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Dilemas do pós-modernismo na cultura de massa

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Academic year: 2017

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LILIAN VICTORINO FÉLIX DE LIMA

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LILIAN VICTORINO FÉLIX DE LIMA

DILEMAS DO PÓS-MODERNISMO NA CULTURA DE MASSA

Dissertação de Mestrado desenvolvida junto ao Programa de pós-graduação em Ciências

Sociais da Universidade Estadual Paulista,

Campus de Marília e apresentada à apreciação da banca examinadora como parte integrante dos requisitos para obtenção do título de Mestre.

Orientadora: Profª Drª Célia Aparecida Ferreira Tolentino

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Lima, Lilian Victorino Félix de.

L732 d Dilemas do pós-modernismo na cultura de massa / Lilian Victorino Félix de Lima. – Marília, 2009.

240 f.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2009. Bibliografia: f. 221- 225.

Orientador: Dra. Célia Aparecida Ferreira Tolentino.

1. Sociologia do cinema. 2. Pós-modernismo. 3. Ideologia e cinema. I. Autor. II. Título.

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LILIAN VICTORINO FÉLIX DE LIMA

“Dilemas do pós-modernismo na cultura de massa”

Comissão Examinadora:

___________________________________________ Profª. Drª. Célia Aparecida Ferreira Tolentino (orientadora).

Departamento de Sociologia e Antropologia da FFC/Unesp – Marília.

_________________________________________ Profª. Drª. Arlenice Almeida da Silva

Departamento de Filosofia da FFC/Unesp - Marília

__________________________________________ Prof. Dr. Paulo Roberto Arruda de Menezes

Departamento de Sociologia da FFLCH/USP – São Paulo

Suplentes:

_________________________________________ Prof. Dr. Sinézio Ferraz Bueno.

Departamento de Educação da FFC/Unesp -Marília

_________________________________________ Prof. Dr. Carlos Eduardo Jordão Machado

Departamento de História da FCL/Unesp - Assis

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“A política mais importante é a que fazemos com os olhos”

Wim Wenders,

“A ficção nunca mais será um espelho estendido ao futuro, mas

realucinação desesperada do passado”

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Agradecimentos

Em primeiro lugar agradeço à professora Célia Tolentino, importante estudiosa de cinema, por ter me apresentado ao universo dos estudos sobre cinema desde a graduação; pela orientação criteriosa, generosidade, estímulo e as oportunidades que me concedeu nestes anos de pesquisa. Pela amizade dentro e fora dos muros da universidade, pelos conselhos e discussões honestas que tivemos. Sua influência positiva é um legado que levarei por toda a vida.

A FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pela bolsa de estudos concedida por dois anos para a realização deste trabalho de mestrado.

A professora Arlenice de Almeida por ter feito parte da banca de qualificação e aceitar participar da banca de defesa; obrigada pela leitura minuciosa deste trabalho e pela contribuição para a finalização da pesquisa. Agradeço ao professor Sinézio Bueno pela participação no meu exame de qualificação, pela leitura atenta da versão preliminar, pelas sugestões e por todo o apoio acadêmico desde a graduação.

Ao professor Paulo Menezes por aceitar participar da banca de defesa, e ao professor Carlos Machado pelo apoio neste trabalho.

Agradeço aos funcionários da seção de pós-graduação, bem como os funcionários da biblioteca da FFC/CM e do Escritório de Pesquisa pela atenção no atendimento.

Agradeço a todos os membros do Grupo de Estudos de Cinema e Literatura Baleia na

Rede, pelos debates, seminários e revistas e eventos que pudemos organizar em equipe e

que contribuíram de maneira efetiva para meu aprendizado sobre literatura, cinema e amadurecimento intelectual.

Aos companheiros de mestrado que dividiram comigo além da orientadora, diferentes sentimentos em relação à pesquisa acadêmica, mas não faltou amizade, apoio, estímulo e generosidade. Elisângela Silva Santos, Thiago Antunes, Silvana Benevenuto e Odirlei Dias Pereira (in memorian). Vocês foram pontos de apoio e identificação. Em especial a minha companheira mestrado Elisângela (Lica), agradeço a amizade fraterna e a generosidade. E ao nosso “menino da porteira” Odirlei que, como diria Carlos Drummond de Andrade, cansou de ser moderno e resolveu ser eterno, nos deixando no plano material prematuramente.

Aos amigos que conheci na Unesp e que de inúmeras maneiras contribuíram para esse momento: Tatiane Pacanaro, Liliane Muniz, Anderson Trevisan, Alexandro Paixão, Fabrícia Viviani, Gerson Alves, Estevão Armada, o meu muito obrigada pelo apoio, estímulo, companheirismo em diferentes momentos desta pesquisa.

A amiga Fabiana Zulli pelo apoio constante, amizade fraterna e alegrias divididas. E a cidade de Marília que me acolheu nos últimos oito anos.

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Resumo:

Investigamos três obras cinematográficas da ficção científica produzidas nos Estados Unidos da América: Homem Bicentenário (EUA, 1999), Inteligência Artificial (EUA, 2001) e Eu, Robô (EUA, 2004), todas obras da indústria cultural cujas narrativas num contexto denominado pós-modernista tematizam a relação entre humano e pós-humano. O cinema é o núcleo central do nosso objeto; observaremos os aspectos ideológicos impressos nas diegeses e nos elementos que as compõem (imagens, planos, seqüências, diálogos, montagem), isto é, a sua construção estética e a moral dela resultante. Também observaremos os usos das novas tecnologias e como seu discurso é trabalhado nestas narrativas, com o intuito de apreender as diferenças entre os discursos científicos e aqueles transmitidos ao público espectador da cultura de massa. Tomamos esses filmes devido a sua notoriedade comercial e apelo popular o que lhes conferem maior amplitude na questão dos mecanismos de manipulação, diversão e degradação, reconhecidamente atuantes na cultura de massa e na mídia. Metodologicamente, discutimos os fundamentos sociais do discurso científico nos filmes, captar suas alegorias, a relação do homem com a tecnologia e as saídas para os conflitos no plano diegético e com isso, apontar o que se apresenta como reificação e utopia nessas obras de cultura.

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Abstract:

We investigated three cinematograph works of scientific fiction producted in the United States of America: Bicentennial Man (USA,1999), Artificial Intelligence, (USA,2001) and I, Robot (USA, 2004), all the cultural industry works whose narratives that are in a context denominated post- modernist systematize the relationship between human and post-human. The cinema is the central nucleus of our object; we observed the ideological aspects that are present in the fictional universe of the cinema and in the elements that compose this fictional universe. (images, plans, sequences, dialogs, montages), what is its esthetic construction and the moral originated from this construction that is contained in the structure of each movie. We also observed the uses of the new technologies and how the discourse of this technologies is worked out in these narratives, aiming the apprehension of the differences between the scientific discourses and those that are transmitted to the spectator public of the mass culture. We chose these movies on account of its commercial notoriety and the popular appeal that give them more amplitude in the matters of the manipulation mechanisms, entertainment and degradation recognized as actives in the mass culture and in the media. Methodologically, we discussed the socials fundaments of the scientific discourses in the movies and we tried to identify through the cinematographic narrator his allegories, the relation of the man with the technology and the solutions to the conflicts presented in the movies. Therefore, we aimed to contribute to an sociological analyses of the presented works.

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SUMÁRIO

Introdução: Pós-modernismo na ficção científica de Hollywood p.10

Pós-modernismo na cultura de massa P.17

A Indústria Cultural por excelência: Hollywood p.22

Os Blockbusters escolhidos p.25

Procedimentos Metodológicos p.29

Capítulo I: Homem Bi-centenário: em busca de uma família p.39

Esta é a família disto? p.40

O Senhor é a família disto! p.50

Isto deseja uma família. p.66

As coisas nem sempre mudam. p. 87

Capítulo II: A humanização do robô e a robotização do humano em Inteligência

Artificial p.97

Você não é único; é o primeiro de uma espécie. p.97

Modernidade e fé no progresso. p.98

Somos todos homens-máquina. p.103

David: a produção de humano ideal no ser artificial. p.109

Não programe se não tiver certeza! p.115

A moral do trabalho no resgate das velhas fábulas. p.124 Feira da carne: corpos imperfeitos na persistência da modernidade. p.128 Livre-se dos Mecas! Purifique-se da artificialidade! p.137 David: Pinóquio pós-moderno no País dos Brinquedos. p.139

Diga que eu existi! p.144

Finalmente um amor só seu. p.150

Capítulo III. Eu, Robô, a família se fragmenta e o indivíduo perde-se nos dilemas

do pós-modernismo. p.154

Tudo o que virá é resultado do que você vê aqui. p.169

Deve fazer as perguntas certas. p.179

Minhas respostas são limitadas. p.188

Eu confio no seu julgamento. p.196

Mas nossa relação nunca foi completamente normal. p.198

Para liderar sirva de exemplo! p.206

Imagens finais p.213

Aliança entre tecnociência e mercado. p.213

Expressões ideológicas p.216

Dilemas do pós-modernismo. p.218

Homem versus máquina. p.220

Referências p.225

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Introdução

Pós-modernismo na ficção científica de Hollywood

Desfazer o pós-moderno homeopaticamente pelos métodos do pós-modernismo: buscar a dissolução do pastiche através dos instrumentos do próprio pastiche, reconquistar um sentido histórico genuíno, através dos instrumentos que são substitutivos da história. (Fredric Jameson) 1

Os três filmes de ficção científica – O Homem Bi-centenário, (EUA, 1999),

Inteligência Artificial (EUA, 2001) e Eu, Robô (2004) – analisados nesta dissertação,

estão situados num contexto histórico denominado pós-modernista, contexto esse que está no centro das discussões de alguns autores que visaram mapear e distinguir a possibilidade do atual momento histórico ser considerado moderno ou pós-modernista.

A lista de fenômenos para um conjunto de transformações que poderiam ser chamadas de pós modernas é tão extensa quanto a dos teóricos que se propuseram discuti-las; entre alguns citamos: Hassan (1988), Giddens (1991); Huyssens (1991); Japiassú & Marcondes (1996); Anderson (1999); Hutcheon (1988); Lyotard (1990); Connor (1993); Harvey (2004), Eagleton (1998); Hall (2003); Jameson (1995, 2000). Entretanto, é consenso entre esses autores, aos quais, num primeiro momento esta pesquisa se alinha, que ambos os termos, pós-modernidade e pós-modernismo, circulam em torno de transformações nas formas artísticas como a arquitetura, literatura e cinema. Posteriormente, o termo pós-moderno passa a incluir outra diversidade de fenômenos culturais como a música, o vídeo, a pintura, e discursos teóricos, religiosos, e até político-econômicos.

Embora as transformações culturais existam, sobretudo se forem comparados modernismo e pós-modernismo, todas estão atreladas ao modo de produção capitalista, considerado moderno. Portanto, não existe ruptura com esse modo de produção a ponto

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de justificar os usos do termo pós-modernidade no sentido de um novo modo de organização social produtiva. Na tentativa de estabelecer uma “Poética do pós-modernismo”, o que considerou como um “fenômeno cultural atual” (p. 11), Linda Hutcheon afirma:

[...] deliberadamente contraditória, a cultura pós-moderna usa e abusa das convenções do discurso. Ela sabe que não pode escapar ao envolvimento das tendências econômicas (capitalismo recente) e ideologias (humanismo liberal) de seu tempo. Não há saída. [...] não existe – ou ainda não existe -, de forma alguma nenhuma ruptura. (HUTCHEON, 1988, p. 16).

O fundamental nesta citação de Hutcheon é assinalarmos que não existe ruptura com a cultura moderna a ponto de tratarmos o pós-moderno como mudança e sim como uma metamorfose de fenômenos que são profundamente modernos. Nesta pesquisa, os termos pós-modernismo e pós-moderno dirão respeito às transformações culturais que falam daquilo que Jameson (1994) tratou de “fenômenos pós-modernos” como sendo “uma tendência cultural dominante”. (p. 136); e essa tendência pode ser dominante pelo menos na escala de alcance do mundo capitalista cuja produção cultural “tornou-se integrada à produção de mercadorias [...] com um ritmo de turn over cada vez maior [o que] atribui uma posição e uma função estrutural cada vez mais essenciais à inovação estética e ao experimentalismo” (JAMESON, 2000, p. 30).

Nesse sentido, Jameson (2000) trata o pós-moderno como um conceito que envolve periodização; é uma “tentativa de pensar historicamente o presente em uma época que já esqueceu como pensar dessa maneira” (idem, p.13). A pista para se captar o pós-moderno está na cultura; esta sofreu uma imensa dilatação de sua esfera transformada em mercadoria. Seu sintoma privilegiado é a perda da historicidade. Não se trata de uma ruptura na periodização, “não é a dominante cultural de uma ordem social totalmente nova” e sim uma “modificação sistêmica do próprio capitalismo”. (idem. p.16).

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básico – que Jameson denomina de “intensidades” – que pode ser mais bem entendido se nos voltarmos para as teorias mais antigas do sublime; a profunda relação constitutiva de tudo isso com a nova tecnologia, que é uma das figuras das transformações no sistema econômico mundial. (JAMESON, 2000, p.32). Esses e outros elementos constitutivos do pós-modernismo estão imersos em todo este trabalho dissertativo e virão à tona na trama das imagens analisadas.

A partir dessas considerações iniciais sobre o que entendemos por pós-modernismo, retomamos nosso ponto de partida, que é o cinema, para dizer que optamos por esses filmes de ficção científica devido a sua notoriedade comercial e apelo popular, uma vez que, além de terem sido sucessos de bilheteria, continuam a ser transmitidos com freqüência tanto na TV aberta quanto nas TVs a cabo no Brasil e em outros países.

E em se tratando de sociologia da cultura e do cinema como proposta mais geral desta pesquisa, recorremos a Pierre Sorlin (1985) para pensarmos como os filmes apresentam seu tempo, ou ainda, que compreensão desse tempo pós-moderno e que idéia de futuro – já que se trata de ficção científica – esses filmes suscitam e irradiam através das diferentes telas que os exibem e, mais especificamente, das telas de cinema que proporcionam maior imersão do espectador numa experiência física que será lembrada e armazenada em sinapses corpóreas que escapam à mente racional. À vista disso vale lembrar que “memórias são, acima de tudo, recordações dos sentidos, pois são os sentidos que lembram, e não a ‘pessoa’ ou a identidade pessoal”. (JAMESON, 1995, p. 1-2).

Ao falar de sociologia do cinema Sorlin pontua que,

La pantalla revela ao mundo, evidentemente no como és, sino como se le corta, como se le comprende em uma época determinada; la cámara busca lo que parece importante para todos, descuida lo que és considerado secundário; jugando sobre los ângulos, sobre la profundidad, reconstruye las jerarquias y hace captar aquello sobre lo que inmediatamente se posa la mirada [...] Mediante el cine, y más aún mediante la televisión, se difunden los estereotipos visuales propios de uma formación social. (SORLIN, 1985, p. 28).

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Globo) quanto nos canais a cabo como os da Universal e Fox, o que nos sugere a reverberação constante dessas obras pós-modernistas entre um grande número de espectadores.

Segundo Connor (1993), a transformação pós-modernista no cinema ocorre em finais da década de 1960; este autor sublinha que entre as principais características dos filmes considerados pós-modernos estão diferentes formas de pastiche ou multiplicidade estilística expressos em suas imagens. Jameson (2000) aponta que filmes pós-modernos apresentam uma “abordagem do presente através da linguagem artística do simulacro, ou do pastiche e do passado estereotípico” (p. 48), numa “superabundância de imagens” (1995, p. 120). Harvey (2004) ressalta que os artefatos culturais do pós-moderno são muito variados, devido seu ecletismo e anarquia de assuntos.

Dentre os filmes citados por esses autores destacamos: Brazil, do diretor Terry Gilliam (EUA, 1985), Star Wars de George Lucas (EUA, 1977), Alien (EUA, 1979) e o cultuado Blade Runner2 (EUA, 1992) ambos de Ridley Scott. São pós-modernos por apresentarem diferentes períodos históricos misturados com cenários futuristas, figurinos e objetos arcaicos que parecem saídos dos anos 30. “E a apresentação de um mundo dominado pelos computadores e pela automação avançada; computadores cujo formato arcaico e não-confiabilidade sugerem que eles também pertencem aos anos 30”. (CONNOR, 1993, p. 147).

O formato pós-moderno nesses filmes não sugere nenhum estilo dominante, ao contrário, preferem abolir a idéia de qualquer estilo dominante ou gênero narrativo. Hutcheon (1988) entende que entre outras contradições tipicamente pós-modernas no cinema está a “coexistência de gêneros cinematográficos heterogêneos: a utopia fantástica e a sinistra distopia; a comédia-pastelão absurda e a tragédia [...]; a aventura romântica e o documentário político” (p. 21).

Ao falar dessa mistura de gêneros no contexto pós-modernista que se delineava e que fez parte da reestruturação do cinema de Hollywood nos anos 70, Antonio Costa aponta para um novo tipo de relação que o cinema trava com a história do cinema e da tradição dos gêneros: “uma relação que pode ser de nostalgia, de irônica revisão, de releitura, de repensamento, de regressão” (COSTA, 1987, p. 134). Para

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Jameson (2000), filmes pós-modernos podem ser lidos como um duplo sintoma: eles nos mostram um inconsciente coletivo no processo de tentar identificar seu próprio presente, ao mesmo tempo em que eliminam o fracasso dessa tentativa, que parece reduzir-se à recombinação de vários estereótipos do passado, provavelmente manifestos nessa mistura de gêneros.

Assim, os EUA nos estúdios de Hollywood se ergueram como ícone da indústria cultural no final dos anos 70 e início dos 80 ao criarem os blockbusters que, a exemplo dos filmes escolhidos para esta análise, são filmes comerciais de alto orçamento que unem vários gêneros na tentativa de atingir faixas maiores de espectadores3. O termo Blockbuster (arrasa-quarteirão) refere-se ao efeito produzido por estes filmes: o público estadunidense fazia filas imensas nos quarteirões dos cinemas, batendo recordes de bilheteria. Entre os primeiros filmes produzidos nessa linha estão: “Tubarão (1975), primeiro título a arrecadar US$ 100 milhões só nos EUA, inaugurando a era dos super sucessos. Star Wars foi o maior dos anos 70. No fim dos anos 70 e início dos 80 eram, em geral, fantasias (ET, o extraterrestre, 1982 e De volta

para o futuro, 1985) e nos 90 mais sombrios e violentos (O exterminador do futuro2; O

julgamento final, 1991 e Matrix, 1999)” (BERGAN, 2007, p. 465).

Esta reestruturação do cinema de Hollywood ganhou força a partir de 1977 quando George Lucas lançou Star Wars, ou Guerra nas Estrelas, uma ficção científica com nuanças de romance, aventura, drama, comédia, suspense, numa estética do hiper-realismo com a “assunção de um horizonte visual em que é o excesso de evidência típica dos meios mecânicos a definir a nossa própria noção de realidade” (COSTA, 1987 p. 139). Desde então, este fenômeno se radicaliza, pois “não só as fronteiras entre os gêneros se tornam menos precisas, mas, sobretudo se impõem megagêneros que englobam, talvez camufladas, muitas características dos gêneros clássicos” (idem, p. 139).

Conforme apontou Martins (2004), a denominação ficção científica teve origem nos EUA na segunda década do século XX a partir de Hugo Gernsback e se refere a “obras que transitam entre as projeções ficcionais sobre o desenvolvimento científico e tecnológico” (p. 8). Porém antes da cunhagem do termo, já estavam em curso algumas produções de ficção científica que se tornaram clássicos do gênero.

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Para relembrar alguns filmes considerados clássicos da ficção científica podemos citar os trabalhos seminais do francês George Méliès4 com A Lua a um metro (1898),

Viagem à Lua (1902), A estátua animada (1903), Vinte mil léguas submarinas (1907),

A conquista do pólo (1912); filmes inspirados na literatura do visionário Julio Verne e

seus temas de exploração espacial e terrestre. Outro filme considerado clássico é

Paris, adormecida (1923), de René Clair, ao mostrar um cientista louco que congela

pessoas com um raio mágico, fruto de sua criação; também temos os clássicos do alemão Fritz Lang, Metrópolis (1926) e A mulher na Lua (1929), cujos temas também incluíam inventos científicos (robôs) e explorações espaciais. Temos ainda as metáforas americanas sobre a guerra fria como O dia em que a terra parou (1951), do diretor Robert Rise, cujo robô alienígena exige dos terráquios a destruição de armas nucleares, e A guerra dos Mundos (1953), do diretor Byron Haskin, que narra a malograda invasão de marcianos ao planeta Terra afim de destruí-lo – os invasores não resistem às nossas bactérias e acabam sucumbindo.

Especificamente sobre filmes de ficção científica que representam seres humanos, artificiais ou não, podemos citar produções clássicas que são anteriores aos filmes norte-americanos, como por exemplo: Homúnculos (ALE, 1916). Em seguida temos vários exemplos estadunidenses como, A ilha do Dr. Moreau (EUA, 1933), O

médico e o monstro (EUA,1920), Frankenstein (EUA,1931) e o Homem invisível

(EUA,1933). Nosso distanciamento histórico evidencia não apenas as transformações nas técnicas de produção desses filmes como também mostra a delimitação do gênero dentro de especulações sobre ciência que algumas vezes ganham tons de terror como no filme de Frankenstein, porém, em geral, os temas dos filmes considerados clássicos eram bem delimitados se comparados aos blockbusters que surgem no final da década de 1970, quando as produções são reformuladas e caem as barreiras entre os gêneros fílmicos.

Nesse interim, a renovação da ficção científica se dá pelo filme catástrofe cujo cenário apocalíptico-metropolitano rompe com a brancura asséptica de filmes anteriores, como, por exemplo, 2001, Uma Odisséia no Espaço (EUA, 1968) de

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Stanley Kubrick. Mesmo sendo classificados como ficção científica os filmes analisados aqui, Homem Bicentenário (EUA, 1999), Inteligência Artificial (EUA, 2001) e Eu, Robô (EUA, 2004), estão inseridos neste contexto de pós-modernismo pois suas tramas, unidas através das figuras dos robôs, não se atêm apenas a especulações tecno-científicas como eram os clássicos, mas também passeiam pelo melodrama, pela aventura, fantasia, romance, ação e pelo gênero policial, numa fusão de gêneros que é típica do pós-moderno. Além de evocarem complexidades filosóficas como veremos ao longo dessa pesquisa.

Se o propósito é o entretenimento como objeto mercantil, esta leitura entende que os blockbusters se sobressaem nesta cultura pós-modernista, neste caso fílmica, visto que, além das transformações que veremos em nível estético, eles movem a esteira da cultura enquanto mercado: “O pós-modernismo é o consumo da própria produção de mercadorias como processo [...] é um mundo no qual a “cultura” se tornou uma verdadeira “segunda natureza” (JAMESON, 2000, p. 13-14). E nesse sentido, o cinema que é imagem e som constitui-se em mercadoria ainda mais rentável ao absorver essas transformações estéticas do contexto pós-modernista para o entretenimento comercial, onde cultura e mercado formam duas faces da mesma moeda na sociedade atual e os blockbusters são referência dessas transformações. Isto quer dizer que além do produto final, toda a produção fílmica será trazida nos DVDs como “extras” que por sua vez dão o aspecto mercantil ao ato de fazer o cinema. Nos conteúdos extras dos filmes, toda a equipe de produçao ganha voz e relata um pouco do seu trabalho.

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Desta forma, as premissas da cultura moderna foram desafiadas bem como o caráter ímpar da arte que era distinta na cultura popular e na de massas – o que pode ser considerado como um saldo positivo do pós-modernismo. Connor (1993) e Jameson (1985) consideram que esses filmes são marcados pelo paradoxo de evocar as complexidades da alta teoria em formatos acessíveis, de sucesso popular, tal como se vê em filmes impecavelmente pós-modernos como o cultuado Blade Runner (EUA,

1982). Contudo, nossa hipótese inicial é a de que seus sucessores de ficção científica

aqui destacados, Homem Bicentenário (EUA, 1999), Inteligência Artificial (EUA, 2002) e Eu, Robô (EUA, 2005), ao fazerem parte do pós-moderno, por sua vez, também formulam questões relevantes para a sociedade atual como veremos ao longo deste trabalho nos capítulos referentes a cada filme.

Nesta pesquisa, o uso do termo cultura de massa refere-se à quantidade de espectadores que consomem esses produtos da indústria cultural, graças aos avanços nos meios de difusão da imagem que permitem estréias simultâneas em diversos países numa mesma noite, dando ocasião à essas narrativas e promovendo seu discurso entre um número elevado de pessoas. Sobre essa discussão, Martins (2004) afirma que os meios de comunicação de massa se dirigem a um público difuso, formado por pessoas anônimas que vivem num mundo de interesses econômicos bem definidos. É um público heterogêneo em suas identidades culturais, porém homogêneo na recepção dessas produções da indústria cultural, pois, esse público anônimo que habita a esfera privada está cada vez mais destituído de voz na esfera pública e acaba por absorver o produto da indústria cultural, não raras as vezes, de maneira irrefletida. O conteúdo desses produtos culturais e as possíveis consequências da absorção irrefletida de suas ideologias serão abordados nesta pesquisa.

Pós-modernismo na cultura de massa

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da tecnologia e do mercado. Não apenas a forma como essa indústria se estrutura foi observada, mas também os efeitos ideológicos sobre os seus consumidores.

Nessa perspectiva, Adorno apresentou um estudo sobre a televisão norte-americana intitulado Mass culture: the popular arts in America, que foi produzido em 1954. Ali este autor afirma que os meios de comunicação de massa não são apenas a somatória das ações que apresentam ou das mensagens que por estas ações são irradiadas. Os meios de comunicação de massa “consistem em várias camadas de significados superpostos uma às outras, todas elas contribuindo para um efeito” (ADORNO, 1994, p. 103).

A originalidade desse estudo de Adorno está em diagnosticar que a indústria cultural assimilou as formas industriais de produção, com organização do trabalho em escritórios no sentido de racionalizar do ponto de vista tecnológico, tornando essa instituição poderosa em vários níveis. Contudo, Adorno pontua que o termo indústria não deve ser tomado literalmente, visto que este termo está mais afinado a uma idéia de estandardização da própria coisa – como o gênero western é entendido pelos espectadores – e à racionalização de técnicas de distribuição do que rigorosamente ao processo de produção. Evidencia-se, pois, que embora exista todo um processo de produção no setor central da indústria com toda uma gama de procedimentos técnicos, divisão do trabalho, maquinário, artistas, distribuição das cópias, etc, cada obra produzida busca formar-se como uma produção individual. Assim,

Cada produto apresenta-se como individual; a individualidade mesma contribui para o fortalecimento da ideologia, na medida em que se desperta a ilusão de que o que é coisificado e mediatizado é um refúgio de imediatismo e de vida. Hoje, como sempre, a indústria cultural mantém-se “a serviço” das terceiras pessoas, e mantém sua afinidade com o superado processo de circulação do capital, que é o comércio, no qual tem origem. Essa ideologia apela sobretudo para o sistema das “estrelas”, emprestado da arte individualista e da sua exploração comercial. Quanto mais desumanizada sua ação e conteúdo, mais ativa e bem-sucedida é a sua propaganda de personalidades supostamente grandes e o seu recurso ao tom meloso. (ADORNO, 1986, p. 95).

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DVDs e etc. Isso tudo envolve uma grande escala de profissionais de vários setores que dão forma aos créditos finais de cada película pronta. E, veremos adiante, que essa indústria se desenvolveu a ponto de ser uma das maiores corporações dos EUA. Porém, ao mesmo tempo em que diz respeito à produção, distribuição em massa de seus produtos, essa indústria buscar permanecer externa ao seu objeto. “A indústria cultural tem o seu suporte ideológico no fato que ela se exime cuidadosamente de tirar todas as consequências de suas técnicas em seus produtos” (ADORNO, 1986, p. 95). Seria prova de ingenuidade subestimar a influência que essa indústria exerce sobre as pessoas, influência esta que a própria indústria prefere se eximir ao propor um espetáculo transparente.

Segundo Adorno, a indústria cultural difunde seu produto de maneira que este promova o fascínio no espectador em vários níveis psicológicos ao criar “produtos adaptados ao consumo das massas e que em grande medida determinam esse consumo” (ADORNO, 1986, p. 92). Em suas palavras:

“Provavelmente todos os vários níveis nos meios de massa envolvem todos os mecanismos do consciente e do inconsciente enfatizados pela psicanálise. A diferença entre o conteúdo de superfície – a mensagem manifesta do material televisionado – e seu significado oculto geralmente é marcado e mais ou menos nítido. A rígida superposição de várias camadas provavelmente é um dos traços pelos quais os meios de massa podem ser distinguidos dos produtos integrados da arte autônoma, na qual as várias camadas estão mais entrelaçadas. O pleno efeito do material sobre o espectador não pode ser estudado sem consideração pelos significados ocultos juntamente com o significado manifesto” (ADORNO, 1994, p. 103).

A partir dessas considerações de Adorno, percebemos a importância de orientar esta pesquisa para essas manifestações do discurso fílmico no cinema que estão a espera de decodificação no que se refere aos seus efeitos sobre o espectador. É interessante destacar que a indústria cultural expõe modelos de comportamento, porém, não expõe apenas aquilo que considera desejável e louvável; também expõe comportamentos indesejados, para que esses comportamentos produzam atração no espectador pelos personagens que atuam dentro dos códigos de conduta considerados adequados.

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“há justapostos no filme diferentes camadas de modelos de comportamento, isso implica então que os modelos oficiais pretendidos, a ideologia fornecida pela indústria, não precisariam ser automaticamente aquilo que acaba penetrando no espectador [...] os modelos oficiais estão recobertos por modelos não oficiais, que providenciam a atração e que, em termos de intenção seriam colocados fora de curso pelos modelos oficiais” (ADORNO, 1994, p. 103)

Adorno nos previne contra as tentativas de reduzir a indústria cultural a uma coisa menor, o que poderia afastar muitos pesquisadores desse tipo de produção ao considerá-la ruim por definição. Ele afirma que essa indústria não deve ser vista como “a arte dos consumidores” ou como “a arte mais baixa de todos os tempos” pois, nas suas palavras, isso soa tão falso como a ideologia da ideologia. Nesse sentido, ao estudar justamente os filmes da indústria cultural, muitas vezes depreciada pela crítica acadêmica, tentamos fugir do lugar comum que carimba essa cultura como sendo algo

menor, o que poderia contribuir para desresponsabilizá-la de seus efeitos. Conforme

adverte Adorno:

“Já não vale mais nada a equiparação da indústria cultural com a arte mais baixa de todos os tempos. Um momento de racionalidade marca a indústria cultural, um momento de planejada reprodução do grosseiro, que certamente não faltou na arte primeva de nível mais baixo, mas que também não era sua lei calculável [...] é preciso combater a tese da arte dos consumidores. Ela configura a relação entre a arte e a sua recepção de um modo estático – harmônico, segundo o modelo, em si dúbio, da oferta e da procura. Assim como a arte não pode ser concebida sem relação com o espírito objetivo de sua época, tampouco ela pode, porém ser concebida sem aquele momento que o ultrapassa. A acomodação aos consumidores – algo que prefere declarar-se como “humanidade” – não é economicamente nada mais que a técnica de espoliá-los. No plano artístico, isso significa desistir de qualquer intervenção no grosso caldo do idioma corrente, e com isso, também na consciência reificada do público” (ADORNO, 1994, pp. 106-107).

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consideradas tão óbvias, tão familiares, são esquecidas. E vale a pena lembrar que até mesmo o que nos parece óbvio deve ser lembrado e explicado, pois as idéias que os produtos da indústria cultural inculcam em seus consumidores “são sempre as do status

quo” (idem, p. 96). Além disso, outros dilemas menos evidentes serão trazidos à tona,

isto é, aquilo que os filmes suscitam dentro das complexidades da teoria pós-moderna com seus dilemas intrínsecos e extrínsecos.

Ainda com Adorno,

A importância da indústria cultural na economia psíquica das massas não dispensa a reflexão sobre sua legitimação objetiva, sobre seu ser em si, mas, ao contrário, a isso obriga – sobretudo quando se trata de uma ciência supostamente pragmática. Levar a sério a proposição de seu papel incontestado, sigifica levá-la criticamente a sério, e não se curvar diante de seu monopólio” (ADORNO, 1986, p. 96).

Por mais que Adorno seja considerado um crítico pessimista5, que mantêm o tom de ênfase valorativa nas suas análises – o que certamente se deve às características de seu contexto moderno –, seu pensamento é importante para pensarmos os mecanismos de manipulação, diversão e degradação, reconhecidamente atuantes na indústria cultural e na mídia. Esta, por sua vez, produz e dissemina idéias que “são aceitas sem objeção, sem análise, renunciando à dialética, mesmo quando elas não pertencem substancialmente a nenhum daqueles que estão sob a sua influência” (ADORNO, 1986, p. 97). Os produtos da indústria cultural referem-se à ordem estabelecida sem olhar para sua determinação histórica concreta, difundem normas sem justificá-las concretamente pois qualquer tipo de fundamento é rejeitado por essa indústria. Deve-se aceitar algo porque é assim que todos pensam: “As elocubrações da indústria cultural não são nem regras para uma vida feliz nem uma nova arte da responsabilidade moral, mas exortações a conformar-se naquilo atrás do qual estão interesses poderosos” (idem, p. 98).

Todavia, consideramos que Adorno deve ser resgatado neste trabalho crítico da atual produção cultural pós-modernista, visto que o próprio Jameson, diante

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daquilo que chamou de “imobilismo de seus contemporâneos” em analisar politicamente as obras culturais, retoma os trabalhos de Adorno afirmando que:

Adorno era um aliado duvidoso quando havia ainda poderosas correntes políticas de oposição das quais seu imobilismo temperamental e perverso podia desviar o leitor engajado. Agora que por enquanto essas correntes estão, elas próprias, imobilizadas, a bile de Adorno é um alegre antídoto e um corrosivo solvente na superfície do ‘que é’. (JAMESON apud ANDERSON, 1999, p. 124).

Após essas considerações fundamentais para situar aquilo que entendemos sobre indústria cultural, faremos um sobrevôo em reconhecimento de um aspecto desse conceito, o de indústria cultural informado por Adorno, na contemporaneidade dos filmes escolhidos, ou seja, vejamos um pouco mais sobre a atualidade da indústria cultural no cinema internacionalmente conhecido como Hollywood.

A indústria cultural por excelência: Hollywood

Ao falar de Hollywood enquanto indústria cultural por excelência, busca-se mais informar sua força política, que potencializa a atuação global de seu discurso, do que discutir os mecanismos internos dessa indústria como um campo fechado de produção, distribuição e recepção.

É de conhecimento público que a distribuição em massa de filmes norte-americanos não é um fenômeno recente, pois desde a primeira metade do século XX esses filmes são produzidos e distribuídos em escala cada vez mais global. A indústria de cinema norte americana, internacionalmente conhecida como Hollywood, sempre procurou atingir o mercado externo aumentando os lucros de seus produtos. A despeito de todo o avanço tecnológico com a introdução no mercado de novos canais comerciais como TVs a cabo ou via satélite, Video Cassete Recorders e Digital Video

Discs, Hollywood viu seu mercado prosperar e incorporar todas essas inovações para

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bilheteria global de Hollywood com seus grandes blockbusters. Até os representantes da indústria cinematográfica enaltecem, e com frequência celebram, o reinado global de Hollywood.” (p. 20).

Segundo Meleiro (2007), a arrecadação de Hollywood na figura de seus principais estúdios que pertencem à Motion Picture Association of América (MPAA)6 ficou acima de US$ 6,5 bilhões no ano 2000. São filmes exibidos em mais de 150 países e que posteriormente são relançados em DVDs ou mesmo nos canais de TV atingindo um público incalculável de espectadores.

Jameson (2001) pontua que a penetração dos filmes produzidos nos Estados Unidos no mercado mundial é parte da política imperialista desse país que associa, no caso do cinema, a ideologia do mercado livre ao aprendizado da cultura norte-americana através do consumo dos filmes que disseminam no cotidiano das pessoas uma cultura específica aliado ao consumo de mercadorias culturais.

Destacamos que, não raras as vezes, um filme de sucesso pode ser transformado em diversos outros produtos que vão desde bonés e camisetas até video-games e bonecos. Segundo Meleiro (2007), a homevídeo responsável pelas vendas de DVDs e fitas VHS representa um mercado maior que a bilheteria do cinema, chegando a alcançar mais de US$ 24,9 bilhões, em 2006, isso é cerca de 45% do lucro da indústria. A televisão contribuiu com 26%, enquanto que a TV paga acrescentou outros 10%. Além disso, os consumidores gastaram cerca de US$ 7,4 bilhões em

softwares de videogames para console e computador, a maioria deles associados a

filmes. Como pontua Jameson

Hollywood não é apenas o nome de um negócio altamente rentável, mas é também o nome de uma revolução cultural fundamental do capitalismo tardio, na qual se destroem antigos modos de vida e se colocam modos novos em seu lugar. (JAMESON, 2001, p. 55).

Desta forma, entendemos que além do ato comercial de comprar o entretenimento o telespectador ainda sofre uma experiência cultural, a qual poderá, em diferentes medidas, dependendo do seu arcabouço cultural, influenciar seu modo de pensar através do poder das expressões ideológicas contidas nos filmes que é um dos

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focos desta pesquisa. E é mais do que isso, pois como pontua Adorno, numa outra chave de raciocínio, “os homens não são mais meros compradores de produtos fabricados em série pelas corporações, parecem ser eles mesmos produtos do domínio absoluto dessas corporações, produtos que perderam toda a individuação” (ADORNO, 1994, p. 92).

No bojo dessa indústria7, os filmes de ficção científica representam uma fatia significativa no montante lucrativo. Seus enredos atraentes estão repletos de efeitos especiais, especulações sobre tecnologia e inovações científicas que, ainda que não estejam atreladas ao real, no sentido de decalque da história, podem invocar muitos temas presentes no contexto histórico e social

Nesse sentido, Alfredo Suppia (2006) destaca que da perspectiva da crítica cinematográfica um filme de ficção científica não precisa se prender ao conhecimento científico corrente. Segundo este autor:

Muito mais do que a validade das idéias científicas que expõe, interessa a filmes do gênero a construção de uma lógica interna. Na Poética, Aristóteles demonstrou que um silogismo pode advir de uma premissa falsa, sem que isso comprometa a estrutura do raciocínio lógico. É nesse terreno que opera a ficção científica [...], o gênero desperta no público interesse pela ciência, chegando mesmo a estabelecer algum nível de alfabetização ou mesmo motivação para carreiras científicas. (SUPPIA, 2006, p. 01).

Portanto, após esta breve introdução sobre o pós-modernismo na cultura de massa a fim de evidenciar o chão histórico e social que sustenta os filmes analisados, enfatizamos que neste trabalho procura-se dar palavra ao próprio filme, suas imagens e sons são tomados aqui como núcleo central e busca-se extrair deles representações da sociedade do período de sua realização, as questões que estes suscitam e como as resolve no plano diegético. Partimos à apresentação dos filmes escolhidos.

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Os Blockbusters escolhidos

Investir milhares de dólares na produção e distribuição de um filme com um ator de reconhecido sucesso junto à crítica e ao público, explorar o imaginário social em torno de um tema de ficção antigo (robôs) e valer-se do que há de mais atual em técnica cinematográfica é a fórmula básica para a feitura dos três blockbusters escolhidos. O êxito desta fórmula nos mostra não apenas o lucro inicial que deve superar várias vezes o dinheiro gasto com o filme já na primeira semana de exibição nos cinemas, como também o poder avassalador da cultura de massa e do seu discurso ideológico. E como pontua Manevy, “... a imensa familiaridade dos brasileiros com a produção norte-americana não está baseada em amplo estudo, produção e difusão de pensamento, mas em formas variadas e intensas de consumo” (MANEVY, 2008, p. 253). Além disso, esse autor afirma que países como o Brasil, ao pagarem pelo licenciamento desses produtos e suas marcas, podem contribuir para o déficit na balança comercial em propriedade intelectual.

Nesta análise, temos filmes que incorporam técnicas cinematográficas avançadas – efeitos especiais, cenários construídos por computadores – e buscam fazer algo que o cinema foi se aperfeiçoando desde sua primeira exibição, ou seja, prender inúmeros espectadores diante de uma grande tela, o que, atualmente, leva mais ou menos duas horas. Para isto a montagem do filme nas disposições de cenas e a construção estética dos personagens principais serão fundamentais para que exista uma sintonia, uma espécie de “pacto”, entre o público e o personagem que conduz a trama para que após a efetivação deste “pacto” o filme se estenda até o resultado final. E, nesse sentido, quando a identificação entre público e personagem se realiza, a trama pode tomar qualquer rumo, o personagem pode mostrar até um caráter ambíguo que, em geral, o seu público o acompanhará e receberá a mensagem proposta pelo narrador cinematográfico.

Xavier (2003a) apontou que no modo naturalista de produção fílmica (que abrange os três filmes escolhidos para este trabalho) existe toda uma preocupação em eclipsar os meios de representação e dirigir o espectador para uma identificação “direta” com o mundo ficcional. Este autor, em O discurso cinematográfico: opacidade e

transparência, nos fala desse princípio de montagem invisível, cuja janela observada no

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filme. A palavra de ordem é “parecer verdadeiro” anulando os rastros do trabalho de filmagem. Segundo este autor, o naturalismo se refere:

[...] à construção de espaço cujo esforço se dá na direção de uma reprodução fiel das aparências imediatas do mundo físico, e à interpretação dos atores que busca uma reprodução fiel do comportamento humano, através de movimentos e reações “naturais” [...] o estabelecimento de que a platéia está em contato direto com o mundo representado, sem mediações, como se todos os aparatos de linguagem constituíssem um dispositivo transparente (o discurso como natureza). (XAVIER, 1977, pp. 31-32).

Além da identificação com o personagem o espectador de cinema é levado a seguir pistas falsas na narrativa do filme para que tire conclusões precipitadas e sinta a todo instante um clima tenso e angustiante que o incite a permanecer até o desfecho final, por mais irrelevante ou fantasioso que este possa parecer.

Para isso, entra na feitura do filme a pós-produção que consiste não apenas na montagem coerente das cenas gravadas que darão um sentido ao filme, mas também na introdução de efeitos sonoros e visuais, como a correção de defeitos nos cenários, acerto das cores e luzes, tudo planejado para guiar as emoções do espectador e para marcar a tônica da narrativa.

Vejamos a seguir o enredo dos filmes escolhidos:

Dirigido pelo americano Chris Columbus, O Homem Bicentenário foi produzido nos Estados Unidos e estreou na grande tela em 1999 angariando uma indicação ao Oscar de melhor maquiagem e tornou-se um filme exibido à exaustão nas telas de TV brasileiras. Ao contrário de Blade Runner, que foca sua narrativa na sombria Los Angeles de 2019, o discurso científico de O Homem Bicentenário se apresenta em algumas das mais importantes cidades norte-americanas (Nova Yorque, Los Angeles, São Francisco entre outras) ambientadas nos recentes anos de 2005, num panorama clean e ensolarado no qual uma família compra um robô (Robin Williams) doméstico nomeado Andrew - por suas feições serem semelhantes à de um homem. Sua tarefa será realizar trabalho doméstico; entretanto, o robô vai se “humanizando8” ao apresentar “sensibilidades” como curiosidade, inteligência e personalidade própria. Após conhecer a história oficial do gênero humano, através da leitura de inúmeros livros, o robô sente vontade de se tornar homem e para isso financia pesquisas científicas após juntar dinheiro como “fruto de seu trabalho”. Ao longo da trama,

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Andrew se torna andróide e as referências à Blade Runner se tornam mais claras; aqui o discurso vai do homem pós-orgânico para o homem que luta para ser reconhecido como orgânico e as metáforas desta transformação são um dos focos desta dissertação.

Idealizado por Stanley Kubrick9 e dirigido por Steven Spielberg, AI - Inteligência

Artificial foi lançado dos EUA para os cinemas de todo mundo em 2001. Numa mistura

de conto de fadas pós-moderno com aventura e ficção científica, Inteligência Artificial recebeu duas indicações ao Oscar de melhor Trilha Sonora e de melhor Efeitos Especiais por contar a estória de um menino meca (mecânico) que sonhava se tornar um menino de verdade para receber o amor de sua “mãe”, uma dona de casa que tinha um filho doente conservado em laboratórios especializados em criogenia a espera da cura para a doença que o vitimara. Para conseguir realizar seu sonho, o meca David (Haley Joel Osment) parte para uma aventura com dois amigos, o urso super-brinquedo Tedy e o robô gigolô Joe (Jude Law), em busca da Fada Azul, que segundo o conhecido conto infantil do italiano Carlo Collodi, transformou o boneco Pinóquio em “menino de verdade”. Aqui vários conflitos entre homem e máquinas sugerem a continuidade de questões apontadas em Blade Runner, como por exemplo, a “Feira da Carne” na qual robôs capturados por pessoas que se sentem ameaçadas por estas tecnologias são destruídos à maneira dos suplícios medievais. Talvez isso indique a idéia de insensatez ou irracionalidade do conflito homem versus máquinas, ou do homem e razão científica como no indica de forma alegórica o filme.

Por fim escolhemos, Eu, Robô (USA, 2004) dirigido por Alex Proyas e que apesar de ter sido rodado 23 anos após Blade Runner é a obra que traz referências claras ao seu sucessor clássico numa forma que reproduz e equaliza, no filme, todos os conflitos humanísticos e ambientais postos em Blade Runner, muito embora, por ser baseado no livro de Isaac Asimov, de 1950, deixe transparecer seu panorama histórico-social específico, isto é, os anos iniciais da guerra-fria com o conflito URSS e EUA, o que no filme é simbolizado pelo conflito dos robôs NS-5 (fabricados pela URS Robotics)

versus a população dos EUA. Sua estória, que recebeu uma indicação ao Oscar por

Melhores Efeitos Especiais, narra a existência de robôs que exercem trabalhos atualmente realizados por imigrantes nos EUA, como, por exemplo, serviço de entregas, babás, garçons, coletores de lixo, um fato comum na Chicago futurista de 2035. Esses

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robôs possuem um código de segurança denominado Três Leis da Robótica que os impedem de fazer qualquer mal aos humanos, mas quando o criador de robôs morre, o suspeito pelo crime é seu robô Sony - um modelo NS-5 - que, como os robôs dos demais filmes, desenvolve um tipo de personalidade própria e reivindica a singularidade de “mente pensante”. O discurso científico faz alusão à disputa ideológica entre as antigas superpotências EUA e URSS, além da questão dos usos científicos para “humanizar as novas tecnologias”, neste caso, robôs como Sony. Para investigar a morte do gênio criador, a ficção científica se mescla mais uma vez com o gênero policial (a là

Blade Runner e seu policial Deckard) e o detetive Dell Spooner (Will Smith) entra em

cena para acrescentar ação à trama.

Dessa forma, entendemos que os filmes O Homem Bi-Centenário, Inteligência

Artificial e Eu, Robô nos indicam que o discurso estético posto nas narrativas resolve de

diferentes maneiras conflitos semelhantes, apresentados ao público espectador, no plano da diegese. Com isso, também apresentaremos como são tratados pelos filmes questões do pensamento social pós-modernista e o que se refere aos discursos para a transformação do corpo humano e como os conteúdos político-sociais dos filmes retomam e equalizam os dilemas apresentados pelos personagens das tramas. Nossa idéia é a de assumir o discurso do filme como uma narrativa calcada numa expectativa histórico-sociológica e buscar no narrador cinematográfico não apenas o pensamento social e as transformações pós-modernistas das épocas destacadas bem como de que maneira os filmes trataram as problemáticas delineadas e porque trataram de tal forma e não de outras.

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Procedimentos metodológicos.

Esta dissertação se dedica à discussão comparativa de três obras cinematográficas feitas com base em literaturas10 sobre ficção-científica que se tornaram

blockbusters bem conhecidos pelo público brasileiro: O Homem Bicentenário (USA,

1999), Inteligência Artificial (EUA, 2002) e Eu, Robô (USA, 2005), produzidos num hiato histórico de seis anos e unidos por um discurso comum acerca da utilização de recursos tecno-científicos na transformação do corpo humano. A premissa inicial é a de que os filmes levam ao público consumidor da indústria cultural questões ligadas aos usos de pesquisas nas áreas de robótica, sistemas operacionais, criogenia, eugenia, bioengenharia, biotecnologia e seus usos em seres humanos o que gera questões bioéticas11; observaremos de que forma os filmes levam esses discursos ao conhecimento popular – que, de certo modo, legitima e “consome”12, ou melhor, que sonha em poder consumir o produto do fomento desse tipo de pesquisa, de maneira que, aceitando sua produção sem questionamento, a legitima.

Buscamos apreender de que maneira os narradores cinematográficos representam a sociedade estadunidense e que leituras fazem da problemática em questão demonstrando, assim, qual o ponto de vista de nosso narrador cinematográfico em cada película.

A partir de Xavier (2007), privilegia-se neste trabalho, inicialmente, a análise individual de cada filme para que nas considerações finais (imagens finais) possamos fazer tanto um retrospecto dos pontos considerados fundamentais de cada película bem como o diálogo que estabelecem entre si para avançarmos em certas interpretações.

Frederic Jameson, no livro As Marcas do Visível (1995), diz que a história do cinema pode ser esclarecida “recorrendo-se à teoria dos períodos, ou seja, à proposição

10 Os três filmes escolhidos para esta pesquisa são inspirados em literaturas: O Homem Bicentenário

(EUA, 1999) foi inspirado num conto de Isaac Asimov, “The Positronic Man” lançado em 1993 que por

sua vez foi inspirado em outro livro de Asimov chamado “The Bicentennial Man” de 1976. Eu, Robô (EUA,2004) é baseado no livro homônimo de Isaac Asimov “I, Robot” de 1950. Inteligência Artificial (EUA, 2001) é baseado no conto de Brian Aldriss “Super-Toys Last All Summer Long” de 1969.

11 Sobre este assunto ler: Bioética: um ponto de encontro. In: História, Ciências e Saúde: Manguinhos. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, vol. I nº 01, julho/outubro 1994, pág. 109-120. E Bioética, riscos e proteção/ organizadores Schramm; Rego; Braz; Palácios; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ; Ed. Fiocruz, 2005. De maneira bem geral esse termo refere-se às implicações morais da práxis humana sobre os sistemas vivos.

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de que suas tendências formais e estéticas são governadas pela lógica histórica” (p. 159). O autor diz também que a obra de arte para ser analisada deve ser entendida não “apenas como um conjunto de características estilísticas isoladas”, mas deve ser tomada a partir de sua “lógica como um todo” levando em consideração que sua produção e sua “função social” passam “por modificações radicais e dialéticas de um momento histórico para outro” (p. 159). Nesse sentido, é importante nosso diálogo com as teorias pós-modernas que caracterizam a atual produção do cinema de ficção científica de Hollywood.

Falando sobre o cinema de ficção científica, Jameson (1995) aponta que a sua historicidade não está na sua encenação de futuro e sim na sua percepção do presente como história ou, ainda, “como uma relação com o presente que o desfamiliariza e nos permite aquela distância da imediaticidade que pode ser caracterizada finalmente como uma perspectiva histórica. (p. 290). Mesmo falando do futuro e projetando de maneira aleatória e fictícia algumas “sementes do tempo”, os filmes de ficção científica que escolhemos falam do seu tempo e de outros tempos idos com certa nostalgia, como poderemos observar em Eu,Robô se lembrarmos de um mundo bipolar13 em contraposição à emergência de “novos inimigos” dos EUA. Mesmo após os fatos ocorridos em 11 de setembro de 2001,14 Eu, Robô (produzido em 2004) não traz

nenhuma relação direta com esses fatos, pelo contrário, preferiu omiti-los.

Nesse sentido, concordamos com Jameson que um filme pode ser analisado através de base histórica, porém, a fim de evitar um comum engano, ressaltamos que um filme não pode ser lido como um decalque15 da história de seu período específico;

13 Eric Hobsbawn (1995) nos informa sobre este período que emergiu no pós II Guerra, quando dois sistemas de produção repartiam o mundo em capitalismo e socialismo. O confronto ideológico entre as duas superpotências passou a ser chamado de guerra fria e se estendeu até o colapso do comunismo em 1989, simbolizado pela queda do muro de Berlim. De lá para cá os EUA encontraram novos opositores como, por exemplo, os radicais islâmicos que se opõem ao modo ocidental de vida e organizam ataques terroristas contra os EUA e seus aliados políticos.

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Refiro-me à queda das “torres gêmeas” ou edifício World Trade Center que ruiu em Nova York após o ataque de terroristas supostamente ligados ao radical islâmico Osama Bin Laden. Esse foi considerado o maior ataque terrorista de todos os tempos atingindo não apenas o coração financeiro dos EUA, mas ceifando centenas de vidas humanas.

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sobretudo um filme pós-moderno que pode conter referências de diferentes períodos históricos. Alice Martins aponta outras representações possíveis que o cinema pode nos fornecer, segundo essa autora:

As obras científico-ficcionais, no cinema, estabelecem múltiplos espaços de diálogo entre o discurso científico, que se pretende racional, e o imaginário, não-racional, constituindo um campo fértil de representações e formulação de reflexões sobre a sociedade contemporânea. (MARTINS, 2004, p. 42).

Assim, recorremos à bibliografia sobre a história dos Estados Unidos para fundamentar nossas afirmações sobre o contexto sócio-histórico da realização dos filmes, na medida em que estes põem em relevo elementos que fazem parte essa história. Não pretendemos realizar uma análise fílmica que seja calcada numa relação causal entre estrutura e superestrutura sociais, ao contrário, preferimos deixar que os filmes nos forneçam, através da relação entre forma e conteúdo, o ponto de vista de seu narrador e, por conseguinte, mas não de maneira mecânica, toda a condição histórica que o compõe.

O próprio Jameson (1985) nos permite substituir o termo causalidade por “analogia ou homologia, do paralelismo” (p. 16) de maneira que a construção do microcosmo incluirá a analogia com o macrocosmo. Entendemos que a obra de cultura pode fornecer através dessas analogias um modelo de conhecimento mais útil do que as “projeções históricas” propriamente ditas que muitas vezes tomam a obra de cultura como um mero exemplo de suas afirmações. Jameson privilegia o estudo social através dos artefatos culturais16, pois ao mesmo tempo em que “o cultural é bem menos complexo que o econômico, pode ser visto como uma introdução conveniente ao real, numa escala reduzida e simplificada” (JAMESON, 1985, p. 16).

Assim, o caminho da análise entende que estética e ética17 andam juntas, devido à idéia de que o que acontece com a forma das obras é reproduzido no nível do conteúdo. Trata-se de pensar o narrador cinematográfico presente na estética de cada filme. Para tanto, nos apoiamos em Jameson (1997) e na tese de que toda obra de cultura traz em si uma análise histórica, não importando se é rotulada como alta cultura

16 Jameson (1985) lembra a afirmação de Engels sobre Balzac na ocasião que este declarava que com as obras do literato “aprendi mais com sua história completa da sociedade francesa, até mesmo em detalhes econômicos (por exemplo, a reorganização da propriedade mobiliária e pessoal depois da revolução), do que com todos os historiadores, economistas e estatísticos professos do período” (p. 17-18)

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ou a cultura de massa, polaridades valorativas que para esse autor devem ser superadas pela crítica. Como metodologia, este autor propõe a realização de uma dupla hermenêutica, isto é, uma análise dialética que contempla a parte interna das obras, das suas estruturas ou formas, no nosso caso diegética, e no diálogo destas obras com seu tempo histórico-social. Portanto, imagem, diálogos, ritmo, fotografia, sons e músicas, tempo, figurinos, narrativa, posicionamento da câmera, montagem das cenas, cores das cenas, dão a lógica a cada diegese18 e dialogam com um período histórico social específico que se estende dos anos 1968 até 2005, abrangidos e considerados por Harvey (2004) e Jameson (2000) e Anderson (1999) como períodos de manifestação e consolidação da face cultural do capitalismo tardio19 ou pós-modernismo.

Adicionado a isso, propomos estruturar, a partir de Jameson, o quadro ideológico que compõe os filmes, buscando extrair as saídas para os conflitos e a possibilidade ou não de se pensar utopias para a atualidade. É consenso entre os pesquisadores de cinema que obras da cultura de massa podem propor mais embrutecimento do que autonomia para seu público espectador, mas ainda assim existem a sociedade, a história e a ideologia como “pano de fundo” desses filmes comerciais que estão à espera de decodificação e que, para nossa análise, compõem o narrador cinematográfico presente em cada película. Nesse sentido, o objetivo central da nossa análise é a tradução cinematográfica do discurso científico, e o mecanismo cognitivo que segundo Jameson (1992) possibilita seu estudo.

Ainda sobre a ideologia expressa nos filmes, Sorlin (1985) considera que ao se tratar de sociologia do cinema, o termo ideologia é pertinente para a análise sociológica do filme por ter maior autonomia diante de termos erroneamente empregados como “visão de mundo” ou ainda, “mentalidades” devido a imprecisão conceitual de ambos os termos. Concordamos, ainda, com a idéia de “expressão ideológica” cunhada por Sorlin

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A palavra diegesis provém do grego significando narração e designando particularmente uma das partes obrigatórias do discurso judiciário, a exposição dos fatos. “Tratando-se do cinema, o termo foi revalorizado por Étienne Souriau; indica a instância representada no filme - a quem um Mikel Dufrenne oporia à instância expressa, propriamente estética – isto é, em suma, o conjunto da denotação fílmica: o enredo em si, mas também o tempo e o espaço implicados no e pelo enredo, portanto as personagens, paisagens, acontecimentos e outros elementos narrativos, desde que tomados no seu estado denotado” Ver: Christian Metz, A significação no cinema, 1972, p. 118.

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e como esta se insere nos filmes:

La ideología sería el conjunto de los medios y de las manifestaciones por los cuales los grupos sociales se definen, se sitúan los unos ante los otros y aseguran sus relaciones. No existiría una ideología, sino solamente expresiones ideológicas, entre las cuales se contarían, hoy, las películas. Las diferentes proposiciones antes evocadas indicarían los grandes lineamientos de la investigación: el papel de la producción cinematográfica en la perpetuación de una instancia ideológica, la fuerza de inculcación de los modelos fílmicos, el lugar del cine en la puesta en evidencia o en la tergiversación de los conflictos” (SORLIN, 1985, p. 21).

Vemos que como pontua Sorlin, não há uma ideologia pairando sobre a sociedade com uma única entidade abstrata que se manifesta em diferentes grupos sociais; antes, é possível que num mesmo momento histórico, na mesma formação social se desenvolvam “expressões ideológicas” que podem ser concordantes, paralelas ou contraditórias, muito embora sejam sempre indispensáveis para a permanência da classe dominante que, por sua vez, recorre a instrumentos morais e intelectuais que asseguram a permanência de sua opinião sobre as demais grupos sociais. Portanto, para Sorlin:

“La ausencia de dirección ideológica significaría, para el grupo dominante, la incapacidad de establecer una relación, aun antagónica, con los grupos aliados o adversarios, y la obligación de no emplear más que la violencia para mantener su poder. [...] Al lado de estos aparatos, se han estudiado poco otros sistemas de difusión ideológica, como la prensa, [...] las horas libres y el cine. (SORLIN, 1985, p. 21).

Essas considerações de Sorlin são úteis para pensarmos quais “expressões ideológicas” estão contidas nos filmes, além de reafirmar a importância de se pensar o ponto de vista do narrador cinematográfico. Nesse sentido, é necessária uma breve elucidação a respeito do uso do termo narrador e, para isso, vale a pena reproduzir as palavras do pesquisador de cinema Ismail Xavier:

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fundamental na organização do filme, conto ou romance. (XAVIER, 2007, p. 17).

Assim, fica claro que o narrador a quem indagamos nos filmes não é um ser palpável, não possui um rosto nem deixa outro traço que não seja o ato mesmo de narrar. Não constitui a visão do cineasta20, nem do produtor, nem da equipe técnica ou qualquer outro ponto de vista que pode ser detectado isoladamente. Antes “o narrador é essa figura mediadora que resulta da metamorfose do autor, ou da sua invenção, como diriam alguns, ou da linguagem de seu trabalho, como diriam outros” (Xavier, 2007, p. 18).

Todos os recursos de imagem e som usados na confecção da ficção compõem uma complexa mediação. Ao mergulharmos no filme e examinarmos o trabalho do seu narrador poderemos ver como imagens e sons estão constituídos e por sua vez como esses elementos nos revelam “os movimentos internos da obra” que, como caracterizou Xavier (2007) sobre o narrador, oferecem instrumentos para discussões de outra ordem como aquelas que se referem ao “contexto da produção do filme e sua relação com a sociedade” (op.cit. p. 18).

Independentemente do filme que está em análise, se foi bem sucedido em seu faturamento, se foi um fracasso de bilheteria, se foi um clássico ou um blockbuster, todos esperam pela decodificação da postura de seu narrador, quais critérios foram usados, qual sua lógica, sua moral, seu saber, enfim. “A obra de ficção é a invenção de uma estória e, ao mesmo tempo, de um modo de narrá-la” (op.cit. p. 18).

Para falar desse modo de narrar, Ismail Xavier refere-se à forma do filme; isto é, como cada filme segundo a sua forma pede a sua própria crítica. A forma do filme diz respeito ao modo de disposição dos acontecimentos e ações das personagens, o que por sua vez, expressa um sentido político. O narrador escolhe o momento em que uma informação é dada e por meio de que canal isso é feito. Num filme, as coisas estão ordenadas no tempo e no espaço vivido pelo personagem. Nesse sentido,

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[...] A narrativa é uma forma do discurso que pode ser examinada num grau de generalidade que permite descrever o mundo narrado (esse espaço-tempo imaginário em que vivem as personagens) ou falar sobre muitas coisas que ocorrem no próprio ofício da narração sem que seja necessário considerar as particularidades de cada meio material (a comunicação oral, o texto escrito, o filme, a peça de teatro, os quadrinhos, a novela de TV). (XAVIER, 2003b, p. 64).

Desta maneira, conforme Xavier (2003a), “narrar é tramar, tecer” (p. 66), pois a narração constrói seu mundo informando tempo e espaço, tipos de ação de seus personagens, como os fatos são apresentados, se em sucessão linear ou idas e vindas no tempo cronológico, paralelismos na evolução da história, elipses (saltos no tempo), mudanças no espaço das ações, como é privilegiado um ou outro personagem, produz simetrias entre começo e fim entrecruzamentos, bifurcações e “pontos de virada” da história, conflitos entre personagens que se enfrentam ou se ajudam, entre inúmeros aspectos que podem ser observados.

Ao assistir um filme temos que juntar as peças do mosaico para compor uma espécie de percurso da personalidade em questão. A questão central no nível da trama não é a história em si, “mas o modo como o filme tece a narrativa e nos traz os dados que nos permitem tomar consciência do que se trata” (Xavier, 2003a, p. 66). E ainda, verificar qual o foco ou ponto de vista que apresenta os personagens, em qual grau de distancia ou detalhamento somos conduzidos a observar determinada situação ou experiência:

[...] “o foco” do qual emana a “voz narrativa” envolve a descrição de formas e procedimentos que, até certo patamar de observação, mobiliza noções comuns à literatura, ao teatro e ao cinema. Em face de todos, trata-se de examinar a partir de que perspectiva uma história é contada, um drama é concebido, personagens são desenhadas, em menor ou maior detalhe, permanecendo misteriosos ou mais transparentes para quem acompanha o relato” (XAVIER, 2003a, p. 67).

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ideologia em determinado contexto social.

Em decorrência disto, e tendo em vista o poder de difusão do discurso Hollywoodiano na figura de sua indústria cultural tecnicamente organizada e bem financiada, aliamos à perspectiva do narrador cinematográfico desenvolvida por Xavier para inferirmos que a indústria cultural de Hollywood desenvolveu uma espécie de narrador cinematográfico “básico”; o que corresponderia à cultura do norte-americano médio.

Se a janela de que fala Xavier (2003a), sobre o modo naturalista de fazer cinema, reúne princípios básicos para a produção de um efeito natural que esconde os meios de representação a fim de dirigir o espectador para uma identificação ‘direta’ com o mundo ficcional, pressupomos que a indústria cultural de Hollywood criou um ‘narrador básico’ dotado de uma ética comum que corresponderia ao sujeito estadunidense médio. A moral deste sujeito médio se apresenta mais na forma do que no conteúdo, visto que, nos filmes escolhidos, temos narradores bem informados que utilizam um conjunto de conhecimentos disponíveis sobre engenharia genética, robótica e ciências biológicas, entre outras, contudo esses narradores não utilizam esse conhecimento de maneira crítica, ao contrário, preferem acomodar todos os conflitos que encontram dentro do velho arcabouço cristão e/ou da sociedade de classes, do status quo. É como se embora o conhecimento estivesse ao alcance de todos o que sobressai é o discurso maniqueísta como ética básica desse narrador essencial que dá a base do tom discursivo dos narradores de cada película escolhida, como veremos na continuidade deste trabalho.

Portanto, a forma naturalizada de Hollywood combina com o status quo, o encobrimento dos rastros do trabalho de que fala Xavier, numa fórmula básica de cinema que significa colocar qualquer conteúdo novo numa fôrma velha e tornar o trabalho igualmente velho conhecido de todos que com ele se identificam de maneira ‘direta’ devido ao naturalismo dessa janela fílmica.

Adicionado a isso, pensamos a partir de Menezes que,

O cinema não é o duplo perfeito, mas sua capacidade de se colocar como se fosse, torna clara as formas pelas quais organizamos e orientamos nosso tempo e espaço, já totalmente naturalizados como sendo atributos eternos de nós mesmos. O cinema não é o duplo de qualquer realidade mas ele sempre nos ajuda a olhar para essa mesma realidade. (MENEZES, 1996, p. 98).

Referências

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