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A noção de crise no campo da saúde mental: saberes e práticas em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

ALINE GOMES MARTINS

A noção de crise no campo da saúde mental:

saberes e práticas em um Centro de Atenção

Psicossocial (CAPS)

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ALINE GOMES MARTINS

A noção de crise no campo da saúde mental: saberes

e práticas em um Centro de Atenção Psicossocial

(CAPS)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia

Área de concentração: Psicologia Social

Orientadora: Prof Dra. Izabel Christina Friche Passos.

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Nome: Aline Gomes Martins

Título: A Noção de Crise no Campo da Saúde Mental: saberes e práticas em um Centro de

Atenção Psicossocial (CAPS)

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado da

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da

Universidade Federal de Minas Gerais como

requisito parcial à obtenção do título de Mestre em

Psicologia.

Aprovado em

Banca Examinadora

Prof. Dra. Izabel Christina Friche Passos

Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais. Assinatura: ___________________________

Prof. Dra. Cassandra Pereira França

Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais. Assinatura: ___________________________

Prof. Dra. Marília Novais da Mata Machado

Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais. Assinatura: ____________________________

Prof. Dr. Walter Melo Júnior

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AGRADECIMENTOS

À professora Izabel pelas suas sábias contribuições e pela oportunidade de ser orientada por ela no mestrado.

Ao professor Walter Melo, agradeço pela amizade e profissionalismo e por sempre acreditar no meu potencial.

Aos colegas de mestrado pelas experiências compartilhadas.

Aos amigos da UFSJ, pelo companheirismo. Em especial às minhas irmãs de coração - Pat, Nat e Sofia - pelo incentivo e afeto que nem mesmo a distância consegue apagar.

Aos profissionais e usuários do Centro de Atenção Psicossocial, onde foi realizada a pesquisa, por sempre estarem de portas abertas.

À CAPES pela ajuda financeira durante todo o mestrado.

Aos colegas do LAGIR por me acolher em uma terra onde me sentia estrangeira.

Aos funcionários do Programa de Pós Graduação em Psicologia da UFMG, pela atenção e contribuições durante o mestrado.

À Dafne pela amizade e enorme contribuição na correção do meu texto.

Às minhas amigas Alexandra, Michelle, Marah e Marina pela presença constante, carinho e por me fazerem sentir especial.

À Madalena pela escuta e sábias orientações.

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Aos meus queridos irmãos, Leo e Ari pelo amor incondicional. Por estarem ao meu lado, escutarem minhas lamentações e apoiarem minhas decisões.

Aos meus pais, Jésus e Marcí, minha fonte de inspiração, que me ensinaram a ser uma pessoa de bem e a lutar pelos meus sonhos. À eles dedico esse trabalho e todos os outros que virão.

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Quando se derrubam os muros do hospital, todos

nos vemos obrigados a repensar velhos modelos

e somos impelidos à criação de uma nova

história.

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RESUMO

Martins, A. G. (2012). A Noção de Crise no Campo da Saúde Mental: saberes e práticas em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Dissertação de Mestrado, Programa de

Pós-Graduação em Psicologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

O presente trabalho é um estudo de caso em uma perspectiva qualitativa. Objetiva problematizar a noção de crise, que dá sustentação aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) enquanto serviços de atenção a crises e urgências em saúde mental. Para tanto, foram realizadas observações participantes, entrevistas com profissionais especialistas, conversas com os profissionais não especialistas e usuários de um CAPS de uma cidade do interior de Minas Gerais. Para uma melhor compreensão sobre o tema, foi efetuado um levantamento bibliográfico exploratório a fim de investigar as noções de crise no transcorrer da história da saúde mental, desde as ideias defendidas pela psiquiatria clássica até os saberes difundidos pela reforma psiquiátrica. As entrevistas realizadas com os profissionais foram gravadas e transcritas na íntegra, e analisadas a partir das contribuições da análise de conteúdo. A análise das entrevistas permitiu levantar quatro hipóteses. Essas hipóteses compreendem temas centrais presentes nas falas dos entrevistados e se configuraram em categorias de análise. Foram elas: Hierarquização do saber; Medicalização; Supervalorização do protocolo; Concepções de crise. Cada categoria expõe um tema conflituoso, os quais se entrelaçam e compõem os resultados dessa pesquisa. As entrevistas mostram que a maioria dos

profissionais se encontram “perdidos” dentro do serviço, sem saber o que fazer e como agir.

Tal situação pode ser explicada pela hegemonia do saber médico, que deixa pouco espaço para as demais áreas do conhecimento atuarem. Por mais que exista uma multiplicidade de saberes e de noções convivendo entre si, fica claro que predomina no CAPS uma noção de crise aos moldes da clínica médica. Como a crise é percebida, pela maioria dos profissionais, como um estado de agudez dos sintomas psiquiátricos, e o sujeito é avaliado a partir do seu comportamento, não se abre possibilidades para outros tratamentos que levem em consideração a subjetividade e toda a complexidade de relações sociais que a constitui e mantém. Para que um tratamento efetivo se construa, precisamos romper com a hegemonia de saberes e abrir as portas para múltiplas possibilidades de perceber e lidar com a crise, a

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dimensão subjetiva. O trato com a mesma se constrói a partir da relação com o sujeito, com a sua história de vida, familiar, profissional e emocional.

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ABSTRACT

Martins, A. G. (2012). The notion of crisis in Mental Health field: knowledges and practices in a Psychosocial Attention Center (CAPS). Dissertação de Mestrado, Programa de

Pós-Graduação em Psicologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

The present paper is a qualitative case study. It aims at discussing the crisis notion supporting Psychosocial Attention Centers (CAPS) which offer services of attention to mental health crisis and urgencies. Therefore it were conducted participants observations, interviews to specialized professionals, talks to non specialized professionals and to CAPS users in a Minas Gerais state countryside town. In order to best comprehend the argument, an exploratory bibliographic survey was conducted to investigate the notion of crisis throughout mental health history; from the ideas sustained by classic psychiatry up to the knowledge transmitted by the psychiatric reform. The interviews to the professionals were recorded and transcribed integrally, and analyzed according to the contributions of the content analysis. The interviews analysis allowed the raising of four hypotheses. These hypotheses approach central topics in

the respondents’ speech and were configured in categories of analysis as follows: knowledge

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LISTA DE ABREVIATRURAS E SIGLAS

AC - Análise de Conteúdo

AD - Análise do Discurso

CAPS - Centro de Atenção Psicossocial

CAPSad - Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas

CAPSi - Centro de Atenção Psicossocial Infantil

CERSAM - Centro de Referência em Saúde Mental

CID - Classificação Internacional de Doenças

CRAS - Centro de Referência de Assistência Social

CREAS - Centro de Referência Especializado de Assistência Social

DSM - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais

NAPS - Núcleo de Atenção Psicossocial

PSF - Programa Saúde da Família

SUS - Sistema Único de Saúde

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SUMÁRIO

I – INTRODUÇÃO...13

II - UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE O CONCEITO DE CRISE NA SAÚDE MENTAL...18

III - EXPLORANDO A REALIDADE EMPÍRICA: OS MUITOS DESAFIOS DA PESQUISA QUALITATIVA...28

3.1 Primeira Fase: Levantamento Bibliográfico...29

3.2 Segunda Fase: Trabalho de Campo...30

3.3 Terceira Fase: Análise das Entrevistas...32

3.4 Sobre as Implicações da Pesquisadora...37

IV - SABERES E PRÁTICAS EM UM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL...40

4.1 Funcionamento do CAPS...40

4.2 A Equipe...45

4.3 Categorias construídas para a análise das entrevistas...47

4.3.1 Lugar do Saber/Conflitos de Poder: hierarquização do saber...48

4.3.2 A Medicação como foco quase exclusivo do tratamento...55

4.3.3 Protocolo: um bem ou um mal?...60

4.3.4 Como os profissionais compreendem a crise...64

V - CONSIDERAÇÕES FINAIS...72

REFERÊNCIAS...78

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I - INTRODUÇÃO

A palavra crise é polissêmica, ou seja, é permeada por significados e sentidos diversos. Ela está presente no nosso cotidiano desde o discurso mais corriqueiro até os discursos dos centros especializados em saúde mental.

No sentido mais próximo do senso comum, Leonardo Boff (2002) defende que ao falarmos de crise não nos referimos apenas a uma experiência individual, pertencente aos cidadãos em sofrimento psíquico. Podemos nos referir a situações diversas, visto que nada funciona de forma estática e satisfatória.

De acordo com Ferreira (2004, p.500), crise significa:

1. Alteração que sobrevém no curso de uma doença. 2. Acidente repentino que sobrevém numa pessoa em estado aparente de boa saúde ou agravamento súbito de um estado crônico. 3. Manifestação violenta e repentina de ruptura de equilíbrio. 4. Manifestação violenta de um sentimento. 5. Estado de dúvidas e incertezas. 6. Fase difícil, grave, na evolução das coisas, dos fatos, das idéias. 7. Momento perigoso ou decisivo.

Assim como apresentado acima, podemos perceber que a ideia de crise, na maioria das vezes, carrega um teor negativo. Estamos inseridos em uma sociedade que se baseia em protótipos de normalidade, que perpassam formas de ser e estar no mundo definidas como normais, como esperadas. E definimos como crise algo que rompe com o esperado, que retira

o sujeito de um estado de “equilíbrio”, de homeostase, como dizia Caplan (1980). Contudo, o

caráter negativo atribuído à crise é passível de ser questionado. A origem da palavra nos apresenta novas reflexões.

De acordo com Leonardo Boff (2002), a palavra sânscrita para crise é Kri ou Kir e significa desembaraçar, purificar, limpar. No português foram conservadas as palavras acrisolar e crisol. O crisol é um elemento químico que purifica o ouro, limpa. Portanto, crise apresenta na sua origem filosófica a ideia de purificação.

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estar no mundo. No momento de crise, o essencial aparece com clareza. Busca-se pelo cerne do problema para que seja possível superá-lo.

Apesar do momento de crise possuir uma dimensão de possibilidade, de inovação, ela acarreta uma turbulência na vida de quem passa por ela, pois retira a pessoa do seu estado habitual de ordem, e a coloca em uma situação de incômodo, de tomada de decisão. Na crise, o sofrimento é inegável. A pessoa se sente deslocada do lugar comum, da rotina estável e segura, da experiência da maioria. Em um mundo de identidades rígidas, essa experiência é dolorosa (Bichuetti, 2000).

Especificamente no campo da saúde mental, a crise ocupa lugar central. Ela inaugura

uma nova condição de vida para o sujeito. A crise, ou seja, uma “manifestação de loucura”,

produz um corte na vida do sujeito e este passa a carregar o registro de louco. Para assistir as pessoas nessa condição foram criados os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)1.

De acordo com a portaria 336, que regulamenta o CAPS, cabe a este dispositivo estar capacitado para realizar prioritariamente o atendimento de pacientes com transtornos mentais severos e persistentes (Ministério da Saúde, 2002). Dentro dessa definição, podemos nos

referir ao CAPS, nos moldes dessa pesquisa, como um “serviço de atenção à crise”.

Esses serviços, introduzidos pelo processo de reforma psiquiátrica, devem estar equipados para lidar com toda a complexidade da situação de crise. O CAPS é o núcleo de uma nova clínica, produtora de autonomia, que convida o usuário à responsabilização e ao protagonismo em toda a trajetória do seu tratamento. Todavia, quando tentamos trazer toda a dimensão da crise para o campo específico da clínica da saúde mental, deparamo-nos com diversos paradoxos que merecem uma reflexão especial.

A crise, em geral, é o determinante das demandas em saúde mental e é um dos fenômenos de maior interrogação entre os profissionais da saúde. Por se tratar de um tema complexo, que carrega consigo as expectativas de uma sociedade e produz um enorme sofrimento no sujeito que a vivencia e em todos que de certa forma a compartilham, deve ser pensada e analisada com cuidado.

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Em minha experiência universitária, participei de um estágio de extensão em um CAPS. Fui estagiária nesse dispositivo de saúde mental durante dois anos. Nesse período realizei oficinas de teatro com os usuários do CAPS. As oficinas aconteciam todas as segundas-feiras, no próprio serviço. Concomitante ao trabalho com as oficinas, realizei uma pesquisa (em caráter de iniciação científica) com os profissionais do CAPS, usuários e familiares destes. Esse tempo de experiência no serviço e, principalmente, com os usuários, suscitou-me muitas interrogações.

Percebi que a palavra crise circulava no discurso dos profissionais da saúde, pacientes e familiares, mas eu não conseguia entender muito bem o sentido que atribuíam a ela. Na maioria das vezes, os pacientes considerados em crise eram medicados e ficavam ociosos, sentados em algum canto da instituição, ou andando de um lado para o outro, muitas vezes em silêncio, outras balbuciando algumas palavras incompreensíveis, ou até mesmo apresentando comportamentos agressivos. Em alguns casos, de acordo com os profissionais da instituição, essa situação durava dias.

O que mais me causou estranhamento nessa experiência foi a forma como os profissionais encaravam a crise. Possuíam uma maneira única de lidar com ela. A meu ver, eles simplesmente não se arriscavam a intervir para além da medicação. O paciente era

medicado até ser “passível” de intervenção. Era comum escutar os profissionais da instituição dizendo: “hoje fulano está em crise, não vai poder participar da oficina, deixa ele lá”. A crise era encarada como algo incapacitante, como um acontecimento que não deveria ser contestado, mas sim isolado até que desaparecesse ou o sujeito fosse capaz de atingir certo

grau de “normalidade” esperado.

Imersa nesse contexto, muitas dúvidas me ocorreram. Será que a falta de intervenção se justifica pelo fato dos profissionais não saberem lidar com a crise? Não saberem conceituá-la? Existe outra forma de intervir na crise para além da medicação? O que é crise? Qual o sentido da mesma para quem passa por ela?

Desde então a temática da crise me incomoda. Carregava a sensação de que para conseguir trabalhar com os pacientes em crise eu deveria saber do que se tratava esse fenômeno.

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Ao construir meu objetivo de pesquisa passei por muitas dificuldades. Falar de crise me deixava confusa, não era um tema claro para mim, não me sentia confortável para defini-la, e essa dificuldade de nomear meu objeto de trabalho colocou-me em uma situação de agonia. Como vou falar de um tema que não conseguia classificar, conceituar, nomear? Eu precisava de um objeto bem definido, aos moldes positivistas, para que eu pudesse explorar e retirar sentido do mesmo. Demorou até que eu tomasse consciência de que não seria necessário conceituá-lo de forma rígida, para que minha pesquisa obtivesse um norte. Posso dizer que vivenciei uma crise dos meus fundamentos, pois precisei romper com uma forma dominante de pensar, arriscar-me pelas veredas do desconhecido e experimentar entrar em contato com um tema complexo e subjetivo, que fala do sujeito e do meio que o rodeia e constitui.

A fim de pensar sobre a crise, na saúde mental, desenvolvi esta pesquisa. Portanto, proponho refletir sobre possíveis conceituações, reflexões e discussões em torno do tema da crise no campo da saúde mental. Por meio de levantamento bibliográfico exploratório, pude perceber que diversas noções de crise circularam e ainda circulam nos dispositivos

responsáveis por “acolher” a loucura.

Como trabalho empírico, efetuei observações em um CAPS e realizei entrevistas com alguns profissionais do serviço, a fim de identificar como cada profissional significa e se posiciona diante da situação de crise. As observações, o diário de campo e as informações que já possuía em virtude do tempo que lá fui estagiária foram de suma importância para as análises das entrevistas.

É importante salientar que, inicialmente, a proposta desta pesquisa não se restringia a compreender a noção de crise dos profissionais da saúde do CAPS, pretendia também compreender o sentido da crise para o sujeito que a vivencia. Entretanto, após alguns encontros e conversas com uma usuária do CAPS, eu e minha orientadora entendemos que aquela segunda proposta tornaria esta pesquisa de mestrado muito extensa, e que talvez fosse impraticável nos dois anos que este curso compreende. Tomamos como foco, então, a compreensão da crise apenas no que diz respeito aos profissionais. Todavia, em decorrência da importância da fala da usuária entrevistada, utilizo alguns trechos da entrevista nas considerações finais dessa pesquisa.

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terceiro capítulo discorro sobre os caminhos metodológicos utilizados na coleta e análise do material empírico. Para tanto, recorri à análise de conteúdo como referencial teórico metodológico para a leitura das entrevistas. Em seguida, no quarto capítulo, apresento o serviço onde realizei a pesquisa, discorrendo sobre algumas de suas peculiaridades, e realizo as análises das entrevistas.

Acredito que essa proposta de trabalho me possibilitou compreender a situação de

crise para além de uma “ruptura com a normalidade” e a questionar certas concepções, ainda

existentes, que tendem a generalizar a crise, a não contextualizá-la, a não colocar em relevo a singularidade de cada um. Além disso, me permitiu refletir em torno dos saberes e práticas que circulam no CAPS e que afetam direta ou indiretamente o tratamento do sujeito em crise.

Em síntese, são objetivos da pesquisa:

Objetivo geral:

Problematizar a noção de crise, que dá sustentação aos CAPS enquanto serviços de atenção a crises e urgências em saúde mental, através de um estudo de caso.

Objetivos específicos:

Investigar as noções de crise no transcorrer da história da saúde mental: desde as ideias defendidas pela psiquiatria clássica até os saberes difundidos pela reforma psiquiátrica.

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II - UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE O CONCEITO DE CRISE NO CAMPO DA SAÚDE MENTAL

Especificamente no campo da saúde mental, é necessário levarmos em consideração

que qualquer esquema para definir “crise” deve analisar a organização psiquiátrica existente

em determinada época e momento histórico particular. Portanto, é problemática uma definição

única de crise em saúde mental (Dell’Acqua & Mezzina, 1991).

De acordo com Ferigato, Campos e Ballarin (2007), quando tentamos especificar a crise dentro do campo da saúde mental, encontramos diferentes conjecturas sobre a sua caracterização. Cada abordagem utiliza um critério para determinar se se trata ou não de uma crise mental.

Foucault (1991) discorre sobre as diversas visões de loucura ao longo da história, e deixa claro que o conceito de loucura para o qual o de crise pode ser remetido é algo construído histórica e culturalmente, dependendo do contexto social em que está inserido. O que hoje denominamos de “crise psicótica” já foi entendido como bruxaria, forma de purificação, revolta social, manifestação de sabedoria e, apenas a partir do século XVIII, como doença.

As formas de lidar com a doença mental também evoluíram ao longo da história. Variou desde fogueira, confinamento, tratamento moral, eletro-choque, contensão física e/ou medicamentosa, até outros recursos psicodinâmicos e psicossociais de tratamento.

Na conjectura atual, com o movimento da reforma psiquiátrica, é possível perceber que vivenciamos um momento de ruptura epistemológica, ou seja, uma dicotomia entre os saberes defendidos pela reforma e o saber biomédico que predominou por muitos anos. A reforma aspira transformar o lugar da loucura, atribuindo-lhe um estatuto que vai além de sintomatologias características, atingindo a dimensão da subjetividade. Pretende-se romper com o saber biomédico que se fundamenta em uma descrição nosográfica e em um tratamento baseado na contenção medicamentosa, na tentativa de restaurar a normalidade perdida.

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Optei por trabalhar com essas duas perspectivas de análise, pois estão presentes como abordagens antagônicas na literatura e ainda lutam por espaço dentro dos serviços de atendimento em saúde mental, provocando um conflito de saberes. A revisão bibliográfica foi efetuada sem se ater a algumas abordagens de importância na história da saúde mental, como a psiquiatria fenomenológica psicodinâmica e a psicanálise. Ambas inauguram um novo olhar sobre o adoecimento psíquico, levando em consideração a relação do sujeito com a doença. A não discussão em torno dessas abordagens não diminui a importância das mesmas.

São muitos os autores que se propuseram a estudar a loucura com visões divergentes. Os autores da psiquiatria clássica - movimento que teve início no século XVIII e que propagava a visão de louco como aquele desprovido de razão - lançam um olhar ora moral, ora biologicista sobre a loucura, classificando-a como doença e sugerindo uma forma de tratamento baseada na internação hospitalar, que promovia a exclusão do doente mental do seio da sociedade, sendo o tratamento feito no isolamento.

Nos primórdios da psiquiatria clássica, Pinel, Esquiro, Morel e Kraeplin apresentaram formas de pensar e lidar com a doença mental que se resumiam na descrição de sintomas, delineado por cada um deles à sua maneira, como relacionado ao aparecimento da doença (Becherie, 1980).

Durante a história da psiquiatria clássica, o hospital psiquiátrico representou o principal instrumento de intervenção em situações de crise. Dell`Acqua e Mezzina (1991) apontam o papel central do hospital psiquiátrico no atendimento à saúde mental, no qual permaneceu por muito tempo como carro chefe, por questões históricas, ideológicas e sociais que não nos cabe aqui aprofundar2.

O hospital psiquiátrico, típico do modelo que antecede a reforma, permitia o uso acrítico de esquemas técnicos impermeáveis e seletivos que classificavam comportamentos e homogeneizavam grupos de problemas, para os quais preveem respostas, buscando interpretar as situações de crise dentro de parâmetros definidos e controláveis. Não se reconhecia o paciente como uma entidade complexa; o sistema tendia a reduções, sendo a crise o ponto máximo de simplificação. O serviço equipou-se para perceber e reconhecer a doença por meio

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do próprio sintoma. A complexidade da existência de sofrimento do sujeito se reduzia a um mero sinal característico de crise (Dell`Acqua & Mezzina, 1991).

Durante a maior parte da história de atendimento ao paciente psiquiátrico, principalmente durante o predomínio da psiquiatria clássica, a crise foi reduzida ao que podemos chamar de agudização da sintomatologia psiquiátrica. Isto é, a uma gama de sinais e sintomas catalogados como característicos: delírios, alucinações visuais e auditivas, agressividade, agitação psicomotora, embotamento afetivo, dentre outros. O objetivo dessa linha de raciocínio seria a supressão da sintomatologia, a fim de atingir a homeostase, a partir de um modelo de adaptação e estabilização do quadro de crise. Para os estudiosos da psiquiatria clássica, o que rompe com a homeostase e com a organização mental do indivíduo é algo negativo e destrutivo, que coloca o sujeito em um lugar não aceito socialmente (Ferigato et al., 2007).

Com base na linha de raciocínio da psiquiatria clássica, podemos dizer que a preocupação central dos estudiosos se resumia a entender a doença e nomeá-la, a fim de enquadrar o sujeito em uma nosologia. Paul Becherie (1980) apresenta discussões em torno da construção histórica do saber psiquiátrico. Ele introduz a discussão citando Charcot: “a clínica psiquiátrica é essencialmente a observação morfológica e a descrição formal dos distúrbios

psicopatológicos” (Charcot citado por Becherie, 1980, p. 21).

A passagem destacada nos mostra quais foram as bases da clínica psiquiátrica tradicional. Ainda hoje, o uso automático e muitas vezes acrítico do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), que lista diferentes categorias de transtornos mentais e critérios para diagnosticá-los com base na mera descrição de comportamentos, é recorrente nos cursos de graduação em saúde e nos dispositivos de assistência à saúde mental. Sterian (2003) defende que a psiquiatria, enquanto uma especialidade médica, tende a procurar por sinais e sintomas que indiquem um desvio da normalidade, uma alteração orgânica e funcional. O parâmetro da psiquiatria é o visível, o padronizado, aquilo que para determinada época e cultura é considerado sadio, adequado. Esta visão é considerada pela autora como parcial, pois não leva em consideração os motivos subjetivos do aparecimento da doença.

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funcionamento pessoal e social, e é marcado pela incapacidade de cumprir papéis comuns. As características apresentadas pelo indivíduo diagnosticado como psicótico são classificadas como limitações, pois não se enquadram na ordem social. O louco não adere aos papéis impostos pela sociedade. O discurso psiquiátrico lança mão dessa lógica para classificar o que é normal e o que é patológico.

Para Sterian (2003), a psiquiatria criou a nosologia para lhe assegurar um caráter de ciências médicas. Essa postura contribuiu para que surgissem novas concepções em torno da crise e fez com que outros estudiosos colocassem em questão essa abordagem dos transtornos psíquicos e propusessem novas maneiras de pensar e fazer. A partir de uma postura crítica, outras teorias foram desenvolvidas a respeito da subjetividade, que colocavam em foco a relação do sujeito com a realidade que o constitui.

Contrária às colocações da psiquiatria clássica, a antipsiquiatria, movimento característico da década de 1960/70, amplia as concepções de crise por meio de reflexões que vão além da sua sintomatologia, incluindo nela aspectos do contexto social, familiar e relacional, aprofundando na vivência subjetiva da crise e na sua singularidade para o sujeito que a vivencia concretamente.

Com o movimento da antipsiquiatria - que propõe a desconstrução literal do modelo hegemônico pregado pela psiquiatria clássica - a representação social de loucura tende a mudar. O chamado doente mental passa a ser visto como um sujeito que fala e questiona através da doença. Dá-se voz ao doente. Ele não é mais percebido como um alienado da realidade, um desprovido de razão, mas como sujeito de sua história.

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A condição de excluído à qual é condenado o doente mental impõe-lhe uma série de outras consequências que não podem ser identificadas como decorrentes de sua condição de doente. E se é a psiquiatria que exerce esse mandato, é esta que deve ser questionada e não o sujeito (Amarante, 1996).

Inspirados pelas ideias de Basaglia, Dell`Acqua e Mezzina (1991) propõem uma definição de crise que considera os dispositivos que participam de sua produção cultural, de sua leitura enquanto acontecimento social e subjetivo. Retiram assim a crise do seu estatuto simplesmente psicopatológico e reafirmam sua complexidade.

Com o início da reforma psiquiátrica no Brasil, especialmente com o movimento de Luta Antimanicomial, percebemos uma enorme mudança na assistência em Saúde Mental, com o surgimento dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), dos Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), dos Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAMs), todos eles caracterizados como serviços de atenção à crise.

O abandono do hospital psiquiátrico e a constituição dos centros de saúde mental, como etapa fundamental do trabalho de desinstitucionalização, enfatizaram o problema prático e teórico de compreender a complexidade coexistente ao aparecimento da demanda

psiquiátrica e, dentro dessa demanda, a complexidade da crise (Dell’Acqua & Mezzina, 1991).

O tipo de laço entre psiquiatra e paciente é algo que define as relações constituintes do hospital psiquiátrico. Nos serviços substitutivos, propostos pela reforma, o psiquiatra não ocupa uma posição central no atendimento. A urgência não é endereçada exclusivamente ao psiquiatra, mas sim à equipe à qual pertence. Segundo Ana Lobosque (2003), na prática antimanicomial, não existem pontos de centro, todas as especialidades trabalham em conjunto, em prol da qualidade de vida do sujeito.

A reforma prioriza a capacidade do serviço de elaborar a rede de relações e de conflitos que constituem os limites da crise que antes eram escondidos e banalizados devido ao processo de simplificação dos modelos anteriores, baseados na centralização do hospital psiquiátrico (Dell’Acqua & Mezzina, 1991). No modelo da clínica ampliada proposto pela reforma, o conflito que se manifesta com a crise não deve ser contido e ocultado pelo serviço (como acontecia com o modelo anterior de contenção ou remissão dos sintomas), mas assumido como estímulo à transformação e ao crescimento do próprio sujeito (Lobosque, 2003).

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sentido de evitar as exclusões e dar resolutividade às suas demandas. Deste modo, os profissionais devem desenvolver a capacidade de ajudar as pessoas não somente a prevenir e tratar as doenças, mas a transformar-se. Mesmo que a doença seja crônica, que ela não o impeça de continuar a produzir, trabalhar e viver o seu dia a dia. Entende-se que, assim, os profissionais passam a ter um compromisso com o usuário de modo singular, tornando-o parceiro e corresponsável no seu processo saúde-doença. Também se faz necessário que os profissionais reconheçam os limites do seu núcleo de ação e das tecnologias empregadas e façam parcerias com outros setores para além da saúde. O campo do saber da clínica ampliada passa a ser multiprofissional e intersetorial, e essa ampliação das práticas de atenção integral dependem da reorganização dos novos padrões para o atendimento. (Cunha, 2005)

Baseado em uma linha de pensamento similar ao de nossa reforma psiquiátrica, Ronald Laing, muito antes da reforma psiquiátrica se efetivar, já criticava o poder psiquiátrico, as práticas do electrochoque e as lobotomias, bem como todas as formas de tratamento que não dessem conta de compreender os desejos dos pacientes. Para Laing, toda a psicopatologia clássica possui premissas que impedem uma compreensão da pessoa. Em primeiro lugar, ela pressupõe um modelo de funcionamento na saúde e um modelo de funcionamento na doença, o que implica um dualismo que o autor critica radicalmente (Laing, 1978). O teórico considerou que ao utilizarmos a linguagem psiquiátrica estamos utilizando uma linguagem fabricada com o objetivo de isolar o paciente numa determinada entidade nosológica. Defendeu a importância crucial de compreender o indivíduo em crise como uma pessoa, e não como uma categoria nosológica. Sendo assim, recusou o olhar diagnóstico. A sua proposta foi a do olhar existencial. Para ele o paciente deve ser tratado como pessoa, um ser no seu-mundo, no qual tenta construir significado para a sua vida (Gabriel & Teixeira, 2007). Portanto, como alguém que não perdeu sua capacidade subjetiva, embora em processo de sofrimento.

Ronald Laing (1978) considera que a crise possui um significado existencial, representa uma tentativa de o sujeito dizer sobre uma situação insustentável, em busca de um sentido para sua vivência. Para o autor, o meio em que o indivíduo está inserido define formas de ser e estar no mundo, que devem ser cumpridas a qualquer custo. Caso contrário, a sua existência está ameaçada. Este estilo de vida imposto produz no sujeito um mal estar, uma inquietação, levando-o ao classificado por nós como loucura ou como uma situação de crise.

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social organizada, ele é o depositário de certa crise coletiva e histórica. “O louco pode ser

uma linguagem de protesto contra a sociedade que lhe desconserta e lhe mercadeja o corpo” (p.09). O mesmo autor apresenta a crise como uma forma que o sujeito encontra para questionar a situação que vivencia. Fala de uma sociedade que lhe impõe formas de conduta, que violentamente o priva de ser um ser da diferença. Para Deleuze e Guattari citados por Bichuetti, 2000, o sujeito em crise pode ser visto como alguém que se nega a funcionar como cópia, renuncia à lógica hegemônica e se coloca como ser do devir. De acordo com o autor, a crise é uma realidade subjetiva que perpassa pessoas e instituições, e o sujeito experiencia o vazio e a incerteza. Trata-se, portanto, de uma possibilidade de se redescobrir e se reinventar.

Laing (1978) tentou tornar o enlouquecimento inteligível, pois, para ele, a loucura teria um significado existencial passível de compreensão. Laing defendeu a compreensão do indivíduo, do sentido da sua vivência, e repudiou sua classificação em uma entidade nosológica. A seu ver, mesmo os comportamentos mais estranhos e bizarros seriam inteligíveis, do ponto de vista do próprio sujeito que está perturbado. Ressalta que para compreender isso, é preciso dar voz aos pacientes, regressando à experiência vivida pelos sujeitos, mas contextualizando-a na existência.

A obra do epistemólogo das ciências da vida, George Canguilhem (2000), também apresenta preocupação em compreender as particularidades do sujeito. Para o autor, o limite entre o normal e o patológico é impreciso para vários indivíduos, mas é perfeitamente preciso para um único e mesmo indivíduo. Aquilo que é normal, apesar de ser normativo em determinadas condições, pode se tornar patológico em outras condições. O indivíduo é que avalia essa transformação, pois é ele que sofre suas consequências.

Como podemos perceber, os estudiosos críticos radicais da psiquiatria clássica propõem uma noção de crise centrada no sujeito, nas suas peculiaridades, e o coloca em uma posição de autonomia, sendo ele a única pessoa capaz de falar de sua doença e decidir por ela. Concepção que reforça as ideias da reforma. Essa preconiza que o paciente deve participar, juntamente com toda a equipe, do seu tratamento.

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em lugares da vida do paciente. E a finalidade central dos novos dispositivos de atenção à crise e da política da reforma é a de manutenção dos vínculos do paciente e de construção de

novas redes de relação (Dell’Acqua & Mezzina, 1991).

Conforme a situação em que se encontra o paciente, ainda são recorrentes episódios de internação, devido à gravidade do caso ao qual pode se expor. A internação torna o tratamento incompatível com a vida integral do paciente, furta o sujeito do seu contexto e o subordina a regras institucionais baseadas em uma abordagem médica (Dell’Acqua & Mezzina, 1991). Episódios de internação e até mesmo o tratamento oferecido em alguns centros de atenção à crise mostram-se contraditórios se levarmos em consideração os princípios defendidos pela reforma e a complexidade da situação de crise.

De acordo com Lobosque (2003), não podemos esquecer que o nascimento das disciplinas psi ocorreu nos hospitais psiquiátricos, nas prisões e reformatórios, nas instituições criadas para disciplinar e adestrar os homens e adequá-los às normas que os tornam subservientes. Para a autora, a vocação histórica da clínica da saúde mental tem sido a de fazer valer estas normas, de disseminá-las e torná-las aceitas e de culpabilizar e corrigir aqueles que se desviam.

A reforma psiquiátrica defende a inclusão do cidadão em sofrimento psíquico no seio da sociedade. Contudo, em muitos centros de atenção à crise, incluir apresenta-se como sinônimo de adaptar, normalizar, tornar igual, extinguir a diferença. As disciplinas psi historicamente sustentam esta propensão, desde o nascimento do hospital psiquiátrico até os dias de hoje (Lobosque, 2003).

Para a autora, incluir deve apresentar-se como acolher, criar lugar. O sentido de incluir deve ser eminentemente político, trata-se de uma questão de cidadania, de retirar a clínica da saúde mental de sua tradicional função de controle social, e colocá-la a serviço da autonomia e independência das pessoas.

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A polissemia da palavra inaugura uma turbulência na saúde mental, pois com base nas ideias da reforma psiquiátrica, não há critérios únicos para determinar se trata-se verdadeiramente de uma crise (Costa, 2007). Este posicionamento pode servir como uma das justificativas para explicar a dificuldade de lidar com o paciente.

Segundo Saraceno, Ansioli e Tognoni (2001), citados por Ferigato et al (2007), a crise

e seu manejo estão submersos por um conjunto de interesses, no qual o paciente e “a sua crise” são uma parte do tratamento e não a totalidade. Conscientes disso, somos levados a

compreender esse fenômeno dentro de uma série de fatores que consideram o contexto sócio-cultural-histórico-familiar, proporcionando algum nexo e nos colocando mais próximos de uma compreensão.

Na maioria das vezes, focalizamos a crise no indivíduo. Individualizando e nos referindo apenas ao paciente, não problematizamos o serviço, a instituição psiquiátrica, as concepções de crise que vigoram nos centros de atenção à saúde mental e nem o contexto de vida do usuário (Dell`Acqua & Mezzina, 1991). Para os autores mencionados, as individualizações da crise referem-se a uma impossibilidade dos serviços de se colocarem em crise, de questionar a complexidade da mesma e entender que ela denuncia algo que vai além do sujeito, além da agudização de sintomas característicos.

Diante dessa visão de crise como algo que não se resume a um acontecimento psicopatológico, mostra-se relevante a proposta de ampliar o entendimento sobre sua temática no campo da saúde mental, levando em consideração a prática clínica. Discorrer sobre crise, refletir em torno dos seus diversos significados e complexidade pode ser enriquecedor se seguido de uma proposta que valorize um maior aprofundamento na vivência subjetiva do sujeito que a vivencia concretamente.

A crise, em geral, é o determinante das demandas em saúde mental, e é um dos fenômenos de maior interrogação entre os profissionais da saúde. A reforma psiquiátrica inaugura uma ruptura epistemológica, propõe uma noção de crise e, consequentemente, um tratamento divergente do que vinha sendo usado ao longo dos tempos, baseado nas ideias da psiquiatria clássica.

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III - EXPLORANDO A REALIDADE EMPÍRICA: OS MUITOS DESAFIOS DA PESQUISA QUALITATIVA

O presente trabalho é um estudo de caso em uma perspectiva essencialmente qualitativa. O termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objeto de pesquisa para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes, que somente são perceptíveis a partir de uma interação e de uma atenção sensível. Os pesquisadores qualitativos interrogam a neutralidade científica do discurso positivista e afirmam a necessidade de investigação dos problemas éticos, políticos e sociais. Declaram-se comprometidos com a prática, com a emancipação humana e a transformação social (Chizzotti, 2003).

Na pesquisa qualitativa existem múltiplas possibilidades de abordagens metodológicas. Entendemos metodologia como o caminho e instrumento de abordagem da realidade. A metodologia ocupa lugar central no interior das pesquisas sociais, pois ela é parte intrínseca da visão social de mundo vinculada à teoria. Dessa forma, a metodologia inclui concepções teóricas de abordagens diversas e um conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão da realidade e também do potencial criativo do pesquisador (Minayo, 1999).

O estudo de caso, em muitas diferentes formas, é prática comum na área da saúde, sendo tradicionalmente utilizado em pesquisas médicas e psicológicas. Ele possibilita a construção de problematizações sobre a realidade abordada em diferentes níveis, permitindo uma investigação mais profunda do campo de pesquisa (Passos & Barboza, 2009).

De acordo com as autoras o pesquisador deve utilizar diferentes técnicas para alcançar

um número maior e variado de informações tendo como finalidade apreender a “totalidade”

de uma situação e descrever a complexidade de um caso. Mesmo considerando a impossibilidade de uma abordagem plena da realidade o estudo de caso permite ao pesquisador lidar com a comunidade estudada e descobrir fatos inesperados que devem ser articulados com os múltiplos fenômenos que se observa em campo.

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No estudo de caso o pesquisador deve ter um plano de trabalho flexível, que se configure no

transcorrer da pesquisa. Além disso, o contexto deve ser “interpretado” a partir de uma

variedade de informantes e fontes de informação e situações. As informações e interpretações formuladas devem ser incluídas mesmo que apresentem pontos de vistas conflitantes entre si (Minayo, 1999).

A metodologia, como definida por Minayo (1999), compreende todo o processo de investigação de uma pesquisa, começando pelo caminho do pensamento, a partir dos pressupostos epistemológicos que o tema ou objeto da pesquisa requer, seguindo pela escolha do método e das técnicas que buscarão responder às indagações do pesquisador. Esse processo compreende, ainda, a criatividade do pesquisador, ou seja, sua capacidade de percorrer o caminho da pesquisa imprimindo sua marca pessoal na forma de articular teoria, métodos e achados empíricos.

Descreverei o método de pesquisa a partir da proposição do Ciclo de Pesquisa de Minayo (1999), no qual a pesquisa qualitativa passa por três fases principais. A primeira, que se constitui como uma fase de exploração, na qual se busca delinear o objeto de pesquisa e a preparação para a entrada em campo. A segunda, que diz respeito ao trabalho de campo, no qual o pesquisador, a partir do referencial teórico elaborado na primeira etapa, vai à prática empírica. E a terceira, e última etapa, referente à análise e tratamento do material empírico.

3.1. Primeira Fase: Levantamento Bibliográfico

A primeira fase constituiu-se no levantamento bibliográfico exploratório acerca da temática em questão: as possíveis noções de crise desde a psiquiatria clássica aos saberes atuais da reforma psiquiátrica, a fim de refletir sobre a produção desses saberes e identificar se e como estão incorporados nos dispositivos de atenção à crise.

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De acordo com Passos e Barbosa (2009), há ainda poucas pesquisas de cunho antropológico no Brasil que abordam relações e significações sociais em torno do sofrimento mental. Com base em um levantamento recente sobre a evolução das publicações no campo da Reforma, as autoras afirmam que existe pouco conhecimento aprofundado dos serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico e dos princípios da Reforma por parte da comunidade. Além da escassez de recursos destinadaos à pesquisa em saúde mental, ainda existe pouca incidência de pesquisas que abordam dimensões psicossociais.

Como resultado da pesquisa literária, construí uma revisão bibliográfica exploratória do tema, apresentada no capítulo anterior.

3.2. Segunda Fase: Trabalho de Campo

Na segunda fase iniciei o trabalho de campo. Realizei visitas sucessivas ao CAPS para observar a dinâmica da instituição. Como recurso para minhas observações, recorri a um diário de campo, para que fosse possível registrar minhas impressões. Juntamente com as observações e as entrevistas com os especialistas do serviço, conversava com os profissionais não especialistas (motorista da van, segurança, vigias, responsável pela limpeza) e com os usuários, para colher informações sobre a instituição, o dia-a-dia da mesma e a relação que estas pessoas possuem com o serviço. Como havia frequentado o serviço durante o tempo de estágio da graduação, já possuía muitas informações relevantes sobre o mesmo.

O trabalho de campo constitui-se numa etapa essencial da pesquisa qualitativa e refere-se a um recorte espacial relacionado ao objeto pesquisado. Na pesquisa de campo, o pesquisador confronta-se diretamente com o seu objeto de interesse, a fim de entrar em contato com a fonte viva do saber acumulado sobre o mesmo. O trabalho de campo permite ao pesquisador compreender uma realidade e se apropriar de um saber que até então se encontrava afastado ou obscuro para si (Minayo, 1999).

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De acordo com Minayo (1999), são componentes fundamentais do trabalho de campo: as observações participantes e as entrevistas. As primeiras referem-se ao momento em que se efetiva o contato informal do pesquisador em campo, que pode ajudar ou até mesmo prejudicar o conhecimento da realidade proposta. A partir das observações devemos analisar o conjunto de regras formuladas ou implícitas nas atividades dos componentes de um grupo social, a forma como essas regras são obedecidas ou transgredidas. O sentimento de amizade ou antipatia que permeia os membros do grupo deve ser observado. É preciso notar os aspectos íntimos das relações sociais, assim como as tradições e os costumes, a importância atribuída aos mesmos, o sentimento do grupo e a forma como são verbalizados.

Com base nessas informações, procurei observar a dinâmica da instituição, para que fosse possível efetuar as análises das entrevistas recorrendo às observações participantes como suporte.

Após três semanas de observações, de convívio na instituição, iniciei a realização das entrevistas com os profissionais da saúde3.

A entrevista é a técnica mais utilizada no trabalho de campo. Na pesquisa em questão trabalhei com a entrevista semi-estruturada. Essa é composta por perguntas abertas e não diretivas, que possibilita ao entrevistado discorrer sobre o tema proposto sem respostas pré-fixadas pelo pesquisador. Segundo Minayo (1999), podemos obter, por meio da entrevista, dados que se referem diretamente ao indivíduo, como seus valores e opiniões. As entrevistas possibilitam ao pesquisador obter informações profundas da realidade na qual os atores sociais estão envolvidos. A fala revela condições estruturais, sistema de valores, normas e símbolos, e tem a capacidade de transmitir por meio de um porta-voz as representações de grupos determinados, em condições socioeconômicas e culturais específicas.

Os sujeitos que participaram das entrevistas foram os funcionários do CAPS. Dentre os onze profissionais que trabalham na instituição, entrevistei seis. Todos profissionais com formação superior na área da saúde, exceto a coordenadora da instituição, que não possui graduação, apenas o segundo grau completo. Os demais, que não possuem formação na área da saúde, não participaram da entrevista propriamente dita, mas também contribuíram com algumas informações4. As entrevistas e a conversa que realizei com os demais profissionais foram gravadas e transcritas na íntegra. O termo de consentimento utilizado para a realização da pesquisa e gravação está nos anexos.

3

O roteiro de entrevista utilizado na pesquisa se encontra nos anexos 4

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É preciso salientar que o trabalho de campo coloca o pesquisador em uma posição relativamente íntima com a vida dos observados. A decisão sobre o que gravar, como lançar mão de informações, que tipo de informações são apropriadas e como aproximar-se do universo pesquisado são questões que devem ser analisadas com cuidado. A pesquisa colaborativa implica no fato de haver mais de uma pessoa envolvida na investigação. Trata-se de uma situação em que as pessoas que estão sendo estudadas também estão envolvidas no processo de modo ativo, transformando a investigação em um processo reflexivo no qual pesquisador/pesquisado trocam informações que possibilitam a construção de novos saberes (Minayo, 1999).

3.3. Terceira Fase: Análise das Entrevistas

A expressão comumente usada para representar o tratamento dos dados de uma pesquisa qualitativa é a Análise de Conteúdo (AC). Entretanto, o termo significa mais do que procedimento técnico. Faz parte de uma histórica busca teórica no campo das investigações sociais (Minayo, 2004).

De acordo com Moraes (1999), historicamente a análise de conteúdo tem oscilado entre o rigor da suposta objetividade dos números e a fecundidade da subjetividade. A grande importância dessa técnica de função heurística tem sido a de impor um corte entre as intuições e as hipóteses que encaminham para interpretações mais definitivas. Essa iniciativa faz parte de um esforço teórico secular.

O termo “análise de conteúdo” é uma expressão recente. Surgiu nos Estados Unidos,

durante a Primeira Guerra Mundial. O campo mais favorável para seu desenvolvimento foi o jornalismo da Universidade de Columbia. Dentre os nomes que ilustram a história dessa técnica destaca-se Lasswell, que fazia análise do material da imprensa e de propaganda desde 1915. Nessa época, em todos os ramos da ciência crescia o interesse pelo rigor matemático. Assim como nas demais áreas, na análise de conteúdo o rigor científico invocado era a pretensa objetividade dos números e das medidas (Minayo, 2004).

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De acordo com Bardin (1994), a célebre definição de análise de conteúdo surgiu no final dos anos 40-50, com Berelson, auxiliado por Lazarsfeld afirmando que a análise de conteúdo é uma técnica de investigação que tem por finalidade a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação. Posteriormente, ocorreram outras tentativas de aprimoramento, aprofundando o significado, regras e princípios do método. A partir dos anos 50 e, sobretudo na década de 60, a análise de conteúdo ressurgiu dentro de um debate mais aberto e diversificado. A Antropologia, a Sociologia e a Psicologia se juntaram à Psicanálise e ao Jornalismo, e houve uma retomada de problemáticas anteriormente inquestionáveis. Os adeptos das técnicas qualitativas aprofundaram sua argumentação dentro da seguinte linha: colocaram em cheque a minúcia da análise de frequência como critério de objetividade e cientificidade; tentaram ultrapassar o alcance meramente descritivo do conteúdo manifesto da mensagem, para atingir, mediante inferência, uma interpretação mais profunda.

Contudo, a análise de conteúdo também sofreu as influências da busca da cientificidade e da objetividade, recorrendo a um enfoque quantitativo que lhe atribuía um alcance meramente descritivo. A análise das mensagens com essa finalidade se fazia pelo cálculo da frequência. Tal deficiência cedeu lugar à análise qualitativa, possibilitando a interpretação dos dados, pela qual o pesquisador passou a compreender características, estruturas e/ou modelos que estão por trás das mensagens (Godoy, 1995).

Em 1977 foi publicada uma obra notável sobre a análise de conteúdo, na qual o método foi configurado em detalhes: Bardin, Análise de Conteúdo, que serve de orientação até os dias de hoje (Minayo, 2004).

A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações. Não se trata de um instrumento, mas de um leque de apetrechos; ou, como maior rigor, será um único instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto: as comunicações. (Bardin, 1994, p.27)

Godoy (1995) afirma que na sua origem a análise de conteúdo privilegia as formas de comunicação oral e escrita, mas isso não exclui outros meios de comunicação. Qualquer comunicação que vincule um conjunto de significações de um emissor para um receptor pode ser traduzida pelas técnicas de análise de conteúdo. Parte do pressuposto que por detrás do discurso aparente esconde-se outro sentido que convém descobrir.

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jornais, revistas, cartas, livros, relatos autobiográficos, entrevistas, diários pessoais, filmes, dentre outros. Contudo, os dados advindos dessas diversificadas fontes chegam ao investigador em estado bruto, necessitando, então, ser processado para facilitar o trabalho de compreensão, interpretação e inferência a que aspira a análise de conteúdo. A vertente qualitativa desta análise parte de uma série de pressupostos, os quais servem de suporte para captar seu sentido simbólico. Esse sentido nem sempre é manifestado e o seu significado não é único. Poderá ser enfocado em função de diferentes perspectivas. Por isto um texto contém muitos significados. Não é possível uma leitura neutra. Toda leitura gera uma interpretação.

As tendências históricas da análise de conteúdo conduzem-nos a uma certeza. Todo o esforço teórico para o desenvolvimento de técnicas visa, mesmo que de formas diversas e até mesmo contraditórias, ultrapassar o nível do senso comum e do subjetivismo na interpretação e alcançar uma consciência crítica diante da comunicação de documentos, textos literários, biografias, entrevistas ou observação.

Do ponto de vista operacional, a análise de conteúdo parte de uma literatura de primeiro plano para atingir um nível mais profundo: que ultrapasse os significados manifestos. Para isso a análise de conteúdo em termos gerais relaciona estruturas semânticas (significantes) com estruturas sociológicas (significados) dos enunciados. Articula a superfície dos textos descrita e analisada com os fatores que determinam suas características: variáveis psicossociais, contexto cultural, contexto e processo de produção da mensagem. (Minayo, 2004, p. 203)

Para a autora citada acima, na busca de atingir os significados manifestos e latentes no material qualitativo têm sido desenvolvidas diversas técnicas ligadas à análise de conteúdo. São elas: Análise de Expressão, Análise de Relações, Análise Temática e Análise da Enunciação. Para fins dessa pesquisa, recorri à Análise Temática.

A noção de tema está ligada a uma afirmação a respeito de determinado assunto. Ela comporta um feixe de relações e pode ser satisfatoriamente apresentada através de uma palavra, uma frase, um resumo. Fazer uma análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou frequência tenham significado para o objetivo analítico visado. Ou seja, tradicionalmente, a análise temática se encaminha para a contagem de frequência das unidades de significação como definidoras do caráter do discurso. Ou, ao contrário, qualitativamente a presença de determinados temas denota os valores de referência e os modelos de comportamento presentes no discurso.

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representações para categorização de fenômenos, a partir do qual se torna possível uma reconstrução de significados que apresentem uma compreensão mais profunda da interpretação da realidade do grupo estudado.

Ainda que diferentes autores proponham diversificadas descrições do processo de análise de conteúdo, na presente pesquisa a arquiteto como constituída de três etapas, como proposto por Minayo (2004).

A primeira fase, pré-análise, consiste na escolha dos documentos a serem analisados, na retomada das hipóteses e dos objetivos da pesquisa, na reformulação frente ao material coletado e na elaboração de indicadores que orientem a interpretação final. Pode ser decomposta nas seguintes tarefas: 1. Realização de leitura flutuante a fim de tomar contato com o material, no caso com as entrevistas realizadas, permitindo que surjam hipóteses iniciais. 2. Organização do material de forma que possa responder a algumas normas de validade: exaustividade (que contemple todos os aspectos levantados no roteiro de entrevista; representatividade (que contenha a representação do universo pesquisado); homogeneidade (que obedeça a critérios preciosos de escolha de termos de temas, técnicas e interlocutores); pertinência (os documentos analisados devem ser adequados aos objetivos do trabalho). 3. Formulação de hipótese e objetivos que devem ser deixados em aberto de modo que permitam hipóteses emergentes a partir da exploração do material.

A segunda fase, composta pela exploração do material, consiste na operação de codificações. De acordo com Bardin (1994), essa fase prima pela transformação dos dados brutos a fim de alcançar o núcleo de compreensão do texto. A análise temática tradicional trabalha essa fase com o recorte do texto em unidades de registro. Nessa pesquisa utilizei

frases anunciadas pelos entrevistados como unidade de registro, para expor os “núcleos” do

texto e enfatizar as análises feitas. Nesta segunda fase, em alguns casos, escolhem-se regras de contagem para que sejam expostos índices de frequência dos dados ou categorias de forma quantitativa. Contudo, nessa pesquisa não foi utilizada análise estatística dos dados ou qualquer outra forma de análise quantitativa. Optei por realizar uma análise de conteúdo puramente qualitativa. Para finalizar a segunda fase, foram formuladas categorias teóricas que abrangem temas que aparecem nas entrevistas.

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Entretanto, nesta pesquisa, trabalhamos com significados, com o sentido de cada tema dentro do universo pesquisado, sem mencionar inferências estatísticas.

Toda leitura de um texto constitui-se numa interpretação. O analista de conteúdo exercita com maior profundidade esse esforço de interpretação e o faz não só sobre os conteúdos manifestos, como também sobre os latentes. No movimento interpretativo podemos destacar duas vertentes. Uma delas relaciona-se a estudos com uma fundamentação teórica claramente explícita a priori. Nesses estudos, a interpretação é feita através de uma exploração dos significados expressos nas categorias de análise em contraste com essa fundamentação. Na outra vertente, a teoria é construída com base nos dados e nas categorias de análise. A teoria emerge das informações e das categorias. Neste caso, a própria construção da teoria é uma interpretação. Teorização, interpretação e compreensão constituem um movimento circular, e em cada retomada do ciclo procura-se atingir maior profundidade na análise (Minayo, 2004).

Na pesquisa em questão, mesmo existindo uma teoria que norteia todo o trabalho, as categorias de análise foram criadas a posteriori, ao longo do processo de análise, e a partir das categorias foram efetuadas as interpretações possíveis. A emergência das categorias é resultado de um esforço, criatividade e perspicácia, exigindo uma releitura exaustiva para definir o que é essencial em função dos objetivos propostos. Os títulos das categorias só surgiram no final da análise.

É importante salientar que é necessário seguir alguns critérios de constituição de categorias de análise. As categorias necessitam ser adequadas e pertinentes ao que está sendo analisado. Todos os aspectos analisados devem estar representados na categoria. As categorias também necessitam ser inclusivas, possibilitar a inclusão de todas as unidades de análise. Devem obedecer ao critério da homogeneidade, ou seja, sua organização deve ser fundamentada em um único princípio ou critério de classificação. Além dos critérios anteriores, as categorias devem ser exclusivas, um mesmo dado não pode ser incluído em mais de uma categoria. Além disso, elas devem ser consistentes, não devem existir dúvidas quanto às unidades de conteúdo que compõem cada categoria (Moraes, 1999).

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No momento de leitura das entrevistas recorri a contribuições da análise do discurso (AD). Mesmo que esta não seja a metodologia escolhida nessa pesquisa, ela foi muito útil no processo de compreensão das entrevistas.

A AD nos permite compreender uma dada realidade por meio da linguagem. Como elemento de mediação necessária entre o homem e sua comunidade e como forma de engajá-lo na própria realidade, a linguagem é lugar de conflito ideológico e não pode ser estudada fora da sociedade, uma vez que os processos que a constituem são histórico-sociais. Seu estudo não pode estar desvinculado das suas condições de produção. (Brandão, 2004)

De acordo com Orlandi (1987) a AD é uma proposta crítica, que busca problematizar as formas de reflexão estabelecidas. Nela o texto é tomado enquanto unidade significativa e pragmática, ele revela o contexto situacional expresso pelo sentido.

Não existe uma análise única do discurso. Ela objetiva produzir um sentido analítico do texto a partir de um texto fragmentado e confuso, mas o sentido produzido não se resume àquele proposto pelo analista do discurso. A AD efetuada por um dado analista é apenas uma leitura possível de textos e contextos. Não há sentido sem interpretação, sempre será preciso uma interpretação para dar sentido ao que o sujeito pretende transmitir com seu discurso. (Gill, 2007)

Assim como na AD, a análise de conteúdo considera o momento da análise e descrição do material como de extrema importância. É o momento de expressar os significados captados e intuídos nas mensagens analisadas. Não adianta investir muito esforço num conjunto de categorias, se não existir os mesmos cuidados no momento de apresentação dos dados. Será através do texto produzido como resultado da análise que se poderá perceber a validade da pesquisa e de seus resultados.

Uma compreensão dos fundamentos da análise de conteúdo certamente é importante para o analista conseguir tirar o máximo dessa metodologia. Compreender sua história, entender os tipos de matérias que possibilita analisar, estando ao mesmo tempo conscientes das múltiplas interpretações que uma mensagem sempre possibilita, levando ao entendimento de uma multiplicidade de objetivos que uma análise de conteúdo pode atingir, auxiliam a explorar melhor as possibilidades dessa metodologia de análise (Minayo, 2004).

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Meu primeiro contato com o campo de pesquisa ocorreu a partir de minha experiência como estagiária do CAPS (descrita no Capítulo 1). Todavia a investigação que pretendia desenvolver no mestrado não era direcionada para este CAPS especificamente. Como ele se localiza em uma cidade distante de Belo Horizonte, a intenção era realizar a pesquisa na capital mineira. Entretanto, em decorrência de barreiras institucionais, minha orientadora e eu resolvemos efetuar a pesquisa no CAPS onde eu era estagiária.

Escolher realizar a pesquisa em um local que já conhecia foi positivo, pois facilitou o meu acesso à instituição, aos profissionais e aos usuários. O vínculo necessário para o transcorrer das entrevistas, para conseguir travar um diálogo com os pacientes e profissionais já existia, e isto foi de extrema importância para minha imersão no campo. Contudo, fazer pesquisa em um ambiente familiar produziu certo conflito, pois minhas impressões anteriores me impossibilitaram, durante um tempo, de perceber variáveis importantes e significativas para a pesquisa.

A partir de minha entrada formal em campo, realizei registros em um diário de pesquisa. Registrava tudo o que observava da instituição: serviços oferecidos pelos profissionais, relação profissional-paciente, opinião dos pacientes sobre a instituição, relato dos estagiários sobre as oficinas5, e outras informações que considerava importante para maior compreensão do meu objeto de pesquisa.

Após a realização das entrevistas, analisei as informações coletadas. Efetuei sucessivas leituras das entrevistas a fim de encontrar pontos em comum, conflitantes, discordantes e até

mesmo desconhecidos que compõem os “núcleos de sentido” das entrevistas. Esses pontos

levantados foram norteadores das categorias de análise.

Analisei as entrevistas recorrendo à metodologia escolhida. Entretanto, ao levar as análises para orientação e após comentários da minha orientadora sobre o material analisado, percebi o quanto minha experiência anterior na instituição e os conceitos que possuía a priori interferiram na compreensão das entrevistas. Estar inserida na instituição antes da pesquisa fez com que eu construísse um juízo de valor sobre o CAPS, o que interferiu no meu olhar inicial sobre as entrevistas e na análise dos registros efetuados na observação. Foi necessário tomar distância e me permitir vislumbrar outros horizontes.

Após compreender essa minha postura, de ir a campo com o conhecimento já estabelecido sobre o mesmo e colocá-lo na frente de qualquer oportunidade de construção de

5

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novos saberes, pude iniciar uma nova análise das entrevistas. Compreender esse fato, e tomar distância do campo de pesquisa e das entrevistas para analisar o discurso e as impressões registradas no diário de campo, permitiu-me dar outro norte à minha investigação.

Apesar de ter tido este problema no início das análises, realizar este trabalho no mesmo campo empírico onde nasceu os questionamentos desta pesquisa foi uma experiência enriquecedora. Possibilitou-me compreender o universo pesquisado de outra maneira. Estar inserida em uma instituição como parte dela fez com que eu ficasse alienada a muitos conflitos que foram possíveis vislumbrar apenas quando passei a me posicionar como pesquisadora e não mais como estagiária da instituição.

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