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Abuso sexual infantil: percepção de mães em face do abuso sexual de suas filhas.

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Academic year: 2017

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ABUSO SEXUAL I NFANTI L: PERCEPÇÃO DE MÃES EM FACE DO

ABUSO SEXUAL DE SUAS FI LHAS

Quit éria Clarice Magalhães Carvalho1 Marli Teresinha Gim eniz Galvão2 Maria Vera Lúcia Moreira Leit ão Cardoso3

A v iolência dom ést ica at inge t odos os com ponent es fam iliar es, as cr ianças são consider adas as pr incipais vítim as. Este é um estudo qualitativo que obj etivou apreender a percepção de m ães cuj as filhas foram vítim as de abuso sex ual infant il. Os dados for am colet ados em fev er eir o e m ar ço de 2007, em um a or ganização governam ent al de Fort aleza, CE, m ediant e ent revist a sem iest rut urada com dez m ães de m eninas vít im as de abuso sexual. As inform ações foram subm et idas à t écnica do Discurso do Suj eit o Colet ivo, da qual em ergiram t rês t em as: a culpa arraigada pelo m it o m at erno, a dor do insuperável e o desespero com o consequência do sentim ento de im potência, perm itindo apreender que as m ães vivenciam um a gam a de sentim entos, destacando-se a dor, revolt a e im pot ência. Considera- destacando-se a necessidade de haver int eresdestacando-se por part e da sociedade para com preender a violência, sua m agnit ude e t oda a cadeia at ingida, caso cont rário, só rest arão boas int enções perdidas no vazio da falt a de ação.

DESCRI TORES: violência sexual; m aus- t rat os sexuais infant is; relações m ãe- filho

CHI LD SEXUAL ABUSE: THE PERCEPTI ON OF MOTHERS CONCERNI NG

THEI R DAUGHTERS’ SEXUAL ABUSE

Dom estic violence affects all m em bers in a fam ily and children are considered the m ain victim s. This qualitative st udy aim ed t o grasp t he percept ion of m ot hers whose daught ers were sexually abused. Dat a were collect ed bet ween February and March 2007 in a governm ent al facilit y in Fort aleza- CE, Brazil t hrough sem i- st ruct ured interviews with ten m others of sexually abused children. Data were subm itted to the Collective Subj ect Discourse Technique from which t hree t hem es em erged: Guilt is root ed in t he m ot herhood m yt h, unhealable pain and despair as a consequence of a feeling of powerlessness. Results evidenced that m others experience a range of feelings in which pain, revulsion and powerlessness are highlight ed. Societ y should be engaged in t he subj ect and int erest ed in underst anding violence, it s m agnit ude and t he whole affect ed chain, ot herwise, only good intentions will rem ain, lost in the void from the lack of action.

DESCRI PTORS: sexual violence; child abuse, sexual; m ot her- child relat ions

ABUSO SEXUAL I NFANTI L: PERCEPCI ÓN DE LAS MADRES FRENTE AL

ABUSO SEXUAL DE SUS HI JAS

La violencia dom ést ica afect a a t odos los com ponent es fam iliares, las niñas son consideradas las principales víctim as. Este es un estudio cualitativo que tuvo por obj etivo aprender la percepción de las m adres cuyas hij as fueron víctim as de abuso sexual infantil. Los datos fueron recolectados entre febrero y m arzo de 2007, en una or ganización guber nam ent al de For t aleza, est ado de Cear á, m ediant e ent r evist a sem iest r uct ur ada con diez m adres de niñas víct im as de abuso sexual. Las inform aciones fueron som et idas a la t écnica del Discurso del Suj et o Colect ivo, de la cual em ergieron t res t em as: la culpa arraigada por el m it o m at erno, el dolor de lo insuperable y el desespero, com o consecuencia del sent im ient o de im pot encia, perm it iendo aprender que las m adres experim ent an una am plia gam a de sent im ient os, dest acándose el dolor, la rebelión y la im pot encia. Se considera una necesidad que exist a un int erés por part e de la sociedad para com prender la violencia, su m agnit ud y t odas sus im plicaciones, caso cont rario, solo rest arán buenas int enciones perdidas en el vacío de la falt a de acción.

DESCRI PTORES: violencia sexual; abuso sexual infant il; relaciones m adre- hij o

Un iver sidade Federal do Cear á, Br asil: 1Dou t or an da, e- m ail: ccs0 1 @u ol. com . br ; 2Dou t or em Doen ças Tr opicais, Pr of essor Adj u n t o, e- m ail:

(2)

I NTRODUÇÃO

C

on ceit u ar v iolên cia r ev ela- se com p lex o

com o decor r ência de inúm er as sit uações nas quais essa pode se enquadrar. Em virt ude desse fat o, no est udo em foco, adot ou- se o conceit o ut ilizado pelo Mi n i st é r i o d a Sa ú d e , e m su a p o l ít i ca p a r a en f r en t am en t o d o p r ob lem a. Violên cia é d ef in id a com o ações realizadas por indivíduos, grupos, classes ou nações que acarret em danos físicos, em ocionais, m or ais e/ ou espir it uais a si pr ópr io ou a out r o( 1 ).

Com plem en t a- se ex pr essan do a n oção segu n do a q u a l a v i o l ên ci a , g er a l m en t e, en v o l v e r eg r a s e r elação de poder em que o agr essor m ant ém um d o m ín i o so b r e a v ít i m a , se j a d e f o r m a f ísi ca , econôm ica, em ocional, ent re out ras.

Em bora a violência sej a problem a de âm bito m u n dial, n ão ex ist e u m elem en t o específ ico par a e x p l i ca r o p o r q u ê d e a l g u m a s p e sso a s se com por t ar em de for m a v iolent a com as out r as, ou p o r q u ê a v i o l ê n ci a o co r r e m a i s e m a l g u m a s com unidades ou lares do que em out ros. Conform e se sabe, a violência r esult a da com plexa int er ação d e f a t o r e s co m p o st o s d e d e t e r m i n a n t e s so ci o e co n ô m i co s, p o l ít i co s e cu l t u r a i s. Aq u e l a p e r p e t r a d a co n t r a a cr i a n ça e o a d o l e sce n t e é classificada, especificam ent e, com o violência física, p si co l ó g i ca , sex u a l , n eg l i g ên ci a e, a i n d a , co m o sín d r om e d e Mu ch au sen p or p r ocu r ação, ist o é, sim ulação de problem as de saúde da criança pelos pais ou responsáveis( 2).

A m o d a l i d a d e m a i s co m u m d e v i o l ên ci a infant il, cont udo, é a int rafam iliar, assim cham ada, apesar de não estar lim itada exclusivam ente à fam ília, pois pode envolver pessoas que partilhem do m esm o am bient e dom ést ico, vinculadas ou não por laços de parentesco( 3). As crianças têm características pessoais

próprias, surgidas de acordo com seus com ponent es b i o l ó g i co s e e m o ci o n a i s, n e ssa f o r m a çã o biopsicossocial, dest aca- se a fam ília com o elem ent o det erm inant e( 4).

En t r e os t ip os d e v iolên cia ocor r id os n o âm bit o fam iliar, sobressai o abuso sexual, ent endido com o todo ato ou j ogo sexual, relação heterossexual o u h o m o ssex u al , n o q u al o ag r esso r est ej a em p a t a m a r d e d e se n v o l v i m e n t o p si co sso ci a l m a i s avançado do que a criança, ou o adolescente, com o obj etivo de estim ulá- la sexualm ente ou utilizá- la para obt er sat isfação sexual( 5).

O abuso sexual varia de at os que envolvem con t at o sex u al com p en et r ação: coit o or al, coit o vaginal ou anal, ou sem penetração: toques im pudicos ( m a n i p u l a çã o d o s ó r g ã o s g e n i t a i s) , b e i j o s, m a st u r b a çã o , p o r n o g r a f i a , p r o d u çã o d e f o t o s, exibicionism o, t elefonem as obscenos( 6).

Os d a d o s e st a t íst i co s so b r e o t e m a e n ca m i n h a m à r e f l e x ã o a ce r ca d o s e l e m e n t o s fam iliares, ent re esses a figura m at erna. Segundo a lit er at ur a, a m ãe é a pessoa m ais pr ocur ada par a solicit ação de aj uda( 7).

No contexto fam iliar, a m ãe, geralm ente, é a pessoa m ais pr óx im a da cr iança e “ dev er ia” est ar at ent a a sinais de abuso sexual, m as, m uit as vezes, p o r p r o cesso s i n co n sci en t es, d et er m i n a d o s p el a própria história de vida, nega as evidências. I sso não j ust ifica a afir m ação de que se dev e “ cr ucificar ” a m ãe, m as, sim , é p r eciso t en t ar com p r een d er a dinâm ica fam iliar com o um todo( 7). Nesse contexto, a

f i g u r a m a t e r n a t a m b é m f a z p a r t e d o u n i v e r so v i t i m a d o . É co n si d e r a d a , p o r t a n t o , v ít i m a secundár ia( 8). Dessa for m a, a r elev ância do est udo

concr et iza- se na afir m at iv a de que não som ent e a criança vit im ada necessit a de cuidados, m as, a m ãe, assim com o t oda a fam ília.

Em face das situações expostas, o estudo tem com o obj et ivo apreender a percepção de m ães cuj as filhas foram vít im as de abuso sexual infant il.

CAMI NHAR METODOLÓGI CO

Est u d o q u a l i t a t i v o , n o q u a l o m é t o d o em pregado se pauta em estudo de caráter descritivo, e busca com preender um det erm inado problem a sob a perspect iva dos suj eit os que o vivenciam , ou sej a, par t e do cot idian o, su as sat isfações, sen t im en t os, desej os.

Quant o à colet a, r ealizou- se de fev er eir o a m arço de 2007, em um a organização governam ent al sit u ada n o m u n icípio de For t aleza, CE. A r ef er ida inst it uição assist e crianças e adolescent es vít im as de v i o l ên ci a, ab u so e ex p l o r ação sex u al . I n t eg r a a p r ot eção social esp ecial d e m éd ia com p lex id ad e, d est i n ad a às açõ es d e car át er m u l t i p r o f i ssi o n al , socioassist encial, at endim ent o psicossocial e apoio j urídico às vít im as e suas fam ílias.

(3)

infor m ant es foi det er m inado com base no pr incípio da sat ur ação, v er ificado quando os r elat os iniciam r epet ição( 9).

Os d a d o s f o r a m co l e t a d o s p o r m e i o d e e n t r e v i st a se m i e st r u t u r a d a , r e a l i za d a d e f o r m a individual, e sua condução foi gravada em am bient e r e se r v a d o , r e sp e i t a n d o a p r i v a ci d a d e . Post er ior m ent e, as ent r evist as for am t r anscr it as na ínt egr a.

Por ent r ev ist a, ent ende- se um inst r um ent o necessário na colet a da m at éria- prim a dos discursos. Na pesquisa or a r ealizada, o inst r um ent o de colet a de dados cont inha, na pr im eir a par t e, infor m es de ident ificação social, econôm icos e dem ogr áficos. A segunda parte continha um a pergunta relacionada ao t em a do est udo: com o foi para você saber que sua filha foi abusada sexualm ent e?

Os relat os foram analisados de acordo com a m etodologia do Discurso do Suj eito Coletivo ( DSC) . Consoant e a lit er at ur a, o DSC não diz r espeit o ao m atem atism o m ecânico ou autom ático do pensam ento coletivo, nem ao uso da m etalinguagem ; seu papel é fazer o social falar com o m anda o r igor cient ífico, ut ilizando procedim ent os explícit os, t ransparent es e p ad r on izad os, elab or an d o a f ala d o social com o co n t e ú d o e m p ír i co o r i g i n a d o d a s f a l a s d o s indivíduos( 10).

Co m o e l e m e n t o s co n st i t u t i v o s d o D SC, incluem - se os seguint es: ex pr essões chav e, ideias ce n t r a i s e a n co r a g e n s. O a g r u p a m e n t o d a s ex pr essões chav e, que or iginam as ideias cent r ais o u an co r ag en s af i n s, r esu l t a em u m , o u v ár i o s, d iscu r so sín t ese, r ed ig id o n a p r im eir a p essoa d o singular o que sim boliza a colet iv idade, ou sej a, o colet ivo m anifest ado at ravés de um a “ pessoa”.

D e p o i s d e t r a n scr i t a s i n t e g r a l m e n t e , a s ent r ev ist as for am subm et idas a leit ur as cuidadosas nas quais em ergiram as expressões chave. Concluída a leitura, foram obtidas as ideias centrais/ ancoragem , representadas por tem as, a saber: I . a culpa arraigada pelo m it o m at er no, onde em er giu a ancor agem - a b u sca d o m i t o d a m ã e p e r f e i t a ; I I . a d o r d o insuperável; I I I . o desespero com o consequência do sent im ent o de im pot ência.

Em at en d im en t o ao ex ig id o, o est u d o f oi a p r o v a d o p el o Co m i t ê d e Ét i ca em Pesq u i sa d a Universidade Federal do Ceará, sob Prot ocolo n° 11/ 07. Para m anter o anonim ato das participantes, a cada m ãe inform ant e at ribuiu- se um código, “ M,” seguido n u m e r i ca m e n t e d e a co r d o co m a o r d e m d a part icipação ( 1 a 10) .

RESULTADOS

Car act er ização dos suj eit os

A descrição das inform antes apresentadas na Tabela 1 r et rat a algum as car act er íst icas das m ães ( infor m ant es) com o for m a de dar ent endim ent o ao D SC. As m ã e s e r a m j o v e n s, co m o cu p a çã o d e trabalho form al, ou donas de casa, e com outros filhos. A idade das m eninas que sofr er am o abuso sex ual v ar iou de quat r o a 10 anos. Com ex ceção de um a infor m ant e, as dem ais t inham par ent esco pr óx im o com o agressor. Em quatro casos, esse era o próprio p a i . Em f a ce d a s ca r a ct e r íst i ca s, p o d e - se com pr eender a sucessão de elem ent os de nat ur eza su b j et iv a e cu lt u r al aos q u ais est ão ex p ost os os suj eit os do est udo.

Tabela 1 - Caract erização das inform ant es. Fort aleza, CE, 2007

* O salário- base vigente à época do estudo era de R$ 350,00 ( trezentos e cinquenta reais)

e t n a m r o f n

I Idade Situação

l a g l u j n o

c Ocupação Nºdefilhos Rendamensal(R$)*

m o c o c s e t n e r a P r o s s e r g a o a ç n a i r c / e d a d I s o n a m e 1

M 39 Casada Desempregada 2 400,00 Tio 8

2

M 39 Casada Cozinheira 2 240,00 Vizinho 8

3

M 41 Separada Domésitca 3 350,00 Esposo 10

4

M 38 Casada Donadecasa 2 400,00 Tio 8

5

M 38 Separada Massagista 2 600,00 Esposo 4

6

M 49 Separada Vendedora 3 550,00 Esposo 6

7

M 47 Separada Desempregada 4 350,00 Esposo 8

8

M 34 Casada Desempregada 2 390,00 Conhecido 7

9

M 39 Casada Costureira 2 400,00 Vizinho 8

0 1

(4)

Mediant e os dados colet ados, foram obt idas a s i d e i a s ce n t r a i s e o s d i scu r so s co l e t i v o s r ep r esen t ad os p or t r ês t em as. Desen v olv eu - se a análise das ideias cent rais e dos discursos do suj eit o colet ivo na busca da com preensão dos sent im ent os m at ernos, onde foi possível cont em plá- los em cada r elat o.

O DSC que se reporta à culpa arraigada pelo m i t o m a t e r n o e st á d i r e t a m e n t e r e l a ci o n a d o a elem ent os cult urais que exigem da figura m at erna a t ão alm ej ada per feição.

Tem a I – da ideia central: a culpa arraigada pelo m ito m at er n o

É um a dor m uito grande, tenho vontade de m orrer, m e

bate um sentim ento de culpa, pois todo m undo fala que filho sem

pai não presta, porque m ãe não sabe criar filho. Às vezes penso,

por que eu deixei ela ir??? Se eu não tivesse deixado, nada disso

teria acontecido. A pior parte da culpa foi porque dei um a segunda

chance pra ele. Sofro dem ais, pensei em m e m atar e m atar m inha

filha, que a gente fosse dorm ir e nunca m ais acordasse. Ela foi

abusada no momento em que eu estava dando mamá pra irmãzinha

dela de 1 ano, o pouquinho que eu saí, parece que ela ficou

totalm ente desprotegida. Ele se aproveitou daquele m om ento,

pois eu não estava perto para proteger m inha filha, m inha falha

foi essa. Sofro m uito, fico im aginando a cena. Eu sem pre m e

pergunto com o fui deixar isso acontecer. Se eu estivesse com ela,

nada disso teria acontecido.

Todo m undo fala que filho sem pai não presta, porque

m ãe não sabe criar filho, será que foi por causa disso que ela está

passando por isso? O pouquinho que eu sei, parece que ela ficou

totalm ente desprotegida. Com o fui deixar isso acontecer. Se eu

estivesse com ela, nada disso teria acontecido.

O t em a I I apr esent a a dor do insuper áv el, ev idenciando a dificuldade das infor m ant es par a a super ação da ex per iência de v iv enciar o t or m ent o de t er um a filha vit im ada pelo abuso sexual.

Tem a I I – da ideia cent ral: a dor do insuperável

Foi uma coisa terrível, acho que nunca vou me recuperar,

apesar de saber que ela está bem e que não aconteceu a penetração.

Não tenho nem palavras pra falar com o m e sinto. É um a dor m uito

grande, m eu Deus, t enho vont ade de m orrer. Deus est á m e

aj udando; não est ou com plet am ent e curada, pois nunca se cura

de um a tragédia dessas[ ...] as coisas se acalm am , m as a dor

perm anece. Foi triste, pois, afinal, ele é o pai dela. Eu fiquei “ na

m inha”, aquela dor, sabe? Sem dorm ir, teve um a noite que ela m e

viu acordada e perguntou se eu estava sentindo algum a coisa, eu

falei que era dor na perna, m as o que não m e deixava dorm ir era

um a dor m uito m ais ruim . Por m ais que eu tente expressar a dor

que sent i, não consigo [ ...] .

O d e se sp e r o co m o co n se q u ê n ci a d o sentim ento de im potência está apresentado pelo tem a I I I . Pod e- se p er ceb er, n os r elat os, a r ev olt a e a im pot ência, reveladas de form a exacerbada, t ornado-se algozes de suas vít im as.

Tem a I I I – d a i d ei a cen t r a l : o d esesp er o co m o consequência do sent im ent o de im pot ência

Na hora, se eu tivesse um a arm a, tinha m atado ele sem

dó. Sofro dem ais. Eu penso que se eu m e m atar, a dor dela vai

aum entar, pois ela vai ficar sem m im , e se eu m ato ela, eu m orro

de dor, então pensei que nós duas deveríam os m orrer. Eu fiquei

com ódio dele, afinal ele é o pai dela. Me “desbanquei”, m e segurei

pra não fazer um a besteira. É terrível. Eu fiquei sem estrutura

nenhum a. Tive um sentim ento de im potência, porque eu não

consegui detectar. Na hora do desespero, eu bati nela por ela não

ter reagido ou gritado. Quando levei m inha filha pro I ML, o m édico

disse que o hím en dela t inha sido at ingido, parece que essa

not ícia t er m inou de t ir ar o chão dos m eus pés. Eu fiquei

desesperada, saí pela rua igual um a louca, procurando pelo

desgraçado, os vizinhos ficaram procurando com igo.

DI SCUSSÃO

O DSC revelou m uit o das crenças da nossa sociedade relacionadas ao papel da figura m at erna, pois, conform e se acredita, a m ãe é a m elhor, a única capaz de cuidar devidam ente dos seus filhos. Ela deve i n co r p o r ar t o d as as q u al i d ad es t r ad i ci o n al m en t e associadas à fem inilidade. I nt ent a- se que ela sej a a ssi m , e a ssi m se p r o cu r a f a zê - l a . D e v e se r p ossu id or a d e ex t r em a cap acid ad e p ar a se d oar at ravés de enorm es sacrifícios( 11).

(5)

de aut opunição pelo supost o “ er r o” m at er no: ele se aproveitou daquele momento, pois eu não estava perto para proteger

m inha filha; m inha falha foi essa.

Ex ist e, por par t e das m ães, a necessidade de buscar um culpado; inconscient em ent e ocor r e a t ransferência da culpa do perpet rador para a figura m at erna, revelando a decepção das inform ant es por não terem protegido as filhas do abuso sexual e, dessa for m a, m ost r ar am - se m ães im per feit as.

Ex i st i u m a v i sã o m ío p e n o r e f e r e n t e à s questões trazidas pela identidade sexual e prom ovidas p el a s co n cei t u a çõ es f ei t a s q u a n t o a o s si st em a s fam iliares. A sociedade vem apresent ando crescent e falência para reconhecer o dilem a cent ral de m uit as m ulheres, haj a vist a que as regras da m at ernidade exigem dessas abrir m ão das próprias necessidades em função dos interesses fam iliares. Elas tom am para si as r esponsabilidades básicas e, fr equent em ent e, exclusivas de criar seus filhos e prot egê- los, em bora m uit as vezes desprovidas de recursos e poder para isso( 13).

Co n so a n t e se p er ceb e, sã o i n ú m er a s a s p r e ssõ e s q u e f a ze m a l u sã o à m a t e r n i d a d e i r r ep r een sív el . Nesse co n t ex t o , o sen t i m en t o d e fr acasso t or na- se per feit am ent e nat ur al, por quant o o m ito da m ãe perfeita foi criado para ser im posto a seres hum anos det ent ores de qualidades e defeit os. Existe um m odelo de m ãe a ser seguido, a “ perfeita”, sem p r e p a ci en t e e d ed i ca d a , a t en t a a t o d a s a s n ecessid ad es d o seu f ilh o, t ot alm en t e d ev ot ad a. Qu a l q u e r a f a st a m e n t o d e sse p a d r ã o a ca r r e t a sent im ent os de culpa ou frust ração.

No d i a a d i a , a m u l h e r d e sco b r e a i m p o ssi b i l i d a d e d e a l ca n ça r esse i d ea l . A cu l p a experim entada pelas inform antes tem gênese em um m odelo m at erno com plexo, que finda na ausência de er r os. Esse par adigm a iniciado pela sociedade lev a as m ães a se sentirem dim inuídas, sobretudo por não conseguir em evit ar as fat alidades sofr idas por seus próprios filhos.

Difer ent es for m as de com unicação com o a escr it a, a falada e at é a com unidade, ger alm ent e, pregam o “ evangelho” de ser a figura m aterna envolta em um a at m osfera de “ per feição”, com o dev er de d e se m p e n h a r i m a cu l a d a m e n t e se u p a p e l . Essa i m a g e m a ca b a n a cu l p a , a g r a n d e a l g o z d a m aternidade feliz. Contudo, ela deve ser abolida, com v ist as a t or nar as m ães m ais felizes e cient es das suas lim it ações.

A “ dor ” const it ui car act er íst ica fundam ent al d a v id a em ot iv a, m ais p r ecisam en t e a n eg at iv a, quase sem pre int erpret ada com o sinal ou indicação de caráter hostil, contra a situação na qual se encontra o ser vivo( 14). Conform e se pode perceber no presente

est udo o depoim ent o da inform ant e M4 evidencia a cert eza da perm anência da dor e a dificuldade para superá- la: não est ou com plet am ent e curada, pois nunca se cura de um a tragédia dessas [ ...] as coisas se acalm am m as a dor

perm anece. Diante de tal afirm ação, pode- se constatar

que a violência é ext rem am ent e funcional, ou sej a, ela at inge seu obj et ivo, dest rói, m arca e m at a.

A ação violent a represent a at it ude na qual o ser violent ado serve com o m eio à realização de um a fantasia destrutiva, obj eto de satisfação, de um desej o d e m o r t e . Vi o l ê n ci a é o e m p r e g o d e se j a d o d a agressividade com fins dest rut ivos. Um a vez ocorrida a v iolência, dev e- se obser v ar o suj eit o v iolent ado, visto tratar- se de questão de com plexa subj etividade, de dor dest rut iva, e não som ent e um fenôm eno com traços culturais, sociais e de acionam ento do sistem a legal em sua função punit iva( 15).

O pr odut o da v iolência, por t ant o, v ai além do biológico. At ualm ent e, a necessidade de t ranspor o m od elo p osit iv ist a é con st an t em en t e d eb at id a, p or ém , seg u n d o se salien t a, os p r of ission ais q u e at endem à dem anda das vít im as de violência devem cont em plar essa client ela de for m a sist êm ica, com foco na subj et ividade.

(6)

Percebe- se nos relat os, adem ais, a revolt a e a i m p o t ê n ci a , r e v e l a d a s d e f o r m a e x a ce r b a d a , t ornado- se algozes de suas vít im as. Faz- se aqui um a advertência: m esm o em face de a criança ter sofrido abuso sexual, seria leviano afirm ar que em t odos os casos houv e negligência m at er na. Em especial nos ca so s a n a l i sa d o s, ca r a ct e r i za d o s co m o a b u so in t r af am iliar, os per pet r ador es f or am pessoas n as quais a díade m ãe- filha confiava e at é as am ava.

O papel da m ãe com o progenitor não abusivo r e v e l a q u e o a b u so se x u a l d a cr i a n ça t a m b é m acont ece em fam ílias com relacionam ent o m ãe- filha próxim o e protetor. Nesse caso, o abuso não m antém sua cont inuidade at ravés dos anos, pois essas m ães, q u a se se m p r e , d e n u n ci a m o a b u so , ca p t a m a s m anifest ações apr esent adas pela cr iança v it im ada. Essa, por sua v ez, fala a r espeit o e é acr edit ada. Quando detectam indícios de ter sido sua filha abusada sex ualm ent e ou flagr am t al fenôm eno, essas m ães levam a sério o que viram e ouviram e geralm ent e t o m a m m e d i d a s p a r a p r o t e g e r a cr i a n ça( 1 6 ).

En t r et a n t o , q u a n d o a s m ã es n ã o r eco n h ecem a ocor r ência do abuso sex ual, sua pr ot eção m at er na fragiliza- se, pois não conseguem perceber os riscos que a criança corre. Desse m odo, seus filhos e filhas p o d e m f i ca r m a i s v u l n e r á v e i s à s si t u a çõ e s d e v iolência.

Com o m ost r a a lit er at u r a, o abu so sex u al com etido contra crianças é potencialm ente traum ático à s su a s v ít i m a s, e m v i r t u d e d a se n sa çã o d e i m p o t ê n ci a e m e d o , e n t r e o u t r o s se n t i m e n t o s devast adores( 13). Dessa form a, conform e se salient a,

a m ãe da cr iança v it im ada pelo abuso sex ual est á i n ser i d a n essa ca d ei a d e v ít i m a s a t i n g i d a s p el a v iolên cia sex u al. Tal af ir m ação est á p au t ad a p or sen t im en t os n egat iv os e dest r u t iv os m an if est ados pelas in for m an t es, en t r e as qu ais se dest acam as ideias de suicídio e hom icídio, conform e o depoim ento de M3, que declarou: eu penso que se eu m e m atar, a dor dela vai aum entar, pois ela vai ficar sem m im , e se eu m ato ela, eu

m orro de dor; então pensei que nós duas deveríam os m orrer. A i d e i a su i ci d a / h o m i ci d a , e st a m p a d a n o d i scu r so , r e v e l a a d e se sp e r a n ça d a m ã e . Essa desesperança é um a doença “ m ort al”, pois fragiliza o ser hum ano, e o torna incapaz de realizar- se, ou sej a, é o viver a m orte do “ eu”( 14). I sso reforça a ideia de

que a violência, na m aioria das vezes, não ocorre de for m a unidir ecional, pois ela at ua na v ida de suas vít im as de form a sist êm ica.

Para o ser hum ano, é fácil entender as coisas quando fr agm ent adas, ou sej a, o fenôm eno isolado do seu cont ext o, assim com o as pessoas divorciadas da sua realidade. Não se com preende facilm ent e que o un iv er so das pessoas se cor r elaciona, for m ando um conj unto, onde tudo interage, inclusive com quem ob ser v a.

Essa sit uação represent a grande desafio. Se não houv er int er esse por par t e da sociedade par a com pr een der a v iolên cia, su a m agn it u de e t oda a ca d e i a a t i n g i d a , j a m a i s h a v e r á i n st r u m e n t o s ap r op r iad os p ar a com b at ê- la, ou cu id ar d as su as v ít im as. Dessa f or m a, só r est ar ão boas in t en ções perdidas no vazio da falt a de ação.

CONSI DERAÇÕES

O abuso sexual infantil é fenôm eno que afeta toda a contextura fam iliar, eclodindo e, m uitas vezes, agravando a desagregação da fam ília, sobret udo ao se t rat ar de abuso sexual int rafam iliar. Conform e se salient a, ent re os elem ent os fam iliares, encont ra- se a figura m at erna, com seu universo de sent im ent os. No cenário do abuso sexual infant il, t ais sent im ent os são r epr esent ados pela dor, m uit as v ezes r ev elada enfat icam ent e com o insuperável, revolt a, relacionada à sensação de im pot ência. No est udo ora elaborado, a s i n f o r m a n t e s r e l a t a r a m a cu l p a co m o g r a n d e r esp o n sáv el p el o so f r i m en t o , ar r ai g ad a ao f o r t e elem ent o cult ural da “ per feição m at er na”. Em face do sen t im en t o de cu lpa, f oi sen sív el o desesper o m a t e r n o e x p r e sso p e l a s d e cl a r a çõ e s d e i d e i a s suicidas e hom icidas.

Observou- se, entretanto, que existe o anseio d e co n t e m p l a r a su p e r a çã o d a s co n se q u ê n ci a s d ei x a d a s p el o a b u so sex u a l n a v i d a d a f i l h a , a esperança de am enizar e at é m esm o “ apagar” t odas as dores, bem com o a alt eração de com port am ent o, m a n i f e st a d a s p e l a f i l h a . D i a n t e d o e x p o st o , o s se n t i m e n t o s e v i d e n ci a d o s p e l a s i n f o r m a n t e s represent am m ot ivo de reflexão sobre a urgência de f or m ação e f or t alecim en t o de u m a r ede social de apoio.

(7)

a f igu r a do en f er m eir o, con sider ado u m dos m ais presentes no cenário do cuidar. Ele tem oportunidade

de ident ificar, com bat er e at é m esm o denunciar o abuso sexual infant il, bem com o prest ar assist ência à v ít im a e à fam ília. Desse m odo, pode cont r ibuir

d e ci si v a m e n t e p a r a a su p e r a çã o d a s g r a v e s consequências de t ão devast ador t ipo de abuso.

REFERÊNCI AS

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