Flávio Sacco dos Anjos1
,
Wilson Itamar Godoy2,Nádia Velleda Caldas3 e Mário Conill Gomes4
Resumo – A aparição do Programa Nacional de Fortalecimento da AgriculturaFamiliar(PRONAF)marcaummomentosingularnatrajetória doprocessodeintervençãoestatalnaagriculturaenomundoruraldo Brasil.Apesardeavançosnoaperfeiçoamentoeampliaçãodouniverso de cobertura, o programa permanece ancorado numa ambigüidade básica tanto em termos do público-alvo a ser beneficiado quanto aos objetivosessenciaisquepersegue,onde,naretóricaoficial,mesclam-se orientaçõestipicamenteprodutivistascomcompromissosmaisamplos, como a geração de empregos, a inclusão social e o desenvolvimento territorial.OartigoemquestãodesenvolveumaanálisedoPRONAFàluz derecentepesquisarealizadanoEstadodoRioGrandedoSul,inserida no contexto de um convênio firmado entre o PCT/IICA-PRONAF e a FundaçãodeEconomiadeCampinas-FECAMPparamontarumsistema de acompanhamento das ações do Ministério do Desenvolvimento Agrárioeavaliarosimpactosdesteprograma.Osdadosfinaismostram fortesevidênciasdediferenciaçãosocialdentreosprodutoresfamiliares.
1ProfessordoProgramadePós-graduaçãoemAgronomiaedoDepartamentodeCiências SociaisAgráriasdaUniversidadeFederaldePelotas.E-mail:flaviosa@ufpel.edu.br. 2 Doutorando junto ao Programa de Pós-graduação em Agronomia da Universidade FederaldePelotas.E-mail:wigodoy@hotmail.com
3CientistaSocial,bolsistaITICNPq.E-mail:nvcaldas@ufpel.edu.br.
Palavras-chaves:agriculturafamiliar,pluriatividade,políticaspúblicas.
ClassificaçãoJEL:D1,Q18
Abstract – The PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar) creation defines a unique moment regarding state intervention in Brazilian agriculture. Despite enhancements and covering ampliation this program still show ambiguity related even with its benefited public or its essential objectives. Regarding official rethoricproductiveorientationismixedwithmoregeneralgoalslikejob creation,socialinclusion,andterritorialdevelopment.Thispapertries toanalyzePRONAFconsideringrecentresearchcarriedoutinthestate of Rio Grande do Sul/Brazil, which was an agreement between IICA (InterAmericanInstituteforCooperationonAgriculture)andBrazilian Governmenttocreateanactionmonitoringsystemandevaluatetheir impacts.Finaldataindicatesstrongevidencesofsocialdifferentiation amongfamilyfarmers.
Keywords:familyfarm,pluriactivity,publicpolicies.
JELClassification:D1,Q18
1 – Introdução
partedaintelectualidadebrasileira.Entretanto,emboraadmitidoscomo válidosestespressupostos,nãocabedúvidaqueentreodiscursoemtorno àdefesadosatributosdestaformasocialdeproduçãoedosinstrumentos maisadequadosparapotencializá-la,háumadistânciaconsiderável.As dificuldadessãoinúmeras,nãosónomododefomentaresteamploe diversificadosetordaagriculturabrasileira,quantonaeleiçãodopúblico-alvoaserbeneficiado.Afinaldecontas,aquemmajoritariamentecabe apoiar? Agricultores familiares plenamente inseridos nos mercados, dotando-osderecursosdesustentaçãoealavancagemeconômica?Os queseencontramemviasdetransiçãoouosjáconsolidados?Háespaço parapolíticasdesustentaçãoderendaparaossetoresmaisfrágeisno planodaspolíticasagrícolas?Quantoderecursosestamosdispostosa oferecerparaestesgrupos?
Cumpredestacarqueasopiniõessedividememtornoaosavanços obtidospeloPRONAFemseucurtoperíododeexistência.Deumlado, háosqueapostamnaidéiadequeomesmo“estáconseguindoproduzir
oambiente institucional necessário à ampliação da base social da
pesquisadecampoenvolveu“estudos-de-caso”em21municípiosde oitoestadosbrasileiros(AL,BA,CE,ES,MA,MG,RSeSC),havendo sidoentrevistados1.999domicíliosdeagricultoresfamiliaresnototal.
Nocasogaúchooestudoenvolveuumtotalde200questionários estruturados aplicados junto a agricultores familiares de dois muni-cípios previamente escolhidos pela equipe da FECAMP. Em cada um deles selecionamos aleatoriamente 50 agricultores que em 2001 haviam contratado o PRONAF (doravante chamados “pronafianos”) a serem confrontados com outros 50 agricultores familiares que não sehouvessemservidodesteprogramadecrédito(“não-pronafianos”), compondo uma base amostral de 200 domicílios entrevistados. À épocadolevantamento5oPRONAFcontemplavaquatrograndesfaixas (A, B, C, D) ou estratos de agricultores familiares. O tipo A destina-se essencialmente a atender agricultores assentados em projetos de reforma agrária ou através do Banco da Terra, enquanto o de tipo B temporbeneficiáriososagricultorescomrendabrutaanualdeatéR$ 1,5mil.Alémdosagricultoresfamiliares,sãobeneficiáriospotenciais do PRONAF os remanescentes de quilombos, trabalhadores rurais e indígenas. Fazem parte do Grupo C os agricultores familiares com renda bruta anual entre R$ 1,5 mil e R$ 10 mil, que utilizam mão-de-obra familiar, ainda que, eventualmente, sirva-se de mão-mão-de-obra contratada.NoGrupoDestãoincluídososagricultorescomrendabruta familiaranualentreR$10mileR$30mil.Alémdisso,amão-de-obra familiardeveserpredominante,podendoempregaratédoisempregados permanenteseutilizareventualmentemão-de-obracontratada.
2 – Resultados e Discussão
RestingaSeca,situadonocentrodoRioGrandedoSul,eLiberato Salzano, localizado no Alto Uruguai (Noroeste riograndense) foram os municípios gaúchos escolhidos como representativos do universo deestabelecimentosdoEstadodoRioGrandedoSul.Oúltimocenso
demográfico(IBGE,2000)registrouumtotalde16.400habitantesem Restinga Seca, sendo que destes, 49,9% residiam no meio urbano e 50,1%nomeiorural.Nestalocalidade,cujaáreatotalchegaa958km2, háumaforteinfluênciadacolonizaçãogermânicaeitaliana(emmenor proporção),semesqueceroelementoafro-brasileiroresidenteemdois quilombosexistentesnointeriordomunicípio.LiberatoSalzano,por suaparte,possuiumaáreatotalde256,9km2onde,segundooúltimo censodemográfico,viviam6.574habitantes,dosquais16,2%e83,8% residiamrespectivamentenoperímetrourbanoerural.Nestemunicípio háumaforteinfluênciadacolonizaçãoitaliana,alémdafortepresença decabocloseindígenas.Osdadosdoúltimocensoagropecuário(1995-1996)indicamumtotalde1.118estabelecimentosruraisemRestinga Seca, sendo que destes, 75,3% têm menos de 50 ha. Em Liberato Salzano o censo agropecuário 1995-1996 aponta um total de 1.385 estabelecimentosrurais,comáreamédiade20,18ha.Nadamenosque 99,2%dosestabelecimentospossuemmenosde50ha.
Oconjuntodedomicíliosinvestigadossomouumtotalde729pessoas residentes,estando370delasnosestabelecimentosde“pronafianos”e 359nos“não-pronafianos”Emtermosdotamanhomédiodasfamílias, nãohádiferençasentreambososgruposquerespectivamenteabrigam, em média, 3,7 e 3,6 pessoas por domicílio. Entre os Pronafianos é mínima dita proporção, justamente no subgrupo B com 3,2 pessoas pordomicílio,sendomáximanosprodutoresenquadradosnosubgrupo D,com4,1pessoaspordomicílio.Nãoháqualquerdiferençanoque tangeàproporçãodemenoresde14anospordomicílio,girandoem tornode23%dototaldepessoas.Jáaproporçãodepessoascomidade superioraos65anosmostroualgumasdiferençasdignasdenota.No conjunto de estabelecimentos familiares gaúchos examinados 5,6% dosresidentesdosdomicíliosestavamnestacondição,sendoqueno grupodosPronafianosaproporçãoémenor(4,1%)quenodosnão-Pronafianos(7,2%).
de 5,9 anos, para os não-Pronafianos esta é de apenas 5,0 anos. A escolaridademédiadosPronafianosnascategoriasB,CeDéequivalente arespectivamente5,1;5,8e6,4anos,dadoqueindicaumatendência nosentidodequeamaiordimensãoeconômicadasexploraçõesesteja associada a um maior grau de escolaridade (Figura 1). Este dado se vê reforçado quando examinamos a questão do analfabetismo. Se paraoconjuntodosestabelecimentosaproporçãodeanalfabetoséde 6,7%,nosPronafianoselaédeapenas2,5%,aopassoquenosnão-Pronafianostemosaproporçãomaisalta(11,0%).Pareceigualmente interessanteofatodequeaproporçãodejovenscomsegundograu incompletoatésuperiorcompletosejadequase57%nosPronafianose de50%nosnão-Pronafianos.
Figura1–Anosdeescolaridademédiadaspessoasresidentesconforme subgruposdeagricultoresfamiliaresnoRioGrandedoSul
Fonte:IICA/PRONAF/FECAMP(2002).
deseremdadospreliminares,emquepesetambémacurtaexistênciado programa,ficaaquestão:OPRONAFpodeservircomoinstrumentoem proldaemancipaçãoereduçãodasdesigualdades,ou,aocontrário,atua como elemento que reforça as diferenças sócio-culturais? A questão é pertinenteerequeranálisesulteriores.
A Tabela 1 apresenta o Índice de nível de vida (INIV), segundo ametodologiapropostaporKAGEYAMAeHOFFMANN(2000).Éum indicadordetipocomposto,resultadodamédiaaritméticadosvalores dedez(10)variáveisbinárias,podendovariarentre0e1.Quantomais próximode1,melhoroníveldevidadodomicílio.Asvariáveisbinárias referem-se ao tipo de parede da moradia, do telhado, o número de moradoresporcômodo,seaspessoassãoservidasporáguaencanada, instalaçãosanitária,setêmacessoàenergiaelétrica,coletadelixo,se dispõemdegeladeira,freezer,televisãoetelefone.Osdadosmostram que, para o conjunto dos estabelecimentos gaúchos investigados (Pronafianos e não-Pronafianos) apenas 7,5% dos estabelecimentos possuemumINIVmenorouiguala0,5,ouseja,umacondiçãosócio-econômica mais precária. Tomando-se por base os que possuem um INIVigualousuperiora0,7vemosque86,5%dasfamíliasencontram-senumasituaçãobastantesatisfatóriadopontodevistadestecritério.
Tabela1–DistribuiçãoporcentualdosdomicíliosdaamostrasegundooINIVI*. RioGrandedoSul
GRUPOS
ÍndicesdeNíveldeVida
TOTAL
0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0
B 0,0 0,0 0,0 0,0 9,1 36,4 27,3 18,2 9,1 100,0
C 0,0 0,0 0,0 1,5 6,1 10,6 15,2 34,8 31,8 100,0
D 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 4,3 34,8 60,9 100,0
c/Pronaf 0,0 0,0 0,0 1,0 5,0 11,0 14,0 33,0 36,0 100,0
s/Pronaf 1,0 8,0 3,0 2,0 7,0 13,0 14,0 25,0 27,0 100,0
TOTAL 0,5 4,0 1,5 1,5 6,0 12,0 14,0 29,0 31,5 100,0
(*)Índicedeníveldevida.
Fonte:IICA/PRONAF/FECAMP(2002).
agricultoresPronafianosnadamenosque94%dasfamíliastemumINIV igualousuperiora0,7%,aopassoque,paraosnão-Pronafianos,temos umaproporçãoequivalentea79%.Ébastanteinteressantecomprovar queasfamíliasdosubgrupoDdosPronafianospossuemesteíndicemais elevadoentretodosossubtipos,postoquepraticamente96%delastem umINIVigualousuperiora0,9.Estesdadosparecemconfirmarahipótese deexistênciadeumaclaradiferenciaçãosocialentreosPronafianos.
OsdadosdaTabela2convergemnestamesmadireção,revelando ocomportamentodarendamédiaemedianadomiciliartotaisnoano agrícola2001-2002paraouniversodeexplorações.Paraoconjuntode estabelecimentosgaúchosarendamédiaatingiuR$7.839,20,ficandoa medianaemR$4.872,5.MasseparaoconjuntodePronafianosarenda médiaficouemR$8.553,paraosnão-PronafianoselaéR$7.125,00. A diferença entre estes dois conjuntos parece ainda mais evidente se examinamos a renda mediana, posto que este dado, para ambos, chegaarespectivamenteR$6.185,00eR$4.420,00,ouoequivalentea aproximadamente40%.
Tabela2–Rendimentosmédiosemedianosdosdomicíliosporgruposde produtoresa.RioGrandedoSul
GRUPOS RendaMédia RendaMediana
(R$) (R$)
B 3.670,45 2.887,50
C 7.577,65 5.750,00
D 13.688,70 9.320,00
c/Pronaf 8.553,40 6.185,00
s/Pronaf 7.125,00 4.420,00
TOTAL 7.839,20 4.872,50
aRendadomiciliartotalanual.
Fonte:IICA/PRONAF/FECAMP(2002).
evidenciaaindamaisestasdiscrepâncias,hajavistaofatodequepara osPronafianosdetipoBtemosumvalorpróximoaapenasR$2.887,50, ao passo para os subgrupos C e D ela atinge respectivamente R$ 5.750,00eR$9.320,00.Podemosdizer,grossomodo,queorendimento médio dos Pronafianos do subgrupo D é 3,7 vezes maior que os do subgrupoBe3,2vezesemtermosderendamediana.Emseuconjunto, estes dados reforçam a tese de que agricultura familiar apresenta contornos que definem um universo extremamente diversificado em suacomposição.Alógicadereproduçãomaterialéessencialmentea mesma,masonívelemqueoperaesteprocesso,asexpectativasea própriadinâmicasubjacenteàspráticasadotadaspelasfamíliasrurais, revelamdiferençasmarcadamenteevidentes.Issoficoubastanteclaro notrabalhodecampodesenvolvidopelaEquipeRS,especialmentenos depoimentoscolhidosjuntoaosentrevistados.
Tabela3–Rendimentosmédiosemedianosanuaispercapitadosdomicíliospor gruposdeprodutoresa.RioGrandedoSul
GRUPOS RendaMédia(R$) RendaMediana(R$)
B 1.291,00 733,33
C 2.498,19 1.708,33
D 3.623,20 2.160,00
c/Pronaf 2.624,15 1.693,33
s/Pronaf 2.354,87 1.302,50
TOTAL 2.489,51 1.552,38
aRendadomiciliarpercapitatotalanual
Fonte:IICA/PRONAF/FECAMP(2002).
Estesdadossuscitamoutrosdesdobramentos.Aquestãofundamental seria justamente examinar até que ponto os agricultores evoluem na perspectivadeelevaronívelemqueoperaareproduçãomaterialdesuas famíliaseemquemedidaoPronafconstitui-seemprogramarealmente eficaznosentidodoresgatedeumamaiorautonomiaequepermita vislumbrarumquadromaispromissorparaestesprodutores.Nãoéde hojequenosperguntamossecaberiamanterestaespéciedeclivagem entreouniversodebeneficiários(A,B,C,D)deumprogramaque,se numprimeiromomento,visaatenderàvocaçãoepotencialidadedos produtores,segundosuascaracterísticaseespecificidades,numsegundo momentopodeaolongodotempoengessaradinâmicaevolutivadestes estabelecimentos.
heterogêneos em sua composição, devem continuar sendo apoiados nos termos em que opera o programa e dentro da atual composição orçamentária? Na atual conjuntura, este estrato de beneficiários do PRONAF concentra uma elevada proporção do crédito de custeio. Alguns números são suficientes para ilustrar este fato. Assim, se em 1999suaparticipaçãoascendiaa81,7%domontantederecursos,ela declinaem2000,chegandoa69,7%,voltando,entretantoacrescerem 2001aoatingirquase71%dototal.
Na Figura 2 este cenário pode ser visualizado de forma ainda mais evidente.
Tabela4–Composiçãorelativadarendatotaldomiciliarsegundoafonteepor gruposdeprodutoresa.RioGrandedoSul
GRUPOS Trabalho
Agrícola
Trabalho Não-Agrícola
Aluguel,lucros, aplicações financeirase arrendamentos
Aposentadorias ePensões
Auto-consumo
Outras
Fontes TOTAL
B 35,6 8,0 0,0 0,0 23,5 32,9 100,0
C 58,4 7,0 0,3 13,4 16,9 3,9 100,0
D 88,1 1,2 0,0 2,1 7,1 1,6 100,0
c/Pronaf 68,3 4,9 0,2 8,6 13,6 4,4 100,0
s/Pronaf 47,4 10,2 1,3 17,6 16,3 6,9 100,0
TOTAL 58,8 7,3 0,7 12,7 14,8 5,6 100,0
Fonte:IICA/PRONAF/FECAMP(2002).
aRendadomiciliarpercapitatotalanual.
intensidadedasatividadesagropecuáriaseomaiorníveldeintegração aosmercados.Paraestemesmosubgrupootrabalhonão-agrícola,tal comomostramosdadosdaTabela4,assumeescassamente1,2%em termosdaparticipaçãonarendadomiciliartotal.
Figura2–Distribuiçãodosestabelecimentossegundoasfontesderendadomiciliar
Fonte:IICA/PRONAF/FECAMP(2002).
OsPronafianosdosubgrupoCapresentamumasituaçãointermediária entreostiposBeDemtermosdacontribuiçãodotrabalhoagrícolaà formaçãodarendadomiciliartotal,alcançandoumaproporçãoequivalente a58,4%.OaspectoadestacarnosubgrupoCéopesodasaposentadorias epensões(13,4%),superadoapenaspelosnão-Pronafianos,que,como vimos anteriormente, ascende a 17,6%. O autoconsumo participa com 16,9% na composição da renda familiar total dos Pronafianos do subgrupoC,superado,nestequesito,apenaspelospronafianosdosub-grupoB,emfacedosaspectosanteriormentereferidos.
3 – Conclusões
em verdade, é responsável por nada menos que 38% do valor bruto da agropecuária nacional e por 57,1% no âmbito da região sul do país, empregando aproximadamente 83% da mão-de-obra ocupada nas atividades agropecuárias (GUANZIROLIet al, 2001). Ainda que reconheçamoscomoinquestionáveloprotagonismodaformafamiliar deproduçãodopontodevistanacionaleparticularmentenoâmbitodo Brasilmeridional,estequadronãoparecetãoauspiciososelevamosem contaofatodequeacoberturadoPRONAFcusteionãoultrapassa20% douniversodeestabelecimentosfamiliaresdopaís(4,139milhões)e apenas12,7%setemosemmenteoscréditosdeinvestimento.Oelenco deproblemasnãoresideapenasnaescassezderecursosdisponibilizados, masemoutrosaspectosquemerecemserdestacados.Nãorestadúvida dequeocréditoagrícolaéumpoderosoinstrumentodedesenvolvimento edejustiçasocial,sempreequandoforemcuidadosamenteplanejadas asmetas,opúblico-alvoaserpriorizado,oslimiteseobstáculosem suaimplementação.Nessecontexto,pareceimpensávelimaginarque umprogramacomumforteapelosocialsejaviabilizadocomumcusto financeiroabsolutamenteincompatível,especialmenteselevamosem conta o caso de agentes como o Banco do Brasil, que como indica PERACI (2003), cobra a estratosférica proporção de 16,76% do valor noscontratosdoPronafcusteio,aopassoqueviaBancodoNordeste eSistemaCresol(CooperativasdeCréditocomInteraçãoSolidária)o percentualéderespectivamente10%e2,5%.
perfeitamente identificada com a forma familiar de organização dos processosdeproduçãoagropecuária,nãorestaamenordúvidadeque estamosfalandodeumuniversosocialextremamentediversificadoe nãomenoscontraditórioemsuacomposição.
Estequadroficoumuitoclaronocontatocomarealidadeconcreta, especialmentenocasodomunicípiodeRestingaSeca.Numalocalidade ondeháumnúmerosignificativodefamíliasvivendoemquilombosrurais6 nãoháumúnicoprodutoraliresidentecomobeneficiáriodoprograma, o qual, segundo rezam suas diretrizes, assegura aosquilombolas a condiçãodecandidatospotenciaisdoprograma.Oqueapopulaçãoque entrevistamoseufemisticamentechamade“morenos”são,emconcreto, empregados temporários da colheita de fumo ou em outros cultivos, ocupadosemoperaçõesquedemandammuitamão-de-obra,osquais sobrevivemdosjornaispagosporagricultorespronafianosbrancos.Seria esteumoutrofiltrosocialnoacessoaoprograma?Possivelmentesim, seacrescentamosofatodequeumaelevadaproporçãodosmorenosé igualmenteanalfabeta.Aoadmitir-secomoválidaahipótesedequea implementaçãodoPRONAFcréditoedeoutrasmodalidades,aexemplo doPRONAFinfraestrutura,possamengendrar“alalarga”umambiente institucionalfavorávelaodesenvolvimentorural,omesmonãosepode dizer com relação à afirmação desta forma familiar de produção no planodaauto-identificaçãodosqueefetivamenterepresentamoobjeto centraldestapolíticadeapoioaosetor.TantoemRestingaSecaquanto em Liberato Salzano a curta existência do programa não vem sendo acompanhadadoreconhecimento,porpartedoprodutorrural,desua condição de “agricultor familiar”. Os benefícios que lhe assegura o PRONAF(jurosbaixoseorebateparaosquehonraremopagamentona datadeliquidação)aparecemanteosolhosdosprodutorescomouma benessedoEstadoenãocomoconquistapolíticasurgidadapressão deumacategoriasocial,daqual,deummodooudeoutro,elesfazem parte.Issoseexplica,deumlado,pelafrágilatuaçãodossindicatosde trabalhadoresrurais,que,via-de-regra,permanecemcomotributários
doassistencialismoquereinouduranteosanosdaditaduramilitar,cujo protagonismopolíticofoiliteralmenteesvaziado.Éfundamentalalertar paraesteaspectoseoquesedesejaéaperfeiçoaroPRONAFapartirda atuaçãodosprópriosbeneficiáriosedesuasestruturasderepresentação políticaesocial.
alto consumo de lenha e elevado custo ambiental. O que se postula nãoéexcluirprodutoresquesededicamaestaculturanoacessoao PRONAF,masdereafirmarocompromissodesteprogramanosentido de efetivamente integrar produtores excluídos no acesso ao sistema bancário e das estruturas de ascensão social, em lugar da simples proposiçãodedinheiroataxasdejurosmaisacessíveisqueaspraticadas emoutrasmodalidadesdecrédito.Pareceoportunolembrarquenão estamos diante de uma linha de crédito qualquer, administrada por bancospúblicosouprivados,masdeumprogramafundamentalmente concebidoeviabilizadoporintermédiodefontes“sociais”,comoéo caso do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), Tesouro Nacional e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Nas entrevistas com os beneficiários não identificamos dificuldades operacionaisouempecilhosparaostomadoresdecréditodoPRONAF além do que já foi citado. Em ambos municípios pesquisados os produtoresconseguemsuacartadeaptidãodeagricultorfamiliarjunto aorespectivosindicatosemterdepagartaxasadicionais,anãosero compromisso de arcar com a anuidade (para os que já eram sócios) ou de a ele filiarem-se para obter o referido documento. A extensão rural cumpre um papel decisivo na viabilização do programa, sem o qualaregiãosulnãoostentariaacondiçãoquepossuiemtermosdo elevadonúmerodecontratosquesãoanualmenteimplementadosjunto àsinstituiçõesbancárias.
de um projeto de desenvolvimento rural efetivamente equilibrado em termossociais,demográficos,econômicos,políticoseculturais,ouse,ao contrário,medianteditapostura,nãoestaríamosincorrendonosmesmos errosevíciosdopassado.Arespostaaestasindagaçõesimplicaemrever posições e superar o fundamentalismo das organizações políticas e a lógicaquetempautadoaatuaçãodopoderpúblicofederal.
4 – Referências Bibliográficas
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