t<
'
....
-- -- -- -- -- -- -- -- --
-1198401455 i
(li 11111111111111111111111111111111111111
i
'--- ____)
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO ·DE EMPRESAS DE SÃO PAULO
DA
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
STELLA PUPO MENDONÇA DE ALMEIDA
O USO DO . SOLO . COMO . MATt':RIA
DE REGULAMENTAÇÃO METROPOLITANA
Dissertação apresentada ao
Curso de Pós Graduação da
EAESP/FGV.
Area de Concentração: Adro~
nistração e Planejamento '
Urbano, como requisito p~
ra obtenção de título de
mestre em Administração.•
Orientador: PROF. EUG~NIO
AUGUSTO FRANCO MONTORO
..
,
r.
----·
.._...,___
~ ! ·~ Fundação Getulio VargasSÃO PAULO
1. 982/
I 'FGV ~:=.la de Administração
I
Pmsas de sao Psulo, · Biblioteca . ,,
I
ã
llllllllll/llllllll/ll/1/l
I---O US---O D---O S---OL---O C---OM---O MATI:RIA DE
i
REGULAMENTAÇÃO METROPOLITANA•'
Banca examfnadora.
Prof.Orientador: EUG~NIO AUGUSTO FRANCO MONTORO
Professor: LUÍS CARLOS MEREGE
;,
- I
-APRESENTAÇÃO
Este trabalho foi elaborado como dissertação exigida
para a obtenção do título de mestre em Administração com
area de concentração em Administração e Planejamento Ur
bano, concedido pela Escola de Administração de Empresas
de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.
O tema abordado
é
da maior importância emnossos diasa medida que cada vez mais se vive em cidades, cada vez
mais se procuram as grandes concentrações humanas, em
busca de maior bem estar, encontrando-se muitas vezes con
dições de vida adversas que levam desde a neurose e a lou
cura até à doença e à morte, passando pela alienação e pe
la marginalidade social.
~ da responsabilidade de todos nos habitantes das ci dades atentarmos para seus problemas e buscarmos partici
par de suas soluções, seja por meios técnicos, por meios
políticos, por meios profissionais e sociais.
Não pretendendo ser conclusiva, mas,simplesmente abor
dar de maneira inicial o assunto, esta dissertação se
constitui em uma organização de idéias e conceitos já ex
postos por vários autores e estudiosos do assunto,através
de trabalhos amplos que vem sendo desenvolvidos há anos.
A exposição e a análise da estrutura legal que envol
ve o assentamento.urbano, a localização no solo urbano e
o uso que os cidadãos e o poder público dele fazem,prete~
de levantar a discussão sobre assunto tão novo como o Di
reito Urbanístico.
O trabalho científico, deve sempre abrir novamente
uma questão, deve ser sempre uma nova aproximação da rea
lidade, mais do que trazer em seu bojo, propostas fecha
das, conclusões taxativas, julgamentos. Deve sempre reco
meçar, sem nunca se encerrar ...
- II
-SUMARIO
pagina
1. INTRODUÇÃO
1.1.
1.2.
1.2.1.
1.2.2.
1.2.3.
Conceito de urbano
Breve histórico da urbanização
Urbanização Clássica e Urbanização Industrial
A formação do sistema urbano na América Latina e
no Brasil
A cidade industrial na América Latina
2 . A INTERVENÇÃO DO ESTADO MODERNO NO URBANO
2 .1. 2.1.1. 2.1.2. 2.2. 2.2.1. 2.2.1.1. 2.2.1.2. 2.2.2. 2. 3.
Planejamento como instrumento de intervenção
Definição de planejamento
Planejamento uroano: definição e necessidades
Direito Urbanístico e Direito Público
Natureza das normas jurídicas de Direito Urbanís
t i co
o
poder de PolíciaCaracteristicas das normas
Competência para legislar em assuntos urbanísti
c os
Planejamento Urbanístico no Brasil: medidas
titucionais
ins
2.4. A Propriedade da terra urbana e a intervenção do
Estado
34 O USO DO SOLO URBANO
4 •. A REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO .PAULO
Caracterização
Característic~s sócio-econômicas
Problemas mais graves
4 .1.
4~1.1.
4.1.2.
4.2.
4.3.
4. 4.
Institucionalização: O Sistema de Planejamento e
Administração Metropolitana.
b
uso do solo metropolitanoO P.M.D.I. - diretrizes. Uma política de uso
solo
do
4.5. Medidas concretas para a regulamentação de uso do
solo
4.5.1. A Lei de Proteção aos Mananciais,
4.5.LJ... Justificativa e objetivos
4.5.1.2. Situação dos recursos hídricos na Região Metropo
litana de São Paulo.
01
16
43
4.5.1.3. Descrição dos aspectos principais da Lei
4.5.1.4. Análise dos resultados
4.5.2. A Lei de Zoneamento Industrial
4.5.2.1. Justificativa e objetivos
4.5.2.2. Descrição dos principais aspectos da Lei
4.5.2.3. Análise dos resultados
Outros instrumentos legais
- III
-4.5.3.
4.5.4. Análise das dificuldades para implanta9ão da polf
tica de uso do solo na R.M.SP.
4.5.5.
4.5.6.
Propostas para aperfeiçoamento da administração '
metropolitana.
A questão da propriedade urbana
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
6. Referências bibliográficas
Bibliografia consultada.
página
l. INTRODUÇÃO
A urbanização crescente que se observa no mundo atual
justifica-se pela s~rie de vantagens que a população
ob-t~m na vida urbana, pois nas cidades acham-se concentra~
dos recursos de toda a esp~cie, sejam de ordem tecnológi
ca, sejam de ordem éultural e de lazer, sejam de
servi-ços e de bem estar social. Realmente, a diversificação
observada nas cidades, ligada a altas especializações na
divisão do trabalho social, permite ao homem urbano o
acesso e o usofruto ao que de melhor a civilização pode
oferecer.·
Porém, o ônus desta extrema concentração observada em
algumas grandes metrópoles, ligado a carências de
servi-ços e equipamentos públicos ou a seu congestionamento, a
problemas de habitação, emprego e sub-emprego,
.transpor-tes, sistema educacional e de saúde, favelamento e margi
nalidade social, delinquência e segurança pública, bem
como de violenta deterioração do meio ambiente, é muito
elevado, sobretudo para determinadas faixas da população
com níveis de renda mais baixos e que se avolumam nas
grandes metrópoles sul americanas. No Brasil, as regiões
metropolitanas mais destacadas do ponto de vista
'popula-cional são as que mais sofrem as pressões destes
proble-mas, cabendo a são Paulo significativos índices das
ca-rências e dos conflitos daí decorrentes.
Ao Estado móderno cabe uma intervenção cada vez maior
na sociedade, sendo o planejamento um dos seus melhores
instrumentos. Este planejamento, que nos países
capita-listas tem caráter indutor, deveria regular e ordenar o
desenvolvimento urbano, buscando um aplainamento de
dis-paridades regionais e a solução dos graves problemas
ge-rados pelas grandes concentrações urbanas.
A intervenção do poder público em relação à
problemá-tica urbana·, que ~ incumbência de todos os níveis de
governo e se estende a todas as áreas da cidade e do cam
po, abrangendo atividades e setores que afetam o bem
• 2.
mente, de funcionalidade, de conforto e de estética . da
cidade e da .. planificação de suas adjacências, da raciona
lização do uso do solo, do_ordenamento do traçado
urba-no, da coordenação do sistema viário e do controle das
construções que compõem a cidade.
Visando o bem comum, é função do Estado contemporâneo
se exprimir através das atividades de legislar,
adminis-trar e fiscalizar, o que, em nosso país vem sendo
desen-volvido de maneira nova no que se .refere ao ordenamento
urbanístico. No caso metropolitano,
à
complexidade deseus problemas alia-se a complexidade para sua solução,
no âmbito institucional, pois existe uma superposição de
competências. legislativas, aliada a um conflito de comp~
tências administrativas, e o planejamento integrado de
uma região metropolitana, que se supõe competência do Es
tado, esbar.ra na autonomia dos municípios que a compõem.
Pretende este trabalho, com base no arcabouço institu
cional vigente relativamente ao desenvolvimento urbano_,
e, especificamente ao problema metropolitano, analisar
as dificuldades para a implementação das providências le
gais e sua eficácia~
Ressaltarmos o uso do solo faz jus
à
determinação queeste exerce sobre a estrutura urbana e sua dinâmica pois
"o homem urbano, no exercício de suas diversas
ativida-des (econômicas ou não), utiliza-se diretamente da terra
como apoio físico, uma vez que o exercício destas
ativi-dades exige a introdução de melhoramentos sobre a terra.
Há portanto uma íntima correlação entre as atividades hu
manas e os melhoramentos que o homem necessita
introdu-zir sobre a terra".
"As atividades constituem o componente·
sócio-econômi-co do planejamento urbano, enquanto que os
melhoramen-tos, delas decorrentes, (que em seu conjunto constituem
a cidade como organismo físico), constituem o componente
físico. Daí se infere a premissa básica de que a cidade,
como um conjunto físico, constitui reflexo das
ativida-des exercidas por sua população e, consequentemente, do
. 3.
caracteristicas dessa populaçio". (1)
Como o objeto especifico de nossa atençio é a Regiio
Metropolitana'de Sio Paulo, Metrópole Nacional e o maior
pelo de desenvolvimento da América Latina, pretendemos
ao final deste trabalho analisar e discutir as medidas
de planejamento urbano adotadas para o controle e
admi-nistraçio do seu crescimento e de sua problemática. Para
isto tomaremos por base as normas institucionais do uso
e da ocupaçio do solo urbano na regiio já existentes.
Para que se possa avaliar essas medidas é necessário
que se conheçam as disposições constitucionais que regem
o assunto, no que tange às competências específicas da
Uniio, do Estado e do Município para legislar em
assun-tos urbanos. Para tanto será feita uma rápida discussão
sobre o Direito Urbano e o Direito Ecológico, dois ramos
do Direito PÚblico, tão jovens quanto o é a própria probl~
mática urbana que se agudiza neste século, sobretudo em
sua segunda metade. As normas ainda são poucas e imprec!
sas mas é grande a necessidade de um corpo de leis mais
objetivas ou mais abrangentes que abordem os problemas
cruciais e que também detenham o agravamento ou o
surgi-mento de novos problemas através de um esquema
preventi-vo fundado em tendências já observáveis.
Inicialmente, porém, para urna devida localização da
problemática urbana que nos rodeia, far-se-á urna
exposi-ção sobre a conceituaexposi-ção de urbano e sobre o processo de
urbanização em geral e, em especial, na América Latina e
no Brasil.
1.1. O CONCEITO DE URBANO
A conceituação de urbano vem ocupando o
interes-se de inúmeros teóricos, não interes-sendo possível afirmar a
existência de um consenso a respeito do assunto. O
estu-do a que nos propomos requer um conceito de urbano que
nos instrumentalize e nos capacite a compreender a reali
dade. Lampard destaca, nas Ciências Sociais, três concei
• 4.
1. O conceito behavioral: " O primeiro concebe a
urbanização como um ajustamento do comportame~to
pesso-al, no sentido de que põe em foco a conduta dos
indiví-duos. Certos tipos de comportamento ou pensamento,
inde-pendentemente de seu âmbito social e local, são tidos co
mo urbanos. Consequentemente, o processo de urbanização
é experimentado pelos indivíduos no tempo. Esta
aborda-gem tem o mérito especial de nao restringir o urbanismo
ao meio físico da cidade e é adotada por muitos
estudio-sos da cultura e das artes".
2. O conceito estrutural: "Ignora o
comportamen-to padronizado do indivíduo e fixa-se nas
atividadespadrão da população global. O processo de urbanização, t i
-picamente, envolve um movimento de população das
comuni-dades agrícolas em direção às comunicomuni-dades geralmente maio
res, não agrícolas. Este conceito reconhece, em primeiro
plano, um grau diferente de ocupações industriais dentro
de um espaço territorial determinado. A abordagem
estru-tural tem muitas aplicações em ciências sociais e serve
de estrutura para, virtualmente, todos os modelos
econo-micos relacionados com o desenvolvimento!'.
3. A abordagem demogrifica: "Focaliza-se outra
vez no espaço, mas ignora, na maior parte, o comportame~
to individual e a estrutura das ocupaçoes. Reconhece ap~
nas duas variáveis: população e espaço. Em consequência,
a conexão entre urbanização e, digamos, certa estrutura
ocupacional ou certos traços particulares, não é julgada
antecipadamente. Esta abordagem é comumente adotada nos
estudos de população e ecologia humana". (2)
Analisando a abordagem behavioral, vemos que con
sidera aspectos culturais e psicológicos ligados ao
com-portamento pessoal, mas não serve para definir o urbano
pois não abrange todas as suas facetas, sendo portanto
deficiente no que se refere aos seus aspectos
estrutu-rais, demogrificos e espaciais.
A abordagem estrutural apreende o urbano através
da divisão do trabalho e da especialização, trazendo uma
es-• 5 es-•
tando ligada aos aspectos sócio-econômicos do desenvolvi
mento.
A nosso ver, deve estar interligada com a aborda
gem demográfica a qual supõe a urbanização como um
pro-cesso de ocupação do espaço territorial por uma dada
po-pulação de forma concentrada.
Para H. T. Eldridge " .•• o termo urbano designa:- ·
rã uma forma particular de ocupação do espaço por uma po
pulação,. ou seja, a aglomeração resultante de uma forte
concentração e de uma densidade relativamente elevada,
que teria como consequência previsível uma diferenciação
funciohal e social cada vez maior". (3)
Esta definição suscita algumas dificuldades,tais
como, a que nível de densidade e de dimensão pode-se co~
siderar urbana uma unidade espacial de população? Quais
sao, na prática, os fundamentos teóricos e empíricos de
cada um dos critérios?
A adoção de qualquer conceito de urbano requer,
de um lado, que este conceito concentre em si a
defini-ção de todo e qualquer núcleo urbano e, ao mesmo tempo,
a capacidade de poder ser comparado com o seu
complemen-tar, o rural.
As características centrais de uma população
ru-ral podem ser explanadas como sendo a sua dispersão e
sua atividade dirigida basicamente ao setor primário, ou
seja, agropecuário e extrativo. Portanto, para a
concei-tuação do que seria um núcleo urbano, qualquer que seja
sua dimensão, tratar-se-ia da concentração de um determi
nado número de pessoas, em um determinado espaço territo
rial, em determinada densidade, as quais sobrevivem em
mútua dependência e interação em vários níveis da
ativi-dade humana, o econômico, o social, o político e
cultu-ral.
Na sociedade capitalista, o urbano se estrutura
com base nas relações de produção envolvendo
centralmen-te os setores secundário e centralmen-terciário. Nas regiões
. 6.
também sao praticadas, mas de forma secundária. Para Paul
Singer,
noo pontode vista econômico, a divisão de traba
lho entre campo e cidade se caracteriza, num nível eleva
do de abstração, pela ausência de atividades primárias
agrícolas e extrativas - - na cidade. Este tipo de
atividades requer, em geraL, uma utilização extensiva do
espaço incompatível com a ocupaçao mais densa do solo que
caracteriza a cidade. A exploração mineral pode
consti-tuir uma exeç.ao a essa lei, mas apenas em termos
relati-vos. Mesmo quando núcleos mineradores chegam a se consti
tuir em cidade, a atividade extrativa se faz, em geral,
fora dos limites urbanos. Também não se pode desconhecer
a presença de certas atividades agrícolas em cidades.
Elas são, no.entanto, praticadas na periferia da área ur
bana e constituem, em geral, atividades pouco
importan-tes no contexto citadino". (4)
1. 2. BREVE HIST0RICO DA URBANIZAÇÃO
As populações humanas vêm formando cidades por
quase sete milênios. Nos últimos três séculos,
observa-mos um aumento sem precedentes, tanto em ritmo quanto em
nível de urbanização, correspondendo ao período de 1750
a 1850 a uma época de disjunções cruciais na história da
~
sociedade humana. Algumas sociedades apresentaram uma ra
pida urbanização, com mais de 50% de sua população resi-dindo em cidades.
Pode-se dizer que a urbanização reflete a capaci
dade de adaptação de uma população face ao ambiente e
à
sua subsistência. Pode ser vista enquanto elemento
orga-nizador desta capacidade, a qual está diretamente ligada
à evolução tecnológica. Assim, pode-se dizer que as qua-tro variáveis juntas, população, tecnologia, organização
e ambiente podem explica~ o padrão preponderante da urba
nização, indicar como esta surge e fornecer um esboço de
seu possível futuro imediato. Lampard analisa o processo.
de transformação dos agrupamentos urbanos sob o ponto de
. 7 .
trutura da ecologia humana e vê a história da
urbaniza-çao dividida da seguinte for~a:
"1. ·urbanização incipiente: o primeiro resultado
de urna organização urbana primária corno sistema
adicio-nal mais produtivo de adaptação coletiva ao meio físico
e social".
!'2. ·Urbanização efetiva: a culminação das tendên
cias primitivas na forma adicional e alternativa da orga
nização social - a cidade definitiva. Através de sua
ca-pacidade de produzir, armazenar e utilizar reservas
so-ciais, o artefato da cidade definitiva é capaz de se
transformar para fora de sua arnbiência matriz".
A urbanização efetiva, poderá ser distribuída em
duas novas categorias:
"a) Urbanização clássica: quahdo várias forças e
circunstâncias combinam-se, a fim de moderar o crescirnen
to da população e das cidades, através de sistemáticas e
implantadas medidas sociais de repressao e equilíbrio".·
"b) Urbanização industrial: quando as pressoes e
as condições prevalecentes são abrandadas, através da
realização final das capacidades tecnológicas e organiza
cionais, para urna concentração populacional sem precede~
te. Valendo-se de sua capacidade única de converter e con
trolar alto nível de energia-calor inanimada, "per
capi-ta", a cidade industrial-urbana projeta-se para fora de
seu meio nativo em faixas de ambiente físico e
ainda rnai s amplas" • ( 5)
·social
1.2.1. Urbanização Clássica e Urbanização
Indus-trial:
O processo de urbanização produz
crescen-te estratificação vertical ou sócio-estrutural, a qual
está ligada a controles sobre o uso da terra e o
supri-mento de matérias-primas. Assim, várias forças e circuns
tâncias se combinam visando moderar o crescimento da
po-pulação e das cidades através de determinadas
. 8.
equilíbrio.
No 'processo de formação das cidades cabe,
sem dúvida alguma, referências
à
extensa discussão sobreo papel desempenhado pelo campo e pela cidade nesse
pro-cesso. Segundo Paul Singer, a distinção ecológico
-demo-gráfica formal entre as duas categorias deve ser
abando-nada e substituída por uma noção política e econômica que
parte de uma divisão de poderes e de atividades entre
campo e cidade. Esta divisão de poderes se baseia na
di-visão sociál do trabalho e se caracteriza de maneira
ge-nérica, pela ausência de atividades primárias
(estrati-vas e agrícolas) nas cidades. (6)
A cidade é incapaz de tornar-se auto-sufi
ciente em relação ao campo. De fato, representa a
acumu-lação organizada e o investimento do excedente social
agrícola. Sob este prisma, rural e urbano constituem dois
modos distintos de organização social, economicamente in
terdependentes. O urbano tem como premissa para a sua
subsistência o domínio político sobre o rural, que lhe
permite a obtenção do excedente. Inclui-se neste
concei-to de domínio político, o domínio a partir do
ideológi-co, como as cidades que se formaram ao redor de um
cen-tro religioso (cidades-templo) . Justificada a sua
predo-minância política pela autoridade litúrgica do
sacerdó-cio, autoridade ampliada e defendida pela força de coman
dantes militares e reis, sustentada ou pelas oferendas
dos camponeses ou pela interdependência entre urbano e
rural, representariam uma acumulação do produto social
liquido numa concentração sem precedentes sobre uma base
'
territorial diminuta. \.r
Na realidade, a autêntica
interdependên-cia entre cidade e campo, segundo Paul Singer, somente
vai ocorrer a partir da Revolução Industrial, quando a
concentração vai permitir que inovações tecnológicas ooor
ram, inclusive as inovações que dizem respeito às
ativi-dades rurais; ao domínio político agrega-se o
econômico . ( 7)
domínio
• 9 •
cos do problema. Apesar da Revolução Industrial nao ter
se dado, numa primeira etapa, na América Latina,
tornare-mos o desenvolvimento das cidades nesta região, por nela
estar inserida a problemática urbana brasileira.
1.2.2. A formação do Sistema Urbano na
Latina e no Brasil
América
Na América Latina, os núcleos urbanos sur
gern com a função básica de manter o sistema colonial. As
cidades foram implantadas corno ponto fortificado, a
par-tir das quais se expandia o poder colonizador,
submeten-do as populações indígenas à autoridade política submeten-do rei
e ideológica da Igreja, realizando a expropriação e
re-distribuição das terras, aniquilando quilombos, reprimi~
do o contrabando e as incursões de corsários e de forças
colonialistas rivais.
O surgimento das primeiras cidades, na
América Latina, encontra duas vertentes: os espanhóis en
centraram, na Nova Espanha e no Peru, urna sociedade orga
nizada de forma a transferir sistematicamente o
exceden-te do campo às cidades, que na era pré-colombiana consti
tuiam a sede da classe dominante sacerdotal. Com esta or
ganização já montada, os espanhóis trataram de
utilizá-la para seus próprios fins. No Brasil, os portugueses
não encontraram núcleos urbanos e, portanto, não tiveram
necessidade de constituí-los em grande escala para asse-gurar e organizar a exploração colonial. Somente quando
foi implantada a ordem escravocrata, foi necessário,
pa-ra manter os escpa-ravos atados às fazendas, forças de
re-pressão concentradas em sítios urbanos. Também era a par
tir da base urbana que a coroa recolhia seus tributos.
Com as constantes ameaças, por parte de corsários e
con-trabandistas, o excedente de vastas áreas era
concentra-do em poucos centros urbanos, mais fáceis de fiscalizar
e defender.
Com o correr do desenvolvimento das
.lO.
passa a ampliar e diversificar suas funções. Começa a
ser introduzido, no século XVIII, o latifúndio que vai
trazer uma profunda reorganização das forças produtivas
no setor de subsistência latino americano. Esta reorgani.
zaçao trará para as cidades um excedente que
transforma-rá as colônias de bases exportadoras em importadoras de
produtos europeus. Surgem, então, nas cidades, os
comer-ciantes, os financistas (usuários), os transportadores e
os artesãos, passando elas então de pontos obrigatórios
de passagem de mercadorias voltadas
à
metrópole, acen-tros de redistribuição de mercadorias dentro da própria
colônia. Seu enriquecimento começa a atrair grandes
pro-prietários fundiários que ao residir nos centros urbanos
passam a gastar nos serviços oferecidos parcelas maiores
de sua renda. A cidade torna-se, então, o centro da vida
politica colonial. Para Paul Singer, "são certos interes
ses comerciais urbanos, afrontados pelas tentativas de
recolonização após o fim da ocupação napoleônica da
me-trópole, os que se levantam, coligados
à
classelatifun-diária crioula, em primeiro lugar em Buenos Aires,
Cara-cas, Santiago, Bogotá contra as autoridades coloniais".
(8)
Surgem, na América Latina, várias naçoes,
cada qual organizada ao redor de um núcleo urbano: Argen
tina, em função de Buenos Aires, Chile, em função de San
tiago, Venezuela, em função de Caracas, e outros.
A razão deste processo, encontra-se na ca
pacidade de determinadas cidades-chaves em aglutinar em
sua area de influência politica e comercial,vastas áreas
rurais não podendo mais assumir o papel de correia de
transmissão da dominação colonial passando a concentrar
em si a função da dominação, a exploração do campo e a
cúpula de todo o sistema. Desta forma, com a
independên-cia das nações latino-americanas, a cidade de conquista
sucumbiu ante a cidade comercial, passou de um braço da
metrópole dentro do território colonial a organizadora
da vida nacional.
brasilei-.11.
ra deu-se de forma diferenciada. "As caraterísticas da
economia primário-exportadora, no Brasil, contribuiram
para a relativa dispersão tanto da população como do sis
tema de cidades por vastàs porções do território
brasi-leiro". ( 9)
Esta dispersão tem por causa duas caracte
rísticas inter-relacionadas da economia brasileira em
seu período colonial: primeiro, o fato da economia primá
rio-exportadora ter passado, em seu período de
desenvol-vimento, por uma sucessão de auges .e crises nos seus pr9_
dutos de exportação. Por outro lado, o fato de ocorrer
uma constante substituição de um produto de exportação
por outro, o que trouxe um deslocamento geográfico
cons-tante do eixo mais dinâmico da economi·a exportadora e,
por conseguinte, da polarização dos centros urbanos.
"As atividades econômicas de exportação
adotavam processos produtivos altamente intensivos em
trabalho. Em consequência, a expansão das atividades
ex-portadoras implicavam no recrutamento de grandes
contin-gentes de mão de obra, acarretando o crescimento de popu
lação que atingia seus valores mais altos nos momentos
de apogeu. Por outro lado, este tipo de atividade
econô-mica, mesmo quando de natureza eminentemente rural (como
no caso do açúcar e do café) ou de tipo disperso ou
pre-datório (como no caso da borracha) , exigia o surgimento
de centros urbanos para onde a produção convergia e a
partir de onde o produto era exportado. Nestas cidades,
onde também se centralizavam as atividades
administrati-vas, os momentos de auge da atividade exportadora deviam
implicar em crescimento da população urbana". (lO)
Esta concentração de população, tanto em
área rural como nas cidades, face ao declínio ou estagna
ção dos complexos primários exportadores e a consequente
liberação de mão de obra, não sofria, porém, declínio to
tal da população urbana na maioria das cidades. A mobili
dade de população, de uma área de produção para outra,
nao era absoluta, permitindo a sobrevivência da maioria
.12.
Cabe ressaltar que esta característica do
desenvolvimento econômico ligado ao setor de exportação
influiu na configuração do sistema urbano brasileiro,
pois as primeiras cidades se localizaram na faixa litorâ
nea, tendo havido urna interiorização somente quando do
ciclo do ouro, e, posteriormente, da borracha e do café.
Surgiram assim, obedecendo
à
lógica dosciclos econômicos, cidades corno Salvador, Recife, as
ci-dades do complexo urbano rnineiro,.o Rio de Janeiro, as
cidades da zona cafeeira culminando com o dinamismo de
são Paulo. Também ciclos de menor importância relativa,
contribuíram para a fixação da população em áreas perifé
ricas, surgindo assim Manaus, Belém, Porto Alegre. E, na
segunda metade do século XIX, dá-se o surgimento de cid~
des intermediárias que resultam de funções comerciais pa
ra o mercado interno, como é o caso de cidades
paranaen-ses e paulistas, ou ainda resultantes de economias
urba-nas de apoio
à
atividade exportadora principal como alg~mas cidades do interior paulista, de Minas e do Rio de
Janeiro. No fim do século XIX, a população urbana
brasi-leira, ainda que pequena em seu conjunto, se encontrava
dispersa numa rede de cidades que se constituía numa
re-de urbana fragmentada, mas significativa.
Com a independência, a cidade
latino-ame-ricana de um modo geral, passou a ser sede do poder
na-cional, vendo desenvolvidas suas funções administrativas
do ponto de vista econômico, porém, continuou a
desempe-nhar as antigas funções, quais sejam, a de entreposto c~
mercial e financeiro entre excedentes de produtos agrico
las e extrativos e produtos
industrializados/manufatura-dos e capitais externos.
Em muitos locais, as lutas pela
indepen-dência ocasionaram certa contração de importações,
esti-mulando a produção artesanal local, porém, o avanço da
Revolução Industrial no ocidente europeu e nos Estados
Unidos, propicia uma ofensiva comercial e financeira em
direção
à
América Latina, liderada pela Inglaterra..13.
dos novos países latino-americanos, trazendo à cidade co lonial uma configuração eminentemente comercial. A
cida-de comercial utilizou sua _hegemonia política sobre o cam
po para impor a liberdade de trocas que favorece seus g~
nhos de intermediação às custas da manufatura nativa.
1.2.3. A Cidade Industrial na América Latina
Pode-se dizer que _até a primeira guerra
mundial, as cidades latino-americanas se caracterizavam
por funções político-administrativas e comerciais,
pas-sando algumas, à partir dessa época a adquirir
caracte-rísticas industriais ligadas ao processo de substituição
de importações decorrente da diminuição da capacidade ex
portadora dos países diretamente envolvidos na guerra.
Neste processo de industrialização
desta-caram-se o Brasil, a Argentina e o México, que possuiam
maior território e população, em função do qual se desen
volveram suas economias urbanas baseadas em mercado
in-terno. Sendo a indústria uma atividade eminentemente
ur-bana, seu aparecimento e expansão tornam a cidade
latino-americana produtiva, pela primeira vez desde a
conquis-ta. Configurou-se então uma real divisão de trabalho cam
pc-cidade. Esta relação, no entanto, via-se prejudicada
pelo baixo poder aquisitivo da população rural. "Só um
estágio muito mais avançado de industrialização, quando
a cidade cresce a taxas muito mais elevadas, expandindo
aceleradamente sua demanda por alimentos e matérias
pri-mas agrícolas ou extrativas é que as velhas forpri-mas de e~
ploração do campo são parcialmente abandonadas, surgindo
nas áreas de melhor acesso ao mercado urbano uma agricul
tura capitalista, cujos produtos alcançam preços que
co-brem seus custos e proporcionam ao capital taxas
adequa-das de lucros". (12}
Paulatinamente, a cidade capitalista
in-dustrial vai propiciando uma concentração crescente de
recursos, tecnologia, serviços, população, ocasionando
flituosa na cidade em relação às condições de vida e
formas de sua administração.
.14.
-as
No Brasil, após 1920, acelerou-se o
pro-cesso de urbanização multiplicando-se os centros urbanos
com ênfase para as regiões sul e sudeste do país, onde
se localizam, até hoje, os maiores polos de
desenvolvi-mento industrial, os quais se constituem também como
po-los de atração de fluxos de migração internos. A integr~
çao entre os centros urbanos se intensifica dado o desen
volvimento dos meios de comunicação e também das
rela-ções entre as cidades devido à especificidade das
funções, sobretudo em âmbito regional.
suas
A partir da segunda guerra, no entanto,
é
que se intensifica
o
desenvolvimento industrial baseadona substituição das importações,
o
qual, aliado ao desenvolvimento tecnológico., às transformações na agricultura
pela modernização e crescente integração ao mercado, ao
surgimento de novas atividades econômicas ligadas a
re-cursos naturais específicos,
à
expanção das atividadesgovernamentais e à ampliação do espaço territorial de
~ sua ação propicia uma intensa urbanização com concentra-çao extrema em determinados polos industriais,
destacan-do-se sobremaneira São Paulo.
Esta excessiva concentração em São Paulo,
devido ao crescimento populacional e à diversificação in
dustrial, gera, através de um processo explosivo e desor
denado de crescimento, um aglomerado sócio-econômico que
ultrapassa limites territoriais e institucionais de cida
des constituindo-se em uma região metropolitana
carrega-da de sérios problemas.
No processo de urbanização brasileiro
ob-serva-se, nas últimas décadas, uma estrutura
extremamen-te polarizada, apresentando-se regionalmenextremamen-te
desequili-brado com uma evidente concentração de oportunidades de
emprego e de serviços e, portanto, de população, num
re-duzido número de centros. Nestes centros, problemas
gra-ves surgem como a localização industrial desordenada, a
defi-.15.
cientes, a carência de habitação e de serviços
comunitá-rios, a deterioração do meio ambiente, a inexistência de
uma concepção de governo clara em matéria urba~a, o que
manifesta a necessidade urgente de intervenção em benefí
cio da melhoria das condições de vida da população.
Cabe ao Estado realizar essa intervenção
mediante medidas de planejamento e de administração quer
no âmbito nacional quer no âmbito regional. A atuação do
Estado face ao urbano é assunto de fundamentai
importân-cia tendo-se em vista esta concentração econômica e demo
.16.
2 • A INTERVENÇÃO DO ESTADO MODERNO NO URBANO
A partir da instauração da sociedade onde
predomina-ram as relações sociais apoiadas no modo de produção
ca-pitalista, surgiram relações de poder específicas que
não se confundem com outras formações sócio-econômicas
existentes através da história. As relações de poder, im
plicadas no capitalismo, que são estabelecidas em função
das condições básicas da vida material e cultural, insti
tucionalizaram-se e condicionaram o fortalecimento dessa
formação econômico-social.
O Estado é uma forma de vida social historicamente de
terminada e a partir do surgimento desta sociedade, onde
predominaram as·relações capitalistas, o Estado passou a
configurar-se como Estado de Direito, onde a organização
do poder político tornou-se impessoal, isto é,
indepen-dente dos indivíduos que o exercem, ficando estes
subor-dinados à·lei. Os sistemas políticos que daí advieram s~
freram modificações substanciais motivadas pelas
altera·-ções sócio-econômicas ocorridas que induziram a uma adaE
tação das estruturas políticas e jurídicas às novas
ne-cessidades do desenvolvimento técnico, social e
econômi-co. O Estado Liberal de Direito, resposta organizacional
política da burguesia ascendente, cede lugar ao Estado
Social de Direito, expressão da sociedade industrial com
temporânea.
Note-se que o planejamento governamental nao cabia no
Estado Liberal de Direi to, o qual ignorou a exist·ência
de grupos sociais modelando uma imagem neutra
do
poder elimitando sua intervenção a fins de tutela jurídica e p~
licial. "Vazio de conteúdo social, reduzido aos limites
de um aparato legal, cuja base provinha da Constituição,
com um esquema formal dentro de cujo recinto ficava
pri-sioneiro em situação de impotência, o Estado Liberal era
exibido como uma conquista da Liberdade". (13)
o
Estado Social de Direito se caracteriza pela inge-rência estatal orientada à promoção do bem-estar social,.17.
e contínuo, a iniciativa privada e a açao governamental.
Utilizando-se de exp:rlientes, recursos e mecanismos fiscais o~
rnentários, credi ti cios, rncnetários, de investimentos pJblicos, de
administração de serviços, de previdência social, de controle de
preços e salários, de polícia administrativa para regular a utiliza
ção dos espaços, de prese.rvação da saúde, etc. , o Estado Social
em-preende urna ampla e constante atividade social e econômica dire
tamente ou mediante entidades públicas e privadas a ele
vinculadas, cujo fim é assegurar o desenvolvimento, a ex pansao e a integração econômica em consonância com a exi gincia de se realizar a justiça social". (14)
A esta visão da função do Estado enquanto provedor de
justiça e bem estar social se contrapõe urna série de
teóricos para os quais o Estado não se configura corno
urna entidade superior
à
dinâmica social e econômica, massim corno urna entidade imersa .na própria estrutura social representando ela mesma urna superestrutura vigente.
O Estado moderno capitalista, a partir da grande de~
pressão de 1929, passou a assumir gradativamente funções cada vez mais complexas. Nos países capitalistas avança-dos, além do poder de organizar e fiscalizar, garantindo
a segurança social, ele possui e administra ampla rede
de indústrias e serviços ligados
à
infra-estrutura e quesão importantes para sua vida econômica.
Também e.le se desempenha como regulamentador, coorde-nador, controlador e planejador da ativid?de econômica,
sendo ainda, de maneira simultânea agente econômico
à
medida que é o maior consumidor do setor privado, o qual
também se vi beneficiado por políticas econômicas
esta-tais que envolvem créditos, subsídios e outros
cios.
benefí
A intervenção estatal na economia ajudou o desenvolvi mento do capitalismo e vem sofrendo um determinado grau de evolução que, em muitos países atualmente se discute
se o termo Capitalismo seria adequado para designar o
sistema econômico existente, surgindo a idéia do Capita-lismo Monopolista de Estado, onde este exerce monopólios econômicos sohre setores básicos com0 energia,
.18.
tes, siderurgia e outros •. (15)
Ora, esta crescente intervenção do Estado na vida so~
cial e econôm.ica do país se reflete, sem dúvida alguma,
no Desenvolvimento Urbano, sendo que se localizam na ci
dade os maiores processos produtivos do setor secundário
e as maiores concentrações e diversidades do setor
ter-ciário às quais se vinculam as altas taxas demográficas
e suas consequências sociais e políticas.
As contradições urbanas tornam-se cada vez mais
ques-tões políticas centrais na maioria das sociedades capita
listas avançadas. Para Manuel Castells, "a concentração
do capital engendra a dos meios de produção e das
unida-des. de gestão, o que determina a concentração de força
de trabalho e consequentemente, a socialização· objetiva
de· séu processo de reprodução. Tais são as bases estrutu
rais tanto da formação das grandes metrópoles como da
exigência de desenvolvimento dos meios coletivos de
con-sumo .. Então os problemas urbanos resultam do
desenvolvi-mento de contradições estruturalmente enraizadas nos
in-teresses econômicos e políticos do capital {e portanto
da burguesia) ; eles não repousam sobre uma contradição
direta entre a burguesia e a classe operária, mas entre
os interesses próprios da burguesia e os interesses do
conjunto das camadas populares, que sofrem de modo
indi-vidual com a forma de organização da vida cotidiana
im-posta pela lógica do capitaln. (16)
As contradições urbanas se referem de maneira geral,
por um lado, à organização do espaço urbano,
à
maneiracomo o território urbano
é
utilizado, ou seja,à
suadi-visão técnica e social, e, por outro lado, se referem a
maneira como são produzidos, geridos e distribuídos os
meios coletivos de consumo como
é
o caso da habitação, educação, saúde, transporte, equipamentos coletivos,etc.Esta distr.ibuição, produção e gestão são ligadas
direta-mente ao processo político e refletem o aprofundamento
das contradições no setor de consumo coletivo, o qual es
tã cada vez mais sob a intervenção direta ou indireta do
mono-.19.
polista a ele cabe assegurar o desenvolvimento
e
a reprodução da força de trabalho. (17)
O Estado sintetiza a distribuição de poder em uma
so-ciedade, sendo este, nas sociedades ocidentais,
fragmen-tado e difuso pois todos tem poder, de maneira
indivi-dual ou organizada em grupos, mas ninguém o tem em
dema-sia. Para muitos esta idéia é preponderante,
e
pertenceàqueles que acreditam que existem na vida política grupos
de interesse cuja competição é sancionada felo Estado, o
qual está sujeito a uma multiplicidade de)~ressões
con-flitivas por parte destes grupos e organi±ações sendo
-
.
~seu papel principal acomodà.r os interesse·s conflitantes.
Esta concepção democrática pluralista da política da
sociedade e do papel do Estado, não corresponde porém ao
I
que se observa nos países capitalistas ocidentais e
so-bretudo naqueles ligados ao Terceiro Mundo. (18)
Pelo contrário, o Estado na América Latina de modo g~
ral tem se organizado de forma a atender às condições de
reprodução do capitalismo, estando no mais das vezes
fa-vorecendo as elites dominantes no processo produtivo em
detrimento da maior parte da população.
Nos países capitalistas, de modo geral, os governos es
tão comprometidos com o sistema de empresa .privada e a sua
racionalidade econômica, o que dificulta muito sua açao
face uma série de problem_as e necessidades da sociedade •. ·
Este ponto será mais amplamente debatido neste trabalho
quando analisarmos os aspectos relativos ao uso do solo ur bano no Brasil e na Região Metropolitana de São Paulo.
A intervenção do Estado se faz através de suas políti
cas setoriais específicas, sejam elas políticas de abran
gência social, econômica, financeira ou de infra-estrut~
ra básica, sejam-políticas de desenvolvimento urbano ou
outras.
Uma política pública, dizem O'úonnell e Oszlak, é a
tomada de posição por parte do Estado que pretende obter
algum tipo de resolução para alguma questão. Ela pode in
organiza-.20.
çoes estatais, simultâneas ou sucessivas, durante o
de-curso do tempo que se constituem no modo de intervenção
do Estado frente à questão. Na sua implementação podem
ser adotadas outras políticas correlatas, criadas
estru-turas burocráticas específicas, dotadas às vezes de capa
cidade para redefinir a política pública inicial e até
mudar a posição tomada pelo Estado frente à questão que
a originou. (19)
Elas se constituem, em parte, de um processo social
onde se originam e onde vai se refletir o seu impacto a
nível de intervenção, entrelaçando-se com as políticas
privadas·e podem ter em seu bojo, diretrizes gerais que
se consubstanciem em medidas de curto; médio· e longo pr~
zo, com características de soluções imediatas e de
pre-venção de problemas ao longo do tempo.
O aspecto das políticas públicas a que nos referimos,
é aquele relacionado com a urbanização crescente e seu
impacto nas grandes concentrações demográficas, ou seja_,
a política de desenvolvimento urbano brasileira que esta
belece diretrizes para a solução dos problemas metropoli
tanos em especial, e os problemas ligados ao sistema
ur-bano como um todo.
Ao se falar em Desenvolvimento Urbano,
necessariamen-te há que se falar em planejamento urbano,
à
medida queeste se constitue no instrumento por excelência do poder
público para que possa exercer sua intervenção j·unto .ao
urbano, representando o planejamento uma opçao política
da maior significância ainda que envolva uma ação
técni-ca e burocrátitécni-ca.
2.1. PLANEJAMENTO COMO INSTRUMENTO DE INTERVENÇÃO
2.1.1. Definição de Planejamento
O planejamento se constitui em atividade
essencialmente administrativa onde se pretende, através
do conhecimento diagnóstico da realidade, nele intervir
• 21.
po , atingirem-se determinados objetivos previamente
es-tabelecidos, dados os recursos disponíveis. Ele é um pro
cesso e portanto, um continuurn e em sua dinâmica perrni
te urna constante realimentação, urna constante revisão de
objetivos e urna constante avaliação dos instrumentos uti
lizados na consecução dos objetivos propostos. Em .suas
diferentes etapas, portanto, se está trabalhando para a
construção, a manutenção ou a alteração de tendências de
sejáveis ou observáveis nos diversos sistemas em que é
aplicável.
Ele é instrumento ligado ao desenvolvirnen
to capitalista industrial tendo surgido corno técnica de
aperfeiçoamento de resultados e de obt~nção de maior efi cácia e de maior eficiência empresarial e, após a grande
depressão de 1929, passou a ser usado pelos governos
pa-ra controlar e regular o processo econômico.
A adoção pelo poder público desta técnica
própria da administração privada trouxe ao Estado fun~
çoes que, no Liberalismo Econômico antecedente 29, ele
não possuía. Para ser regulador ou controlador ele se
utiliza de inúmeros mecanismos de política econômica
co-rno os instrumentos fiscais, creditícios, as isenções,
os subsidias aos produtos preferenciais, as taxações
de-sestirnuladoras de atividades ou setores e outros.
No caso do desenvolvimento urbano o plane
jarnento passa a ter caráter de absoluta necessidade dado
o caos que se verifica nas grandes cidades e aos grandes
desequilíbrios regionais do país aos quais se liga um
sistema de cidades excessivamente polarizado pelas rnetró
poles regionais e pelas duas metrópoles nacionais que
são Rio de Janeiro e são Paulo.
Pode-se dizer que o processo de
planeja-mento se constitue de várias etapas, corno:
1. os processos de conhecimento da
reali-dade, pelos quais se avaliam os dados obtidos que
carac-terizam os problemas e suas tendências, a fim de definir
, I .22.
2. o fornecimento de subsídios para a
se-leção de alternativas e
définiçã~
de objetivos gerais;3. a promoção de meios para
operacionali-zar estas diretrizes de forma integrada e coordenada;
4. o fornecimento de elementos ou
instru-mentos técnicos, administrativos e legais para
viabili-zar a execuçao;
5. o controle e a informação dos
resulta-dos.
Constam então do processo de planejamento
o conhecimento da realidade, a elaboração final de
pla-nos, a decisão de execução do plano e de sua avaliação
crítica.
Uma questão de grande importância
espe-cialmente ligada à fase de decisão,
é
a que vincula oplanejamento à ação política. Como o objetivo do planej~
mento é alterar a realidade numa certa direção, nele
es-tá envolvida a possibilidade e o poder de interferir no
jogo de interesses relacionados àquela realidade. Portan
to, a fixação de diretrizes a serem observadas e a
apli-caçao do~ recursos disponíveis, definem-se como uma deci
são política; daí a necessidade de se vincular a ação po
lítica ao conhecimento das situações, sempre visando a
alocação dos recursos disponíveis.
"A planificação e a realização do plano
sao categorias que, nas condições do mundo moderno,
pro-duzem uma estreita relação entre perícia profissional e
poder político". (20)
Na análise do planejamento governamental
enquanto forma de intervenção na realidade, dois
enfo-ques se apresentam. A análise liberal norte-americana pa
ra a qual "o planejamento urbano é um instrumento de
me-diação baseado no poder dos especialistas, ou ainda, o
conhecimento do possível entre os diferentes interesses
em jogo, o denominador comum entre os fins particulares
dos atores e certos objetivos de conjunto, geralmente
. ..;.·
, I .23.
Existe planejamento'
à
medida que. existe vontade.
de che-gar a certos objetivos·." (21)Esta concepção se baseia, do ponto de vis
ta ideológico~ na crença da liberdade individual onde o
homem é visto como um agente autônomo capaz de negociar
a sua cooperação, sendo pois a ação social uma rede de
estratégias emitidas a partir de uma multiplicidade de
centros autônomos. Ela permite ver o planejamento urbano
como um projeto decisório governamental voltado para um
problema urbano.
Por outra parte, a perspectiva analítica
que envolve os determinantes sociais do planejamento
go-vernamental leva a concebê-lo como um processo de regula
ção-dominação que emana da instância política, e permite
uma aproximação mais ampla dos problemas urbanos que . se
caracterizam como decorrentes das contradições inerentes
ao processo de urbanização capitalista.
2.1.2. Planejamento Urbano: Definição e
Necessi-dades
O desenvolvimento econômico, baseado na
industrialização, que vem se processando sob a lógica ca
pitalista da acumulação exige concentração de recursos,
sendo, portanto, o vetor básico do fenômeno da
urbaniza-ção. Este, por sua vez, tem como tônica a intensa imigra
çao rural-urbana, numa primeira etapa, para a geraçao
dos contingentes de mão de obra que vêm constituir o
exército industrial de reserva presente nas grandes cida
des. Este fenômeno apresenta caràcterísticas diferentes,
em se tratando de países desenvolvidos e em
desenvolvi-mento, pois a industrialização nestes países se deu em
etapas temporais diversas, observando-se que atualmente
os Índices de urbanização nos países desenvolvidos pouco
têm aumentado, fruto da diminuição da migração a partir
do campo e da industrialização das zonas rurais que
provocando uma crescente indiferenciação entre as
rurais e as urbanas.
vem
4"
I·
.24.
·!
Verifica-se em muitos países o fim do pro
.
'
cesso de urbanização via migração, sendo o crescimento
de muitas cidades devido ao aumento vegetativo da popula
ção e ao remanejamento de áreas já urbanizadas. Já em vá
rios países em desenvolvimento, face mesmo
à
sua tardiainserção no capitalismo mundial enquanto nações
indus-trializadas, ocorre uma acelerada urbanização, tão acele
rada quanto desorganizada e onerosa, econômica e
social-mente. Nestes países, a industrialização acelerada traz,
<
para of:i complexos urbanos um agigantamento que
transfor-ma em caótica a infra-estrutura urbana, insuficiente
pa-ra sediar ou absorver os contingentes populacionais que
para ela se dirigem.
Veja-se que a população da América Latina
como um todo, era em 1960 de 200 milhÕes de habitantes,
dos quais 90 milhÕes viviam em cidades; uma projeção
es-tima que .até o ano 2000, a população será de 600 milhÕes
dos quais 360 serão urbanos, o que significa que em 40
anos a população total triplicará enquanto a urbana
qua-druplicará. (22)
Par e passo aos problemas sociais e econô
micos gerados pelo desenvolvimento urbano desordenado,
encontramos consequências muito graves e abrangentes
re-lacionadas ao habitat humano.
o
desenvolvimentotecnoló-gico, os avanços científicos, as formas mais
sofistica-das de viver em sociedade nao impedem que o homem influa
negativamente sobre o seu ecossistema, sendo a
urbaniza-çao um processo caracteristicamente predador e desequili
brador do ambiente natural.
Apesar de todos os avanços tecnológicos,
nao se conseguiu eliminar o hiato existente que antepõe
o desenvolvimento tecnológico industrial
à
manutenção doecossistema criando uma falsa contradição.
são imagináveis os efeitos de uma
urbani-zação destas proporções em cidades cuja ·infra-estrutura
em 1960 já poderia ser consideradà precária quando nao
...
• 2 5 •
.
,
Estima-se que, mesmo os palses produtores
de matérias primas e com nlvel relativamente baixo de
tecnologia podem produzir o que necessitam para consumo
interno e exportação com sómente 20% da sua população di
reta ou indiretamente ligada ao setor primário, o que in
dica que, provávelmente 80% da população de um pais será
urbana, havendo a tendência para que esta se concentreem
cidades de mais de 100.000 habitantes até o ano 2.000.
(23)
Esta excessiva e acelerada concentração
nas cidades, que ocorre em palses em desenvolvimento,não
encontra, na estrutura urbana existente, condições saudá
veis de assentamento, gerando os já conhecidos e citados
problemas que se acentuam e agigantam nas grandes metró
poles.
As dificuldades enfrentadas pelo poder p~
blico sao de várias ordens, mas verifica-se básicamente,
um grande descompasso entre a realidade e as condições
institucionais e organizatórias da sociedade, o que dif!
culta o estabelecimento de urna polltica urbana eficaz
que envolva a solução presente dos problemas e a preve~
çao futura dos mesmos, o que significa a necessidade de
um esforço político e social para ultrapassar estruturas
tradicionais do Estado Liberal de Direito para que se
possa adequar a organização estatal ãs exigências das no
vas tarefas do Estado Social de Direito.
Assim, a renovação institucional e a cria
çao de novos mecanismos de ação governamental e de parti
cipação popular devm substituir mecanismos tradicionais
num esforço conjunto do poder público e da população, em
busca de soluções.
O planejamento, que é instrumento de org~
nização e administração ligado aos critérios de eficiên
cia ·e eficácia, envolve, no caso da problemática urbana,
a necessidade de preparar urna estrutura adequada para r~
ceber o impacto do crescimento urbano. ~ mister do Esta do moderno a intervenção na orga~ização social, política
e econômica da sociedade através de inúmeros mecanismos
..
.26 .
nanceira), quer seja através de políticas setoriais que
'
.
envolvam aspectos destacados da vida social. Deste modo,
o planejamento urbano se configura como um dos instrumen
tos do Estado· ligados ao desempenho de suas funções
mo-dernas. O planejamento urbano envolve necessariamente o
procedimento jurídico, ou seja, o Estado só pode agir me
diante lei, o que significa a legitimação de sua
por parté dos representantes da população nas casas
gislativas.
açao
le-E
necessário localizar, a partir de um en foque juridico institucional o papel que o Estado Socialde Direito exerce na organização das áreas e regiões
ur-banas.
2.2. Direito Urbanístico e Direito Pfiblico
A passagem do Estado Liberal de Direito para o
Estado Social de Direito traz, em seu bojo, a contraposi
çao da primazia do Direito Privado sobre o Direito Pfibl.i
co. O ordenamento jurídico no Estado Liberal visava a
prevençao e a solução de conflitos inter-individuais. Tra
tava-se de um direito entre e pa.ra iguais. O Estado
mo-derno que se apresenta como um estágio elevado da
evolu-ção das instituições políticas, assume um papel decisivo
na vida social com características e funções bastante
complexas, passando a deter grande parte, e em certos ca
sos, a totalidade do poder das nações que organiza e
di-rige. Destaca-se portanto o Direito PÚblico como
ordena-dor das relações Estado-indivíduo, prevenindo ou dirimi~
do conflitos verticais.
E
um di~eito entre e para desiguais. (24)
Por se constituir esta dissertação numa aproxima
çao á realidade metropolitana e seu ordenamento jurídico
institucional voltado para a regulamentação do uso do so
lo urbano, considera-se necessária uma visão rápida do
significado do Direito na socied~de e do ramo específico
em que se insere o tema deste trabalho.
',
.27.ceituado como " ••. um sistema de disciplina social
funda-.
do na natureza humana, que, estabelecendo nas· relações
entre os homens uma proporção de reciprocidade nos
pode-res e nos devepode-res que lhes atribui, regula as condições
existenciais e evolucionais dos individues e dos grupos
sociais e, em consequência, da sociedade, mediante
nor-mas coercitivamente impostas pelo poder público." (25)
E é dentro das normas que regulam a relação
en-tre o Estado e os individues -- o Direito Público que
se localiza o Direito Urbanistico. Compõe-se este das
"normas disciplinadoras da conduta do homem e das entida
des de personificação juridica, principalmente do
Esta-do, de modo a convergirem para a realização dos valores
identificados no urbanismo." (26)
Para Hely Lopes Meirelles o "urbanismo é o
con-junto de medidas estatais destinadas a organizar os espa
ços habitáveis, de modo a propiciar condições de vida ao
homem na comunidade. Entenda-se por ·espaços habitáveis
todas as áreas em que o homem exerce, coletivamente,qua!
quer das quatro funções sociais: habitação, trabalho,
circulação, recreação." (27)
O urbanismo pode ser visto como ciência, técnica
e arte ao mesmo tempo que objetiva a organização do espa
ço urbano,- v~sando o bem estar da coletividade, através
da legislação, do planejamento e da execução de obras pú
blicas que permitam o desenvolvimento das funções
urba-nas acima citadas: habitação, trabalho, recreação e
cir-culação.
A intervenção do poder ppblico, em relação ao ur
bano, é incumbência de todos os niveis de governo e se
estende a todas as áreas da cidade e do campo,
abrangen-do atividades e setores que afetam o bem estar social;
manifesta-se através de normas de desenvolvimento, de
funcionalidade, de conforto e de estética da cidade, da
planificação de suas adjacências, de racionalização do
uso do solo, do ordenamento do tr~çado urbano, da coord~
nação do sistema viário e do controle das
que compõem a cidade.