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TRADiÇÃO DESAFORTUNADA: Anísio
Teixeira, velhos textos e idéias atuais
Hugo Lovisolo
FUNDiÇãO GETULIO VaRGIS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENT AçAo DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL
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A TRADiÇÃO DESAFORTUNADA: Anísio
Teixeira, velhos textos e idéias atuais
Hugo Lovisolo
fUNDICãO GETULIO VARGIS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇAO DE
HISTÓRIA CONTEMPORANEA DO BRASIL
RIO DE JANEIRO 1989
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• •
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Coordenação editorial : Cristina Mary Paes da Cunha Revi são de texto : Eli zabeth Xavi er de Araújo
• • Dati lografia : Nazareth Ferreira Vargas
Nota :
As notas de rodaoé dos textos de Anísio Teixeira sao ob�er vaçoes manuscritas de sua autoria.
L 9 11t
LOVISOLO , Hugo Rodolfo .
A tradição desafortunada : Anísio Teixeira , velhos: text�s e idéias atuais . / Hugo Rodol fo Lovisolo . - Rio de Jarrei ro : Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemoorân:a. do Brasi l , 19 8 9 .
8 8 f .
Bibliografia : p . 45
1. Teixeiri, Anísio , 19 0 0- 19 7 1 . 2 . Educação - Bra si l .
I . Centro de Pesquisa e Documentação de História Contempo=ª nea do Brasil . 11. Títul o .
Sumário
Alguma s chaves para ler Anisio Teixeira
1 . Introdução/l
2 . A natureza humana : uma questão fundamenta l , porem táti-ca/6
3 . Ani sio e os Estados Unidos/12
4. Norte e'Sul: protestanti smo e catolicismo/18 5 . E�co la nova: limeral e marxista/22
6 . A descentra li zação: educação e agricultura/3 D 7 . Lei minima e o papel da União/38
8 . A tradição pedagógica/4 1 Bimliografia/45
Os documentos
Carta de Ani s io Teixe ira a Clemente Mariani/46 Pari s , 1/XI/194 6
Carta de Clemente Mariani a Ani sio Teixeira/4 8 Bahia , 16/XI/1946
Carta de Anisio Teixeira a Clemente Mariani/52 Paris , 1 4 /XII/194 6
Carta de Anisio Teixeira a Clemente Mariani/57 Bahia , 23/IX/1948
ALGUMAS CHAVES PARA LER ANíS IO TEIXEIRA
1 . Introdução
Vivemos tempos de Constituição . Esperanças e ceticismos se contrapõem na avaliação de seu alcance e seus resul tado s , num mo-vimento geral que indica que o desencanto cresc e . Duranté o recen-te processo constituinrecen-te, variadas forças soc iais manifesti!lam seus pontos de vista somre as principai. s questões educaciona i s ,
persuadir e mesmo pressionar os par lamentares . A s s i m , . as
tentando Igre j a s , o s professores , os organi smos d e formação e pesqui sa e outras insti-tuições ou grupos interessados expres saram sua opinião . verdade que o demate educacional não ocupou espaço semelhante ao concedido à reforma agrária , ao mandato presidencial e à s definições e direi-tos da empresa nacional e estrangeira , para citarmos apena s alguns exemplos . Os demates somre a educação na Consti tuinte passaram qua-se despercemidos para o grande púmlico . E os profissionais da
edu-caça0 podem sentir , com al guma razão, uma ponta de mágoa .
A presença relativamente pquco significativa da educação
nos demates da Constituinte pode ser atrimulda ao efeito de vários
fatore s . Pode-se entender que outras ques tões pol ltica s , econômicas e soc iais · tenham ocupado a agenda dos constituintes , devido a seu maior peso conj untural . Pode-se tammém pensar que as pressoes foram insuficientes para colocar a educação no lugar de relevo que as pesquisas de opinião , a imprensa e os pol ltico s lhe atrimuem . Na verdade , esta é outra maneira de reiterar o mesmo argumento . Entre
,
ocupa-2
do espaço relevante nas const i tu ições anteriores , nem que nao tenha signi ficado complexos processos de lutas e a l iança s entre d i feren tes segmentos sociais desejosos de influir nas formulações das leis
e pol iticas púml ica s . Assim como não se pode alegar a inex i s tência de uma tradição de discussão constituc ional somre a educação , não se pode reclamar da falta de reflexão técnicã ou pro f i s s ional somre o tema . Pelo menos desde Rui Barmosa , a intel igência mras i leira vem refletindo sobre a educação e somre suas questões lega i s . Sem dú-vida , por sua s i s temática preocupação com a temática da "lei educa ciona l " , destaca-se nessa tradição, desafortunada , pois perseguida pela i rrea l i zação , o pensamento coerente e commat ivo de Ani sio Tei xeira .
Foi numa pesqui sa mai s ou menos rápida no arquivo de Cle mente Mariani (Cpdoc ) , maiano e da mesma geração de AnisiO, que os
"papéis " aqui apresentados chegaram às minhas mãos . O conjunto e compQsto pe la corr�spondência entre Clemente e Ani sio a �artir de
1946 e por dois texto s enviados pelo'segundo ao primeiro como. cola
moração à gestão daquele no Ministério da Educação . O primeiro tex to , escrito nos anos 30, são os comentários feitos por Anisio à
Re-forma Campos do ensino secundár i o . Este texto não foi , então,puml� cado , conforme o próprio AniSiO, que ignorava se Campos dele tomara conhec imento . O segundo texto , datado de 1948, contém novamente co
se-3
gundo nos informa carta a Clemente de 2 3/9/4 8 - , em meio a s múlti plas omrigações de sua s a tividades na Secretaria . O pro j e to de lei permaneceria nas sommras durante mai s de um decênio , e sua primeira e mreve emerqênc ia i luz o pr6prio Anisio celemrou, em 7 de j ulho de 1951, quando convidado a falar perante a Comissão de Educação que,
pres idida por Eurico Sale s , foi encarregada de examini- lo . Lemmre-mos , para fechar o parêntese h i st6r ico , que somente em 196 1 lUU " sums t i tutivo " da lei voltaria a ser discutido no Parlamento .
Na verdade , se nos restringirmos somente a considerar os conteúdos dos doi s textos de Anisio , poucas novidades eles apresen tarão para os conhecedores de s�u pensamento que , como ê samido , não se carac teriza por viradas mru scas, i sto é , não hi do i s Anisios , e
um jovem e outro velho tampouco . Estaremos sempre diante de um mes
mo pensador , somretudo s e tomarmos os textos de Anisio a partir de seu regresso dos Estados Unido s , em 1928, ap6s a rea l i zação do cur so de Master of Arts em educação no 'l'eachers COllege da Colummia Univers i ty of New York. A experiência dos Estados Untdos , existen
cial e intelectual , se 2 que separaçao desta natureza faz algum sen tido , teria , na expressão de Monteiro Lomato , lapidado Ani sio . A
expressa0 de Lomato de"fato reflet� apropriadamente , como veremos a diante , a influência dos Estados Unidos somre o educador maiano . Portanto o promlema da j ustif icação �ara a publica ção destes textos permanece , poi s as idéias apresentadas nas carta s e nos comentários
podem ser encontradas - por vezes mai s mem formulada s - em textos
4
to j á foi tência a gógic a .
A razao d e interesse educativo d i z que , no Brasil - e is
salientado por Anísio - parece existir uma radical reSiS-
!
!
se estabelecer a força e os limites de uma tradição peda Força que a impulsion e , de modo duradouro , em direções con-sensualmente definidas ; l imites que contenham as mais disparatadas exper iências que se percebem como saindo do nada ou da gen1alidade criat1va de educadores bem- intenc10nados. Neste sentido ,publi-car textos de Anísio , de Fernando de Azevedo e de Lourenço Filho entre ou tro s , é corno di zer: atenção , nós temos uma história signif1cativa de ref lexão sobre a educação no Brasil , voltemos a ela armados
instrumento s da crítica teórica . e empírica,. mas não a j oguemos ra , como se ela não cons tituí sse um solo de reflexão e ação ,
dos
�
ro-i sto
é , urna trad1ção - embo�a desafortunada. Ai'nda ma is quando , na a tua l conj untura bra s i le ira , os temas da democratização educacional mí nima ou bás ica , da descentrali zação edücativa , da diversi dade ou pluralidade educacional continuam ocupando lugar de destaque no de-bate sobre a educação.
5
nao imagi namos que todo o seu pensamento estej a contido na pequena amostra que apresentamos, mas acreditamos que nela este j am presen tes suas principais chaves .
A correspondinria entre Clemente e Anisio aconteceu num
momento singular, embora semelhante ao nosso presente . Se fato , si milaridades e di ferenças sao o que amiúde achamos quando olhamos p�
ra a História , e a s s im podemos sentir e perceber a mudança dentro
da mesma h i stória . Ambos os atores reprfsentam o presente como mo mento de salda de uma d itadura , como situação que requer a unidade
ee esforços para reconstituir o j ogo pol i tico democrático e como mo
mento de sacri ficio pessoa l . Este papel é as sumido por Clemente ,
quando se sente obrigado a abandonar seus negócios privado s na Ba hia para servir ao pai s na área de educação: homfm do comércio , da i ndústria e das f inanças a l idar com leis , planej amento e adminis
tração educacional . O sacri f icio pessoal também está presente em
AnIsio . Escreve suas cartas de Par i s , onde, há pouco , integrara-se
à equipe da Unesco . Escreve após longos anos de afastamento da
a-çao educativa e de dedicação ao comércio de metais com base na Ba hia - tão diflcil quanto a fducação escolar , poi s sempre falta alg�
ma coisa para os negócios se concretizarem , como reconhece Anísio
em carta a Monteiro Lobato . Escreve· para apoiar , para cumpr imentar Clemente pela equipe que está formando e dizer-lhe. que j ulga que s e lhe aceitasse o convite para o traba�ho no ministério tornaria ma i s penoso a �onstrução do indispensável c l ima de conci l iação naciona l , tarefa para a qua l o flama nte ministro fora convocado . Escreve pa ra reiterar sua vontade de colabora r , mesmo estando na Unesc o , e p�
ra expor os fundamentos de suas idéias e esperanças em relação a
6
Um destes fundamentos , presente quase que ocasiona lmente numa das carta s , é .o que diz respeito à sua percepção da natureza humana . Sabemos que a representação da natureza humana desempenha um papel ú ltimo e fundante das f ilosofias e teorizações sobre o ho-mem e a sociedade . Repetidamente se af�rma que no fundo de muitas contravérsias lateja a con f iança ou desconf iança na natureza huma
I
na, a natureza ontolog icamente pecadora ou inocente, a natureza boaou má . De fato , a lguém como AnI!Oio, formado pelos j esultas, não P9.
dia estar alheio ao peso dessa r epresentação e de suas opçoes nas formulações sobre o soçial e , especialmente , sobre a educação . Por
i sso , a percepçao de Anisio da natureza humana é a primeira chave
de leitura de seu pensam�nto que apresentamos neste téxto . Ressal-vemos que este trabalho não possui uma intenção sistemática nem e xaust'iva , apenas contém tópicos relevantes para a interpretação do
pensamento de Anisio que continuam a ser' importantes para nós
mes-mos, hoje, no debate educacional .
2. A natureza humana: uma guestão fundamental , porem tática
Ao longo da história do pensamento do Ocidente, a di scus-sao da natureza humana ocupou teólogos , f i lósofos, cientistas natu rais e sociais de forma considerável, embora as linguagens utiliza das para seu tratamento tenham variad.o ,no decorrer do tempo . Hirschman, em seu provocativo texto sobre As paixões e os interesses , nos mos-tra como a reflexão sobre a natureza humana a partir da categoria
de " interesse" veio nos aparelhar com a pos s ibilidade do cálculo 51
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de e incons tância. A possibi l idade do cá lculo comporta a crença na previsibil idade , nà racional idade, no conhecimento e no planejamen-to do social. E a s s im conforma-se em um principio fundante da pre-tensio de uma ciincia sOcial " pura " e "bplicadd " , e tambim de �n� " sociologia da educaçio " . Contudo , e apesar das variaç5es de l in-guagem , de modo espontâneo e persistente as categorias morais con-tinuaram a ter um peso considerável na qua l i ficaçio da natureza hu-mana. Sem dúvida , uma interpretaçio simples , porém efica z ,
conti-•
nua a atribuir a Hobbes a �ormulaçio mais acabada de uma percepçao de uma natureza humana má , dirigida por paix5es egocêntricas ou
1-rientada pelo auto-interes se. Com nao menor simplicidade se atri-bu i a Rousseau a explanação de uma concepçao de uma natureza humana boa , pervertida por relações sociais inautintica s , hipócritas e in-ju sta s , que somente voltaria a desabrochar quando as r elaç5es que as d i s torceriam fossem eliminadas .
Mais recentemente a redução sociológica e culturalista g� nhou preponderância nessa discussão. Sua afirmação principal seria a de que sio as relações socia i s ou a cul tura na qual os homens nas cem que determinam sua natureza , melhor dizendo , sua condição so-cial ou cultural. AO natureza humana converte-se, então , num amplo
leque de pos sibilidades, apenas parametrizada por caracter i s ticas biológicas. Para o educador informado por esta visão a questão r e levante deixa de ser aqu i lo que a natureza humana i; a nova questão
i, no plano da anál ise, como a sociedade e a cultura conformam seus membros , e, no plano da intervenção pedagógica , quais as formas de
8
Esta resposta , que pode aparecer como uma grande soluçã o ,
tem como contrapar�ida a
l
acei tamos o determini smocons tituição de novos promlemas . Quando
sociológico ou cultural , devemos conseqcre�
temente aceitar que a edl'cação é I para Ilsa.r uma linguagem cara a
percep(ção romântica , uma expressão da cultura ou soc iedade . Neste sentido , a educação não é livre para transformar a sociedade ou cul
tura , sendo , apenas , uma instância de sua reprodução . Assim , a pe�
gunta de Marx somre quem educa " educador ganha · todo o seu sentido .
Entretanto , é uma caracterí s tica do pensamento somre a educação no Brasil afirmar seu pape l trans formador, como o testemunham a s posi-ções de Fernando de Azevedo e Paulo Freire entre tantos outros . Po�
tanto , faz-se necessiria a introdução de med iações quê expliquem o
paradoxo da instância de reprodução que pode ser transformadora . Es
ta mediação tem um cariter comum nos diversos autores: supõe- se uma
sociedade cindida . Uma sociedade cindida entre o tradicional e o
moderno ; entre o rural arcaico e o urma·no moderno ; entre as [orças
do omscuranti smo e da luz; entre a vontade de suj eição c de liberda
de; entre a solidariedade e o egoísmo ; entre dominadores e
domina-dos . Enfim, a mediação constituída na cisão pode tomar inümeros re
ferentes , segundo as orientações valorativas dos autores .
Este esquema tammém supõe hamitua lmente que a origem da ci são está além da vontade . dos a tores socia i s , s eria um efeito
per-verso ou uma contradição que independeria em graus significativo s
daquilo que eles fazem. Assim, as oposições entre o "velho " e o
"novo " se tecem â sombra das percepções e agires dós homens . Depo i s d e reconhecer e especif icar a cisão , apenas resta dizer que o papel
9
de, dos dominados ou de qualquer outro significan�e que represente o lado mom da cisão, o progresso ou o futuro , a igualdade ou limer-dade , a emancipação ou l imertação , o desenvolvimento ou a transfor-maçao econômica e a razã0 científica . Neste percurso de f ixação no papel da educação , no entanto , a ref lexão somre a natureza humana parece haver-se esvaído . Desta forma , o que se torna importante é se a educação pode ou não agir como fator de moderni zação , de li-•
mertação , de reali zação pessoa l ou de emancipação . A natureza huma
na sao a s marcas·na praia que a maré apagou . Então , passa a ser
possível , pelo menos n9 nível dos textos teóricos descritivo s e nor
mativos da educação , esquecer qualquer consideração somre a nature-za humana - folha em mranco que somente a e lamoração cul tural ou s� ciológica pode preencher com competências e desempenhos particu la-res . Salientemos que , nesta virada no seu tra tamento , a seculariza
ção da natureza humana s e comp leta , sem deixar s inais de seus enten
dimentos religioso s .
Na carta que Anisio escreveu a Clemente , d e Paris , em 14
de dezemmro de 1 946, a questão da natureza humana ê retomada . Ani-s io toca naAni-s principaiAni-s idéiaAni-s que defende Ani-sobre a educação e , no parágrafo anterior ao da despedida , isto é , no último referente a exposição de suas idéia s , sente-se forçado a explanar sua concepçao da natureza humana . Ele diz :
" Quanto mai s vivo mais percemo que a natureza hu mana não é moa nem má,mas que faz lI!I1a diferença enoE
gover-1 0
nar homens , o que h á d e ma i s próximo d e uma possi vel ordem humana . Daí a minha convicção - tati camente devemos confiar na natureza humana . Ainda é a regra mai s sábi a , sem com i sto subentender ne nhum tolo rousseaunis�o. Ora. a descentralizaçio é esta a titude tática 'de conf iança , cujos resu l t� dos sempre sobreexcedem as melhores expectativas . "
A descentral i zação da educação , esta grande bandeira que
carac teriza a proposta educativa de Anísio - bandeira mai s pol ítica
e institucional do que educativa, condição para uma interação educ� tiva válida sob o ponto de vi sta científ ico e válida também do
éti-co - e para a qual voltaremos mai s adiante , e uma das,principais d� mansões de reali zação da atitude tática de confiança na l�tureza boa
do homem . Mai s que argumentos pol ítico s , sociais e cultura i s fm fa
vor da descentral i zação , e das pedagogias a t ivas que predica , temos argumentos sobre a natureza humana . Nem boa nem ma , ela preci sa
ser tratada ta ticamente como boa .
Na verdade, esta fundamentação pela tática no tratamento
1
' da natureza humana não se contrapõe nem exclui a analitica econõm{-/{
ca , sociológica ou cultura l . Situa- s e , porem , num outro plano ,na-queIe das resposta s s intéticas para guestões complexas e
intrinca-das . Enquanto tal , co loca-se como critério orientador da açao , do
agir cotidiano , que não pode ( e deveria?) estar permanentemente � tento aos percursos da analitica socia l ou cultural . É uma
respos-ta ontológica negativa - poi s nega a propriedade dG ser - e existen c ialmente pos itiva - poi s afirma a positividade do relacionamento
11
somre a descentra l i zação . Porém , ao mesmo tempo, e uma resposta p�
ra aquele que está . na posição do professor e que , a todo momento, precisa samer como agir com os educandos . A ammos Ani sio diz : "Con f iemos na natureza humani'.; a j amos taticamente como se ela fosse bca. " Este princípio tático é englomante ou , se se preferir , ele a traves sa como norma universalmente válida todo o social e toda s as dimensões da instáncia educacional . Deve ser apl icado na descentr�
l ização, no espírito das leis, mas tammém no relac ionamento entre Converte- s e , assim, na espinha
os a tores do processo educativo .
dorsal dos fundamentos .pol ítico s, isto é , das relações entre o s ho-mens .
Poderíamos tentar elamorar a genea logia desta idéia de Aní sio no campo das filosofias somre o homem, procurar sua vincula çao com o pensamento teológico e com as reflexões l imerais e marxis tas . Faremos i s to parcialmente ao longo do texto . No momento , pa-rece ser mai s significativo retomarmos as razões que An i sio nos for nece.
A primeira razao é de tipo experiencial : " Quanto mai s vi-vo mais· percemo que a natureza humana não é moa nem má . " De fato , outros poder iam , a parti r de sua própria experiênci a , afirmar que ela é rad icalmente moa ou não menos �adicalmente m�. Esta razão,s� memos, é insuficient e . Ani sio tammém samia disso .. �rocuraria , en tão , outra ra zão, a razão cultural, fqndamentando-a na comparaçao e�
tre os latinos e os anglo-saxões . Os latinos - poder- se-ia di zer os católicos? - desconfiam e instauram a confusão ê a corrupçao e , poderíamos perguntar, tammém o controle exacermado , a lei regulame� tadora e deta lhista , a centraliz ação e tantos outros males . Os
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próxima e possível de se governar o s homens e tar'1hém , podemos su-por, as melhores i�stitu ições , a descentral i zação , a lei que ape-nas orienta em vez de determinar , enf im , a liberdade para a rea l i za çao das potencia lidades dos indivíduos . Isto nos leva em d ireção
i
a um processo estruturador do pensamento de Anísio : a comparaç ão·
entre Brasil e Estados Unido s , latinidade e " anglo-saxonidade" , e
I
cato l icismo e protestantismo .3 . Anísio e o s Estados Unidos
t muito f reqüente salientar o papel estruturante que nas represen·tações sobre o Bra s i l , e também sobre a América Latina , d�
sempenha a comparação com os Estados Unidos , reali zada tanto pelos ensaísta s , os cientistas sociais, como pelos não especialista s . No entanto , parece haver alguma diferença entre a comparação construí-da como exercício intelectual , a partir de leituras e comentários e de curtas viagens e aquela outra que soma a vivência des lumbradaoom os Estados Unidos , pouco antes da grande cri s e , à ref lexão intelec-tual� Há , aqui , a lguma coisa a mai s que fundamenta de forma d i fe-rente a apreensão intelectual . Uma coisa é tomar os Estados Unidos
)
como modelo ou mito; outr a , bem dif�rente , apaixonar-se por e l e . E�
I
te , nos parece , é o caso de Anísio Teixeira , mas , _também, de toda uma " famí lia" ou " rede " de brasileiros que a partir de 1920 vi sitaos Estados Unidos e transmite suas profundas e favorávei s impressões.
Estabelecia-se, então , a tendência de se-pensar o Brasil
pelo contraste com o modelo ou representação sobre os Estados
Uni-dos . Isto nao significa , contudo , que os Estados Unidos tenham pa�
1 3
f icativo s , a admiração pelas instituições e valores da sociedade a mericana ganhava importância . De fato , é mai s fácil expl icar rea ções negat�vas em relação aos Estados Unidos , tendo como pano de fundo a importância da "f,mília " dos admiradores do que
partir de um vazio de sentimento s . Parte importante
fazê-lo a das reaçoes os Estados Unidos , que implicava um ataque a seus admiradores , se ria desfechada , como é samido , pe la intelectualidade católica . OmseE vemos primeiro a admiração de Ariísio para depo is nos concentrarmos na reaçao que , a l iás , correlacionada com outras circunstâncias , po deria expl icar os ataques que Anísio sofreu .
f; na correspondência entre F.nísio e �!onteiro LObato , es crita ao longo de vinte anos - e parcia lmente pumlicada com o títu lo Conversa entre amigos - que a admiração de ammos pelo Estados Unidos pode ser percemida ' em todo o seu dinamismo e riqueza . No ano de 1 9 28 , desenvolvem uma profunda amizade nos Estados Unidos . Mon teiro estava lá no serviço comerc ial do Bra s i l , e Anísio rea l i zando seus estudos . A di ferença de idade , de quase vinte ano s , ao invis de um empecilho , parece ter-se constituído num estímulo para o de senvolvimento da relação , fundada em múltiplas a finidades e no ex-plícito respei to e admiração intelctual de um pelo outro . Um
ele-mento constitutivo de peso para a af'inidade seri a , sem dúvida , as reaçoes semelhantes perante o mundo novo da América do Norte .
As-1 4
sim diz em setembro de 1929: " A libertação mental por que passaste impõe complementos·e um deles será também de limertares da Bahia. Prepara- te para isso, certo duma vez para sempre que a velha mulata nao é mais fit to you " . Monteiro insistiria na linha de que quem nao conhece a América não sofre uma transformação fundamental . Ci-temos alguns parágrafos que apontam esta imagem :
" Um leigo , poi s acho que é leigo todo homem que nao conhece a América". (Monteiro , 15-01-30)
" Li , sim , o teu livro sobre a América com o encan to que sempre leio ou ouço vocé . Estão superio� mente enfocados os verdadeiros aspectos da Améri ca que v imos e sentimos e compreendemos , uma coi sa muito diversa do que essa gente que vê a Amé rica através do ódio invejoso da Europa supõe
(Monteiro , 21- 1 1- 3 3 ) (!>\onteiro refere- se , prova velmente, ao l ivro Em marcha para a democracia, e di tado em 1 9 3 4 . )
" Soume que o Venâncio voltou da América entus ias mado . 6timo. Mais um para pregar a verdade . Faça seguir gente de miolos para lá que prestará grande serviço a esta pobre terra, cujo mal maior é não desconfiar que a América existe " . (Monteiro , idem)
Deixemos a admiração de Monteiro pelo mu"ndo entusiasta, e� pontâneo e técnico da Amér ica. Voltemo-nos para as palavras de
Anl-sio :
to-1 5
da hora estou a lhe sentir a 'atmosfera ' americana , c?mo se costuma dizer a i . Por outro lado os meus estudos e todos os meus livros estio sempre levan do minha imaginação e o meu coraçao para essa ter ra grande . E j i diziam ns doutores da Igreja: onde esti o coraçao , a i está o homem . O meu está a i com essa humanidade inquieta e idealist a"dos Estados Unidos , onde aprendi a ter confiança no homem e a crer na vida . E onde esqueci o di ssolvente 'outro mundismo' que me ia tornando o mais desadaptado dus vivent e s " . (Anisio , 6 - 0 9 provavelmente de 193 0 )
" Tenho lido o Nevl York Times do domingo . Namoro por essa j anela com você a i . E de minha longa co� versa recolho energias que me põem muoyant e oti mista por uma semana . E como facilmente , por um
imperativo de temperamento , faço meu tudo que e do
homem , quando termino a leitura , estou tão conten te com o que f i zeram os americanos , como se fosse eu mesmo e minha terra que fizissemos tudo aqu i l o'�
(Anisio , 26- 1 1-3 0 )
" A sua carta fo i '" como sempre , um pouco de voce e de seu ginio aqui em casa . Thank you . Diante
de-la , animo-me a puml icar aquede-la s piginas somre a 'fronteira da humanidade' . . . De lá voltou agora o Afrânio . Mais um 'confirmado na graça ' . Vol tou deslummrado . Diz ço isas de arrepiar o selvagen
zinho fátuo que i o mrasileiro . E di-las de uma vez , reconhecendo somretudo aquela elevadl s s ima a titude moral a que. chegou o maior povo de moa f é d a face d a terra . Dos que foram â Amirica , na ex cursão do Touring , ainda nao ouvi nenhum que nao
As citações podem ser mul tiplicadas . Os Estados
sao o pais no qual se fazem coisas em vez de se construirem
16
Unidos pa
lá-cios retóricos . - r
-Sao um pa�s vital , espontaneo , l ivre . são um pais que confia nos homens e os deixa l ivres para agir�m . são um •
pa�s que desenvolve a ciência e a técnica . são o pais que dá a Ani s i o a formação intelectual no pragmati smo de Dewey , que "não é mem uma
mo-rada , mas uma 'plata forma de lançamento ' , de onde a gente part e pa ia todas as direções do quadrante do futuro . . ·. De todos os f i ló
so-fos é, com efeito , o único que não qui s fazer f ilosof ia , mas dar-lhe o método para você fazer a sua filosofia . . . A sua omra é
gran-de , mas j á que você está na mari gran-dessas cOisas . . . " (Ani s i o , 26-08 - 4 4 ,
respondendo a carta de Monteiro no qual este declara haver encontra do nos textos de Pietro Umaldi o des lummramento e a "morada". Trata va- s e , naquele momento , de uma virada de Monteiro para o espiri.tu� lismo e para a procura de um fundamentei na relig ião e na autoctonia) .
Os Estados Unidos são , por assim d izer , o pai s da
conver-sao existencial e intelectual de Ani sio . A experiência americana o
"sal va" do "outromundismo " , isto é , da carreira religiosa com a qual fantas i ava e para a qual alguns de seus professores j esuitas e r�l!
I
giosos acreditava-no d·estinado . M<;ts salva-o tammém de uma retórica maiana para a qua l a forma é ma is importante que o conteúdo . Sal
em-l
va- o , por tanto , dos localismos , ·dos pertencimentos que negam opirismo , a racional idade da ciência e da técnica e â grande revo
lu-ção iniciada com a Rena scença � a Reforma e da qual , Anis io , sera
um entusiasta divulgador .
sen-17
do geogrifica: o sul e o norte , significando somre o eixo geral a
oposição Bra s i l - Estados Unidos e , internamente , a oposição se
in-ver tia , entre o " positivo " sul do Bras i l e o " negativo " norte e , em especial , entre são Paulo , o mai s próximo do esplrito americano, e
o resto do paIs .
" O Rio i um fenSmeno de parasitismo consciente e
organizado , que em nada cre· , pi lheria a propósito
de tudo , tem graça , e leve e por i s to tudo é ter r ivelmente venenoso e envenenante . Em são Paulo notas por toda parte uma fi mem próxima daquela que observa ste no americano . Ma s onde fé na
gen-t e do Rio ? " (Mongen-teiro , 16-09-29 )
" Ji lhe disse quanto gostei de são Paulo" Traba-lho , esplr i to cientIf ico , "negação para a retórica nacional . De li fui para Minas . Essa esti a inda dormindo . Avalie que a mental idade dominante é a
de um mes s ianismo de um siculo atris. Minas quer 'sa lvar' o Brasil do 'ma terialismo ,. paulis·ta! são Paulo quer tornar a vida rica, bela; agradivel e boa . Para o mineiro tudo is so i bobagem, ou en
tão pecado : o que va le i aumentar o "sentido i deal da vida ' . Bernard Shaw criou , contra o pro fessor , a sitira� 'Who can do , who cannot teach . ' são Paulo pode dizer para o resto do Bra si l : quem pode faz , quem não pode d i scursa." (Anlsio , 24 -10-29 )
"Voc:ê me pergunta em sua carta a inda pela rapa z i� da de são Paulo . A minha impressão deles ji lhe disse: são os homens rea i s do Brasil ( nós do nor t e , somos os homens verba i s ) " . (AnIsio , 08- 1 2- 2 9 )
18
Em são Paulo , precisa-se de urr, Moisés para escre ver a sua hist6ria . . . " (Anisio , 1 7-12 provavelme�
te de 1 9 36)
4 . Norte e Sul : protestanti smo e catolicismo
A posição norte-sul se perfila num conj unto de oposições .
Correspondem ao norte externo e ao sul interno a capacidade de tra-balho para se fazer uma vida melhor em " nutrição material e
espiri-tual", o espirito apl icado- às conquistas da natureza e da indú!: tria ; o desenvolvimento da c iência e de sua aplicabilidade tecno16
gica ; a consi stênc ia real do fazer e a crença e confiança nos
ho-1Jlens . Em outros termo s , o norte externo e o sul interno sao a
mo-dernidade . Descendentes da Renascença , da Reforma e do espírito
cientif ico-técnico . Em contrapartida, o sul externo e o norte
in-terno são os representantes do a traso , do espirito religioso e
mes-siânico , da cultura verbal e ret6rica , do sentido ideal da vida , poE tanto , da reação contra a modernidade.
Os Estados Unido s , e em parte são Paulo , sao os f i lhos do
materialismo sem culpas , do pragmatismo , da l iberdade e da crença
nos homens e na razao . De fato , parecem ser os f ilhos das atitudes l iberai s . Em contraposição o Bra s i l - excetuando- se são Paulo - e fi lho do espiritual i smo religioso e cat61 ico, dos homens presos a seus pecados , da busca do "outromundismo " e do sentido ideal que a religião proveri a . Entretanto , a pos ição de Ani s io s6 faz sentido se a opusermos à comparação Brasil-Estados Unidos elaborada pela i� telectualidade católica desde o século passado , a qual, dada a sua
formação , o educador baiano não podia desconhecer .
19
É talvez no p�nsamento de Donoso Cortês , citado por Roma no , que podemos encontrar o s antípodas da confiança manifestada por Anis io em relação à natureza humana , que , como pode ser constatado na s citações de sua correspondência , conformou-se a partir da exp� riência americana . Para Cortês , a humanidade sem a exper iência
di-vina ê como uma " nave sem meta , cheia de gente sedi osa , vulgar e r� crutada pela força , que canta e dança até que o raio divino fulmine a pleme remelde e torne a reinar o silêncio " (Romano , 1979: 86 ) . Umê natureza pecadora de tal tamanho não poderia ser sa lva apenas pela confiança secular nas suas capacidades e responsamil idades . É ,
en-tão , em relação a essa natureza, que a posição de Anísio conformê
uma revolução copernicana , pois , nem boa nem má , o principio tático
será considerá-la como moa . É esta visão tática que Ani sio apree�
deu nos Estados Unidos e defendeu ao longo de sua vida que o pensa mento católico mrasileiro rej eitaria durante muito tempo .
'Sigamos,' com a intenção de validar nossas omservações , as análises propostas por L6cia L ippi (1984) no capitulo' " A pát�ia ca tólica". A autora privi legia como expressa0 de pensamento cató lico a revista A Ordem , que pretendia a catolicização das leis e da inte lec tual idade mrasileira dos anos 20. A revista, a partir de seu
respeito pela autoridad e , esco lheu o limeralismo como um de seus i nimigos principais , pois o direito de comandar derivaria de Deus . A
2 0
ro nao estavum sozinho s , e a reaçao contra o s Estados Unidos , feita em nome da hi stória, da tradição e da fê , foi catól ica antes de ser marxista . Esta reação , contudo , t inha como opos itor o individua-l i smo murguês e , como ohj etivo , a reva10rizaçã0 do sofrimento e a graça divina (Lippi , 1984 ) . Faz ia-se contra o materia lismo e a de cadência do espírito rel igioso , e a partir da concordância , de Fa rias Brito e Leonel Franca , em que etapas significativas dessa
de-cadência foram a Renascença e a Reforma , que acarretaram o l
ivre--pensamento e , como sua conseqüênc i a , a revolução . Diz Lippi : "Es-ta visão do mundo moderno não era privat iva de Leonel Franca ou de Parias Brito , constituindo moeda corrente na maioria dos pensadores católicos no Brasil e no exterior". (Ibid)
Elementos importantes somre a visão da nacional idade cons truída pela intelectua l idade católica , podem ser encontrado s nos tra ma lhos de Jackson de Figueiredo . A "multidão " , segundo sua concep ção , possui o sentimento natural do " patriotismo " ; entretanto , sua
21
que tramalha com o povo ou os oprimidos e a sumstituição da cato l i cidade , nacional idade e mras il idade pela limertação , resistência e autonomia . Contudo , permanece a visão do povo e dos populares como seres ammigucs <lu", necessitam dos intelectuais potra purificar ou p�
tencializar seus lados considerados como pos itivos . (Cf. LDvisolo, 1987) Vol temos ao contexto ao qual Anísio se opõe . O naciona lismo se identifica em Jackson de Figueiredo " com o pas sado católi co , com uma tradição que vê ameaçada pelo protestantismo , pelo ian que , ou pelo que chama de metequismo , de invasão da maçonaria e do j udaismo do capitalismo internacional " . ( Iglesia s , 1 9 6 2 : 42, cit . por Lippi , 1 9 84 )
Como pode ser percemido , a admiração pelos Estado s Unidos se contrapõe uma reação que a identifica �om o diamo em pessoa . No entanto , o eixo é sempre a comparação , apenas diferem os resultados que dela se extraem. Alceu Amoroso Lima dará a oposição o caráter de duas modernidades " : "Uma , a qual Alceu musca , tem a ver com a re nov�çao espiritual do mundo . A outra , que ele recusa ; está cons truída somre o pragmatismo , nova face do materialismo " . (Lippi, 1 984 ) t sem dúvida pelo aspecto do materialismo que o pragmatismo e o mar xismo serão postos no mesmo saco . .Ani s io , um defensor do pragma ti� mo de Dewey , poderá ser acusado de materia l i sta e ainda de marxis ta , quando a s circunstâncias pol iticas assim o permitirem e for con veniente fazê- l o . Talvez os a taques sejam mais fortes por causa de seu pas sado católico e das espéranças , católica s , nele depositadas .
Limera lismo e comunismo , pragmatismo e materia lismo filo sófico aparecem para o pensamento católico como tendo um fundo co mum e, ma is ainda , como guardando uma estreita relação com o protei
FUNDAÇAO G' TÚLlO VARGAS
INOt:''' I CPDOC
mas de se pensar essas rel aç6es : com sua insist�ncia no
2 2
l ivre-arl::i-trio, teria amerto as comportas do l ivre-pensamento que levou em
êi-reçao à revolução limeral e à revolução marxi s ta . Ambas estão
funê�-mentadas na luta pela limerdade dos homens , pela quemra das
marrEi-ras nac ionai s , rel igiosas ou de qualquer tipo que os separem e , em especia l , pela quebra das hierarquias ou di ferença s que não sejam :ro
duto de sua pr6pria capacidade . Ambas , tambim , se caracteri zam ��s
suas vers6es clássicas por variaç6es pouco significativas em rela,ão
ao conceito de natureza humana em que Anísio chegaria a acreditar :
bom ou mau , o homem merece ser tratado como se fosse bom . Sendo o
homem produto daqui lo que as relaç6es sociais fa zem dele , se elas o
cons ideram comô bom , por que não o seria ?
5 . Escola nova : liberal e marxista
Na verdad� , liberais e marxi stas di ferem muiio �ai s em �er
mos de suas respectivas crenças sobre 'os meios para se . chegar as 2 0
-ciedades que anseiam d6 que em termos das características das soci �da .
des almej adas ou , mesmo , das suposições somre a natureza humana . O
mercado , dizem os marxistas, é l iberdade para uns poucos e nunca 2 i�
nificará um mundo de l imerdade e igualdade para todo s . É um
piss imo caminho para chegarmos aonde queremos ir . Com a s
':a-r iações pe':a-rtinen"tes , a':a-rgumentos semelhantes podem se':a-r aplica::os ao caráter igua lizador da escola . O s l imera i s , por s0a vez , insis�em
em que o mercado i um produto da seleção natural no campo in5tituc�0-nal , i o ú ltimo e , portanto , o melhor dos resultados e dos caminhos .
ártificia:i-2 3
dades criadas pelo nosso intelecto e realizada s como planej amento do Estado e , mai s ainda , consideradas como verdades pelo domlnio monoll tico do partido . Apenas a s l imerdades formai s garantem que a compe tição no plano dR5 idéias, que tammém é um processJ de seleção , res�! te na dominância das melhores . Assim, as garantias democráticas for mai s são fundamentai s . Não - respondem os marxistas ma seados na sus peita ontológica - , as limerdades democráticas formais são meras ap� r éncias que pos simi l i tam a exploração de muitos por poucos e somente
lli�a sociedade sem classes s erá a garantia de uma limerdade sumstanti
va . Hoj e , é verdade , cresce o número dos marxistas que , como Lefort , salientam o dinamismo e pos itividade das limerdades democráticas e de seu jogo , que possimi lita a luta por sua própria ampliação .
Em todas estas di ferenças há a s semelhanças entre aqueles que compartilham pontos de partida e omj etivos próximos , que estão em di ssonânci a com as caracter I s ticas do pensamento católico contra o qual AnIsio , na sua admiração pelos Estados Unidos e pelo
pragma-tism,? , se rebela . Por isto , seu conterrâneo , Hermes Lima , vinculado
sempre a s forças limera i s , soci ali stas e comunistas e jornal i sta a t�
vo contra as forças do fascismo e da Igreja - "ol igárquica e instru menta l que subordinava a expressão .religiosa de sua mensagem a in teresses dominantes" - �screveria seu elogio , no l ivro AnI sio Teixei
ra , estadista da educação . Por i s to , . tammém , muitos colegas do
cam-po educac ional se identif icam com a omra e a luta de ·Anisi o , emmora se percemam como marxi stas . Eles nos d irão que comparti lham com AnI sio seu posicionamento democrá tico em relação â. educação - mais um ponto
de contato entre l imerai s e marxi stas que somente nas tendências mais irracionais do marxismo viria a se quemrar .
eselareci-lilentos . reformisl
trai s de,
dade llU�l
por melO,
limerdur'
OU outl
.de faze' tejam, tanto , ( .
mo " de
tes paL'
e da Sr)I .
lharam
,-cados p
2 4
,ma primeira aproximação , nada parece ser tão distante do limeral quanto o marxismo . Contudo , alguns e lementos cen
., ideologias são comuns . Ammas acreditam na perfectimil� na possimilidade de se construir soci edades harmoniosas lturais e na necessidade de se compatimilizar igualdade e emmora nas situações politicas concretas s e enfatize um
l or como dominante ou de urgente realização .
i berais e marxi stas confiam que o s homens sejam capazes
� das faculdades intelectuai s , ainda quando as mesmas
es-os segundes-os , condicionadas pela pes-osição de classe . No en
;mens podem liberar-s,ª, em graus progressivos do " fetichi.!! " falsas consciincias " e criar condições sociais pertine� vorecer um maior e melhor desenvolvimento dos individuos
,� de . Durante muito tempo l imerais e marxi sta s comparti-.nça de que o progresso - com' a independência dos signif�
quais se define - devia resultar da ação comum dos
ho-mens , fI, . ::a por meio da palavra enquanto instrumento . privilegiado
de perst·,
zoabi l ü l, Isto s i t! '
conscir;n
tação <' ',:
mrado no
0 . De virias formas compartilharam, então , o credo da ra
-e p-erf-ectibil idad-e dos hom-ens r-ealizada p-ela p-er sua sao .
.i ca acreditar que os home,ns agem em função de suas crenças
e que estas podem ser mudadas pelo demate, pela
apresen-'Jumentos e fato s .
·" "tas cOincidinc ias , este solo comum parecel1l haver-se J)meços de n'osso século . Na visão de Berl i n ( 1 9 8 1 ) , a
que-mra teria c 'cingido seu ipice em 1 9 0 3 , na Conferênc ia do Partido
50-cial-Demo:'r ático Russo , que começou em Londres e terminou em Bruxe las . Du r'. lte seu transcur so surgiu a questão da v igincia das l
2 5
� resposta de Lenin solicitando poderes extraordinários , que el imi-nassem a vigência das limerdades democráticas , para um pequeno grupo
de intelectua i s , para uma minoria autonomeada , não possuía o caráter de transitoriedade ou excepcionalidade que a mesma solicitação havia t ido no passado . Para Ber l i n , a resposta de Lenin ma seava-se numa psicologia e numa sociologia que apontava os l imites da pregação , da
persuasao , do demat e .
o dever dos revolucionários deixava ' de ser o da
tradicio-,nal mudança das condições sumj etivas da maioria como condição para que esta muda sse as condições omjetiva s . A nova finalidade era
mu-dar diretamente a s condições omj �tivas e isto significava conduzir as massas no processo revolucionário e de construção de novas
condi-çoes omj etiva s . Signif icava , então , a desconfiança em relação ao de
mate que , ao invês de limerar os homens da falsa consciênci a ,
apare-cia como responsável pelas divisões e pela fa lta de unidade das c las
ses explorada s , que , neste sentido , podiam passar a operar com a di
námica de di visões permanentes tí'picas do campo intelectual . O sign!
ficado profundo , contudo , foi o do fortalecimento da crença na na tu-reza irraciona l do homem e , paralelamente , na necessidade de seu con trole, presente com grande destaque em variadas formulações conserv�
doras . De fato , este tipo de visão , vincula-se a uma percepçao da
natureza humana como não sendo moa e que , portanto , não se caracteri
zaria pela musca da felicidad e , da limerdade ou da j U5tiça . Ao
con-trário, e somretudo , e la se caracterizar ia pela procura da própria
segurança . Assim, o que estava em j ogo eram as tendências que
cor-roíam, por vezes a partir de intenções racionalista s , a confiança
2 6
o pensamento d e Anísio se desenvolve quando o s totalitari�
mos , da e squerda e da direita , ganham papel de primeira grandeza na cena internacional . Neste sentido , a contraposição e stá nos Estados Unidos e na opção tática de que , independentemente daquilo que a na tureza humana seja , o que importa é tratá-la como se fosse moa . Es te seria o caminho da procura da verdade , da justiça , da l imerdade e do melo . Assim, Ani sio volta-se em direção ao solo comum entre mar xi stas e l imerais existente antes da ruptura nianifesta no séculp XX .
Anís io é um continuador da longa tradição pedagógica , ini ciada mítica ou realmente com Sócrate s , que tem p:>r omj etivo a mudança
das condições sumjetivas . A rev91ução pedagógica é a mudança nos
modos de pensar e agir em correspondênc ia com o mundo . Sabemos que
a referência desta revolução é long ínqua : situa-se na leitura que f�
ze�os das transformações a s sociadas à consti tuição da pólis na vida
pol í t ica e no pensamento grego . Ci temos· Vernant : " O que impl ica o
sistema da pól i s e primeiramente urna extraordinária preeminênc ia da
palavra sobre todos os outros ins trumentos do poder . rorna�se o ins trumento pol ítico por exçelência, a chave de toda autoridade , o meio de comando e domínio sobre outros . . . A pa lavra não e mai s o termo r i
tua l , a fórmula j usta , mas o dema te contrad i tório , a di scussão , a a r
gumentação . Supõe um público a o qual e l a se di.rige como a um j ui z que decide em ú ltima instância . . . Entre a pol í t ica e o lógos , há as
sim urna relação estreita , vínculo rec íproco . A arte pol ít ica e
es-sencialmente o exercício da l inguagem ; e o lógos , na origem , toma
27
�
B entio a comunal idade dos " m�todos n , das regra s , das ope-raçoes entre a lógica do verdadeiro - lógo s , ciência - e a lógica do possível - política - que autoriza a pensar a formaçio do c idadio , do intelectual. e do cientista como constituindo f�ces de um mesmo
processo , da pa id�i a . A partir desta tradiçio, mítica o u rea l , Ani
sio situa-se como um continuador que defende o processo educa tivo co
mo campo l ivre de preconceitos produz idos pelo respeito à autori�
dade ou por se pensar inadequada ou apressadamente . Por i sto , sua . pedagogia ativa insiste somre a verdade conquistada e critica os me
ros mecanismos de transmissio de uma verdade já dada . A crítica , na
sua vinculação com a criatividade , é semelhante na política e na ci
ência quando convidada a avaliar o velho e a formular o novo .
Isto nio significa , como alguns pe�agogos modernos parecem
acreditar , que entre os muros do processo pedagógi co novas verdades
ou ordens sociais sej am produ z idas . Isto é , não é na escola que uma
nova f í s ica , h i s tória ou f i losofia sio produzida s . Ao contrário , na escol a os conhecimentos sio distrimuídos . No entanto , . a proposta p� dagógica de Anís io não enfatiza o s tipos de conteúdos ou produtos a
serem di strimuído s , e sim as forma s de produção , e i sto implica uma visão pragmática da ciêricia que , po� sua vez , implica uma
perspecti-va histórica , como ele apontou no documento e lamorado em 1 9 3 0 . O que
importa são os instrumentos lógicos , metodológicos , experimentais e
o s valores e regras que conformam ao método da c iência no seu peE curso histór ico . Mais ainda , a · posição de Anísio implica a
distin-ção entre o especialista, cujo omjetivo é desenvolver a ciência em sentido verti cal , . e o profissional da educaçio , guiado pela intenção de difundi-la , distrimu i - la e desenvolvê- la em sentido horizonta l .�f.
2 8
Assina l a Bernstein que "foi o ' espírito experimental ' da
ciência o que ganhou um lugar fundamental entre os pragmatista s , a ciência como musca , como processo incessante , crítico e
autocorreti-.
� A imagem do homem que emerge do ponto de vista dos pragmatistas
e a do artesão , como ativo construtor que avança novas hipóteses , que
as poe à prova incansavelmente , amerto sempre a críticas ulteriores ,
e que se reconstrói a si mesmo e a seu meio ammiente . . . Peirce foi
consciente de que a tarefa de reconstrução reqüer o desenvolvimento de uma orientação f i losófica que , ao mesmo tempo , capte e ref lita o
' hámito experimental da. mente ' . O efeito desta reconstrução , à qua l
ele dedicou sua vida , foi uma revolução em nossa concepção do que e
e deve ser a pesquisa . . . O idea l de uma comunidade crítica de
inves-tigadores encerra conseqüências significativ�s para a compreensao da
a tividade humana . Se havemos de aproximar-nos da dita comunidade e imprescindível que desenvolvamos em nós e nos demais hábitos
críti-cos e módulos racionais de conduta . . . Dewey foi part icularmente sensI vel às conseqüências sociais e morais desta nova maneira de entender
a i nvestigação crítica . Se o ideal de Peirce não há de f icar no
pu-ro idea l , se queremos rea lizá- lo , devemos começar por
" nossa s instituiç6es sociais , mas , acima de tudo , a s educativas .
( 1 9 8 2 : 3 1 5- 3 1 6 )
Esta é a plataforma que A·nísio tomou para s i nos Estados
Unidos . De fato , ela não é urna morada , pois o ideário de uma comuni
dade de investigadores críticos .não ofereceria repouso ou segurança .
Ou , seria melhor d i z er , é uma morada em constante reconstrução , que
começa pelas instituições educativas .
t na escola que o ideal da comunidade de investigadores e
2 9
conteúdos , a s verdades transitór ias que a escola deve ensinar sao
relat ivi závei s . O que importa é o modo . Esta tradição' que l\ni s io
expandiu e defendeu chegar ia em cheio até Paulo Freire . De .. fato , na
Pedagogia do oprimido , trata-se de conciliar a re J.ação educador-edu-cando convertendo-os em co-participes de um processo de pesquisa , on
d e , qual artesão s , e lamoram hipóteses somre o mundo que summetém a s •
provas da lógica e da experiência .
Samemos que este ideário foi summeti'do a distorções que ex . trapolam o mom senso . Por exemplo , quando se supõe que a memória so
mre o passado não possui nenium valor positivo , isto é, quando da cri tica justa ao "memori smo " passa-se a formar uma geração de " desmemo riados " , de suj eitos sem relação com a história glomal ou r egional .
Quando , de tanto criticar as " tamuada s '� pois . sua retenção nãp impli caria a compreensão dos mecani smos da multipl icação - , se passa a
formar seres que não podem "economicamente" fazer conta s . Quando , da critica i leitura sem compreens5o , se caminha para uma "compreensão" sem capacidade f luente de leitura . Noutra direção , o ideário é
sum-metido a distorções quando apresentado como o caminho ma is eficien
te e econômico para se aprender a ler , escrever ou fazer contas . Na da mai s falso que isto e nada que a�ude menos a expansao do ideário ,
porquant.o ele tem muito ma i s a ver com uma ética do que com a econo mia de tempo e fatores de ensino .
Hoj e , é no campo da ética educativa , enquanto concordantes
em relação i formação da " comunidade de investigadores " , que
marxis-tas e l imerai s vol tam a s e encontrar . Este encontro , ou consenso ,
parece passar pela retomada da percepção sumstantiva ou tática da na
vi-30
da ; pela revalori zação do tramalho somre a s sumj etividades , chamado
de conscientização , · e pela valori z ação da tolerância em relação .
a
pluralidade . Tudo isto , acredito , nos leva em direção da proposta
pol ítica , e por isso mora] , da descentral izaçã o , na e stratigia educa tiva de Anísio Teixeira .
6 . A descentra lização : educação e agricultura
A questão da descentrali zação da açao educacional ocupa h� j e espaÇo similar àquele que Anís io lhe outorgava faz cinqüenta anos. Os promlemas conexos dÓ papel do Estado e da iniciativa privada , da distrimuição das responsamil idades educativas pelos níveis
organiza-tivos do governo , da eficácia e do contro l e , da unidade e diversida
de , entre outros , continuam acendendo polêmicas significativa s . Na
atual idad e , a descentralização das política s , em especial das sociais , ancora-se no sinal da participação , enquanto meio e fim. Meio , poi s
se supoe que a participação aumentaria a ef icácia . Fim, porquanto a
par ticipação significaria uma itica das relações soc iai s ,
caracteri-zada pe16s valores da autonomia , respeito à divers idade , igualdade e
l imerdade e sol idari edade .
Na discussão da descentra lização, Aní sio util i z a dois
ti-pos de comparações : o primeiro , de caráter hist5rico , i a comparaçao positiva com os Estados Unidos e Inglaterra , países nos quais vigor�
ria a descentralização ; e a comparação negativa com a França ,
exem-pIo de centralização em crise e , como conseqüência , · de reforma neces sária . A segunda comparação i entre práticas sociais , . educação e
a-gricultura .
3 1
Temos falado suficientemente do papel especi fico que dese� penha a comparaçao çom o modelo anglo- saxão . Temos agora que tecer , mai s que tecer , evocar a lguns s ignif icados que a comparação com a agricultura suscita em nossa cultura . O primeiro , sem dúvida , refe re-se à estreita relação entre educação e cultura ; entre , então , o
educar e o cultivar . Sem negar a impor tância da relação e timológica
na atribuição de signif içados , e mesmo considerando-a cpmo base da
elaborações mai s densas , �arece-nos que eles ganham todos os seus
sentidos quando temos pre sentes as atribuições conferidas à vida no
campo e ao trabal ho na agricultura .
Há uma longa tradição , predominantemente de cunho
românti-co , que a tribui ã vida no campo e ao trabalho agr lcola· um conj unto
de valores solidários . Vida s imples , vida natura l , vida pura em co�
traposição à artificia l idade , complexidade inútil e polulda da �ida
da cidade . Trabal ho agrlcola como sinônimo de autonomia , de domlnio
da complexidade e total idade do processo produtivo em oposição a um trabalho industrial fragmentado , especial izado , que apenas possibil! ta os automatismos , a compreensão parcial e mesmo fantasmagórica e o próprio fetichi smo . Sabemos que estes são lugares-comuns da s elabo-rações anarquistas e , especialmente, das de Proudhon . Na verdad e , a
produção agrlcola , quando o universo .de referência são farmers ou
camponese s , se nos apresenta como uma a tividade descentralizada por
excelência : cada faml l ia orientando os destinos e caminhos da
produ-çao . Em contraposição, o processo produtivo da grande indústria
(tylorista ou " fordista " ) aparece como exemplo paradigmático da c
err-tra l ização na tomada de decisões , no planejamento , enf im , na
cons-3 2
trução destas imagens que até hoj e nos perseguem. De fato , a vida e a produção no campo' poderiam ser resumidas como uma dupla partic
ipa-ção : na natureza e no processo produtivo . Ammas as formas estariam excluidas da vida nas cidaJes e da produçRo indu��rial . O dominio do
processo integral da produção , da arte de produção e do seu incremen to gradativo , apenas poderia s er 'pensado em relação à atividade agrl cola autônoma .
" A educação
que nao pode
é uma atividade como a agr icultura
ser omj eto de lei senão em seus omj e-tivo s . Digamos externos , mas nunca nos seus pro cessos e métodos . Estes são fi lhos do samer , dos recursos e dos hámitos dos agriculto·res . Nelhoran do este samer , estes recursos , estes hámitos
me-lhoramos a agricultura . E isto é o que temos que
fazer em educaçã o . E não , legi slar somre ela " . (Anisio, carta a Clemente de 1 4 - ) 2 - 4 6 )
Longe d e negar a s possimilidades d e "ciéncias apl icada s " à
educação e à agricultura , Ani �io percemia que ammas a s a tividades l i -dam com o si ngular , com o particular . Ainda que dominando a s técn
i-cas agricolas ger a i s , cada agricultor deve especificá-las para sua
terra , seu cl ima e mesmo para a "história" daquele solo com o qual
tramalha . Surge , assim, a arte dp agricultor , o espaço para um
sa-mer de dificil transmissão e cuj o fundamento res ide tanto na experiê�
cia pessoal qua�to na capacidade de elamorá�la e aplicá-la . Assim , processos e métodos têm que ser fi lhos do samer , dos recursos e
dos hámitos . Conseqüentemente , tanto agricultura quanto educação
sofrem de l imitações para suas respectiva s eientif ici zações ; talvez
3 3
algum dia se chegue a esse estágio , mas , para Ani sio , a arte ainda
tem vez e lugar .
" Sem negar que a educação vem ':endo as suas mi'l ses cientificas , dia a d i a , aumentadas , nao me p� rece exato , entretanto , levar muito adiante a sua comparaçao com a medicina ou engenhari a . O ensi
no t em que ser por muito tempo ainda e , talve z , p� ra s empre mai s um promlema de arte , do que de sim pIes aplicação c ientíf ica . Mai s próximo , como d i z Bagley , d a mús ica , d a pintura , d a escultura o u da l iteratura , do que da medicina ou engenharia .
(doc . de 1 9 3 0 )
Por isso , na formação dos professores , Anisio defenderia a necess idade de se integrar , o mais intimamente possivel , os materiais e a s técnicas , i sto é, a formação acadêmica e a formação profiss io-na l , pedagógico-didática . Em outros termos , teoria e prática devem
estar fundidas num mesmo processo de aprendizagem . E isto , convenh� mos , é o a xioma que direciona a s propostas de intervenção na agricu!
tura ou na formação dos agricultores .
A comparação entre agricultura e educação tem assim
-
va-rios planos de analogia : o domínio da tota l idade , a necessária união
entre a teoria e a prática , o pa"per signi ficativo que a arte ou
sa-mer do ator desempenham na atividad e , a necessidade do espaço de
ex-perimentação e a exigência da descentrali zação da atividade . Ammas
as atividades requerem apoio externo e fixação de omj etivo s , mas es
tes não devem negar a s artes que podem ser desenvolvidas nos seus
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Qualquer polí tica agrícola no Brasil enfrenta o promlema
da d iversidade do país , provocada em parte pelo seu tamanho . Samemos que na construção da imagem do Bras i l é a geografia , mais que a l1is t6ria , o espaço , mais que o t empo , que desempenha um papel releva nte na configuração da mrasilidade verde-amarela realizada por seus ar tistas e ensa i stas (cf . Velloso , 1 9 87m) . O pais é diverso por ser
grande, por amarcar diferentes solos , clima s , floras e faunas . Há ,
por a s s im dizer , fortes forças regionali stas e loca l i stas .
Um paí s extenso e variado impossimi lita a vigência de um modelo único , tanto na agricultura quanto na educação . Assim , a des-centralização faz-se necessária não somente pelo fato de a educação
exigir a " autonomia do executor " , mas tammém por ser o pai s extenso
e variado demai s para um modelo único que , q�ando implementado , con-duz à inadequação , cujo reverso a descentralização possimi l i taria a1
cançar .
Entretanto , a imagem de extensão e diver sidade, quando si tuada no contexto das exigências "nacionalistas " , coloca o promlema
da unidade, da formação do ser nacional . É na construção da respo� ta a esta questão que a comparaçao com a educação descentralizada dos
Estados Unidos e da Inglaterra e a c,entralizada da França ,
fundamen-ta a argumentação de AniSiO . Os paises anglo- sax6es não teriam ten
tado a formação da unidade nacional QU cultural impondo omj etivo s ,
conteúdos e métodos , i sto é , uma educação uniforme ao' pai s . Ao
con-trár io , sua estratégia foi a de 'respei tar a d iversidade e a inic iati va local . Com i sto , eles teriam conseguido uma vitalidade e efic iên cia educacional e ,a unidade do caráter nacional , sem detrimento do
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ria levado à formação de um caráter marcado pelo seu " individual i s -mo " , segundo Anisio : Teria levado a urna s ituação na qual a identid� de do francês , na omservação de Aron, vincula- se estreitamente ao seu desempenho na escrita do mom francês , isto -= . ao dOll'inio de '.1:11
código erud ito por excelência .
Emmora a s opiniões de Anisio se sustentem na aná l i se com-parativa , a questão de corno a autonomia leva em d ireção à unidade , e somretudo a urna unidade marcada pela presença de determinados valo-res ( igua ldade , l imerdade , solidariedade e criatividade, entre
ou-tros ) , .deve ser respondida com ouou-tros argumentos além das constata-çoes histórica s .
Duas idéias estreitamente relac ionadas constituem o" esque-leto de sua argumentação . A primeira destina- se a delimitar a in ter vençao educativa centralizadora que opera como se soumesse ou
esti-vesse ciente dos caminhos que a educação deveria transitar . Poderia
mos denomiar esta argumentação de conservadora . De fato , ela se va-seia em negar à intervenção educativa , no atual estágio de desenvolvi
mento das ciências aplicadas , a capacidade de traçar os caminhos e
destinos da educaçio . Mais ainda , deixa vagar a suspeita somre a poss imi lidade de que tal feito venha a ser pos s ivel algum dia .
Con-� .
servadora , pois llurke já a utili zava ·para criticar a s decisões
poli-ticas tomadas pelp poder revo lucionário na França . . Mai s que negar a possimilidade do desenvolvimento da ciênc ia das sociedades ,