resultados da recente história de amadurecimento das instituições democráticas na sociedade brasileira.

Foi discriminado bem como pormenorizado cada um dos três PNDH’s, salientando as suas características, peculiaridades e contextualizando-os em cada momento que foram introduzidos.

A começar pelo PNDH-1, lançado em 05/1996 sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, constituiu-se de 228 propostas e foi o primeiro documento com esse propósito na América Latina e um dos primeiros no mundo.

Na sequência, veio o PNDH-2 em 05/2002 com 518 propostas de ações governamentais e também sob a égide do governo FHC.

A última edição – PNDH-3 – lançado em 12/2009, mas por forças maiores foi atualizado por meio do Decreto nº 7.177 em 05/2010, foi amparado no governo de Luis Inácio Lula da Silva e apresentou 512 ações programáticas inseridas nos seis eixos orientadores centrais.

Pode-se afirmar que o PNDH-3 tratou-se da revisão, aperfeiçoamento e ampliação do elenco de Direitos Humanos a serem protegidos e promovidos de suas edições anteriores.

Elaborou-se também de forma um tanto quanto pormenorizada, um quadro comparativo entre as três versões dos PNDH’s, tendo como base as 19 principais temáticas15 abordadas e pôde-se identificar que apresentam linhas de continuidade e características comuns16.

Introduzem uma distinta concepção de Direitos Humanos, sob orientação da Conferência Mundial de 1993, em que se reconhece a indivisibilidade dos Direitos Humanos17. Em maior ou menos medida, todas foram resultado de consultas à sociedade civil, em praticamente todo o território brasileiro, seja sob o formato de seminários para o

15 Estão devidamente discriminada nos Apêndices e são elas: Aborto, Crianças e Adolescentes, Direito à Memória e à Verdade, Garantia do Direito à Educação, Garantia do Direito à Liberdade - Orientação Sexual, Garantia do Direto a um Meio Ambiente Saudável, Garantia do Direito à Moradia, Garantia do Direito à Saúde, à Previdência e à Assistência Social, Garantia do Direito ao Trabalho, Gays, Lésbicas, Travestis, Transexuais e Bissexuais – GLTTB, Mulheres, Pessoas Portadoras de Deficiência, População Negra, Proteção do Direito à Liberdade, Liberdade de Expressão e Classificação Indicativa, Sociedades Indígenas, Reintegração de Posse de Terras, Reforma Agrária, Trabalhadores sem terra, Terceira Idade, Trabalho Forçado e Trabalho Infantil.

16 Tendo sido destacado a sua natureza suprapartidária; o enfrentamento da desarticulação entre instâncias decisórias do aparato de Estado e de governo bem como entre governantes e governados, representantes na esfera civil bem como também pelas organizações não governamentais.

(10)

acolhimento das proposições e sugestões (PNDH-1), seja sob a forma de Conferências Nacionais de Direitos Humanos (PNDH 2 e 3).

E sob esta compreensão, os três programas possuem metas (de curto e médio prazos) com objetivos claros e precisos, identificados em medidas e ações que se disseminam em diversos direcionamentos bem como distintos alcances. A intenção final é interpretar direitos, devidamente acolhidos tanto na nossa Constituição de 1988 como em acordos internacionais em que o Brasil é signatário.

Essa última parte do segundo capítulo teve a contribuição dos seguintes pesquisadores: Alexandre Ciconello, Darci Frigo, José Gregori, Luciana Pivatto, Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Sérgio Adorno.

O terceiro capítulo focou-se no enfrentamento do PNDH-3. Primeiramente, ateve-se aos pontos polêmicos. Vale sinalizar que mesmo o programa sendo de caráter propositivo, atrelado às deliberações do Congresso Nacional e considerando que várias de suas polêmicas já haviam sido em alguma medida ventiladas nas edições anteriores, vários atores sociais o desqualificaram como sendo peça autoritária que vai de encontro com o Estado de Direito bem como com um Estado Democrático.

Vale ainda frisar que os contínuos ataques realizados foram mais numa propensão ideológica do que propriamente no fomento de um consistente e aprofundado debate político. Não há também como dissociar o fato que os incisivos ataques aconteceram em ano eleitoral, em plena disputa política para nada mais nada menos do que a eleição da presidência da república no Brasil.

Foram levantados os seis pontos que foram os mais polemizados na 3ª versão do Programa Nacional de Direitos Humanos. Foram eles: Comissão da Verdade; instalação de um órgão “controlador” da imprensa; descriminalização do aborto; reforma agrária; profissionalização da prostituição; abolição da exposição pública de símbolos religiosos, e reconhecimento da união entre homossexuais.

Pontos estes oriundos das mesmas forças que haviam intercedido favoravelmente e apoiado o golpe militar de 1964 e que foi na contramão aos Direitos Humanos, ou seja: a grande mídia18, a ala mais conservadora da Igreja Católica bem como os militares.

Num segundo momento, o terceiro capítulo suscita algumas reflexões acerca da liberdade de imprensa e liberdade de expressão, sendo esta de maior abrangência e mais

(11)

ampla que a primeira. É uma temática polêmica presente em todas as Declarações de Direitos Humanos Universais desde 1948. No entendimento contemporâneo, ‘liberdade de expressão’ pode ser compreendida como sendo a garantia legal de expressar espontaneamente o que se pensa. Corresponde a uma noção de suma relevância nas modernas democracias.

A relevância ao direito a liberdade de expressão se dá em razão à efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo consagrada como um direito fundamental. Corresponde (ou deve corresponder) à proteção de cada indivíduo e protege a sociedade frente às arbitragens e ao emprego da força. Quando a liberdade individual é cerceada, não é somente a liberdade da própria pessoa está comprometida, mas também, a de toda a sociedade.

A carência de um marco regulatório espelha os efeitos prejudiciais para uma efetiva proteção da liberdade de expressão bem como de imprensa. Passados 25 anos, desde o advento da Constituição de 1988, o Estado brasileiro ainda não conseguiu sequer instaurar efetivos mecanismos democráticos à regulação da mídia como um órgão regulador autônomo.

Acerca deste ponto, foram referendadas as contribuições dos seguintes estudiosos: Adriano dos Santos Iurconvite, Aluísio Belisário, Marcos José Pinto e Venício Lima.

O terceiro momento do capítulo em questão tentou trazer em pauta a complexa discussão acerca do Estado laico e a liberdade religiosa. Mais propriamente do que possíveis respostas levantaram-se questionamentos, dúvidas, reflexões e ponderações frente a esta celeuma.

Possibilitou-se uma ‘fotografia’ das religiões (ou não) existentes no Brasil com base em 2010 e com base na amostragem das religiões mais representativas, foi possível tecer algumas reflexões e ponderações calcadas nestas informações.

Puderam ser incorporados a estes dados duas pesquisas que foram realizadas respectivamente em 2007 e a outra em 2010 com pontuais considerações da religiosidade (ou não) brasileira.

O princípio da laicidade do Estado Brasileiro, categoricamente expressado e adotado pelo Brasil, bem como a liberdade religiosa impõem ao Poder Público o dever de proteger todas as manifestações religiosas, sem tomar parte de nenhuma delas. O presente sub-tópico expõe uma série de questões – pertinentes de um lado ao Estado laico – porém, conflitantes com a permanência de diversas ações que vão de encontro a esta laicidade19.

(12)

Parece que a confusão é ser o Estado – se for laico - para dar o tom dessas questões que abarcam temáticas envolvendo a religião, o aborto, dentre outras. As instâncias não devem ser misturadas. Faz-se necessário que esse debate possa ser devidamente discutido, conversado, argumentado e embasado com toda a sociedade brasileira. Geralmente, os debates são superficiais, dicotômicos, eleitoreiros.

Outro ponto um tanto quanto conflitante e que envolve igualmente a discussão acima ventilada, está relacionada com a polêmica da união civil homoafetiva. Na Constituição de 1988, não está definido que o casamento civil tem que ser somente entre homens e mulheres.

Trata-se de uma polêmica de extrema importância por abarcar a vida de todos os brasileiros e brasileiras. Diz respeito a vida de cada pessoa, não é um debate isolado, mas que acaba refletindo diretamente outras temáticas, igualmente importantes e que afetam toda a nossa nação, tais como as temáticas do Aborto, da União Civil Homossexual, dentre outras e que estão diretamente atreladas com a temática religiosa.

Esta parte do terceiro capítulo pôde ser as contribuições dos seguintes estudiosos: Antônio Cândido Milagres, Aristeu Bertelli, Carmen Lúcia de Melo Barroso, Helena Bonciani Nader, Ivonne Maggie, Ivy Farias, Jairo Henrique de O. S. Pereira, Joana Zylbersztajn, Maria Carneiro da Cunha, Maria José Rosado Nunes, Nilcéa Freire, Roseli Fischmann, Rute Maria Gonçalves de Andrade, Silvia Pimentel e Wilza Vieira Villela.

O quarto ponto levantado no terceiro capítulo, foi acerca da segurança pública e repressão política. Trata-se de um dos maiores enfrentamentos ao Estado de Direito Brasileiro. Juntamente com esse tema, foi abordado acerca da conceituação da instituição – Polícia.

Num estudo elaborado por Costa (2004), foi identificado que diversas ações policiais da época do regime ditatorial brasileiro ainda persistem na conduta operacional do polícia no Rio de Janeiro com as outras polícias do Estado brasileiro. Essa pesquisa pode ser um sinalizador para apontar a dificuldade em contestar a necessária subordinação das forças de repressão – representadas pelas Forças Armadas e todo o aparato policial – aos poderes civis no regime democrático.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU foi favorável em abolir a Polícia Militar como recurso para enfrentar a violência do Estado brasileiro. As conferências nacionais de

(13)

Direitos Humanos (2008) bem como a de Segurança Pública (2009), também aconselharam haver a desmilitarização das polícias.

Outro assunto mencionado diz respeito à resistência atual do aparato militar quanto a investigação dos crimes cometidos na ditadura. Cada vez mais, instrumentos internacionais têm realizado pressão internacional para que o Brasil possa de uma vez por todas investigar e punir os crimes da ditadura militar.

A Organização das Nações Unidas, juntamente com a Anistia Internacional bem como o Tribunal Penal Internacional, têm pressionado o Brasil para que os militares que cometeram os mais bárbaros atos20 no período férreo da ditadura (1964 e 1985) sejam devidamente punidos. No entanto, a resistência do setor militar perdura e persiste passados 28 anos de um dos períodos mais tenebrosos da história brasileira.

Essa última parte do terceiro capítulo recebeu as contribuições dos seguintes estudiosos: Álvaro Lazzarini, Arthur Trindade Maranhão Costa, Cristina Neme, Fausto Salvadori Filho, Luiz Eduardo Soares, Raymundo Faoro, Thomas H. Holloway e Thomaz Rafael Gollop.

O quarto e último capítulo diz respeito à análise da mídia. Num primeiro momento, destacou-se a metodologia que foi empregada para a análise de conteúdo, tendo sido utilizada a de Laurence Bardin. Utilizaram-se as três fases indicadas por Bardin (1994) por serem sinalizadas como elementares nas pesquisas que envolvem a análise de conteúdo.

A primeira fase correspondeu à pré-análise, melhor dizendo: ao agrupamento de todos os materiais que foram empregados à coleta dos dados e estabelecer o corpus da investigação, que foi onde a pesquisa esteve centrada. Foi nesta etapa que começou o primeiro contato com as matérias jornalísticas que foram pesquisadas, tendo tomado contato com todo o expressivo conteúdo (BARDIN, 1994).

A segunda fase referiu-se à descrição analítica. E que por sua vez, tratou-se de aprofundar o corpus da pesquisa. Tratou-se de uma fase mais extensa, em que as matérias jornalísticas foram codificadas, os dados brutos foram agrupados em identidades para que pudessem possibilitar um relato preciso (BARDIN, 1994).

Quanto à última etapa, referiu-se propriamente à fase analítica em que houve um maior tratamento dos resultados obtidos por meio da interpretação e inferência referencial. Como se trata de uma análise de conteúdo qualitativa, os resultados brutos são importantes

(14)

uma vez que por meio deles se fez possível a realização de operações estatísticas simples e estabelecer tabelas/gráficos referentes aos resultados identificados (BARDIN, 1994).

A metodologia adotada nesse estudo se alicerçou predominantemente na pesquisa qualitativa – apesar de se ter utilizado também esforços de cunho quantitativo como complementares na tentativa de proporcionar uma leitura e interpretação singulares em todas as fases. Utilizou-se a técnica de pesquisa de análise documental a partir das matérias jornalísticas publicadas. Optou-se por adotar uma mostra probabilística que foi antecipadamente escolhida segundo as conveniências bem como os interesses da presente pesquisa.

Quanto aos meios, haverá o emprego da pesquisa bibliográfica e documental. Quanto as fontes de dados, serão pautadas fundamentalmente nas secundárias por serem calcadas em jornais. A técnica de coleta de dados utilizada foi basicamente por meio da observação do material a ser pesquisado.

Os autores que proporcionaram as suas contribuições para esta parte do quarto capítulo foram Augusto Nibaldo Silva Trivinos e Laurence Bardin.

Num segundo momento, o presente capítulo voltou-se à análise dos jornais, mais especificamente os jornais “O Estado de S.Paulo” (OESP) e a “Folha de S.Paulo” para saber como ambos perceberam, trataram, identificaram e cobriram o PNDH-3.

O período analisado foi a partir da divulgação do Programa pelo então ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos Paulo de Tarso Vannuchi até três meses depois de sua divulgação, sendo especificamente do período de 21 de dezembro de 2009 à 21 de março de 2010.

Utilizou-se em ambos os jornais as seguintes palavras-chave como mecanismo de busca: 1) “PNDH” e 3) “Vannuchi”. Para que houvesse o recorte do material, fez-se necessário a leitura do mesmo bem como a demarcação dos "núcleos de sentido", ou seja, das unidades de significação.

Foi considerado a totalidade dos textos nas matérias pesquisadas no período acima discriminado, percorrendo pela classificação e quantificação, segundo a frequência de presença ou ausência das unidades de sentido e de significação constitutivos da mensagem.

(15)

Foram realizadas, especificamente, 11 classificações que foram devidamente categorizadas. A primeira referiu-se à quantidade total das palavras-chave encontradas nos dois jornais. A segunda especifica a quantidade das palavras-chave “PNDH-3” que foi encontrada tanto no jornal “Folha de S.Paulo” como também no “Estado de S.Paulo”.

A terceira categoria indicou a quantidade de matérias que ambas as palavras-chave aparecem juntas e individualmente. A quarta especificou a evolução mensal da ocorrência de ambas as palavras-chave nos respectivos jornais. A quinta categoria identificou a evolução diária da ocorrência de ambas as chave. A sexta mostrou a incidência das palavras-chave nos cadernos de ambos os jornais.

A sétima especificou em quais partes do Primeiro Caderno que ambas as palavras-chave foram identificadas. A oitava categoria identificou a temática principal que cada uma das palavras-chave aparecem nas reportagens. A nona identificou os quadrantes que ambas as palavras-chave foram encontradas.

A décima identificou a modalidade de informações publicadas ao lado das reportagens contendo as palavras-chave em ambos os jornais. E por fim a última, décima primeira, proporcionou um detalhamento da modalidade de informações publicadas ao lado das reportagens contendo as palavras-chave em ambos os jornais.

O terceiro sub-tópico que foi tratado no último capítulo voltou-se à interpretação de dados. Por meio dos dados coletados, foi possível identificar as sinalizações bem como os argumentos que ambos os jornais - que são bastante representativos - utilizaram para desta forma, confrontar a maneira como eles abordaram acerca do PNDH-3, bem como apresentaram os aspectos controversos.

(16)

CAPÍTULO 1 - CONCEPÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

1.1 História dos Direitos Humanos

Apesar de atualmente podermos usufruir das benesses que os avanços de ordem tecnológica, política, cultural, científica, jurídica, educacional, social possibilitaram para a humanidade, é fato que desde a sua origem percorreu por caminhos, muitas vezes bastante irregulares, íngremes, sombrios, com uma incontável quantidade de transformações a serem alcançadas, mas muitas vezes num compasso mais vagaroso e paulatino.

O avanço da história dos direitos que são inerentes à pessoa humana também é vagaroso e paulatino. Não são identificados ou concebidos todos de uma vez, mas sim, de acordo com o próprio aprendizado da vida humana em sociedade, por isto, é de suma relevância, para compreender a sua importância atual, entender como eles foram considerados e percebidos em épocas passadas para que se possa diminuir os erros e aprimorar os acertos. Trata-se de um processo que envolveu e continua envolvendo muita tensão, disputa, confrontos, vitórias, perdas, avanços, retrocessos.

A relevância da apreciação histórica para a concretização dos direitos compreendidos como primordiais à pessoa humana é indispensável para que se possa entender como esses processos aconteceram e como se chegou ao momento presente. Não é possível compreender os Direitos Humanos sem associá-los à história da humanidade, uma vez que eles não aparecem como se fossem uma profecia, como se fossem uma invenção inesperada de uma sociedade, de um grupo ou de pessoas, mas sim, trata-se de uma construção ao longo de muitos anos, séculos e séculos. Resultados não somente de pesquisa científica, acadêmica, de respaldos teóricos, mas, sobretudo, do combate contra o poder. E sob este pensar, Norberto Bobbio esclarece que

Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas (...) Nascem quando devem ou podem nascer" (BOBBIO, 1992, p. 5).

(17)

Conforme apontou Frei Betto, conhecer a história social dos Direitos Humanos é fundamental “para quem busca conhecer os caminhos e os descaminhos do esforço do ser humano pela conquista de sua dignidade e liberdade (TRINDADE, 2002, p. 11). Assim sendo, entende-se necessário um estudo histórico a respeito dos direitos essenciais a pessoa humana para entender como, quando, em que contexto, eles surgiram para a humanidade.

E neste diapasão, Herkenhoff (c1994) cita alguns exemplos em que é possível localizar o reconhecimento dos Direitos Humanos desde a Antiguidade.

O Código de Hamurábi21, no século XVIII antes de Cristo, na Babilônia; os pensamentos do imperador do Egito, Amenófis IV, no século XIV a.C.; na filosofia de Mêncio (China, século IV a.C.)22; as idéias de Platão, na Grécia, no século IV a.C.; o Direito Romano, e várias outras civilizações e culturas ancestrais (HERKENHOFF, c1994, n. p.).

Nemetz também destaca que os direitos dos seres humanos já existiam na antiguidade, através das religiões, no pensamento dos filósofos, e evoluíram junto com a humanidade (NEMETZ, 2004, p. 2). A autora destaca que

A própria história da cidadania, que é a luta dos seres humanos para afirmação de sua dignidade e de valores éticos fundamentais, reflete a história dos direitos humanos, desde o Código de Hamurabi (Babilônia, século XVIII a.C.). Na antiguidade, não se conhecia o fenômeno da limitação do poder do Estado. As leis que organizavam os Estados não atribuíam ao indivíduo direitos que pudessem ser exigidos em face do poder estatal (NEMETZ, 2004, p. 2).

Herkenhoff (c1994) expõe que apesar de existir uma preocupação com esses direitos, não havia uma "garantia legal", de modo que eram um tanto quanto precários em sua estrutura política, uma vez que o respeito a eles estava na direta dependência da conduta dos governantes. A despeito desses aspectos, essa contribuição apresenta a sua relevância na criação da concepção dos Direitos Humanos.

É fato que há muitos pareceres distintos de diversos doutrinadores, pesquisadores e estudiosos no que concerne à origem dos Direitos Humanos. Para Genevois,

21 “Khammu-rabi foi fundador do 1º Império Babilônico. O nome de Hamurabi permanece indissociavelmente ligado ao código jurídico tido como o mais remoto já descoberto: o Código de Hamurabi. O legislador babilônico consolidou a tradição jurídica, harmonizou os costumes e estendeu o direito e a lei a todos os súditos. Seu código estabelecia regras de vida e de propriedade, apresentando leis específicas, sobre situações concretas e pontuais. O texto tem 281 preceitos. O código apresenta a jurisprudência de seu tempo, um agrupamento de disposições casuísticas, de ordem civil, penal e administrativa. Mesmo havendo sido formulado há cerca de 4000 anos, o Código de Hamurabi apresenta algumas tentativas primeiras de garantias dos direitos humanos” (Código de Hamurabi - cerca de 1780 A.C. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo – USP. Disponível em: < http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-

cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/codigo-de-hamurabi.html>, acessado em 21 mar 2012 às 21h18).

(18)

Ná divergência quanto ao surgimento dos direitos humanos na história, mas muitos autores situam-no na Grécia, quando eles foram aludidos em um texto de Sófocles, no qual Antígona, em resposta ao rei que a interpela em nome de quem havia sepultado contra suas ordens, o irmão que fora executado, proclama: “Agi em nome de uma lei que é muito mais antiga do que o rei, uma lei que se perde na origem dos tempos, que ninguém sabe quando foi promulgada” (GENEVOIS, 2006, p. 69).

E Genevois destaca as diversas contribuições que ao longo da história da humanidade puderam colaborar na concepção dos Direitos Numanos. Destaca acontecimentos desde o VII a.C. percorrendo a Grécia (século V a.C.), faz alusão aos estoicos, como se pode melhor acompanhar a seguir.

Entre os séculos VII a.C. e XVIII da nossa era, a humanidade faz progressos no controle dos governantes, que exercem e distribuem a justiça. Na Grécia do século V a.C., os cidadãos já controlam as ações do Estado (pólis); o limite do poder é dado pelo direito que exercem os cidadãos ao participar dos assuntos públicos. Os gregos desenvolvem o conceito da liberdade como expressão máxima da dignidade humana, baseada na idéia da igualdade. Os estóicos defendem a existência de princípios morais, universais, eternos e imutáveis que conferem direitos inerentes ao homem (GENEVOIS, 2006, p. 70).

No que tange à Idade Média (séculos V a XV d.C.), “houve textos legislativos - a começar pelo direito germânico - dispondo regras de vida social ou contemplando situações específicas, e mesmo algumas produções literárias, onde esteve implícita (ou a proposta) a existência dos direitos fundamentais” (D’ANGELIS, 1992, n.p.).

Genevois mostra as contribuições fornecidas pela Idade Média, quando ocorre paulatinamente a passagem das invasões bárbaras, da formação dos proprietários de terras, da aristocracia real à burguesia.

Na idade Média, a partir das famílias daqueles que lutaram contra as invasões dos bárbaros (e com isso haviam se tornado proprietários de terras), nasce uma aristocracia associada ao poder real que buscava fundamento no direito natural para os seus privilégios. Aquele período tem uma importância significativa: é um momento de revisão de valores, de confronto entre objetivos temporais e permanentes, que vão cristalizar-se ao final do período, quando já surge uma nova realidade histórica: a burguesia (GENEVOIS, 2006, p. 70 e 71).

Na sequência histórica, Genevois destaca neste processo no final da Idade Média a participação de São Tomás de Aquino, em que “discute diretamente a questão dos Direitos Numanos, retomando Aristóteles e dando à filosofia deste uma face cristã. A fundamentação de São Tomás é teológica: o ser humano tem direitos naturais que fazem parte de sua natureza, pois lhe foram dados por Deus” (GENEVOIS, 2006, p. 71)23.

(19)

E na Idade Moderna, (...) foi a Inglaterra (...) que desencadeou a iniciativa de afirmações sócio-jurídicas de contenção do poder e proteção dos indivíduos, que podem ser consideradas precursoras das grandes Declarações de Direitos e sua incorporação na ordem jurídica” (D’ANGELIS, 1992, n.p.).

D’Angelis (1992) destaca ainda vários outros exemplos, tais como: a Civilização Egípcia; a Civilização Egéia; o Mundo Nebraico; Budismo, Zoroastro e Confúcio; o Mundo Greco-Romano; o Cristianismo; o Islamismo; a Idade Média; a Idade Moderna dentre alguns e que são melhor discriminados a seguir

A Civilização Egípcia,

(...) durante o Médio Império (séculos XXI a XVIII a.C.), legou ricos ensinamentos de prática democrática. A filosofia política desse período encontra-se fundamentalmente expresso no "Relato do Camponês Eloqüente", que explicita uma concepção de justiça social ("ma'at") e define a função do poder público como um serviço - para proteger os fracos, punir os culpados, agir com imparcialidade, promover a harmonia e a prosperidade de todos (D’ANGELIS, 1992, n.p.).

No que concerne a Civilização Egéia,

A partir da Ilha de Creta se alastrou a vários pontos do Mar Ageu, considerada a mais antiga da Europa (3.000 a 1.100 a.C.), deixou sinais de relativa igualdade social. A mulher cretense (no apogeu do período minóico - séc.XVIII a XV a.C.) desfrutou de uma liberdade inexistente nos demais povos de então: ocupava papel de relevo na sociedade, podia dedicar-se a qualquer ofício e, aparentemente, nenhuma atividade pública estava vedada (D’ANGELIS, 1992, n.p.).

No que diz respeito ao Mundo Nebraico,

(...) jorrou importante manancial da idéia de justiça social e dos direitos humanos. O judaísmo resumia-se, antes de tudo, num conjunto de preceitos éticos ao qual estavam submetidos os humildes e os poderosos indistintamente. Uma conquista capital dos hebreus foi o individualismo, fazendo sobressair o homem da massa coletiva. Aliás, era a única religião monoteísta da Antiguidade, que teve na Bíblia (Antigo Testamento) o conjunto de seus ensinamentos. E a Bíblia dá mostras sobejas do esforço de moralidade desse com os humildes e os pobres; nesse sentido, o Deuteronômio, 5.o livro da Torah (Lei Mosaica, também chamada de Pentateuco), foi o melhor exemplo, ao enfatizar: os Dez Mandamentos (síntese da vida judaica, que o cristianismo modificará), o descanso semanal, a caridade, a prescrição das dívidas aos fim de cada 7 anos, e, os deveres dos juízes e do rei (D’ANGELIS, 1992, n.p.).

Genevois complementa ainda que “os profetas judeus vinculam o exercício do poder a deveres fundados em princípios religiosos que inspiram uma ética baseada na responsabilidade de todos os homens pelos seus atos” (GENEVOIS, 2006, p. 70).

(20)

A doutrina do Budismo

(...) fala do caminho do meio; (...) um lugar pelo qual se conduzir ao atingimento da uma finalidade: a iluminação. (...) Isso porque o caminho do meio constitui-se por escolha consciente, não por imposição de um dever moral. Também, porque quer significar que não devemos entregarmo-nos aos excessos do corpo ou da mente, nem às facilidades dos extremos: a cobiça ou a avareza, a euforia ou a depressão, por exemplo. Para os budistas, a felicidade advém da prática (como espaço de eticidade, portanto) dos ensinamentos do Buda (um ser humano comum que atingiu a iluminação e rompeu, assim, seus ciclos de nascimento e morte), a partir da escolha livre do caminho do meio (CORRÊA, s.d., p. 2).

O caminho do meio, também identificado como o caminho das oito verdades ou o nobre caminho óctuplo, perfila-se em oito elementos que são: “(...) a compreensão correta, o pensamento correto, a palavra correta, a ação correta, o meio de vida correto, o esforço correto, a atenção correta, a concentração correta” (CORRÊA, s.d., p. 2). Neste caminho, há um esforço para que se atinja à linguagem correta, ao comportamento correto e também ao modo de vida correto.

A linguagem correta na doutrina budista quer dizer para que não haja mentiras, não criticar os outros injustamente, não utilizar-se de linguajar grosseiro, tosco, ríspido, áspero ou abusar da benevolência de terceiros (MUJALLI, 2005, p. 17 et seq.). Quanto ao comportamento correto, “a pessoa não deve destruir nenhuma criatura, cometer atos ilegais (como roubo ou o assassínio) e, sobretudo, não realizar maldades”. No que diz respeito ao modo de vida correto, refere-se a “maneira como um ser humano vive (seu estilo de vida) não deve prejudicar ninguém”.

No que tange a filosofia confucionista, está atrelada ao século VI a.C.

Coincide nas exigências sobre a dignidade humana: tolerância, respeito, generosidade e conduta reta dos indivíduos, sejam governantes ou governados. Na China, aliás, vale destacar a visão reformista de Mo-ti ou Mo-Tseu (Século V a C), que transformou a teoria confuciana do altruísmo em teoria do amor universal, em que todas as classes sociais, todos os indivíduos, se confundem na igualdade (D’ANGELIS, 1992, n.p.).

Genevois acrescenta que “Buda, Confúcio e Zoroastro pregam a supremacia do direito e da justiça, o ensino da fraternidade e da generosidade. Visam à plena realização da natureza humana e à formação de uma sociedade pacífica e justa” (GENEVOIS, 2006, p. 70).

No que se refere ao Cristianismo,

(21)

Nas contribuições de Genevois,

(...) o cristianismo, considerando o homem à imagem e semelhança de Deus, prega a igualdade entre todos os homens. Essa igualdade não se limita ao usufruto individual dos direitos, mas supõe o dever do amor ao próximo. O cristianismo vai ter influência decisiva, ora benéfica, ora maléfica, quando a Igreja passar a associar-se ao poder temporal” (GENEVOIS, 2006, p. 70).

Quanto ao Islamismo,

(...) veio somar-se à concepção de relacionamento igualitário entre os seres humanos, no que não chegou a ser inovador, considerando-se que Maomé (século VII d.C.) buscou inspiração nas religiões judaica e cristã.Para a doutrina maometana, o pressuposto da igualdade primordial entre os homens deriva de sua identidade essencial, sua origem única e seu destino comum” (D’ANGELIS, 1992, n.p.).

Para Genevois, “o Islã, na vida política, tem uma concepção similar da relação entre os homens: a de sua igualdade primordial baseada em sua identidade essencial, em sua origem única, e em seu destino comum” (GENEVOIS, 2006, p. 70, in: SORONDO, 1991).

Genevois (2006, p. 71) faz também alusão à participação revolucionária que o Iluminismo proporcionou frente aos conceitos até então mais tradicionalistas para expor de forma distinta a dignidade humana e a fé na razão. É concebida neste momento a ideia de o homem deter os direitos sagrados e inalienáveis e o poder não deve desconsiderar o desejo dos cidadãos24.

A histórica militante política e social brasileira esclarece que até este momento, os Direitos Numanos eram considerados como sendo direitos naturais, estabelecidos por D’s, “sendo utilizados contra a burguesia em favor dos reis e aristocratas, para justificar a violência que estes praticavam. Os burgueses não rejeitam esses direitos, mas reclamam também para si” (GENEVOIS, 2006, p. 72).

Além disto, Genevois comenta o aparecimento de vários pensadores contemplados como liberais – tais como Locke, Espinoza, Mostesquieu, Rosseau – que apregoam a existência dos direitos fundamentais, destacando a igualdade e liberdade. E complementa que “sobre este último, foi inaugurado na modernidade pela conjuntura que uniu burguesia e pensamento liberal; a liberdade era exaltada como um valor para além dos condicionantes de estratos sociais, condicionantes estes nos quais a burguesia era desfavorecida” (GENEVOIS, 2006, p. 72). Citando especificando o caso britânico,

A Inglaterra pode ser considerada a nação onde a influência da burguesia no poder teve seu inicio. Em 1215, na Inglaterra, os bispos e barões haviam imposto ao rei João-sem-terra a carta magna, que limitava o poder do soberano. A burguesia impõe posteriormente a criação da câmara dos comuns, que perdura até hoje. O

(22)

crescimento político da burguesia, dessa forma, favorece o resgate dos direitos humanos. A petição de direitos de 1628 é imposta pelo parlamento ao monarca (GENEVOIS, 2006, p. 72).

Outros dois importantes acontecimentos destacados por Genevois que foram de extrema relevância para a formação dos Direitos Numanos: o habeas corpus bem como o Bill of Rights, considerado por ela como sendo o mais imprescindível documento constitucional britânico.

O habeas corpus de 1669, que consagrou o amparo à liberdade pessoal, determinava que a pessoa acusada fosse apresentada para julgamento público. Até então, os nobres e aristocratas prendiam e faziam a sua própria justiça. Foi sobretudo o Bill of Rights de 1689 (...) que fortaleceu e definiu as atribuições legislativas do parlamento frente à coroa, que proclamou a liberdade da eleição dos membros do parlamento, consagrando algumas garantias individuais (GENEVOIS, 2006, p. 72).

Para Genevois, o marco seguinte culminou com o advento no final do século XVIII em que contribuiu de forma crucial com a consolidação dos princípios fundamentais à moderna noção de Direitos Numanos. Refere-se à fundação dos Estados Unidos da América em 1776 por meio de uma revolução notoriamente burguesa.

Como pôde ser observado, muitas foram as contribuições históricas ao longo de todo o percurso humano que inspiraram e possibilitaram boas sementes25 à ideia, reflexão, amadurecimento para a criação dos Direitos Numanos, sendo desta forma, tarefa de extrema dificuldade estabelecer um marco concreto para indicar a origem dos Direitos Numanos.

Mas há relevantes estudiosos que defendem um momento histórico específico à criação dos Direitos Numanos. Para Konder Comparato, o advento da fundação dos Estados Unidos da América em 1776 é o marco.

O artigo I da Declaração que "o bom povo da Virgínia"26 tornou pública, em 12 de junho de 1776, constitui o registro de nascimento dos direitos humanos na Nistória. É o reconhecimento solene de que todos os homens são igualmente vocacionados, pela sua própria natureza, ao aperfeiçoamento constante de si mesmos (COMPARATO, 2001, p. 107).

E por fim, Lafer (1988) identifica a origem dos Direitos Numanos nas tradições judaico-cristã e também estoica. Segundo ele, essas tradições afirmam uma série de elementos de suma importância para contribuir na concepção dos Direitos Numanos, tais como o homem como valor-fonte27, a dignidade de cada indivíduo, a afirmação do valor, dentre outras importantes contribuições.

25 Mas cheias de embates, lutas, sacrifícios, dores, extermínios, aniquilações, desrespeitos, destruições, anulações, extinções, dentre outros.

(23)

1.2 Direitos Naturais e Direitos Positivos

A ideia de Direito Natural (jus naturae) é que existe uma dignidade humana inerente ao ser humano que deve ser considerada e amparada pelas sociedades, independentemente de haver ou não “reconhecimento formal”, ou seja, igualdade perante a lei. Com relação aos Direitos Fundamentais, dizem respeito aos Direitos Humanos reconhecidos expressamente no âmbito dos sistemas jurídicos nacionais. São direitos que foram positivados.

Para Bobbio (1992, p. 30), “(...) os direitos humanos nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares28, para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais”.

Se em Roma o escravo é o homem sem direitos por oposição ao cidadão, na República Moderna os direitos civis são reconhecidos a todos, são direitos naturais e sagrados do homem. Conforme consagrado na Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa, todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Daí irradiaram as liberdades civis de consciência, de expressão, opinião e associação, bem como o direito à igualdade e o direito de propriedade que está na base da moderna economia de mercado (VIEIRA & BREDARIOL, 2006, p. 17-18).

O padrão do Direito Natural que conduziu a Modernidade correspondeu ao alicerce teórico das revoluções burguesas calcadas no individualismo moderno. O jusnaturalismo correspondeu a doutrina jurídica por detrás dos direitos do homem reconhecidos pelas Revoluções Francesa bem como Americana. O ser humano começava a ser percebido como portador de direitos universais que precediam o advento do Estado.

Nos sistemas de governos absolutistas, os direitos do indivíduo eram projetados como sendo uma oferenda do soberano frente ao direito ‘divino’ da realeza. O jusnaturalismo teve, desta forma, uma amplitude histórica de extrema relevância ao prover o substrato jurídico às revoluções burguesas.

Mas afora de sua dimensão histórica, a base do Direito Natural seria um paradigma formado pelos componentes da intemporalidade, da imutabilidade, da universalidade, da revelação ou dedução – dentre outros, com a incumbência de pontuar como justa ou injusta alguma determinada conduta, atrelando, assim, norma e valor, direito e moral (LAFER, 1991).

Konder Comparato associa os fundamentos dos Direitos Humanos com a necessidade de

(...) assentar-se em algo mais profundo e permanente que a ordenação estatal, ainda que esta se baseie numa Constituição formalmente promulgada. A importância dos

(24)

direitos humanos é tanto maior, quanto mais louco ou celerado o Estado. Tudo isto significa, a rigor, que a afirmação de autênticos direitos humanos é incompatível com uma concepção positivista do direito. O positivismo contenta-se com a validade formal das normas jurídicas, quando todo o problema situa-se numa esfera mais profunda, correspondente ao valor éticodo direito (COMPARATO, 1997, p. 7).

A concepção positivista do direito calca-se num conceito “a posteriori’29 de direito. Diferente da concepção jusnaturalista30 que é alicerçada no conceito “a priori” de direito onde a ética bem como a regulação moral do comportamento são os pilares. Já na concepção positivista, há uma predominância na valorização da análise da linguagem jurídica, sendo que neste contexto, a expressão ‘direito’ pode estar associada com distintos repertórios, tais como tribunais, normas positivas, monopólio da força, efetividade do ordenamento, dentre outros.

Por esta análise da linguagem, se reconhece que houve (e ainda há) distintos governos que utilizaram (e utilizam) o rigor conceitual da lei para oprimir, reprimir, eliminar e controlar o(a) cidadão(ã) das mais variadas formas, sob a égide do positivismo, face legal da opressão totalitária.

E foi sob este positivismo jurídico que houve a necessidade de compilar de forma universal os Direitos Humanos, uma vez que o Estado, seja ele qual for, não pode fazer o que bem quiser – tal como ocorreu com o Estado totalitarista nazista em que conseguiu exercer legalmente e atuar durante anos tendo suprimido arbitrariamente os direitos fundamentais pelos agentes estatais sob o amparo de um Estado de direito alemão31. Sob este aspecto, Piovesan elucida que

Apresentando o Estado como o grande violador de direitos humanos, a era Hitler foi marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana, que resultou no envio de 18 milhões de pessoas a campos de concentração, com a morte de 11 milhões, sendo 6 milhões de judeus, além de comunistas, homossexuais e ciganos. O legado do nazismo foi condicionar a titularidade de direitos, ou seja, a condição de sujeito de direito, à pertença à determinada raça - a raça pura ariana (PIOVESAN, 2006, n.p.).

29 A expressão "a posteriori" designa um qualificativo do conhecimento: conhecemos algo a posteriori quando o conhecemos recorrendo à experiência. Pelo contrário, conhecemos algo a priori se o conhecemos sem necessidade de recorrer à experiência.

30 O Jusnaturalismo, acolhido por doutrinadores tais como Fábio Konder Comparato e Dalmo de Abreu Dallari, primam a Pessoa Humana como o princípio atemporal, absoluto e global dos Direitos Humanos.

31 É sabido que Adolf Eichmann foi um dos maiores responsáveis pelos campos de concentração nazistas e em 1961 iniciou-se o seu julgamento em Israel. “O mundo esperava ver um monstro, um antissemita brutal, um nazista fanático. O réu, por sua vez, passou a imagem de um burocrata que teria apenas assinado documentos”. Ele insistia que apenas cumpriu ordens e jamais preocupou-se em questioná-las”

(25)

Para João Baptista Herkenhoff,

(...) os direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, compreendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir (HERKENHOFF, 1994, p. 30).

Selma Regina Aragão define os Direitos Humanos "(...) em função da natureza humana, reconhecidos universalmente pelos quais indivíduos e humanidade, em geral, possam sobreviver e alcançar suas próprias realizações" (ARAGÃO, 2000, p. 105).

Benevides distingue os Direitos Humanos dos direitos do cidadão, elucidando que

Os Direitos Humanos são universais e naturais. Os direitos do cidadão não são direitos naturais, são direitos criados e devem necessariamente estar especificados num determinado ordenamento jurídico. Já os Direitos Humanos são universais no sentido de que aquilo que é considerado um direito humano no Brasil, também deverá sê-lo com o mesmo nível de exigência, de respeitabilidade e de garantia em qualquer país do mundo, porque eles não se referem a um membro de uma sociedade política; a um membro de um Estado; eles se referem à pessoa humana na sua universalidade. Por isso são chamados de direitos naturais, porque dizem respeito à dignidade da natureza humana. São naturais, também, porque existem antes de qualquer lei, e não precisam estar especificados numa lei, para serem exigidos, reconhecidos, protegidos e promovidos (BENEVIDES, s.d. 2, p. 5).

Concepção distinta é explanada por José Afonso da Silva que a seu ver,

(...) não se aceita mais com tanta facilidade a idéia de que os direitos humanos sejam confundidos com os direitos naturais, provenientes da natureza das coisas, inerentes à natureza da pessoa humana; direitos inatos que cabem ao homem só pelo fato de ser homem, mas que são direitos positivos, históricos e culturais, que encontram seu fundamento e conteúdo nas relações sociais materiais em cada momento histórico (SILVA, 1991, p. 157).

Assim, basta breve e simples passeio na doutrina e vamos encontrar diversos conceitos de Direitos Humanos de inspiração jusnaturalista, ou universalista, ou constitucionalista, e até mesmo conceitos híbridos, conjugando elementos de mais de uma perspectiva, na tentativa de elaboração conceitual mais precisa.

Em razão da dimensão da denominação – “Direitos Humanos” - tal como pôde ser anteriormente observado – pode-se chegar a incontáveis conclusões que muitas vezes podem comprometer a sua significação e prejudicar a confirmação bem como a garantia de tais direitos.

(26)

No entanto, sem desconsiderar este posicionamento, há também que se levar em consideração que este enfoque pode estreitar o significado de Direitos Humanos, pois, apesar de se compreender esta afirmação como verdadeira, ela não acolhe outros direitos provenientes da evolução em que o ser humano passou ao longo dos tempos, seja ela no âmbito histórico, político, social, econômico.

E ao conceituar os Direitos Humanos focado basicamente numa concepção jusnaturalista, pode-se correr o risco de preterir os direitos procedentes das incontáveis transformações pelas quais os seres humanos passaram, desviando o seu reconhecimento bem como sua proteção.

Para se fornecer um conceito de Direitos Humanos faz-se necessário corroborar o fato que eles não foram expostos à humanidade em determinado momento de clareza, mas sim, por meio de árdua, intensa e contínua construção ao longo da história do homem, por meio das transformações, das alterações, das evoluções, variações na realidade social, econômica, política, cultural e industrial, enfim, em todos os campos do desempenho do ser humano.

Deste modo, apesar de os Direitos Humanos serem intrínsecos à própria condição humana, o seu reconhecimento, a sua proteção são provenientes de um processo histórico de conflito contrário ao poder excludente e limitador da participação e manifestação soberana do(a) cidadão(ã) e pelo encontro de um significado à humanidade.

Neste diapasão, destaca-se a contribuição de Ignacy Sachs quando reitera que

Não se insistirá nunca o bastante sobre o fato de que a ascensão dos direitos é fruto de lutas, que os direitos são conquistados, às vezes, com barricadas, em um processo histórico cheio de vicissitudes, por meio do qual as necessidades e as aspirações se articulam em reivindicações e em estandartes de luta, antes de serem reconhecidos como direitos (SACHS, 1998, p. 156).

E num mesmo pensar destaca-se Allan Rosas que afirma que "o conceito de Direitos Humanos é sempre progressivo. (...). O debate a respeito do que são os direitos humanos e como devem ser definidos é parte integrante de nossa história, de nosso passado e de nosso presente" (ROSAS, 1995, p. 243).

1.3 Conceitos de Direitos Humanos

(27)

judaico-cristã moderna necessários à dignidade da pessoa humana, ou seja: a solidariedade, a igualdade, a fraternidade, a liberdade.

Todavia, a despeito de ser identificada facilmente, a elaboração de um conceito que consiga definir Direitos Humanos, não é um simples ofício em virtude da complexidade que abarca o objeto em questão.

Dentre uma parcela significativa de conceitos formulados por estudiosos e pesquisadores da área de Direitos Humanos, destacam-se a seguir conceitos de professores que participaram em certa medida de minha construção e desenvolvimento acadêmicos.

Apesar da ciência jurídica não ter conseguido, conforme os dizeres de Fábio Konder Comparato, “encontrar uma definição rigorosa do conceito de direitos humanos” (1997, p. 6), proporciona uma co-relação direta entre o conceito de direito humano com o direito do homem, tal como se pôde constatar em ambas as Declarações supra citadas.

O pleonasmo da expressão direitos humanos, ou direitos do homem, é assim justificado, porque se trata de exigências de comportamento fundadas essencialmente na participação de todos os indivíduos no gênero humano, sem atenção às diferenças concretas de ordem individual ou social, inerentes a cada homem (COMPARATO, 1997, p. 20).

Na leitura de Maria Victória Benevides,

Direitos humanos são aqueles comuns a todos sem distinção alguma de etnia, nacionalidade, sexo, classe social, nível de instrução, religião, opinião política, orientação sexual, ou de qualquer tipo de julgamento moral. São aqueles que decorrem do reconhecimento da dignidade intrínseca de todo ser humano. Os direitos humanos são naturais e universais; não se referem a um membro de uma nação ou de um Estado – mas à pessoa humana na sua universalidade. São naturais, porque vinculados à natureza humana e também porque existem antes e acima de qualquer lei, e não precisam estar legalmente explicitados para serem evocados. O reconhecimento dos direitos humanos na Constituição de um país, assim como a adesão de um Estado aos acordos e declarações internacionais é um avanço civilizatório – no sentido humanista e progressista do termo – embora o estatuto não garanta, por si só, os direitos. No entanto, a existência legal, sem sombra de dúvida, facilita muito o trabalho de proteção e promoção dos DH (BENEVIDES, s.d.1, p. 3-4) ).

Para Benevides,

Além de serem naturais, intrínsecos à natureza humana, e universais - no sentido de que são comuns a todos (sendo naturais eles são universais, pois se supõe que a natureza humana seja uma só) -, os Direitos Humanos também são históricos. (...) Direitos Humanos são naturais e universais porque vinculados à natureza humana, mas são históricos no sentido de que mudaram ao longo do tempo, de que mudaram num mesmo país e é diferente o seu reconhecimento em países diferentes, num mesmo tempo (BENEVIDES, s.d. 2, p. 7).

Referências

Documentos relacionados

O teste de patogenicidade cruzada possibilitou observar que os isolados oriundos de Presidente Figueiredo, Itacoatiara, Manaquiri e Iranduba apresentaram alta variabilidade

De seguida, vamos adaptar a nossa demonstrac¸ ˜ao da f ´ormula de M ¨untz, partindo de outras transformadas aritm ´eticas diferentes da transformada de M ¨obius, para dedu-

Equipamentos de emergência imediatamente acessíveis, com instruções de utilização. Assegurar-se que os lava- olhos e os chuveiros de segurança estejam próximos ao local de

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

3.3 o Município tem caminhão da coleta seletiva, sendo orientado a providenciar a contratação direta da associação para o recolhimento dos resíduos recicláveis,

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Assim, este estudo buscou identificar a adesão terapêutica medicamentosa em pacientes hipertensos na Unidade Básica de Saúde, bem como os fatores diretamente relacionados