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A brasilidade no jornalismo de Revista Nacional: uma análise do discurso das revistas Veja e Época na copa do mundo de futebol de 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO

Departamento de Comunicação Social (DCSO)

A BRASILIDADE NO JORNALISMO DE REVISTA NACIONAL: UMA

ANÁLISE DO DISCURSO DAS REVISTAS

VEJA

E

ÉPOCA

NA COPA

DO MUNDO DE FUTEBOL DE 2014

Projeto Experimental de Conclusão de Curso (TCC)

GABRIEL DE LIMA ALVES CORTEZ

Aluno responsável

(2)

GABRIEL DE LIMA ALVES CORTEZ

A BRASILIDADE NO JORNALISMO DE REVISTA NACIONAL: UMA

ANÁLISE DO DISCURSO DAS REVISTAS

VEJA

E

ÉPOCA

NA COPA

DO MUNDO DE FUTEBOL DE 2014

Projeto Experimental apresentado em cumprimento parcial às exigências do Curso de Jornalismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, do Departamento de Comunicação Social da UNESP- Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social- Jornalismo.

Orientador do Projeto Experimental: Prof. Dr. José Carlos Marques

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GABRIEL DE LIMA ALVES CORTEZ

A BRASILIDADE NO JORNALISMO DE REVISTA NACIONAL: UMA

ANÁLISE DO DISCURSO DAS REVISTAS

VEJA

E

ÉPOCA

NA COPA

DO MUNDO DE FUTEBOL DE 2014

Projeto Experimental apresentado em cumprimento parcial às exigências do Curso de Jornalismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, do Departamento de Comunicação Social da UNESP- Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social- Jornalismo.

Bauru, 29 de abril de 2015.

____________________________ Profª Dra. Suely Maciel Membro da Banca Examinadora

____________________________ Profº Dr. Maximiliano Martin Vicente

Membro da Banca Examinadora

_____________________________ Profº Dr. José Carlos Marques

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AGRADECIMENTOS

(5)

DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia a meus pais, Abel e Angela, a meu irmão, Daniel, aos meus avós, Abel, Marly, Carlos e Lourdes, bem como aos familiares, amigos e colegas que contribuíram para mais esta etapa em minha vida.

(6)

CORTEZ, Gabriel de Lima Alves. A brasilidade no jornalismo de revista nacional: uma análise do discurso das revistas Veja e Época na Copa do Mundo de Futebol de 2014. Projeto Experimental – Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) – Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Universidade Estadual Paulista, Unesp, Bauru, 2015.

RESUMO

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...08

2 OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral...13

2.2 Objetivos Específicos...13

3 METODOLOGIA E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...13

4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 4.1 Análise do Discurso (AD Francesa)...15

4.2 Cultura brasileira, jornalismo e identidade nacional...17

4.3 Futebol, sociedade e cultura brasileira...19

5 ANÁLISE 5.1 O dualismo nas páginas de Veja...20

5.2 O dualismo nas páginas de Época...33

6 CONSIDERAÇÕES...42

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1 INTRODUÇÃO

A problemática da cultura brasileira e da identidade nacional não é uma discussão recente – e nem se pode dizer que, um dia, será “solucionada” ou encerrada. Desde o final do século XIX e o início do século XX, autores da historiografia nacional pensam a respeito do que é “ser brasileiro” e buscam respostas para questões que envolvem o tema (ORTIZ, 1985). 1 É no bojo destas discussões que o presente trabalho buscará verificar a maneira com

que o jornalismo de revista nacional – especificamente, o jornalismo das revistas Veja e

Época, nas reportagens sobre a Copa do Mundo de Futebol de 2014 2 – produz e reproduz as

identidades nacionais em suas páginas e como, nesta produção, aspectos históricos, contextuais 3 e ideológicos se entrelaçam à noção de cultura brasileira e a uma noção de

brasilidade existente nos discursos destes veículos, bem como nos discursos da opinião pública, nos textos da historiografia nacional, e na memória social, política e cultural dos brasileiros acerca de si (pensados, aqui, como uma comunidade imaginada, nos termos de Benedict Anderson4).

Do ponto de vista teórico-conceitual (ver itens 3 e 4, a seguir), considerar-se-á que as identidades nacionais são construídas e reafirmadas – entre outros fatores 5 – a partir dos

discursos midiáticos (HALL, 1999) e das representações simbólicas que resgatam e refazem a história e a memória de uma cultura nacional; além disso, partir-se-á do pressuposto de que o trabalho do jornalista constrói e reconstrói a realidade (TRAQUINA, 2004, pág. 26) e, por consequência, contribui para a cognição, a identificação e a diferenciação dos indivíduos enquanto membros de uma comunidade imaginada.

1 Ver Cultura Brasileira e identidade nacional (1985), de Renato Ortiz.

2 A primeira partida da Copa do Mundo de Futebol de 2014, disputada no Brasil, ocorreu em 12 de junho de 2014. O jogo final do torneio se desenrolou no dia 13 de julho do mesmo ano, portanto, um mês e um dia depois. 3 Desde o início, a Copa-2014 não foi uma unanimidade. Já no anúncio oficial de que o Brasil sediaria o evento, feito por Joseph Blatter (presidente da Federação Internacional de Futebol, a FIFA) em Zurique (Suíça), no dia 30 de outubro de 2007, muito se discutiu sobre o “legado” que o Mundial deixaria para o país. O termo foi adotado com frequência, sobretudo pela imprensa e por autoridades, para se referir às contribuições que a Copa traria ao país (ou problematizar se, verdadeiramente, haveria contribuições), tanto no aspecto infraestrutural (estradas, aeroportos, estádios) quanto no aspecto social (qualidade de vida). Além disso, houve quem questionasse o montante de dinheiro público utilizado na promoção e na organização do megaevento, argumentando que o Brasil é um país “repleto de desigualdades” e de deficiências no que tange aos direitos básicos dos cidadãos, como saúde, educação, moradia e alimentação, e não deveria, portanto, gastar com um evento de “entretenimento” como a Copa do Mundo. Em junho de 2013, as vozes contrárias à realização do evento se intensificaram após uma série de manifestações populares que tomaram as ruas das grandes cidades do país, bem como durante e após a realização da Copa das Confederações. Neste contexto, as reivindicações seguiram, inclusive, durante o Mundial, em 2014.

4 Ver Comunidades Imaginadas (1983), de Benedict Anderson.

5 Para um aprofundamento nos demais fatores – ou “dispositivos discursivos” - que corroboram para a constituição das identidades nacionais, ver o capítulo 3 da obra “Identidade cultural na pós-modernidade”

(9)

Neste sentido, é importante ressaltar que o jornalista – assim como o historiador, o sociólogo e o antropólogo – trabalha para compreender e mediar a realidade e trazer para o leitor uma interpretação e uma compreensão da “teia de significados” em que se constitui a cultura das sociedades – adotando uma perspectiva semiótica e weberiana para o conceito de cultura, baseada no pensamento de Clifford Geertz (GEERTZ, 1978, p. 15). Todavia, apesar de considerar que o jornalismo trabalha com a interpretação da realidade (e, por conseguinte, com a interpretação do que deveria ser apresentado ao leitor como real), quem se arrisca neste campo sabe que fugir do objetivismo da descrição ou do subjetivismo da análise pode ser tarefa ingrata 6.

Ademais, no caso dos jornalistas, os interesses coorporativos e a ideologia empresarial predominantes nos conglomerados midiáticos contemporâneos (como os que sustentam as revistas Veja 7 e Época 8) têm atuado como fatores de transformação dos discursos da imprensa (TRAQUINA, 2004, p. 29; e BOURDIEU, 1997) e, consequentemente, das identidades produzidas (ou reforçadas) pelas publicações desses veículos. Tal característica, é importante dizer, parece se acentuar em uma sociedade intercultural como a brasileira, na qual as desigualdades econômicas e culturais estabelecem situações de tensão social e de negociação de conflitos culturais (muitas vezes ocultas ou imperceptíveis para determinados grupos) 9. É neste ponto, aliás, que os contextos ideológicos se tornam notórios e a ideologia se entrelaça ao discurso jornalístico, como veremos adiante.

Para mais, considerar-se-á que, no Brasil, os discursos a respeito de uma noção de identidade nacional foram e são marcados por uma dualidade (WISNIK, 2008) – sobretudo, quando se relaciona o futebol, a sociedade e a cultura nacional (ver item 4.2 da Revisão Bibliográfica). Essa relação passa, também, por determinadas visões do cotidiano e pelas representações do brasileiro sobre si e sobre os outros (quando nos comparamos a uma alteridade estrangeira): em um dia, os discursos nos colocam como os “melhores”, os mais hospitaleiros, e o Brasil é o país do samba, da festividade, e do carnaval; da malandragem (positiva), da ginga e do futebol “poético”, livre, improvisado e “acapoeirado” – como propunha Gilberto Freyre, em Sobrados e Mucambos (1936). No momento seguinte (ou, mesmo, no minuto posterior), somos o país dos desmandos políticos, da desordem e da

6 Em A interpretação das culturas (1978), Geertz destaca essa dificuldade para o caso específico do trabalho dos antropólogos. Porém, é possível dizer que o problema da objetividade também existe nas tentativas dos demais profissionais que se dedicam a interpretar as relações sociais e suas conexões com a realidade – obviamente que de maneira consciente da rotina e das especificidades metodológicas de cada profissão.

7 A revista Veja é publicada desde 1968, pela Editora Abril. 8 A revista Época é publicada desde 1998, pela Editora Globo.

9 Trabalharemos com a definição de interculturalidade proposta por Néstor Garcia Canclini (ver item 3

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corrupção; do jeitinho improvisado, da malandragem (negativa), dos atrasos e da falta de educação do povo nas ruas 10.

Mas, afinal, quem são, de fato, os “brasileiros”? Será mesmo possível determinar uma noção de identidade nacional; isto é, um “ser”, essencialmente, da “pátria”? E como os discursos midiáticos – no caso do presente trabalho, como o discurso das revistas semanais

Veja e Época, nas reportagens sobre o Mundial de Futebol de 2014 – trabalham com as características identitárias brasileiras? Somos vistos por essas publicações a partir de uma visão essencialista e homogeneizadora (de “ser” brasileiro único) ou somos vistos a partir das múltiplas vozes sociais que atuam na produção da cultura, da realidade, e da(s) identidade(s)? São perguntas, aparentemente, ainda sem respostas – mas, em especial esta última, é um dos pontos que se pretende responder neste trabalho (mesmo que de forma parcial, provisória e ciente das dificuldades que circundam a questão da brasilidade, como aponta Renato Ortiz e como veremos adiante).

Pensando nisso, é importante reiterar que, desde o final do século XIX e o início do século XX, uma série de autores da historiografia nacional (como Afonso Celso11, Nina Rodrigues, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro, entre outros) vêm tentando explicar e interpretar o Brasil (ou, os “Brasis” 12) e suas identidades culturais e

sociais. Nas obras de alguns desses autores (especialmente, nos textos de Gilberto Freyre e de Darcy Ribeiro), a ideia de uma sociedade miscigenada se fez presente. Assim, “Narrativas de nação” e “mitos fundacionais” – dois dos “dispositivos discursivos” apresentados por Stuart Hall (1999) – se constituíram na memória simbólica e política do brasileiro (provavelmente, de maneira plural e múltipla, como indica Renato Ortiz, e, por vezes, de maneira dualista e instável, como indica José Miguel Wisnik; mas, isto, é algo que discutiremos mais tarde).

10 Em Raízes do Brasil (1936), Sérgio Buarque de Holanda já questionava essa noção de cordialidade atribuída ao brasileiro. De acordo com ele, herdou-se, por aqui, uma maneira emotiva de educação e “lhaneza no trato” que não avança para fora do convívio familiar: “Nenhum povo está mais distante dessa noção ritualista da vida do que o brasileiro. Nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da polidez.”. (HOLANDA: 1995, 146).

11Na obra Porque me ufano do meu país, editada em 1900, o conde Afonso Celso já apresentava uma lista de

representações e de motivos pelos quais considerava o Brasil superior e singular, do ponto de vista cultural. Eis os principais argumentos de Celso: (1) por sua grandeza territorial (“O Brasil é um dos mais vastos países do globo”); (2) por sua beleza (“não há no mundo país mais belo que o Brasil”); (3) por sua riqueza (“solo fértil; quem quiser trabalhar e ser honesto conquista tudo”); (4) pela ausência de calamidades (“país privilegiado; não há ciclones, como nos Estados Unidos”); (5) pelos elementos do tipo nacional (“do cruzamento das três raças resultou o mestiço”); e (6) por possuir nobres predicados de caráter nacional (“hospitalidade; afeição à ordem, à paz; paciência; resignação; cumprimento das obrigações; espírito extremo de cordialidade; tolerância; honradez no desempenho das funções”).

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Exemplo dessa incorporação histórico-simbólica é a ideia de inferioridade cultural dos povos sul-americanos em relação às nações europeias, proposta por Hegel, no final do século XIX 13; um pensamento apropriado por alguns dos intérpretes do Brasil e que, até hoje, parece

influenciar na maneira com que determinados grupos sociais – quando convêm – se diferenciam de uma ideia de brasilidade, como se não fossem nascidos aqui e como se quisessem distância cultural dos que o são 14. Tendo isso em mente, um outro ponto que se

tentará provar com o trabalho é que, tanto a proposição de Hegel, quanto as propostas dos historiógrafos brasileiros ainda podem ser percebidas na raiz (ou, mesmo, na “superfície”) dos discursos a respeito de uma cultura brasileira e de uma noção de identidade nacional – ou das múltiplas noções de identidade nacional – que percorrem as representações simbólicas dos brasileiros sobre o país. Tanto mídia quanto sociedade civil parecem ter incorporado essas perspectivas.

No entanto, apesar de, aparentemente, a noção de identidade brasileira se apresentar de maneira multifacetada (e, em certos momentos, mesmo, de forma dualista), e os discursos jornalísticos acerca dela também, essas características identitárias podem ser detectadas – em especial nos textos jornalísticos – através da metodologia proposta pelos estudiosos da Análise do Discurso (AD) Francesa (como veremos, no item 3, Metodologia e Fundamentação Teórica).

Além disso, para que se justifique a aplicação da AD na análise dos textos das revistas

Veja e Época sobre a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, é válido ressaltar que acreditamos no futebol como uma importante fonte de identidade nacional e social brasileira (como destaca Roberto DaMatta) – sobretudo, em períodos de Copa do Mundo da modalidade. O trecho abaixo, escrito por José Miguel Wisnik (citando o trabalho do inglês Alex Bellos 15),

ajuda a entender esta dimensão:

Pode-se dizer que a memória coletiva brasileira é demarcada e compartilhada, no século XX, mais do que por qualquer outra coisa, pelas Copas do Mundo de futebol. O inglês Alex Bellos, autor de Futebol: o Brasil em campo, chega a fazer um contraponto tão sugestivo quanto ousado: ‘Os britânicos dividem o Século XX em blocos demarcados pelas guerras mundiais de 1914-18 e 1939-45. O Brasil mede sua história recente pelas

13 Hegel olhava para a América Latina como um simples espaço de Natureza e de emoção, enquanto via na Europa (e, mais precisamente, na Alemanha) um espaço de razão e de civilização (no sentido positivista do termo).

14 Perceberemos este aspecto na descrição que a revista Veja faz da brasileira Maristela Kuhn, no item 5.2 O

dualismo nas páginas de Veja, e na maneira com que a própria Maristela caracteriza a “mão-de-obra brasileira”, em entrevista para a reportagem analisada.

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Copas do Mundo, já que é durante as Copas que mais se identifica como nação’. Acrescenta-se que, sendo ‘o único país a ter participado de todas as Copas’, o ‘estado nação’ é passível de ser conferido ‘em saltos de quatro em quatro anos’. (WISNIK: 2008, p. 175).

Considerando, então, o futebol (em especial, a Copa do Mundo) e o jornalismo (no caso, o jornalismo de revista nacional) como importantes fontes de observação da realidade social e cultural no país, e levando em conta a complexidade da discussões que cercam o tema da brasilidade, a pesquisa procurará, por meio de um recorte, identificar como as revistas semanais brasileiras Veja e Época retrataram em suas páginas – entre novembro de 2013 e novembro de 2014 – a organização e o desenvolvimento da Copa do Mundo de Futebol de 2014 no Brasil e como, neste discurso, compareceu a noção de brasilidade – ou deveríamos pensar em mais de uma noção de brasilidade, isto é, em uma “pluralidade de identidades”, como propõe Renato Ortiz (ver item 4.2 Cultura brasileira, jornalismo e identidade nacional)?

Deste modo, procuraremos verificar se as revistas Veja e Época apresentam uma identidade autêntica (única e homogeneizadora); ou se propõem uma visão plural e múltipla (que, por vezes, se extrema, em antagonismos duais) acerca da brasilidade, isto é, uma visão que considera a multiplicidade de grupos sociais (suas culturas, sub-culturas) e o contexto de interculturalidade, de tensionamentos, de fragmentação e de liquidez 16 em que as sociedades

contemporâneas estão inseridas.

Além disso, tentaremos, também, entender como a ideologia influencia na maneira com que os brasileiros foram representados pelo discurso das revistas – especialmente, quando se fala em uma ideia de inferioridade cultural brasileira em relação a países tidos como de “Primero Mundo”17. Assim, espera-se que o trabalho contribua diretamente para os

demais estudiosos da Comunicação que procurem entender o modo com que a imprensa brasileira – e a própria sociedade – tratam a questão da identidade nacional; e, desta maneira, pretende-se chegar a uma resposta para o seguinte problema de pesquisa: como a construção e a reafirmação de determinados discursos da história e da memória nacional reverberam na produção das notícias e, por conseguinte, na estruturação de uma noção de brasilidade? Ademais, é, de fato, possível afirmarmos uma identidade essencialmente brasileira, num contexto de interculturalidade, de globalização e de fragmentação das relações sociais tradicionais? E, mais: de que maneira a ideologia dos produtores das revistas influi na

16 Ver Ética Pós-moderna (1997), de Zygmunt Bauman, e Identidade cultural na pós-modernidade (1999), de Stuart Hall.

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produção discursiva dos jornalistas dos periódicos? É o que veremos adiante; o que nos instiga; e o que nos motiva na realização deste trabalho.

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo geral

O objetivo central da pesquisa é verificar como o Brasil, os brasileiros, e uma noção de identidade nacional apareceram na produção discursiva das revistas semanais brasileiras

Veja e Época em edições veiculadas antes, durante e depois da realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014 no Brasil (notadamente, nas edições veiculadas entre novembro de 2013 e novembro de 2014).

2.2 Objetivos Específicos

● Verificar como parte da imprensa brasileira constrói (e reconstrói) a noção de brasilidade, por ocasião do principal evento de futebol do planeta;

● Mostrar as peculiaridades (ideológicas e sócio-históricas) desse processo discursivo na produção de textos jornalísticos publicados nas revistas selecionadas;

● Indicar de que maneira os discursos da imprensa atuam na construção da imagem do Brasil diante do olhar brasileiro e, sobretudo, diante do olhar estrangeiro;

● E apontar as noções de brasilidade, construídas por alguns dos principais nomes da historiografia nacional do século XX, que permanecem no discurso jornalístico dos produtos analisados.

3 METODOLOGIA E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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cultura brasileira e que exprimem (ainda que de forma simbólica, política, ou parcial) o que é o Brasil e o brasileiro – ou o que são os “Brasis” e os brasileiros.

Parte-se, como foi dito, de uma concepção intercultural de abordagem, de acordo com a qual as sociedades podem ser descritas como misturas mal ajambradas de culturas conflitantes que ensejam em diferentes relações sociais e identitárias – relações nas quais se consideram os múltiplos tensionamentos e os espaços de negociação com os quais as nações (e suas culturas e subculturas) se defrontam (GARCÍA CANCLINI, 2006, p. 17).

Neste contexto, a fim de detectar as identidades nacionais presentes no jornalismo das revistas Veja e Época, o trabalho se baseou nos conceitos de brasilidade já estabelecidos, especialmente durante o século XX, por alguns dos sociólogos, antropólogos e historiadores citados e, sobretudo, nas proposições teóricas da Análise do Discurso Francesa (AD Francesa) – que, por si só, já estabelece uma forma própria de reflexão sobre o objeto (ver mais sobre os fundamentos da AD Francesa no item 4.1 Análise do Discurso Francesa). Com isso, a metodologia utilizada na presente pesquisa é prioritariamente qualitativa e se apoiou na leitura bibliográfica das obras literárias, de textos conceituais, e dos textos do corpus selecionado.

A partir deste escopo, analisaram-se os textos jornalísticos de Veja e Época, publicados em edições veiculadas antes, durante e depois do evento (especificamente, entre novembro de 2013 e novembro de 2014). A análise se voltou para os discursos textuais produzidos pelos jornalistas dos periódicos, a fim de detectar se, antes do início da Copa, a revista se posicionava a favor ou contra a realização do megaevento no país, ou se se colocava de maneira dualista, reforçando a ideia de que a Copa traria benefícios para alguns (jogos de futebol, festa e diversão) e malefícios para outros (gastos públicos desnecessários e aprofundamento dos problemas sociais); e, além disso, se, durante e depois do início do evento, essa perspectiva se alterou.

Ademais, pensando, na ideia de Michel Pechêux (considerado o “pai” da Análise do Discurso Francesa), quando argumenta que analisar o discurso é buscar os vestígios da história e da memória que constituem esse discurso, tentou-se estabelecer as relações entre os textos (e a ideologia) das revistas pesquisadas e o contexto sócio-político vivido pelo Brasil durante a preparação e a realização do megaevento. Assim, pretenderam-se vislumbrar – nos relatos ideológicos das revistas sobre o evento – os traços históricos e as memórias culturais que constituem as visões do brasileiro acerca de sua identidade cultural.

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estabelecessem as relações entre os níveis linguístico (os sistemas de regras e as categorias da língua) e não linguístico (o local das realizações históricas, sociais e políticas em que a produção do texto ocorreu) presentes nos discursos confrontados. Foi, justamente, neste ponto que a AD Francesa contribuiu para a presente pesquisa.

4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

4.1 Análise do Discurso Francesa

A Análise do Discurso (AD) Francesa surgiu, durante as décadas de 1960 e 1970, na França, como uma metodologia de análise textual que se coloca entre a linguagem (o linguístico) e a ideologia (o não-linguístico) – vácuo em que habita o discurso. A AD Francesa rompeu com a tradição de análise literária Estruturalista, a qual dava importância para aspectos formais e internos da construção dos textos – ou seja, às articulações linguísticas e textuais da obra. Com a AD Francesa, a realidade extradiscursiva e as condições sócio-históricas de produção das obras se tornaram relevantes (BRANDÃO, s/d).

No livro Introdução à análise do discurso, Helena Nagamine Brandão traça um panorama inicial às teorias e aos conceitos que fundamentam essa corrente linguística e mostra os pontos originários da AD Francesa. Um destes pontos, como destaca a autora, é o fato de a linguagem, enquanto discurso, funcionar como um modo de interação social e de produção de sentido não neutra e não inocente (que está, sempre, engajada em uma intencionalidade), sendo muito mais do que um universo de signos, um instrumento de comunicação, ou um simples suporte do pensamento. Nas palavras de Brandão, a linguagem é:

[...] o lugar privilegiado da manifestação da ideologia. [...] Como elemento de mediação necessária entre o homem e sua realidade e como forma de engajá-lo na própria realidade, a linguagem é lugar de conflito, de confronto ideológico, não podendo ser estudada fora da sociedade, uma vez que os processos que a constituem são histórico-sociais. (BRANDÃO, s/d, p. 12)

Nesta perspectiva, o discurso deve ser compreendido como algo que ultrapassa o nível puramente gramatical e linguístico, como destaca Brandão, citando o trabalho de Mainguineau (2004):

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Além disso, é importante destacar que “todo discurso se constrói numa rede de outros discursos; em outras palavras, numa rede interdiscursiva” (BRANDÃO, 2014, p. 3). Ou seja, nenhum discurso é único e singular. Nenhum discurso está sozinho no mundo, uma vez que os sujeitos podem se apropriar de discursos alheios por meio de escolhas argumentativas e do estabelecimento de estratégias narrativas, como destacou o pensador russo Mikhail Bahktin (1895-1975). Logo, os discursos estão em constante interação com outras ideias que já foram ou estão sendo produzidas:

Nessa relação interdiscursiva (com outros discursos), quer citando, quer comentando, parodiando esses discursos, disputa-se a verdade pela palavra numa relação de aliança, de polêmica ou de oposição. É nesse sentido que se diz que o discurso é uma arena de lutas em que locutores, vozes, falando de posições ideológicas, sociais, culturais diferentes procuram interagir e atuar uns sobre os outros. (BRANDÃO, 2014, p. 3)

Deste modo, a linguagem se configura como uma maneira de o homem se perceber em sua própria realidade, sendo um elemento de mediação entre ele e seu mundo (BRANDÃO, s/d, p. 12).

A este respeito, é importante que nos questionemos: como as relações linguísticas e

não linguísticas inerentes aos discursos podem ser detectadas nos textos analisados? Isto é, como olhar para uma frase e captar o que está ali, dito, e o que fica subentendido ao discurso do enunciador? Para Oswald Ducrot (1987), aquilo que não é dito no texto – o “não-dito” – é o elemento fundador do discurso, o constituinte do discurso. Ou seja, é o que está “implícito”

ao discurso, mas, não se pode ver; aquilo que não é “dito”, mas se apresenta de maneira “comum” aos dois personagens do diálogo; um objeto de cumplicidade fundamental que liga entre si os participantes do ato comunicativo.

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Pensando, então, no discurso como um elemento de disputa de vozes e de relações de cumplicidade entre os falantes (no caso, entre produtores de conteúdo jornalístico e público-leitor), propõe-se que os conflitos e as dualidades ideológicas existentes em uma sociedade intercultural como a brasileira se desenrolam por meio da linguagem – incluídos, aqui, os conflitos e as dualidades produzidas e/ou reforçadas pelo discurso dos veículos de comunicação de massa e dos jornalistas que trabalham nesses veículos; bem como os discursos produzidos por historiadores, antropólogos e sociólogos sobre a identidade de determinada nação (discursos, estes, que reverberam na produção discursiva da sociedade e da imprensa e que estabelecem uma relação retroalimentativa de resgate da memória; uma relação “interdiscursiva” que pode, até mesmo, ser inconsciente – ou o contrário, intencional).

Neste contexto, entender a maneira com que a cultura e a identidade brasileira aparecem na construção discursiva da imprensa nacional pode ser fundamental para que se percebam as contradições e as disputas de poder – ou as “relações de poder”, nas palavras de Renato Ortiz (ver abaixo) – que atuam na realidade social brasileira e, em especial, nas construções identitárias a respeito do país e de seus habitantes.

4.2 Cultura brasileira, jornalismo e identidade nacional

Em Cultura brasileira e identidade nacional (1985), Renato Ortiz aponta para a importância – e a dificuldade – em se problematizar a questão da brasilidade: “O tema da cultura brasileira e da identidade nacional é um antigo debate que se trava no Brasil. No entanto, ele permanece atual até hoje, constituindo uma espécie de subsolo estrutural que alimenta toda a discussão em torno do que é nacional” (ORTIZ, 1985, p. 7). Na obra, o Ortiz mostra que os parâmetros culturais e identitários brasileiros são, historicamente, marcados por uma noção de diferenciação 18 em relação ao estrangeiro (sobretudo, ao europeu e ao

norte-americano):

Os diferentes autores que têm abordado a questão concordam que seríamos diferentes de outros países, sejam eles europeus ou norte-americanos. Neste sentido, a crítica que os intelectuais do século XIX faziam à ‘cópia’ das ideias de metrópole é ainda válida para os anos 60, quando se busca diagnosticar a existência de uma cultura alienada, importada dos países centrais. Toda identidade se define em relação a algo que lhe é exterior, ela é

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uma diferença. Poderíamos nos perguntar sobre o porquê desta insistência em buscar uma identidade que se contraponha ao estrangeiro. Creio que a resposta pode ser encontrada no fato de sermos um país do chamado Terceiro Mundo, o que significa dizer que a pergunta é uma imposição estrutural que se coloca a partir da própria posição dominada em que nos encontramos no sistema internacional. Por isso autores de tradições diferentes, e politicamente antagônicos, se encontram, ao formular uma resposta para o que seria uma cultura nacional. Porém, a identidade possui ainda uma outra dimensão, que é interna. Dizer que somos diferentes não basta, é necessário mostrar em que nos identificamos. (p. 7)

Pensando nisso, Ortiz defende que “a problemática da cultura brasileira têm sido, e permanece, até hoje, uma questão política” (1985, p. 8):

[...] a identidade nacional está profundamente ligada a uma reinterpretação do popular pelos grupos sociais e à própria constituição do Estado brasileiro. [...] toda identidade é uma construção simbólica (a meu ver necessária), o que elimina portanto as dúvidas sobre a veracidade ou a falsidade do que é produzido. Dito de outra forma, não existe uma identidade autêntica, mas uma pluralidade de identidades, construídas por diferentes grupos sociais em diferentes momentos históricos. [...] Na verdade, falar em cultura brasileira é falar em relações de poder. (p. 8)

Nesta perspectiva, quando se fala em “relações de poder” entre os grupos sociais e em uma “pluralidade de identidades”, é preciso que se pense em quais atores influenciam na construção da noção de identidade na contemporaneidade e no papel que os meios de comunicação exercem na construção – ou na reafirmação – dessas noções. O sociólogo jamaicano – radicado na Inglaterra – Stuart Hall, em A identidade cultural na pós-modernidade (1999), argumenta que as culturas nacionais produzem “sentidos” (símbolos e representações) sobre “a nação”:

Esses sentidos estão contidos nas estórias (sic) que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presesnte e seu passado e imagens que dela são construídas. Como argumentou Benedict Anderson (1983), a identidade nacional é uma ‘comunidade imaginada’. (p. 42)

Hall indica, também, que as culturas nacionais são “contadas” – entre outros aspectos – por meio de “narrativas de nação” e a mídia é um dos dispositivos pelos quais esses discursos fluem entre a sociedade, a memória e a história; entre o passado e o presente:

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simbolizam ou representam as experiências partilhadas, as perdas, os triunfos e os desastres que dão sentido à nação. (p. 52)

Assim, constroem-se e se reafirmam determinadas características identitárias “nacionais”. Porém, como indicam o próprio Stuart Hall (no mesmo livro) e também Renato Ortiz, é preciso que se pense nas identidades como espaços simbólicos em que múltiplas vozes podem atuar simultaneamente – num contexto de fragmentação das relações sociais de tradição local e em um cenário de globalização das culturas e do consumo (como aponta Néstor Garcia Canclini 19, inspirado em Renato Ortiz 20). Neste cenário, é imprescindível que

se pense na maneira com que o futebol, como fenômeno midiático global, pode transparecer e exaltar uma noção (ou múltiplas noções) de identidade brasileira – especialmente em períodos de Copa do Mundo de futebol.

4.3 Futebol, cultura e sociedade brasileira

O antropólogo Roberto DaMatta foi o primeiro a escrever sobre a relação do futebol com a cultura brasileira a partir de uma perspectiva integrada (isto é, não-apocalíptica e contrária às teses marxistas, que viam o futebol como “o ópio do povo”) 21. Nas obras Carnavais, Malandros e Heróis (1997) e Universo do futebol – esporte e sociedade brasileira

(1982), DaMatta mostra que é possível descobrir os traços significativos da identidade de uma sociedade como a brasileira através do futebol: uma sociedade que, para o autor, expressa suas características mais profundas (ou mais sutis) em momentos de drama (ou de rito) – como são os casos dos jogos de futebol, das peças de teatro ou dos desfiles carnavalescos. Nesta perspectiva, ele indica que “o futebol praticado, vivido, discutido e sentido no Brasil seria um modo específico, entre tantos outros, pelo qual a sociedade brasileira fala, apresenta-se, revela-apresenta-se, deixando-apresenta-se, portanto, descobrir” (DAMATTA: 1982, p. 20).

Em Veneno e remédio: o futebol e o Brasil (2008), José Miguel Wisnik – pegando carona no pensamento de DaMatta – indica que os discursos a respeito de uma identidade

19 Em Consumidores e Cidadãos (2006), Canclini afirma que “é preciso averiguar como se reestruturam as identidades e as alianças quando a comunidade nacional se debilita, quando a participação segmentada no consumo – que se torna o principal procedimento de identificação – solidariza as elites de cada país através de um circuito transnacional, e, de outro lado, os setores populares. [...] [quando] a separação entre grupos hegemônicos e subalternos já não se apresenta principalmente como oposição entre o nativo e o importado, ou entre o tradicional e o moderno, mas como adesão diferencial a subsistemas culturais de diversa complexidade e capacidade de inovação. (p. 68)”.

20 Ver Mundialização e cultura (1994), de Renato Ortiz - Canclini cita este trabalho na p. 53 de Consumidores e

Cidadãos (2006).

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nacional brasileira foram e são marcados por uma dualidade – sobretudo, quando se relaciona o futebol, a sociedade e a cultura nacional. Tal oposição se revela logo no título da obra de Wisnik – em um antagonismo de sentido que se estabelece entre as palavras “veneno” e “remédio” – e no trecho abaixo, no qual o autor destaca a relevância – “para o bem e para o mal” – do futebol como produtor de sociabilidade e de identidade brasileira:

Passam pelo futebol brasileiro linhas incontornáveis das interpretações do Brasil, que se irradiam pela música, pela literatura, e pelas formas de sociabilidade. É possível discutir, como faz Gumbrecht, se o futebol expressa ou não o modo de ser de um país europeu. Mas no Brasil a questão se coloca de maneira oposta: para o bem e para o mal, uma das mais reconhecíveis maneiras pelas quais o país se fez ver foi o futebol. (WISNIK: 2008, p. 28)

Por isso, pensando na Copa do Mundo de Futebol como um momento em que o país se faz “ver”, procurar-se-á, nas análises que seguem, entender a maneira com que os discursos das revistas Veja e Época apresentaram o Mundial de Futebol de 2014 para o público-leitor.

5 ANÁLISE

5.1 O dualismo nas páginas de Veja

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Figura 1 – Print screen feito em 31/12/2013, do "Acervo Digital" de Veja, por Gabriel Cortez.

Poucas linhas abaixo, já no “lide” da reportagem, pode-se notar um reforço dessa conotação festiva. Após exaltar “o show do português”, na atuação contra os suecos, tratando a atuação de Cristiano Ronaldo como um “desfecho espetacular para os 816 jogos das eliminatórias da Copa 2014”, a reportagem ressalta, quase em tom de comemoração, o fato de se poder saber quais eram as seleções classificadas em definitivo para a competição:

Agora, já sabemos quais são as trinta e duas seleções que virão ao Brasil e, no próximo dia seis de dezembro, participarão do sorteio na Costa do Sauípe, na Bahia, para definir os grupos da primeira fase do torneio.

No entanto, no primeiro momento em que o texto aborda uma questão extracampo, com uma frase sobre os black blocs (um dos grupos da sociedade civil que fez forte oposição à realização do evento no país), esse viés positivo se transforma, e a dualidade ascende: “Não há black bloc que resista à sensação de se estar construindo uma Copa extraordinária dentro dos gramados – noves fora os gastos de dinheiro público, a pobreza da infraestrutura, o avesso do ‘padrão FIFA’”. Nota-se, aqui, um reforço da ideia que projeta uma Copa fantástica dentro das quatro linhas, mas péssima fora delas. A crítica à incapacidade do brasileiro em organizar um evento no “padrão FIFA” (ou seja, no padrão dos países de

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É possível afirmar, então, que aquela visão eurocêntrica histórica, herdada do pensamento hegeliano, do início do século XIX, continua presente na construção da identidade nacional e da brasilidade e se expressa, na reportagem, de maneira oculta, sob a forma de sobreposição da alteridade do brasileiro em relação à sua identidade – isto é, a identidade dos países – tidos como – “desenvolvidos” se superpondo à identidade do brasileiro. É uma expressão clara de um pensamento que parece ter se enraizado na percepção do brasileiro sobre si e, consequentemente, tornou-se uma marca de brasilidade e de identidade cultural, herdada dos tempos de Brasil Colônia: eles (europeus e, mais recentemente, norte-americanos) são melhores e mais capazes do que nós (brasileiros).

As bases históricas dessa conotação – que parecem justificar, ainda hoje, uma suposta “inferioridade” brasileira perante os países tidos como “desenvolvidos” – podem ser vistas em obras da historiografia brasileira do século XX, como Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda. Na obra, Holanda estabelece comparações entre o modelo de colonização espanhol e o modelo de colonização português na América, em uma tentativa de justificar os vestígios de nossa identidade que foram “herdados” deste período. Verificam-se, no discurso do autor, explicações que ajudam a reforçar uma visão negativa do brasileiro sobre sua capacidade de organização e de construção do espaço social, como se isso fosse um traço da colonização portuguesa em nossa identidade.

No capítulo 4 da obra, denominado “O semeador e o ladrilhador”, o foco de Sérgio Buarque de Holanda são as cidades e a urbanização das colônias como instrumentos de dominação. O “Ladrilhador”, de acordo com ele, é o espanhol, que utilizou – desde o princípio do processo colonizador – a razão na construção dos espaços urbanos coloniais, fazendo destes, prolongamentos da metrópole; enquanto os portugueses, norteados por uma política de feitoria e agarrados ao litoral – do qual só se desprenderiam no século XVIII – foram os “Semeadores”, os construtores de cidades irregulares, nascidas e crescidas conforme a vontade das paisagens naturais, como fica claro no seguinte trecho da obra:

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que exprime a palavra “desleixo” – palavra que o escritor Aubrey Bell considerou tão tipicamente portuguesa quanto “saudade” e que, no seu entender, implica menos falta de energia do que uma íntima convicção de que “não vale a pena”. (HOLANDA, 1995, p.109/110)

Buarque indica, também, que o interesse do português pelas suas próprias conquistas foi, sobretudo, um meio de fazer fortuna rápida, dispensando o trabalho regular, que nunca foi virtude dos mesmos 22. Essa visão parece ter se transplantado para a maneira com que

determinados brasileiros se enxergam – ou, ao menos, enxergam os demais brasileiros, que não a si próprios. Tal processo fica evidente na incredulidade da reportagem de Veja acerca do cumprimento do “Padrão FIFA” durante a preparação do país para a Copa do Mundo de Futebol – e, mesmo, no pessimismo apresentado pela revista em torno da capacidade organizacional do brasileiro.

Percebem-se, então, no discurso de Holanda, alguns dos “vestígios” (na perspectiva de Pechêux) históricos e das memórias que justificam a ideia – ao menos implicitamente – propagada por Veja de que o Brasil e o brasileiro não seriam capazes de organizar um evento como a Copa do Mundo de futebol de modo tão eficaz quanto os países economicamente “desenvolvidos” – ou, ao menos, vistos dessa forma.

Em outra edição de Veja (número 2.351 – publicada em 11 de dezembro de 2013), encontra-se a primeira série “Especial” de reportagens sobre a Copa do Mundo 2014 elaborada pelos produtores do periódico. São dezenove páginas de material relacionado ao evento, excluindo-se os anúncios publicitários e incluindo um índice, um artigo opinativo, cinco reportagens e a tabela de jogos da primeira fase. Como mote factual, é possível apontar para o já mencionado sorteio dos grupos que ocorrera na Bahia, em seis de dezembro de 2013, após uma semana da publicação da edição em questão, de 11 de dezembro.

Na reportagem de abertura do “Especial” (Figura 2), também assinada pelo jornalista Alexandre Salvador, pode-se observar alguns elementos que remontam àquela visão dualista apresentada no texto anterior, sobre as seleções classificadas: quando o assunto é “bola e campo” (isto é, o futebol como jogo), o viés é positivo. Quando a temática é “extracampo”, a abordagem é negativa. O conjunto “título + linha-fina” desta matéria inicial legitima tal observação.

22 Sérgio Buarque de Holanda mostra que, durante o processo de colonização, a facilidade de ascensão social deu à burguesia

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Figura 2 - Print screen tirado em 06/01/2014; mostra a reportagem de abertura do “Especial Copa 2014” veiculada por Veja, na edição 2351, de 11/12/13.

Como título da reportagem, tem-se a frase “Agora vamos falar de futebol”, seguida pela linha-fina: “A definição dos grupos da Copa 2014 autoriza deixar de lado – por alguns dias, ao menos – os problemas com estádios e aeroportos. O Brasil deu sorte de enfrentar na primeira fase Croácia, México e Camarões”. Aqui, mais uma vez, o aspecto festivo-futebolístico do evento é ressaltado, sobrepondo-se às questões que incomodam determinados grupos sociais “anticopa” e, principalmente, se sobrepujando – ao menos nesses primeiros parágrafos – aos atrasos nas obras de reforma e de construção de estádios e aeroportos, que tanto incomodaram o olhar do estrangeiro sobre a preparação do país para o evento – especialmente, o olhar dos membros da FIFA (como veremos a seguir).

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destaca o jornalista do periódico. Porém, no sentido oposto ao do futebol como fenômeno social extracampo, introduzido pela frase do francês, a reportagem segue, com o seguinte discurso:

Se é assim, temos o direito de decretar um breve interregno nos problemas grandes e fundamentais que assolam a Copa do Mundo 2014, e que ainda ecoarão por muito tempo, para agora falar de futebol – de esporte, dos grandes nomes, dos clássicos inigualáveis e das histórias que atravessam os 84 anos de mundiais. O que mais importa, em primeiro lugar: a seleção brasileira estreia contra a Croácia, em 12 de junho, uma quinta-feira, no Itaquerão.

No caso acima, novamente, a revista se posiciona a favor do evento, do jogo e da festividade, apesar de, logo em seguida, durante o texto, trazer aspectos “extracampo” dotados de uma semântica negativa que deslegitimam o modo de operar de determinados brasileiros e que trazem à tona mais um elemento dualista para a formação da brasilidade e de uma concepção de identidade nacional: o jeitinho brasileiro e o improviso – dualista, pois, como já foi dito, o Brasil é, por um lado, visto (e, em muitos discursos, se identifica) como o país da criatividade, das belas jogadas e da ginga do futebolista (improviso positivo) e, por outro, é tido como o país da falta de planejamento, da malandragem, e do jeitinho dos governantes (improviso negativo).

De todo modo, após apresentar os adversários do Brasil e tecer comentários sobre alguns grupos e a cerimônia do sorteio, a reportagem muda o viés e passa a mostrar uma abordagem crítica e negativa sobre o futuro do evento, fazendo previsões sobre manifestações, estádios e aeroportos e os tratando como “pontos aborrecidos”. Este aspecto fica claro no trecho a seguir:

A força magnética da definição dos jogos, o primeiro momento mágico de qualquer Copa, subtrai naturalmente um pouco de luz de outros pontos aborrecidos, mas inescapáveis. Haverá manifestações com black blocks.[...] As melhorias em infraestrutura serão um sopro. Os aeroportos viverão o caos. E não há como escapar da ansiedade com o cronograma da entrega dos estádios.

Esta visão pessimista de Veja acerca da capacidade do brasileiro de obter sucesso na preparação de um evento aparece, também, na perspectiva hegeliana de Sérgio Buarque de Holanda sobre nosso modo de pensar e de se organizar politicamente – no caso, o autor fala sobre essa característica no período que antecedeu à Independência do país, em 1822:

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estagnação, ou antes, uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras. Quer dizer, exatamente o contrário do que parece convir a uma população em vias de se organizar politicamente. (HOLANDA, 1995, p. 61)

Há aqui, como se vê, uma descrença na capacidade de raciocínio e de eficiência organizacional e política do brasileiro, crítica que também pode ser vista no discurso de Veja

– especialmente quando fala de funcionalismo público (nos aprofundaremos nesta questão em breve). Ainda sobre os atrasos nas reformas de alguns estádios e, especificamente, sobre o acidente na Arena Corinthians, “que matou dois operários, destruiu parte da estrutura da obra e gerou três dias de atraso”, a reportagem traz um elemento religioso como solução para os brasileiros superarem as dificuldades e não atrasarem a entrega de nenhum complexo à FIFA: “Não seria um erro dizer que talvez tenhamos chegado ao ponto em que uma ajudazinha divina se faz necessária”. As palavras do presidente da entidade, Joseph Blatter, corroboram com o discurso apocalíptico de Veja. A reportagem apresenta a seguinte fala do mandatário: “Não há plano B, e o que a FIFA pode fazer é rezar a Deus e a Alá para que não haja mais nenhum incidente até a Copa” (Figura 3).

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Figura 3- Print screen de 06/01/2014 mostra as falas de autoridades em relação aos atrasos nos estádios da Copa.

Nota-se, deste modo, que, na reportagem de Veja, o improviso não é visto de maneira positiva em nenhuma esfera da vida social do brasileiro e, mesmo no futebol (dentro do campo), passa a ser questionado:

Soa deslocado, por antigo e totalmente sem graça, alimentar o improviso como se ele fosse bom, uma característica nacional que deve ser louvada. Não é. [...] Felizmente, a imagem do Brasil quando entra em campo, sempre celebrado pelas invencionices de lendas como Garrincha, Pelé e Ronaldo, além de Neymar, hoje está colada também ao sucesso de sujeitos pragmáticos como o treinador Luiz Felipe Scolari.

Essa desvalorização do improviso (como característica do brasileiro) também remonta ao texto do jornalista e historiador Sérgio Buarque de Holanda. No já citado livro, “Raízes do Brasil”, Holanda aponta para uma visão dualista sobre o modo de vida coletivo do brasileiro e, a partir de uma concepção dialética e weberiana, mostra a existência de dois tipos sociais que regem a maior parte das atividades humanas:

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aventureiro é o tipo humano que ignora as fronteiras. No mundo, tudo se apresenta a ele em generosa amplitude e, onde quer que se erija um obstáculo a seus propósitos ambiciosos, sabe transformar esse obstáculo em trampolim. Seu ideal será colher o fruto sem plantar a árvore. O trabalhador, ao contrário, é aquele que enxerga primeiro a dificuldade a vencer, e não o triunfo a alcançar. O esforço lento, pouco compensador e persistente, que, no entanto, mede todas as possibilidades de desperdício e sabe tirar o máximo proveito do insignificante. (HOLANDA: 1995, p.44)

Após essa caracterização, Holanda aponta para o colonizador espanhol como o

“trabalhador” e o colonizador português como o “aventureiro”, novamente estabelecendo uma comparação entre as estratégias de colonização das Américas adotadas por ambos.

No momento em que o repórter de Veja exalta o pragmatismo de Luiz Felipe Scolari, em oposição às “invencionices” dos jogadores brasileiros (e, indiretamente, ao improviso do brasileiro em suas atividades diárias – como, por exemplo, na construção da Arena Corinthians) –, pode-se estabelecer uma comparação entre o pragmatismo do treinador (em seus esquemas táticos e em seu modo de entender o futebol e a vida), apresentado pela reportagem, e a razão do “trabalhador” descrito por Sérgio Buarque de Holanda (sujeito da objetividade, da lógica rígida, da persistência e do esforço). É esse “trabalhador” que “mede todas as possibilidades de desperdício e sabe tirar o máximo proveito do insignificante”, nas palavras de Holanda.

Ao valorizar, então, o esforço pragmático de um “trabalhador” como Scolari (no sentido que Holanda dá ao termo) e relativizar o improviso e a maneira “aventureira” do jogador brasileiro de vencer, logo após citar o incidente com o guindaste na obra do estádio de abertura da Copa, a reportagem sugere que o acontecimento foi motivado por uma característica identitária do brasileiro, incorporada a sua cultura de trabalho historicamente, quase que como uma herança - uma herança da aventura e do improviso. Uma herança lusitana em nossa identidade.

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neoliberal (evidencia-se, aqui, o traço ideológico contido no discurso das revistas semanais brasileira; explorar-se-á melhor este viés na análise das reportagens de Época, a seguir).

Figura 4- Print screen de 06/01/2014 mostra a reportagem de Veja sobre o "Padrão FIFA".

Em outra reportagem da série especial de Veja, publicada na Edição 2.351, sobre o

“padrão FIFA” (Figura 4), também é possível que se observe essa valorização do tipo

“trabalhador” descrito por Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil. Este ponto fica evidente logo no conjunto “título + linha-fina” da reportagem: “Isso é o padrão FIFA”; “Um conjunto minucioso de normas reunidas em 52 regulamentos (por enquanto) desce aos detalhes para garantir um torneio impecável. A festa do futebol agradece – e os negócios, sobretudo eles, também”.

Nota-se, então, que a valorização de uma lógica de eficácia e de especialização necessárias para o mercado e para o lucro (características que, indiretamente, coincidem com as do “trabalhador” buarquiano), são gritantes durante a reportagem. Basta um trecho do texto para que se perceba essa conotação:

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educação, saúde, transportes - dentro do ‘Padrão FIFA’. O que é, afinal, essa medida, que virou sinônimo de alta qualidade? A resposta pode ser lida no site da Federação Internacional de Futebol, mas vai exigir paciência. Lá estão listados os 52 regulamentos para uma competição perfeita, um conjunto de normas que começou a ser reunido na década de 90, passa por constantes atualizações e é visto como um dos pilares do altíssimo patamar de profissionalização - e lucro - dos campeonatos que seguem à risca, como os europeus.

Aqui, novamente, o europeu é visto à luz da superioridade – mesmo que de forma implícita (nos termos de Ducrot – ver mais sobre os conceitos de Oswald Ducrot abaixo). Mas, essa não é a questão que mais chama a atenção durante a reportagem. É interessante notar como a mão-de-obra brasileira é desqualificada pelo texto e pelos próprios brasileiros que compõem a equipe de supervisão do padrão FIFA no Brasil – e que também são personagens da matéria, como é o caso da engenheira Maristela Kuhn. Ela é descrita por Veja

como uma profissional ideal, com currículo invejável, experiência, e especialização no exterior:

Para chegar ao posto de guardiã dos gramados da Copa, a gaúcha Maristela Kuhn, engenheira-agrônoma de 45 anos, teve de mostrar currículo: experiência de 22 anos, mestrado nos Estados Unidos, grama impecável nos estádios do Grêmio e do Internacional, em Porto Alegre, e do Palmeiras, em São Paulo - alguns dos campos que já estiveram em seus cuidados.

Em suma, a reportagem de Veja passa a mensagem de que Maristela é uma brasileira pragmática e “trabalhadora” (não “aventureira”), que não conta com a sorte e com o improviso para obter sucesso profissional, mas, sim, com a técnica e a especialização. Essa desvalorização do brasileiro não especializado é reforçada em uma das falas de Maristela, antecedida pelo seguinte texto do jornalista de Veja: “O mais difícil na implantação dos critérios da FIFA está sendo achar gente especializada para tocar o trabalho”. Logo depois, pode-se ler a “aspa” da engenheira-agrônoma: “Nosso maior desafio é formar profissionais à altura do padrão exigido, bem acima do que se costuma praticar por aqui [no Brasil]”. Cria-se, então, uma perspectiva de retroalimentação discursiva entre as falas da entrevistada e o texto do jornalista de Veja.

Assim, a desvalorização da cultura brasileira e de determinados brasileiros (sobretudo, dos que não possuem vínculos com a iniciativa privada ou dos que são gente do “povo” – nas palavras da própria revista, como veremos a seguir) ante a uma alteridade estrangeira (ou ante a uma parcela da população brasileira “ilhada” em um país que não é de “Primeiro Mundo”

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A deslegitimação de determinados brasileiros fica “implícita” – nos termos de Oswald Ducrot 23 – no discurso da revista sobre o jogo de abertura do Mundial (Brasil 3 x 1 Croácia,

disputado na Arena Corinthians, ou “Itaquerão”, em São Paulo, no dia 12 de junho de 2014). O título da reportagem, “Hino, vaias e Neymar” (matéria de capa da edição 2378 de Veja – figura 5), faz alusão a três fatos que marcaram o duelo inaugural do megaevento: 1) parte do

Hino Nacional, cantado a capela pelos torcedores brasileiros; 2) as vaias e os xingamentos à presidente Dilma Roussef, nos momentos em que a imagem da governante apareceu no telão do estádio; e 3) a atuação de Neymar, autor de dois (dos três) gols da Seleção Brasileira na partida.

O texto da reportagem é dualista, pois, quando fala do Hino Nacional, e nos momentos em que disserta sobre a atuação da equipe comandada pelo técnico Luís Felipe Scolari (com destaque para Neymar), descreve a festa e a louvação dos “pagadores de ingresso”

(torcedores) à “pátria” e aos “guerreiros de chuteiras amarelas” (jogadores da Seleção Brasileira) 24; mas, ao mesmo tempo, dá destaque para as vaias à presidente Dilma Roussef durante a partida, como se pode notar na linha fina do texto (bem como na capa da edição em questão – ver figura 5):

Um consolo para Dilma: não veio do povo a retumbante e espontânea vaia que ela levou no jogo de abertura da Copa, na Arena Corinthians, em São Paulo, na semana passada. As 62.000 pessoas que assistiram à vitória de 3x1 do Brasil sobre a Croácia eram, majoritariamente, pessoas de classe média, pagadoras de ingresso, e convidados Vips. Uma amostra viciada que invalidaria qualquer pesquisa eleitoral. Mas, mesmo que a amostra fosse representativa do povo, o mais provável é que teria havido vaia do mesmo jeito.

Nota-se, nesta última frase do trecho, que os jornalistas da revista apresentam uma possibilidade (no uso do advérbio “provável”) de que as vaias à Dilma não partissem, exclusivamente, dos “pagadores de ingressos” que estiveram no “Itaquerão”; mas, que também ocorressem caso os espectadores fossem do “povo”.

23 Para Oswald Ducrot (1987), o “não-dito” é o elemento fundador do discurso, o constituinte do discurso. Ou seja, é o que está “implícito” ao discurso; aquilo não é “dito”, mas se apresenta de maneira “comum” aos dois personagens do diálogo, um objeto de cumplicidade fundamental que liga entre si os participantes do ato comunicativo. Como explica Ducrot, uma das maneiras em que o “implícito” se faz presente nos discursos é por meio dos “pressupostos”. O ato de “pressupor” é uma tática argumentativa apontada pelo autor em que o enunciador leva o enunciatário a admitir o conteúdo “pressuposto”, o que está implícito ao que foi “dito”, impondo-lhe a adesão. Além do “pressuposto”, outra forma de tornar algo “implícito” ao discurso, nos termos de Ducrot, é o “subentendido”, sobre o qual nos aprofundaremos a seguir.

24“Cantar o Hino Nacional a plenos pulmões depois de cessada a execução oficial foi um gesto patriótico [...]

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Figura 5 - Capa da edição 2378 de Veja; print screen feito em 15/09/2014.

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Figura 6 - Print screen feito em 15/09/2014; atenção para a legenda da fotografia, publicada em reportagem da edição 2378, de Veja.

Perpetua-se, então, no discurso da publicação da Editora Abril, algo semelhante ao

“complexo de vira-latas” cunhado por Nélson Rodrigues. Uma comparação indireta – isto é, implícita – entre a identidade brasileira e nossa alteridade estrangeira; uma comparação que se evidencia no que não foi dito pelos jornalistas de Veja na legenda da foto; mas, uma comparação que está “implícita” ao discurso da revista quando se pensa no conceito de “não-dito”, de Oswald Ducrot. Uma comparação que remonta – também indireta, mas, sobretudo, historicamente – à ideia de inferioridade do latino (mestiço) em relação ao europeu (branco)

25. Uma ideia reproduzida na memória social e cultural brasileira (é importante dizer, de

alguns brasileiros, não de todos os brasileiros). Enfim, uma ideia que se materializa no discurso do jornalista de Veja quando fala em uma “ilha de Primeiro Mundo cercada de

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Brasil”, no momento em que se refere à realidade que os “pagadores de ingresso”

encontraram ao sair do estádio “padrão FIFA”, após o fim da partida.

5.2 O dualismo nas páginas de Época

Na edição 818 da revista Época (publicada em 03 de fevereiro de 2014), é possível que se identifiquem algumas das estratégias dos jornalistas do periódico para produzir o discurso em relação à realização da Copa do Mundo de Futebol 2014 no Brasil. A quatro meses do apito inicial, os editores da publicação trouxeram, na capa, a imagem de uma

Brazuka (a bola oficial da Copa 2014) acompanhada por um pavio incandescente (figura 7).

Figura 7 - Cópia (scanner) da capa da edição 818 de Época, feita por Gabriel Cortez, em 17/04/2014.

Na imagem, bola e bomba se fundem em uma montagem seguida da manchete “O Risco Copa” (que também dá nome à reportagem de capa da edição, como veremos adiante). Logo abaixo, como um complemento da manchete, a revista apresenta a seguinte frase:

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“Copa”, “violência” associada a “protestos”, e “obras” associada a “pela metade”; são afirmativos e positivos quando supõem que a expectativa de seus leitores em relação à Copa era a de quem desejava uma “festa gloriosa”.

Nota-se, então, que – ao menos de maneira implícita, e pressupondo uma cumplicidade discursiva em relação aos leitores – os editores da revista também se mostram temerários em relação à capacidade do brasileiro de realizar o evento no país com sucesso e, ao mesmo tempo, assim como em Veja, desconsideram os possíveis leitores contrários à organização do torneio, uma vez que escreveram o verbo “desejamos” (e se incluíram na frase de maneira metonímica) como se a revista e seus leitores ansiassem conjuntamente por uma “festa gloriosa”. É esse, também, o discurso que marca a reportagem de capa da edição, cujo título é “O Risco Copa” (o mesmo da capa) e cuja linha-fina é “Confrontos em protestos, obras pela metade e custos que assustam turistas. O mundial de 2014 enfrenta ameaças graves – e exige um esforço final que garanta uma festa cativante e segura”.

No texto da reportagem, os jornalistas iniciam mostrando a desconfiança apresentada por membros da FIFA em relação à capacidade do Brasil – e dos brasileiros – de organizar o evento de maneira satisfatória. Em suas primeiras linhas, os autores afirmam que “o suíço Joseph Blatter, presidente da entidade, estava desconfiado desde o início” e, logo em seguida, comparam as frases ditas pelo mandatário no momento do anúncio do país-sede das últimas três Copas do Mundo de Futebol:

‘O Comitê Executivo decidiu, unanimemente, dar a responsabilidade, não apenas o direito, mas a responsabilidade de organizar a Copa de 2014 ao Brasil’. Responsabilidade. A palavra nunca aparecera em anúncios anteriores. ‘A Copa do Mundo de 2010 será organizada na África do Sul’, disse Blatter ao abrir o envelope em maio de 2004. ‘O vencedor é a Alemanha, afirmou, em julho de 2000.

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Deste modo, o texto segue em tom pessimista em relação à capacidade do brasileiro fora de campo – discurso que parece um resquício, também, daquela ideia hegeliana de superioridade europeia em relação às nações sul americanas, ou, mesmo, das teorias raciológicas europeias do século XIX. Tais discursos, ailás, mantêm-se nas narrativas do jornalismo de revista nacional e se estendem não só a uma noção de inferioridade cultural latina (no caso, brasileira) em relação aos europeus, como propunham Hegel, Brocca, Gobineau, e Galton; mas também, a uma visão de inferioridade brasileira em relação à cultura de outros países tidos como de “Primeiro Mundo” – casos de Estados Unidos, Japão e Canadá.

Em seguida, a reportagem de Época sugere qual deveria ser o “clima” no Brasil, a poucos meses de a bola rolar:

A apenas quatro meses do início do Mundial, as cidades brasileiras deveriam estar coloridas com as cores do Mundial. Banners, bandeiras, Brazucas e Fulecos gigantes deveriam já alimentar um clima festivo no país. Em vez disso, o Brasil segue tomado pela dúvida sobre sua capacidade de organizar a Copa de forma satisfatória.

É possível notar, neste trecho, que os jornalistas da revista (assim como fizeram os jornalistas de Veja) apresentam uma visão apocalíptica e aflita em relação ao bom desenvolvimento da Copa do Mundo no país e colocam em cheque as potencialidades dos organizadores na preparação das cidades-sede para o mundial. Mas, ao mesmo tempo, do ponto de vista do evento como festividade, o discurso da revista é o de quem esperava que a bola (e, consequentemente, a grana) rolasse da melhor maneira possível, com o menor número de impeditivos “não desejáveis” – a exemplo dos protestos e das manifestações contrárias à Copa, organizados por movimentos sociais e por parte da sociedade civil não favoráveis à realização do megaevento no país.

Fora isso, ao longo da reportagem, palavras colocadas em sentido negativo reforçam o posicionamento apocalíptico e pessimista adotado pelos jornalistas de Época quanto à capacidade organizacional dos brasileiros fora de campo, como é possível notar no uso que os autores fazem da palavra “drama”, no trecho a seguir, sobre a situação dos estádios a quatro meses do início do torneio:

Imagem

Figura 1 – Print screen feito em 31/12/2013, do "Acervo Digital" de Veja, por Gabriel Cortez.
Figura 2 - Print screen tirado em 06/01/2014; mostra a reportagem de abertura do “Especial Copa 2014”
Figura 3 - Print screen de 06/01/2014 mostra as falas de autoridades em relação aos atrasos nos estádios da Copa.
Figura 4 - Print screen de 06/01/2014 mostra a reportagem de Veja sobre o "Padrão FIFA".
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