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Academic year: 2017

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ESTÉTICA TEATRAL

Maria Magaly Trindade GONÇALVES*

Embora o título ESTÉTICA TEATRAL s e j a de nossa e s c o l h a , temos consciência de que não é plenamente satisfatório. E l e p o d e r i a s u g e r i r uma formulação teórica p r o f u n d a e coesa, uma

"visão" completa e harmônica, mas o que faremos a q u i é apenas uma série de reflexões d e s p r e t e n -s i o -s a -s , -sem compromi-s-so rígido com u n i f o r m i d a d e e sem o desenvolvimento i n t e g r a l de uma p r o -p o s t a c l a r a e e x c l u s i v a . Serão, r e -p e t i m o s , so-mente reflexões modestas.

T e a t r o (sabem todos sobejamente) é uma r e a l i d a d e com duas f a c e s : l i t e r a t u r a e espetác u l o . Começamos espetácom a p r i m e i r a , a p a r t i r de a l -guns pontos do pensamento h e g e l i a n o . A Estética de

Hegel contrapõe às a r t e s plásticas ( a r q u i t e t u r a simbólica, e s c u l t u r a clássica, p i n t u r a -romântica) a a r t e da música e a p o e s i a (que

* Docente do Programa de Pós-GraduaçSo.

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tomaremos a q u i como l i t e r a t u r a ) , ambas também românticas, formando, e n t r e t a n t o , um p a r e s p e c i a l . Estas duas u t i l i z a m - s e do som p a r a e x t e r i o r i z a r "representações" e " i n t e r i o r i d a -de". Na segunda, a a r t e da p a l a v r a , o som d e i x a de s e r como que um f i m em s i , assume caráter s i g n i c o , e, e n f i m , a t i n g e n i v e l supremo: a ex-pressão não da "representação" mas da

" i n t e r i o r i d a d e " a e l a c o r r e l a c i o n a d a :

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ex-t e r i o r i d a d e e a o b j e ex-t i v i d a d e da p o e s i a esex-tão na representação e intuição i n t e r n a s .

Após d i s c o r r e r sobre a p o e s i a épica ( n a r r a t i v a ) e a lírica, Hegel aborda a dramá-t i c a , que, p a r a e l e , une os princípios das duas p r i m e i r a s : a i n t e r i o r i d a d e e x t e r i o r i z a d a de uma e a i n t e r i o r i d a d e independente da o u t r a . A poe-s i a épica n a r r a um acontecimento até mepoe-smo a p a r t i r de imagens plásticas, descrevendo

"...com uma grande a m p l i t u d e poética, uma façanha, em todas as suas f a s e s , assim como os c a -r a c t e -r e s donde dimana, que-r na sua g -r a v i d a d e s u b s t a n c i a l , quer nos seus a v e n t u r o s o s encon-t r o s com a c i d e n encon-t e s e acasos e x encon-t e r i o r e s , donde r e s u l t a um quadro do o b j e t i v o na sua o b j e t i v i -dade" ( 2 , p . l 5 7 ) . Mesmo o que se p o d e r i a e n c a r a r como elemento i n t e r i o r só aparece o b j e t i v a d o na ação. A p o e s i a lírica caminha em o u t r o s e n t i d o :

"Tem a [lírica] p o r conteúdo o s u b j e c t i v o , o mundo i n t e r i o r , a alma a g i t a d a p o r s e n t i m e n t o s , alma que, em vez de a g i r , p e r s i s t e na sua i n t e r i o r i d a d e e não pode p o r conseqüência t e r p o r forma e p o r f i m senão a expansão do s u j e i t o , a sua expressão." ( 2 , p . l 5 8 )

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acon-t e c i m e n acon-t o s da i n acon-t e r i o r i d a d e i n d i v i d u a l , de modo que o o b j e t i v o se a p r e s e n t a como inseparável do s u j e i t o , enquanto que o s u b j e t i v o , p e l a sua realização e x t e r i o r e p e l a maneira como é en-t e n d i d o , f a z s u r g i r as paixões que o animam como sendo uma conseqüência d i r e c t a e necessá-r i a do que o s u j e i t o é e f a z . " ( 2 , p . l 5 9 )

A p o e s i a é a única a r t e que pode p r e s c i n -d i r -de materialização completa. A p o e s i a

( l i t e r a t u r a ) dramática, enquanto p o e s i a , também o pode. O c o r r e , e n t r e t a n t o , que e l a só se r e a

-l i z a p-lenamente em sua execução e x t e r i o r i z a d a , quando u l t r a p a s s a os l i m i t e s do e s t r i t a m e n t e poético (literário). A execução, a p l e n a r e a l i -zação da o b r a dramática, seu modo l e g i t i m a m e n t e c o n c r e t o de existência, e n f i m , depende de um c o n j u n t o complexo de elementos não e s p e c i f i c a -mente literários. É a o u t r a f a c e do t e a t r o , o espetáculo, uma f a c e que impõe f a t o r e s e x t r a -literários, a começar p e l a presença (física) do homem ( a t o r ) , num espaço (físico) visível, o do p a l c o .

I s t o não impede que uma o b r a dramática permaneça p o e s i a ( l i t e r a t u r a ) , p r i v a d a p o r t a n t o do espetáculo, sua realização d e f i n i t i v a m e n t e c o n c r e t a ( t e a t r o em s e n t i d o p l e n o ) . Algumas e x i s t e m que, mesmo em l e i t u r a p r i v a d a e s i l e n

-c i o s a , ostentam inegável v i t a l i d a d e

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(Shakespeare d e i x o u provas d i s s o ) , mas é a v i t a l i d a d e r a r a de um t e x t o dramático que s o b r e v i v e como p o e s i a ( l i t e r a t u r a ) , e o g r a u de v i -t a l i d a d e preservado nesses casos, é variável. A realização t e a t r a l , e s t r i t a m e n t e t e a t r a l , e s t a depende do espetáculo.

A execução f i n a l da obra dramática comp o r t a um número considerável de elementos v e r b a i s e não v e r b a i s . A p a l a v r a , e n t r e t a n t o , p e r -manece como elemento p r e p o n d e r a n t e , e n t e n d i d a como p a l a v r a poética, literária. A p a l a v r a i n -t e g r a - s e na unidade do -todo ( p o e s i a e espe-tá- espetá-c u l o ) , uma unidade espetá-c o n espetá-c r e t a que espetá-c o n f e r e ao t o d o um caráter verdadeiramente plástico, onde o e s -p i r i t u a l ( i n d i v i d u a l i z a d o ) é e x t e r i o r i z a d o em sua manifestação sensível.

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O caráter d u p l o , híbrido, do t e a t r o , até a q u i e n t r e v i s t o a p a r t i r da estética h e g e l i a n a , não é d e s c o b e r t a moderna. O Capítulo V I da

Poé-tica de Aristóteles é c l a r o :

"É a tragédia a representação duma ação g r a v e , de alguma extensão e completa, em linguagem exornada, cada p a r t e com o seu a t a v i o adequado, com a t o r e s a g i n d o , não n a r -rando, a q u a l , i n s p i r a n d o pena e temor, opera a c a t a r s e própria dessas emoções."(l,p.24)

A presença física do a t o r "agindo" impõe a necessidade do espetáculo, na concepção A r i s t o -télica da tragédia. 0 t r e c h o s e g u i n t e da Poética

é i g u a l m e n t e c l a r o :

"Como a imitação é f e i t a p o r p e r -sonagens em ação, necessariamente s e r i a uma p a r t e da tragédia em p r i m e i r o l u g a r o bom a r r a n j o do espetáculo; em segundo, o c a n t o e as f a l a s , pois é com esses element o s que se r e a l i z a a i m i -tação. H

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A importância que a Poética a t r i b u i à "ação"

é r e v e l a d a mais de uma vez:

"A mais i m p o r t a n t e dessas p a r t e s [da tragédia] é a disposição das ações; a tragédia é imitação, não de pessoas, mas de uma ação, da v i d a , da f e l i c i d a d e , da desven-t u r a ; a f e l i c i d a d e e a d e s v e n desven-t u r a estão na ação e a f i n a l i d a d e é uma ação, não uma q u a l i d a d e . " ( l , p . 2 5 )

"Ademais, sem ação não p o d e r i a ha-v e r tragédia; sem c a r a c t e r e s ,

sim." ( l , p . 2 5 )

Embora "ação" não s e j a elemento i n e r e n t e apenas ao espetáculo, nem ao t e a t r o em suas duas f a c e s , Aristóteles parece tê-la sempre em mente como a l g o mais v i s i v e l m e n t e r e l a c i o n a d o ao a s p e c t o não e s t r i t a m e n t e poético da a r t e dramática, p e l o que d i z um pouco a n t e s dos t r e -chos acima:

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Aristóteles, à p r i m e i r a v i s t a , parece me-n o s p r e z a r o espetáculo, quame-ndo d i z , p o r exem-p l o :

"0 espetáculo, embora f a s c i n a n t e , é o menos artístico e mais a l h e i o à poética; dum l a d o , o e f e i t o da tragédia s u b s i s t e a i n d a sem r e p r e -sentação nem a t o r e s ; d o u t r o , na encenação, tem mais importância a a r t e do c o n t r a - r e g r a do que a dos p o e t a s . " ( l , p . 2 6 )

Observe-se, e n t r e t a n t o , o peso de " f a s c i n a n t e " , e a t e n t e - s e para o "mais a l h e i o à poética". Pa-r e c e havePa-r aí a sensação de s e Pa-r impossível (ou difícil) a discussão do t e a t r o em termos e s t r i -tamente c i r c u n s c r i t o s à p o e s i a ( l i t e r a t u r a ) , o que r e a f i r m a o caráter p e c u l i a r do t e a t r o : l i t e r a t u r a e não l i t e r a t u r a , um híbrido i n t r i -gante e p a r a d o x a l . E embora Aristóteles a d m i t a que o e f e i t o da tragédia possa e x i s t i r "sem r e -presentação" (o primado do t e x t o dramático), a f i r m a i m p l i c i t a m e n t e o v a l o r da encenação, r e -conhecendo-lhe o aspecto " f a s c i n a n t e " .

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ence-nação, i s t o é, mesmo com a s i m p l e s l e i t u r a , a

Poética não d e i x a de a f i r m a r a importância da

música e do espetáculo em g e r a l .

Por último, recordemos a q u i A n t o n i n A r t a u d

(Le Theatre et son Double), c u j a defesa dos " d i r e i t o s " do espetáculo r e c o r r e u às vezes ao extremo do banimento da p a l a v r a do âmbito do t e a t r o (como procedimento n i t i d a m e n t e retórico, p e l o menos até onde se pode j u l g a r ) . Mencionamos A r t a u d por s e r notório como caso extremo de desprezo p e l a p a l a v r a . É c u r i o s o (mas compreensível), que, ao f a l a r da linguagem t o t a l do t e a t r o , i n c l u s a na "mise en scene", A r t a u d n e l a descubra duas funções. Uma d e l a s é assumir t u d o a q u i l o que possa caber em cena, i n d e p e n d e n t e -mente da p a l a v r a p r o p r i a m e n t e , o que r e a f i r m a a

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Tudo i s t o já o d i s s e r a , de c e r t a for»»/ Aristóteles, ao f a l a r do peso da ação e dos c a r a c t e r e s , e Hegel, de c e r t a forma, já o r e a f i r -mara.

O r e c u r s o à Poética de Aristóteles, à Estética

de Hegel e aos e s c r i t o s de A n t o n i n A r t a u d t e v e a q u i o propósito de acentuar o caráter d u p l o do t e a t r o , o l u g a r da l i t e r a t u r a e o do espetáculo, como f a t o s que marcam o drama, apontando-lhe de alguma forma, a essência dúp l i c e , mas, ao mesmo temdúpo, o dúprimado da dúp a l a -v r a . No t e a t r o , p o r f i m , o espetáculo c o n f e r e à

" p o e s i a " uma forma específica de e x t e r i o r i -zação, uma forma que não l h e t i r a r a d i c a l m e n t e o e s t a t u t o literário.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ARISTÓTELES: Poética, I n : . A Poética Clássica

-Aristóteles, Horácio, Longino T r a d , de Jaime Bruna, São Paulo: E d i t o r a da U n i v e r s i d a d e de São Paulo C u l t r i x , 1981. 2. HEGEL: Estética - Poesia. Trad. de Álvaro

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