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A função social do contrato como concretização de direitos fundamentais nas relações privadas

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

EDIGLEUSON COSTA RODRIGUES

A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO COMO CONCRETIZAÇÃO DE

DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS

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EDIGLEUSON COSTA RODRIGUES

A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO COMO CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Doutor Leonardo Martins.

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Rodrigues, Edigleuson Costa.

A função social do contrato como concretização de direitos fundamentais nas relações privadas/ Edigleuson Costa Rodrigues. - Natal, RN, 2013.

123 f.

Orientador: Profº. Dr. Leonardo Martins.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Direito.

1. Direitos fundamentais – Dissertação. 2. Direito privado - Dissertação. 3. Contrato – Função social - Dissertação. I. Martins, Leonardo. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

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EDIGLEUSON COSTA RODRIGUES

A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO COMO CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito. Aprovado em: ___/___/____.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Doutor. Nome do Examinador UFRN

Prof. Doutor. Nome do Examinador Vinculação

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AGRADECIMENTOS

A Deus, em primeiro lugar.

Ao Prof. Dr. Leonardo Martins, pela honra de tê-lo como meu orientador, pelo respaldo intelectual, orientação, paciência e compreensão.

Aos professores examinadores, Jose Orlando Ribeiro Rosário, Gleydson Kleber Lopes de Oliveira e Paulo Afonso Linhares, pela honra de suas participações nas bancas, pelas críticas, elogios e sugestões que muito engrandeceram o presente trabalho.

À UFRN e à UERN, por seus professores e técnicos que viabilizaram essa conquista.

Ao magistrado e colega professor, José Herval Sampaio Júnior, pelo apoio e livros emprestados de seu gabinete.

Aos meus pais, pela inspiração.

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RESUMO

A presente dissertação trata da função social do contrato, à luz dos princípios constitucionais, notadamente aqueles relativos aos direitos fundamentais. A função social do contrato (cláusula geral) vem descrita no Código Civil de forma propositalmente genérica, sem critérios precisos que a definam. Por conta da fluidez desse princípio, justifica-se o seu estudo mais aprimorado, buscando aferir as suas várias acepções e procurando afastar a insegurança jurídica que uma imprecisão conceitual ilimitada pode ocasionar. A função social do contrato decorre de uma transformação vivenciada no direito privado, a partir dos influxos recebidos do Direito Constitucional, fruto de um processo evolutivo por qual passou a estrutura estatal, deixando as bases clássicas do Estado liberal e passando a adotar uma visão orientada pelos valores humanos existenciais que dão a tônica do Estado Social. Surgiu, então, a preocupação com a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, onde se estuda, a partir da inaplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas (doutrina americana do State action), passando-se à análise da Teoria da eficácia horizontal indireta dos direitos fundamentais (de criação e aceitação majoritária alemã), chegando à Teoria da eficácia horizontal direita dos direitos fundamentais, predominante na doutrina e jurisprudência brasileira. Investigam-se ainda os fundamentos da função social do contrato, apontando-se que, além dos dispositivos constantes na legislação infraconstitucional, que dão base para o princípio em tela, verifica-se também alicerces na Constituição Federal, em dispositivos como o do art. 1º, III, sendo a dignidade da pessoa humana o norte principal da relação entre os contratantes. Também o art. 3º, I da CF/88 fundamenta a visão social das avenças, instrumentalizando-a para a implementação da solidariedade social, como um dos objetivos fundamentais da República. Ainda o art. 170 da Constituição é visto como um locus de fundamentação da função social do contrato, na manutenção da ordem econômica. Estuda-se, ainda, os aspectos interno e externo da função social do contrato, sendo a primeira vertente aquela que considera a exigência de respeito à lealdade contratual, por meio da boa-fé objetiva, como decorrência de que a dignidade de um contratante não pode ser ofendida pelo outro através do contrato. Já a faceta externa da função social do contrato, na linha do mandamento constitucional da solidariedade, indica a necessidade dos contratantes respeitarem os direitos da sociedade, a saber, os difusos, coletivos e de terceiros individualizados. Neste aspecto externo, toca-se ainda na noção de tutela externa do crédito, abordando o dever de respeito da sociedade para com o contrato. Mostra-se algumas noções da função social do contrato no direito comparado. Em seguida, investiga-se o conteúdo do princípio em estudo, através de suas inter-relações com outros preceitos do direito privado e constitucional, a saber, igualdade, boa-fé objetiva, autonomia privada e a dignidade da pessoa humana. Estuda-se a aplicação da função social contratual nas redes contratuais, bem como a orientação de conservação dos contratos, notadamente naqueles denominados contratos cativos de longa duração, considerando-se a teoria do adimplemento substancial, finalizando com uma análise da função social do contrato no Código de Defesa do Consumidor.

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ABSTRACT

This dissertation deals with the social function of the contract, based on constitutional principles, especially those relating to fundamental rights. The social function of the contract (general clause) is described in the Civil Code so intentionally generic, no precise criteria to define it. Because of the fluidity of this principle, it is justified its closer study, seeking to assess its various meanings and looking away from the legal uncertainty that an unlimited conceptual vagueness can cause. The social function of the contract arises from a transformation experienced in private law from the inflows received from the Constitutional Law, the result of an evolutionary process by which it became the state structure, leaving the foundations of the classical liberal state and moving toward a vision guided by existential human values that give the keynote of the Welfare State. Arose, then the concern about the effectiveness of fundamental rights in relations between individuals, which is studied from the inapplicability of fundamental rights in private relations (U.S. doctrine of State action), passing to the analysis of the Theory of indirect horizontal effect of fundamental rights (of German creation and majority acceptance), reaching the right horizontal efficacy Theory of fundamental rights, prevailing Brazilian doctrine and jurisprudence. It has also been investigated the foundations of the social contract, pointing out that, apart from the provisions of the constitutional legislation, that base the principle on screen, there have also been noticed foundations in the Federal Constitution, in devices like the art. 1, III, the dignity of the human person is the north of the relationship between contractors. Also art. 3rd, I CF/88 bases the vision of social covenants, equipping it for the implementation of social solidarity, as one of the fundamental objectives of the Republic. Still on art. 170 of the Constitution it is seen as a

locus of reasoning in the social function of the contract, the maintenance of the economic

order. It is also studied the internal and external aspects of the social function of the contract, being the first part the one that considers the requirement of respect for contractual loyalty, through the objective good faith, as a result of the dignity of the hirer may not be offended by the other through the contract. On the other hand, the external facet of the social function of the contract, in line with the constitutional mandate of solidarity, indicates the need for contractors to respect the rights of society, namely the diffuse, collective and individual third party. In this external appearance, it is also pointed the notion of external credit protection, addressing the duty of society to respect the contract. There has been shown some notions of the social contract in comparative law. Then, there has been investigated the content of principle study, through their interrelationships with other provisions of private and constitutional law, namely equality, objective good faith, private autonomy and dignity of the human person. We study the application of the social contract in contractual networks as well as the guidance of conservation of contracts, especially those denominated long-term captive contracts, considering the theory of substantive due performance, concluding with an analysis of the social contract in code of Consumer Protection.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...10 2 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO: noções introdutórias e contextuais...12 2.1 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO: contexto histórico, situação no Anteprojeto do Código Civil de 2002 e fundamentos...12 2.2 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO NO DIREITO COMPARADO...19 3 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ENTRE PARTICULARES...24 3.1 DA NÃO INEFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: a doutrina do state action...27 3.2 A EFICÁCIA HORIZONTAL INDIRETA OU MEDIATA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...28 3.3 A EFICÁCIA HORIZONTAL DIREITA OU IMEDIATA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...31 4 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO COMO CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS...33

4.1 FUNÇÃO SOCIAL INTERNA E EXTERNA DO

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4.4 O PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DOS CONTRATOS COMO DECORRÊNCIA DA FUNÇÃO SOCIAL: teoria do adimplemento substancial e contratos cativos de longa duração...86 4.5 IMPLICAÇÕES DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR...95 5 CONCLUSÃO...110 REFERÊNCIAS...116

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1 INTRODUÇÃO

A presente dissertação trata da função social do contrato, à luz dos princípios constitucionais, notadamente aqueles relativos aos direitos fundamentais. A função social do contrato (cláusula geral) vem descrita no Código Civil de forma propositalmente genérica, sem critérios precisos que a definam. Por conta da fluidez desse princípio, justifica-se o seu estudo mais aprimorado, buscando aferir as suas várias acepções e procurando afastar a insegurança jurídica que uma imprecisão conceitual ilimitada pode ocasionar.

Iniciamos nossa investigação (no Capítulo 2) através de uma análise evolutiva do direito privado, mais precisamente no aspecto contratual, abordando as mudanças de paradigma, com relação à consideração da autonomia privada em função dos direitos fundamentais e sua interação com o direito privado, através da crescente utilização, em nível constitucional e infraconstitucional, das chamadas cláusulas gerais ou conceitos indeterminados.

Em seguida, falamos sobre a função social do contrato na Exposição de Motivos que acompanhou o anteprojeto de Código Civil de 2002 e também abordamos sobre a os fundamentos da função social do contrato.

No Capítulo 3, estuda-se a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, onde se aborda a inaplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas (doutrina americana do State action), bem como a Teoria da eficácia horizontal indireta dos direitos fundamentais (de criação e aceitação majoritária alemã) e também à Teoria da eficácia horizontal direita dos direitos fundamentais, predominante doutrina e jurisprudência brasileira.

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inicialmente abordamos a função social do contrato em seus aspectos interno e externo. Então, traçamos um paralelo da função social do contrato com alguns princípios fundamentais, a saber: igualdade, boa-fé, autonomia privada e dignidade da pessoa humana. Em seguida, é feita uma abordagem sobre a aplicação da função social e as redes contratuais. No mesmo capítulo, ainda estuda-se a orientação principiológica de conservação dos contratos, notadamente naqueles denominados contratos cativos de longa duração, considerando-se a

teoria do adimplemento substancial e finalizando com uma análise da função social do

contrato no Código de Defesa do Consumidor.

A pesquisa foi eminentemente bibliográfica, optando-se, quanto à abordagem, pelo método dedutivo, sistema que se baseia em teorias gerais e leis gerais para a análise de fenômenos particulares.

Já quanto ao procedimento, utilizaremos alguns métodos, dentre eles, o histórico, consistente na descrição de registros existentes na doutrina, legislação e jurisprudência correlata, com a finalidade de esboçamos uma análise crítica. Utilizaremos também do método comparativo entre esses dados levantados, a fim de levantar comparações possíveis, encontrar semelhanças e entender diferenças relacionadas ao tema que se pretende estudar. Faremos uso também do método casuístico, com destaques para casos reais similares verificados na doutrina, legislação e jurisprudência do direito comparado.

Por fim, quanto aos métodos de investigação, será utilizado o método bibliográfico, procurando-se esclarecer o problema através das referências teóricas (doutrinárias, jurisprudências e legislativas), e de revisão de literatura em obras como livros, periódicos, artigos, repertórios de jurisprudências, tanto impressos como disponíveis na rede mundial de computadores.

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2 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO: noções introdutórias e contextuais.

2.1 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO: contexto histórico, situação no Anteprojeto do Código Civil de 2002 e fundamentos

O Código Civil, em seu artigo 421, estabelece que: “a liberdade de contratar será

exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Essa norma provoca várias discussões, dentre elas, o que seria efetivamente essa função social do contrato e quais seriam então esses limites.

Sobre esses questionamentos procuraremos desenvolver o presente trabalho na busca de um texto interessante e que contribua para a melhor compreensão do assunto.

Segundo a Judith Martins-Costa, a localização do art. 421, no início do livro relativo ao direito contratual, revela que a função social do contrato tem a natureza de um princípio orientador de toda a sistemática contratual do direito civil.

Mas convém enfatizar que a função social do contrato vem descrita no Código Civil apenas de forma genérica, sem critérios precisos que o definam. Em certa medida, essa imprecisão é favorável sendo, inclusive, uma característica da natureza de uma cláusula geral, a qual contém norma de conteúdo aberto, a fim de possibilitar sua integração com outros princípios, notadamente os de sede constitucional, possibilitando uma leitura do direito privado à luz dos direitos fundamentais.

Até por conta dessa característica fluida do princípio da função social do contrato, justifica-se o estudo mais aprimorado de tal instituto jurídico, buscando aferir as várias acepções que a função social do contrato pode tomar e procurando afastar a insegurança jurídica que uma imprecisão conceitual ilimitada pode ocasionar.

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A função social do contrato, conforme procuraremos investigar está estreitamente ligada com a liberdade e com a igualdade constitucionalmente protegidas em nível de direito fundamental. Dentro dessa temática surgem muitas implicações e vertentes explicativas que a doutrina tem investigado, relacionando a função social do contrato com vários temas, como a relatividade dos efeitos do contrato1, a frustração pelo fim do contrato2, além de outros temas como principalmente a liberdade contratual.

Para melhor situar o tema, convém traçar um breve escorço histórico sobre a evolução do direito contratual.

No Século XIX, vigorava o conceito clássico de contrato, baseado no Código Civil francês 1804, (Código de Napoleão), advindo de um momento pós Revolução Francesa.

O conceito clássico continha fortes traços individualistas, marcado por uma igualdade apenas formal (igualdade perante a lei) sem preocupação com igualdade substancial, econômica ou social. Esse conceito clássico de contrato influenciou no Brasil o Código Civil de 1916.

O modelo clássico contratual contentava-se com a máxima dos interesses opostos dos contratantes isolados, sem analisar a interação entre esses interesses.

O voluntarismo (a vontade como poder jurígeno) era visto como garantia de justiça. A justiça contratual era igualdade formal (perante a lei) e liberdade para contratar.

A intangibilidade do contrato era uma marca muito forte, porque o contrato somente poderia ser alterado por outro contrato, não cabendo alteração unilateral, ainda que por via judicial, salvo em caso fortuito, excepcionalmente.

Com base no Pacta sunt servanda (assertiva de que os contratos devem ser mantidos) apenas o prejudicado pela inadimplência contratual poderia se valer do Estado para exigir o

1 MAZZEI, Rodrigo. O princípio da relatividade dos efeitos contratuais e suas mitigações. In: HIRONAKA,

Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coords). Direito contratual: temas atuais. São Paulo: Método, 2007, p. 189-222.

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cumprimento do que foi acordado. Não era comum uma intervenção do Estado para revisar o contrato.

Pelo princípio da relatividade do contrato, esse era visto como uma transação de natureza patrimonial entre dois sujeitos, ligados apenas entre si, sem qualquer relação com o meio social no qual estavam envolvidos.

Cabia ao Estado apenas exigir o cumprimento dos contratos já esse era considerado justo porque realizado por pessoas livres e iguais. Tal distanciamento do Estado em relação ao contrato tinha relação, na época pós Revolução Francesa, com o rompimento em relação ao Estado Absolutista, intervencionista e contrário aos interesses burgueses.

Até a metade do Século XX, o estudo do contrato foi apenas estrutural, sem questionamento a respeito de qualquer outra função do contrato que não fosse a realização das vontades das partes contratantes. Não se analisava o contrato no contexto valorativo e social.

Já no conceito contemporâneo de contrato, podemos vislumbrar principalmente dois enfoques a) em âmbito mundial, o contrato contemporâneo surge a partir do Estado do Bem-Estar Social , Welfare State; b) em aspecto nacional, o conceito contemporâneo de contrato se baseia na ordem constitucional-civil-econômica orientada pelos objetivos fundamentais contidos no art. 3º da Constituição Federal.

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No contrato contemporâneo, passou-se a não mais se contentar apenas com a segurança jurídica do contrato, mas com o valor justiça contratual ou equidade do contrato, passando a não mais ser suficiente a noção de igualdade formal (perante a lei), buscando-se uma igualdade fática substancial, que forneça aos contratantes a real paridade para decidir as cláusulas do contrato.

Antes, era aceitável, com base na liberdade contratual, que o resultado do contrato fosse vantajoso para uma parte e danoso para o outro contratante. Na visão contemporânea, isso é inadmissível, tendo em vista que o contrato, hoje, baseia-se na ideia de confiança, solidariedade, ao invés do antagonismo que permitia tudo em nome do individualismo burguês das partes presente no conceito clássico contratual.

Na senda atual, passou-se a exigi-se a boa-fé dos contratantes, bem como o dever de cooperação, em lealdade, pois o contrato não pode servir para o alcance de fins escusos, alheios aos contratados em um ambiente de confiança mútua.

A igualdade e a liberdade no direito privado contemporâneo exigem uma nova leitura, à luz da ordem constitucional, buscando a compatibilização da autonomia privada com a dignidade da pessoa humana e com a solidariedade, dentre outros princípios constitucionais fundamentais.

A denominada igualdade formal (perante a lei) se mostrou cada vez mais insuficiente nos contratos, sobretudo, após a Revolução Industrial e o surgimento dos contratos de massa, de forma que se mostrou cada vez mais desigual a relação entre patrão e empregado, bem como entre consumidores e fornecedores.

(17)

No ordenamento brasileiro, inicialmente passou a ser possível a revisão contratual, com base na chamada Teoria da Imprevisão, admitindo-se a revisão contratual, desde que surgissem fatos supervenientes que tornassem as condições contratuais diversas das originalmente acertadas.

Um passo mais à frente foi a possibilidade de revisão contratual, independente da Teoria da Imprevisão, ou seja, a jurisprudência brasileira passou a acolher a possibilidade de revisão contratual, mesmo nos casos onde não houvesse surgimento de fato novo imprevisível de desequilíbrio do contrato. Nesta ótica o desequilíbrio era visto como originário, assim embora constasse das cláusulas contratuais, a avença não poderia prosperar inalterada, pois continha o que se denominou de onerosidade excessiva para uma das partes.

Roxana Borges3 salienta que a Teoria da onerosidade excessiva foi abraçada primeiramente no âmbito consumerista, ante a vulnerabilidade do consumidor. Contudo, acrescenta que também nos contratos formalmente paritários (de direito civil em geral) a jurisprudência tem estendido os efeitos da Teoria da Onerosidade Excessiva, muito embora o Código Civil, no art. 4784, tratando da resolução por onerosidade excessiva, exija os requisitos da Teoria da Imprevisão. A jurisprudência, nesse caso, tem entendido que, mesmo nos contratos de direito civil (não consumeristas) a revisão pode ser feita com base apenas na teoria da onerosidade excessiva, mesmo sem requisitos da teoria da Imprevisão, tendo em vista os valores principiológicos de todo o Código Civil e da Constituição Federal.

3 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Reconstrução do conceito de contrato: do clássico ao atual. In:

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coords). Direito contratual: temas

atuais. São Paulo: Método, 2007, p. 19-40.

4

(18)

Para auxiliar essa análise principiológica do contrato, o nosso ordenamento, influenciado por valores constitucionais, incorporou princípios como a função social do contrato e a boa-fé.

Agora, falando da situação da função social do contrato, no Anteprojeto do Código

Civil de 2002, observa-se que a função social é decorrente de premissa mais abrangente,

denominada princípio da socialidade, a qual, na Exposição de Motivos do Código Civil5, Miguel Reale, apresenta como fundamento da função social do contrato e da propriedade.

Mais precisamente em relação ao contrato, o coordenador do Anteprojeto do Código Civil, assevera que a função social do contrato consiste no “princípio condicionador de todo o processo hermenêutico”, instrumentalizando-se, através de valores primordiais como a boa-fé e probidade, sendo, assim a função social do contrato um “preceito fundamental, essencial

à adequação das normas particulares à concreção ética da experiência jurídica”.

Noutro passo, passemos neste momento para a análise dos fundamentos da função

social do contrato.

Partindo da premissa de que todo ordenamento jurídico tem a Constituição Federal como fundamento de validade, poder-se-ia apontar que a função social do contrato tem fundamento específico na Constituição, por exemplo, no artigo 1º, inc. III, ou seja, na dignidade da pessoa humana, uma vez que a função social do contrato busca justamente humanizar o contrato, de forma que a liberdade contratual não venha a anular a dignidade do ser humano por meio de contratos iníquos.

Nesse sentido, Flávio Tartuce6 assevera que “inicialmente, a função social do contrato está ligada à proteção dos direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, amparada no

art. 1º, III da CF/1988.

5 BRASIL. CÓDIGO CIVIL: exposição de motivos e texto sancionado. Brasília: Senado Federal, Secretaria

Especial de Editoração e Publicações, 2005, p. 40.

(19)

Ainda o artigo 3º, inc. I da Constituição também serve de base para a função social do contrato, pois o contrato deve estar inserido dentro de uma sociedade livre, justa e solidaria.

Por analogia, poderia se falar na extensão do princípio esculpido no art. 5º, XXIII e art. 170, III da Constituição, já que a função social (ainda que no texto constitucional seja expressamente relativa à propriedade) se desdobraria também ao contrato, uma vez que o princípio está descrito na Carta Constitucional como princípio da Ordem Econômica.

Nesse sentido, Miguel Reale7, entende que a função social do contrato decorre da função social da propriedade, porque constantemente o contrato serve à propriedade e vice-versa.

Flávio Tartuce8, argumenta que a função social do contrato também pode ser fundamentada nos arts. 170, caput, da Constituição, tendo em vista que a justiça social é um dos objetivos da República, podendo ainda, segundo o autor, a função social do contrato ser fundamentada na solidariedade social prevista no art. 3º, III da Constituição, dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Para Junqueira de Azevedo, o fundamento da função social do contrato seria a manutenção da ordem econômica (art. 170 da CF/1988)9

Reafirmamos que a dignidade da pessoa humana se afigura como o grande fundamento da função social do contrato, principalmente porque somos partidários do entendimento de que a função social tem eficácia interna e externa, ou seja, tanto entre as partes como em relação a terceiros, de forma que o contrato nunca sirva para atingir a dignidade do ser humano, seja o contratante, seja o terceiro, que pode ser alcançado pelos efeitos do contrato.

7 REALE, Miguel. Função social do contrato. Disponível em:

<http://www.miguelreale.com.br/artigosqfunsoccont.htm>. Acesso em: 20 abr. 2013.

8

TARTUCE, loc. cit.

9 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva, 2002,

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Uma ressalva, porém, é importante ser feita: a função social como decorrência de mandamentos e princípios constitucionais não pode ser vista como uma constitucionalização ilimitada do direto do direito privado. Deve-se ter em mente que direito constitucional e direito civil, apesar de guardarem uma relação de decorrência ou de validade, cuidam de matérias que apresentam suas características e naturezas próprias. Por isso, deve ser respeitado um espaço mínimo para a autonomia do direito privado no que lhe é peculiar, ou nos espaços não ocupados pelas normas de caráter constitucional propriamente dito.

Além do mais, é preciso ter cuidado com o pensamento de constitucionalização desmedida do direito civil, pois isso levaria a uma confusão entre os objetos e o parâmetro de controle de constitucionalidade, levando a uma confusão jurídico-dogmática que teria como consequência o enfraquecimento, tanto do direito civil como do direito constitucional.10

2.2 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO NO DIREITO COMPARADO

A função social do contrato está prevista também no direito comparado. Em algumas legislações, esse instituto vem previsto de forma expressa, em outras, verifica-se a principiologia da função social do contrato, através de outras cláusulas gerais como a boa-fé, bons costumes, função social da propriedade, dentre outros.

Entre os países nos quais se pode vislumbrar a função social do contrato, através da

função social da propriedade, podemos citar “precursoramente a Constituição Mexicana de

1917, art. 27, e Weimar (Alemanha, 1919), art. 153, seguidas, depois, pela Constituição

italiana de 1947, art. 42.”11

10 MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa

relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 113.

(21)

Já com relação à abstração da função social do contrato, através proteção ambiental, pode-se constatar a Constituição da Espanha (1978), em seus arts. 148 e 149, bem como a Constituição Alemã de 1949 (art. 74, n. 24); Na Itália, a lei n. 394/86 (art. 5º, 3). Bem como na França, a Lei nº 76-673/76 e a Lei de Controle de Poluição, da Inglaterra de 197412.

Na Alemanha, há exemplos de atuação da jurisprudência, inclinando-se na direção da função social do contrato, embora sem conhecer expressamente a nível nacional a positivação legislativa expressa de tal instituto. Leonardo Martins13ilustra, quando se refere a uma decisão (BVerfGE89) do Tribunal Constitucional Federal alemão, o qual, baseado no postulado de que “a propriedade obriga”(art. 153 da Constituição alemã de 1919), o TCF reconheceu o direito de propriedade ao locatário (“direito de domínio da coisa locada pelo locatário”).

Deve-se salientar que todos os outros conceitos gerais (boa-fé, probidade, usos, e bons costumes) contidos no Código Civil brasileiro, os quais, entendemos que servem, em sua maioria, como “preceitos de ordem pública, estabelecidos para assegurar a função social do

contrato” (art. 2.035, parágrafo único), já gozam de uma longa tradição no direito alemão,

podendo ser encontrados no Código Civil alemão (BGB), que serviu de lastro para a elaboração do Código Civil de 1916, conforme assegura Martins.14

Ainda sobre o direito alemão, Mancebo15, ressaltando a importância das constituições dos estados membros alemães, informa que a Constituição do Estado Livre da Baviera possui disposição textual expressa sobre a função social do contrato. Trata-se do artigo 151 da constituição da Baviera, que dispõe:

(1) El conjunto de La actividad económica se ordena al bien común, especialmente a garantizar una existencia humanamente digna para todos y uma gradual elavación Del nivel de vida de todas las capas sociales. (2) Dentro de estos fines, La libertad de contrato rige según las leyes. La libertad de desarrollo de la decisión personal y la libertad de actuación autónoma del individuo en la economía quedan reconcidas por

12

MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros. 7. ed., 1998, p. 46.

13 MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa

relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 113.

14

MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p.114.

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principio. La libertad económica del individuo tiene sus límites en la consideración al prójimo y a las exigencias éticas del bien común. Los actos jurídicos dañosos para la comunidad e inmorales, especialmente todos los contratos económicos abusivos, son ilegales e nulos.

Ainda o artigo 157 dessa mesma Constituição estadual diz que:

(1) La formacion de capital no es um fin em si misma, sino médio para El desarrollo de la economía. (2) el dinero y el crédito sirven para la creación de valor y la

satisfacción de las necesidades de toda la población.”

Já com relação ao direito italiano, Gisele Salgado16 o caracteriza como o único ordenamento estrangeiro que traz norma expressa sobre a noção de função social do contrato. a autora refere-se ao Código Civil italiano, que em seu artigo 1.322, proclama claramente o valor da função social do contrato. Tal dispositivo legal, na tradução disponibilizada pela referida autora, estabelece o seguinte:

As partes podem livremente determinar o conteúdo do contrato nos limites impostos na lei e nas normas corporativas. As partes podem ainda formar contratos que não fazem parte dos tipos disciplinados na lei, contanto que sejam direcionados à realizar os interesses de tutela segundo o ordenamento jurídico.

Ainda sobre o ordenamento italiano, Rafael Mancebo17 destaca primeiramente a referência à função social propriedade, exercida nos artigos 42 e 43 da Constituição Italiana, em semelhança com a proteção constitucional da função social da propriedade no artigo 170 da Constituição brasileira, com a sua consequente ligação à função social do contrato.

Especificamente sobre o contrato, o mesmo autor aponta o artigo 41 da Constituição italiana. Tal norma constitucional italiana é emblemática na garantia da função social do contrato. Segundo esse dispositivo, a liberdade de iniciativa privada é protegida, desde que

“não seja contrária à utilidade pública” ou exercida “de uma forma que possa prejudicar a

segurança, a liberdade e a dignidade humana”.

16 SALGADO, Gisele Mascarelli. Função social do contrato: e a teoria do direito de Miguel Reale. Conteúdo

Jurídico, Brasilia-DF: 16 abr. 2012. Disponivel em:

<http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.36481&seo=1>. Acesso em: 16 mai 2013.

(23)

O mesmo art. 41, segundo período, da Constituição italiana ainda condiciona a a liberdade de iniciativa privada aos “fins sociais, para a qual são coordenadas e endereçadas

pela lei a atividade econômica pública e privada18

Podemos ainda dizer que o Código Civil italiano ainda fomenta a função social do contrato em outros artigos como aqueles que tratam da boa-fé na conduta negocial (arts. 1.479, 1.706, 1.776), bem como na interpretação judicial (art. 1.366), além da boa-fé objetiva (arts. 1.175 e 1.337).19

Quanto ao Direito francês, pode-se dizer que a expressão “função social do contrato” é de origem doutrinária francesa, segundo a teoria de León Duguit20, o qual entendia que a

“solidariedade era uma causa social que originava o direito”. Contudo, Miguel Reale entende

o contrário. Segundo o renomado filósofo do direito, “a solidariedade é uma finalidade a ser alcançada pelo ordenamento jurídico.21”

Partindo para investigação mais especifica da função social do contrato no direito francês, convém destacar o art. 1.108 do Código de Napoleão, o qual restringe a validade das convenções a certas condições, dentre elas, à “... causa lícita na obrigação”. Tal sentido de função social abstraído desse artigo é ratificado pelo art. 1.131 do mesmo Código, a qual assevera que “a obrigação sem causa, ou com uma falsa causa, ou com uma causa ilícita,

não pode ter qualquer efeito”. O artigo 1.133 complementa o raciocínio da ligação entre a

causa do negócio e a função social do contrato, quando vincula a licitude causa do contrato aos bons costumes e à ordem pública.

Código Civil Francês ainda prevê algumas cláusulas gerais o que se aproxima dos deveres anexos disciplinados em nosso Código Civil, quando, no artigo 1.135 estabelece que

“as convenções obrigam não somente ao que está nelas expresso, mas ainda a todas as

18 Ibid., p. 150-151. 19

Ibid., p. 151.

20 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 83.

(24)

consequências que a equidade, o uso ou a lei derem à obrigação de acordo com a sua

(25)

3 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ENTRE PARTICULARES

Para Professor Leonardo Martins, “O art. 421 do Código Civil brasileiro promulgado

em 2002 trouxe certamente o conceito mais aberto do qual se tem notícia...”.22 O doutrinador

e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ainda enfatiza que o citado dispositivo “... oferece não somente uma „porta‟, mas sim um „largo portão de entrada‟ do

direito constitucional no direito privado”.23

Essa denominada “porta de entrada” diz respeito à Teoria da eficácia horizontal

mediata (ou indireta) dos direitos fundamentais nas relações privadas.

Segundo Martins24, essa dogmática é bem explicada por uma alegoria de feixes de luz, que conduzem os diretos fundamentais para além de seus limites constitucionais e entram no direito privado por meio de frestas que seriam cláusulas gerais existentes no direito privado.

Assim, a existência dessas cláusulas gerais no direito privado autorizaria o intérprete da legislação infraconstitucional a interpretar e aplicar o direito privado à luz dos valores constitucionais dos direitos fundamentais.

Dessa forma, a função social do contrato funcionaria como uma dessas brechas por onde entrariam a luz dos direitos fundamentais no direito privado.

Dentro desse contexto, abrem-se duas principais teorias sobre a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas: uma defendendo uma aplicação imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas e outra a favor da aplicação indireta ou mediata

Tema interessante para o estudo da função social do contrato é a questão da eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, ou também chamada de eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

22

MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 111.

(26)

Muito já se tem pesquisado sobre o tema, mas convém ao presente trabalho um apanhado da situação (ainda que não aprofundado), visto que tal assunto relaciona-se estreitamente com a função social do contrato, ora estudada no presente trabalho.

Primeiramente, é importante esclarecer o porquê da expressão eficácia “horizontal”

dos direitos fundamentais. Nesse sentido, deve-se entender que os direitos fundamentais possuem primeiramente uma eficácia vertical, ou seja, o dever do Estado (que está acima) respeitar e promover os direitos dos indivíduos (que estão abaixo). Daí a noção de verticalidade dos direitos fundamentais.

Dimoulis e Martins25 esclarecem:

Isto constitui o efeito vertical dos direitos fundamentais que se manifesta nas relações caracterizadas pela desigualdade entre o “inferior” (indivíduo) e o

“superior” (Estado), que detém, privativamente, o poder de legislar e um enorme

potencial de violência organizada.

Já eficácia horizontal dos direitos fundamentais seria a possibilidade de os direitos fundamentais serem invocados, não contra o Estado (na verticalidade), mas sim a utilização dos direitos fundamentais por um particular em face de outro, ou seja, no plano horizontal.

É importante frisar que inicialmente os direitos fundamentais eram aceitos apenas em sua eficácia vertical, ou seja, como garantias dos indivíduos contra o arbítrio estatal.

O entendimento de aplicação dos direitos fundamentais em sua eficácia horizontal, ou seja, da prerrogativa de pretensão de direitos fundamentais por um particular em face de outro particular, tem como lide case a clássica decisão “Lüth”26, proferida pelo Tribunal Constitucional Federal alemão em 1958.

No caso, o Erich Lüth, há época (em 1950), presidente do Clube de Imprensa de Hamburgo, e convocou distribuidores, donos de cinemas e o povo em geral para um boicote

25 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 103.

26

(27)

contra o cineasta Veit Harlan e contra o filme Unsterbliche Geliebte” (a amante imortal) que este ele estava para estrear. Lüth justificava o boicote contra Harlan em razão desse ter sido, durante o período nazista, realizador de produção cinematográfica de conteúdo antissemita, notadamente o filme “Jud Suβ”, de 1941, o qual incentivava o ódio e a violência contra judeus.

A produtora e a distribuidora do filme que estava sendo dirigido por Harlan ajuizaram uma ação contra Luth, baseando-se no § 826 do Código Civil Alemão (BGB), segundo o qual quem, contrariando os bons costumes, causar dano a outrem, dever ser condenado a uma obrigação de não fazer (na espécie, não convocar ao boicote) e, em caso de descumprimento, pagar uma pena pecuniária.

A ação contra Lüth foi julgada procedente pelo juízo cível e o réu foi condenado a não incitar ao boicote, pois a justiça ordinária alemã entendeu, com base no §826 do BGB, que a incitação ao boicote seria uma conduta atentatória à moral e os bons costumes.

Entretanto, o Tribunal Constitucional Federal alemão revogou a decisão proferida no juízo cível, entendendo que aquela decisão não considerou o comportamento de Lüth como exercício do direito fundamental à livre expressão do pensamento, conforme Art. 5 I 1 da Lei Fundamental alemã, prerrogativa constitucional essa que, conforme o presente entendimento paradigma do TCF, também alcança o caso em que o direito fundamental a livre expressão do pensamento entra em conflito com interesses privados.

Dessa forma, tivemos na célebre decisão “Lüth”, proferida pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, o caso considerado como divisor de águas quanto à eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

(28)

Mesmo entre os que admitem a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, há também a divergência a respeito de como se dá essa eficácia, tendo como principais correntes a teoria da eficácia direita ou imediata dos direitos fundamentais e a teoria da eficácia indireta ou mediata de direitos fundamentais.

3.1 DA NÃO EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: A DOUTRINA DO STATE ACTION.

Como apresenta Sarmento27A eficácia dos direitos fundamentais não é aceita, em geral, no direito norte americano, com algumas exceções. Lá, a cultura individualista americana entende que os direitos fundamentais devem regular as relações do particular com o Estado e não os conflitos dos indivíduos entre si. É a chamada State action. Um dos principais fundamentos dessa doutrina americana está na interpretação literal da própria Constituição americana, a qual direciona em face dos poderes públicos as normas de direitos fundamentais.

Outro fundamento da doutrina do state action é a autonomia privada, a qual se revela muito cara para os valores da cultura americana, de traço marcantemente individualista. Outro argumento para a não eficácia horizontal dos direitos fundamentais nos Estados Unidos é o federalismo, pois lá somente os Estados (e não a União) podem legislar sobre direito privado. Dessa forma, os defensores da State action concluem que a Constituição Americana não poderia versar sobre matéria cível, já que é elabora pela União, sem competência neste ramo do direito.

27 SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais: o debate teórico e a jurisprudência do STF. Disponível em:

(29)

Uma exceção ao State action no ordenamento norte americano é a décima quarta emenda, que aboliu a escravidão, já que esta norma de direito fundamental também é dirigida aos particulares.

Em resumo, a crítica que se faz a State action é contra a ideia de que os direitos fundamentais sejam direitos públicos subjetivos exercitáveis apenas contra o Estado.28

Afora os exemplos do state action, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais é, em geral, aceita pelos demais países de tradição democrática.

Porém, o que é motivo de divergência na doutrina e na Jurisprudência é a forma como se dá a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Para uns, essa eficácia horizontal é direta (imediata). Já para outros, esse efeito dos direitos fundamentais entre os particulares seria indireto (ou mediato).

3.2 A EFICÁCIA HORIZONTAL INDIRETA OU MEDIATA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O que seria eficácia horizontal direta e eficácia horizontal indireta dos direitos fundamentais? Por eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais, entende-se a aplicação das regras de direito fundamental protegendo um particular contra o outro, independente da existência de norma infraconstitucional de concretização do direito fundamental aplicado no caso.

Já eficácia horizontal indireta dos direitos fundamentais seria a aplicação de direitos fundamentais na resolução de conflitos entre particulares, mas utilizando a legislação infraconstitucional como mecanismo de concretização de direitos fundamentais nas relações entre particulares, através conceitos abertos existentes na própria legislação

28 SOMBRA, Thiago Luís Santos. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. São Paulo:

(30)

infraconstitucional (como a função social do contrato, a boa-fé etc), os quais seriam instrumentos de aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.

Segundo Martins, a eficácia horizontal indireta dos direitos fundamentais encontra respaldo no vínculo do Judiciário aos direitos fundamentais, vinculo esse que impõe ao Judiciário o dever de (utilizando-se de cláusulas gerais encontradas no direito privado) interpretar e, por vezes, afastar normas infraconstitucionais que, embora em tese sejam constitucionais, podem ter sua aplicação tida como inconstitucional, quando essa aplicação não levar em conta direitos fundamentais de um particular contra outro particular, surgindo

nesses casos um dever de “proteção ativa” pelo Estado-juiz, contra a agressão a alguns

direitos fundamentais, partidas de particulares, em casos nos quais a autonomia privada carece de um aspecto positivo, no sentido da necessidade de uma tutela estatal jurisdicional.29

Mas qual seria o problema de aplicar direitamente os direitos fundamentais nas relações entre particulares, independente de legislação infraconstitucional que dê suporte para tal concretização? O problema é que uma coisa é aplicar os direitos fundamentais em face do Estado, que não é sujeito titular direitos fundamentais. Outra coisa é invocar direitos fundamentais em face do cidadão, que, diferentemente do Estado, também é titular de diretos fundamentais. Colocar o cidadão no lugar do Estado pode comprometer sua liberdade, sua autodeterminação constitucionalmente garantida, impedindo-o de exercer sua liberdade, através de escolhas existenciais.

Nesse sentido, os adeptos da Teoria da eficácia horizontal indireta dos direitos fundamentais entendem que para possibilitar maior segurança jurídica e maior liberdade ao cidadão, a aplicação dos direitos fundamentais em face do particular deve ser intermediada pela legislação infraconstitucional, até como forma de respeitar a democracia, por meio da

29 MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa

(31)

garantia da competência do legislador infraconstitucional para edição das normas reguladoras das relações privadas.

A teoria da Eficácia horizontal indireta dos direitos fundamentais, conforme Sarmento30 surgiu na Alemanha, em 1956, com Günter Dürig e é adotada majoritariamente na doutrina e jurisprudência alemã.

Segundo Düring, os direitos fundamentais são uma ordem objetiva de valores que se irradiam por todo ordenamento jurídico, mas, para incidirem sobre as relações privadas, precisam de mecanismos de intermediação31 ou, para Martins, “portas de comunicação entre

direito privado e direito constitucional”. 32

No Brasil, esse entendimento é minoritário. Entre os que defendem a aplicação no direito brasileiro da eficácia horizontal indireta dos direitos fundamentais podemos citar Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, para quem:

A teoria do efeito indireto ou mediato dos direitos fundamentais indica que os direitos fundamentais produzem efeitos para as relações jurídicas de direito privado

mediante normas e cláusulas gerais que oferecem verdadeiras “portas de entrada”

(Einbruchsstellen) para o direito constitucional no direito privado.33

Poderíamos, então, dizer que, à luz da teoria da eficácia horizontal indireta dos direitos

fundamentais, a função social do contrato seria uma dessas “portas de entrada” dos direitos

fundamentais no direito civil contratual, servindo de mecanismo para interpretação dos contratos à luz de princípios constitucionais ligados aos direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF), a solidariedade (art. 3º, I da CF), bem como a igualdade e a liberdade (art. 5º, caput da CF).

30 SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais: o debate teórico e a jurisprudência do STF. Disponível em:

<http://www.danielsarmento.com.br/wp-content/uploads/2012/09/a-vinculacao-dos-particulares-aos-direitos-fundamentais-na-jurisprudencia-do-STF-e-no-direito-comparado.pdf>. Acesso em: 8 abr. 2013.

31 CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Coimbra: Almedina, 2006 p. 29. 32 MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa

relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 111.

33 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo:

(32)

3.3 A EFICÁCIA HORIZONTAL DIRETA OU IMEDIATA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Já quanto à teoria da eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais, segundo, Sarmento34 tal doutrina se amolda mais às características brasileiras, uma vez que a nossa Constituição é dotada de vários direitos fundamentais estabelecidos diretamente em face do particular, como os direitos fundamentais sociais do art. 7º.

O autor ainda argumenta que a realidade brasileira, repleta de desigualdades sociais entre os particulares justifica a necessidade de aplicação direta dos direitos fundamentais entre os particulares, mesmo nos casos em que não houver legislação infraconstitucional regulando o caso, ou quando a lei existente se mostrar inconstitucional.

Em nosso sentir, aplicação direta de direitos fundamentais nas relações entre particulares deve ser revestida de cautelas, pois tal situação geralmente envolve a mitigação do direito fundamental de uma parte em favor do direito fundamental de outra. Nesse sentido, por exemplo, a exigência de isonomia entre particulares deve ser vista com reservas, pois os indivíduos têm constitucionalmente garantida a autodeterminação da personalidade. Nessa linha, não seria razoável exigir que a pessoa não pudesse fazer certas escolhas (e aí, certas discriminações), por exemplo, na contratação de um empregado doméstico, segundo critérios que se alinhem mais com a personalidade daquele que contrata, v.g, escolher um empregado doméstico que professe sua mesma religião, em detrimento de outro de religião diversa, ou que possua a sua mesma orientação sexual, ao invés de outro que possua outra opção sexual, pois isso faz parte das escolhas existenciais do indivíduo, as quais também são protegidas pela

34 SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais: o debate teórico e a jurisprudência do STF. Disponível em:

(33)
(34)

4 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO COMO CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS

4.1 A FUNÇÃO SOCIAL EM SEUS ASPECTOS INTERNO E EXTERNO AO CONTRATO

Não há consenso na doutrina quanto à eficácia da função social do contrato. Há quem entenda que a função social do contrato somente tem eficácia interna entre as partes35. Por outro lado, há aqueles que apenas aceitam a eficácia externa (ou para além dos contratantes) da função social do contrato.36 Grande parte da doutrina considera que a função social do contrato apresenta uma faceta interna e outra externa.

Filio-me a essa corrente, a qual entende que a função social do contrato apresenta uma dupla eficácia: tanto interna como externa.37

Cabe registrar que há na doutrina quem não reconheça qualquer eficácia (seja interna, seja externa) à função social do contrato, entendo que a função social limita-se à causa contratual38.

A função social interna do contrato não é consenso na doutrina, visto que essa aceita de forma mais pacífica a função social externa do contrato. Contra a consideração da função social do contato em seu âmbito interno, podemos citar Humberto Theodoro Neto, para quem

35 Nesse sentido: SANTOS, Antônio Jeová dos. Função social do contrato. Lesão, imprevisão no CC/2002 e no CDC, 2ª ed., São Paulo: Método, 2004, passim; NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e os seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994, passim. 36

NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato. Novos paradigmas 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006; SILVA, Luis Renato Ferreira da. A função social do contrato no novo código civil e sua conexão com a solidariedade social. In: SARLET, Ingo (Org.) O novo Código Civil e a Constituição.

37

Nesse sentido: TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002, São Paulo: Método, 2007, p. 248; NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006; GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004.

38

(35)

o termo “função” pode se referir ao âmbito interno e externo do contrato, mas a expressão

“social” somente pode ter aplicação fora das partes contratantes, referindo-se à coletividade39.

Nessa mesma linha, Luis Renato Ferreira da Silva40 considera que o binômio cooperação/solidariedade, quando analisado sob o prisma interno do contrato, diz respeito à

boa-fé; já quando enfocado sob a vertente externa, em relação ao alcance na esfera de

terceiros, refere-se ao princípio da função social do contrato.

Humberto Theodoro Junior41 também comunga da linha segundo a qual a função social do contrato manifesta-se apenas na relação dos contratantes para com terceiros. Segundo ele, a função social do contrato aborda sobre os reflexos da liberdade contratual sobre a sociedade, enquanto a boa-fé fica restrita ao relacionamento travado entre os próprios sujeitos do negócio jurídico.

A função social do contrato no aspecto interno deve ser entendida primeiramente como o princípio segundo o qual o contrato deve servir à finalidade lícita para a qual foi celebrado. Daí decorre que as partes devem se esforçar para não se desviarem da finalidade contratual, usando de lealdade recíproca, a fim de que a avença não seja um instrumento de dano de um contratante sobre o outro.

Borges42 exemplifica que se alguém compra um eletrodoméstico a prazo, pagando juros de 100% ao ano, esse contrato estaria desnaturado da compra e venda, tornando-se um mútuo explicitamente abusivo. Daí perderia sua função social interna, ou seja, sua finalidade originária que era a circulação de mercadoria.

39 THEODORO NETO, Humberto. Efeitos externos do contrato: direitos e obrigações na relação entre

contratantes e terceiros. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 154.

40

SILVA, Luis Renato Ferreira da. A função social do contrato no novo Código Civil. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 133.

41 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 29. 42 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Reconstrução do conceito de contrato: do clássico ao atual. In:

(36)

Sobre esse aspecto interno da função social do contrato, Godoy assevera que a função social ocorre “primeiro entre as partes, de maneira a assegurar contratos mais iguais, com o

que se garanta uma igual dignidade social aos indivíduos”.43

No mesmo sentido, o Enunciado 360, aprovado na IV Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal: “O princípio da função social dos contratos também pode ter

eficácia interna entre as partes”. 44

O sentido mais marcante da função social do contrato no âmbito interno é a tutela da dignidade dos contratantes, a fim de se evitar que um dos celebrantes tenha sua dignidade atingida pelo outro através do contrato.

Flávio Tartuce aponta vários artigos do Código Civil, os quais entende como exemplos da eficácia interna da função social do contrato.45, a saber: a) art. 108 do CC: a desnecessidade de escritura pública para alienação de imóveis no valor de até 30 salários mínimos, como sendo uma forma de proteger o comprador carente de recursos, que não pode custear as despesas da escritura pública; b) art. 157 do CC, quando estipula a possibilidade de anulabilidade do contrato, quando ocorrer a lesão, que seria um vício da vontade com repercussões no contrato, nas hipóteses em que houver por um dos contratantes “premente

necessidade” ou “ignorância” capaz de inviabilizar a igualdade e a liberdade para contratar; c)

art. 170 do CC, o qual se relacionando com o princípio da conservação dos negócios jurídicos e a da operabilidade, possibilita a conversão do contrato nulo; d) art. 187 do CC, que estabelece a possibilidade de proteção da finalidade social do contrato, através da responsabilidade civil por abuso de direito dentro do contrato; e) arts. 317 e 478 do CC, possibilitando a revisão ou resolução do contrato, nos casos de imprevisão e de onerosidade

43

GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 131.

44 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de (Coord). Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados.

Disponível em <http://www.jf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf/view>. Acesso em: 04 jun. 2013.

45 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de

(37)

excessiva; f) art. 406 do CC, limitando a taxa de juros legais de mora; g) art. 413 do CC, possibilitando a redução da cláusula penal pelo juiz, quando essa se mostrar desproporcional, medida relacionada com o princípio constitucional da igualdade e que busca evitar o desvio de finalidade do contrato, que não pode se torna objeto para o enriquecimento sem causa; h) art. 423 do CC e art. 47 do CDC , que, para os contratos de adesão e contratos de consumo, prevê a interpretação mais favorável ao aderente e ao consumidor; i) art. 424 do CC, que estabelece para os contratos de adesão a nulidade de cláusula de renúncia antecipada de direito decorrente da natureza do negócio.

Podemos dizer, sem sombra de dúvidas, que todos esses artigos buscam promover a função social do contrato, que, na linha do Código Civil, seria um verdadeiro princípio geral do direito contratual, construído pelos demais princípios como os previstos nos artigos citados acima, além da boa-fé.

O art. 2.035, Parágrafo único, do Código Civil (o qual estabelece que “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos

por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”) reforça a

ideia de que vários princípios do Código Civil, descritos nos mais diversos artigos desse Código, servem para efetivar a função social do contrato, funcionando como “preceitos de

ordem pública... para assegurar a função social... dos contratos”.

No aspecto externo, a função social do contrato vai além das partes envolvidas. Sob esse ângulo, se analisa se o contrato é útil à coletividade ou se, pelo menos não causa prejuízo à terceiros.

Sobre a função social externa do contrato, Nelson Rosenvald46 ressalta a necessidade de superação do mito da relatividade contratual (contrato relativo apenas às partes). O autor

(38)

sustenta que a função social do contrato serve para substituir a visão individualista do vínculo contratual pela concepção de tutela externa do crédito.

Essa é a noção mais aparente da função social do contrato. Jorge Cesar Ferreira da Silva entende a função social do contrato nesse aspecto, como “princípio de normatividade exógena”, quando fala da necessidade de atenção para com terceiros não integrantes da relação contratual original, segundo o ordenamento da solidariedade47.

Procura-se nessa visão compatibilizar dentro de uma moldura constitucional a livre iniciativa (art. 1º, IV da Constituição), com a função social da propriedade (arts. 5º, XXIII e 170, III da CF), também atentando para a preocupação constitucional do abuso do poder econômico (art. 173, § 4º da CF), além do princípio constitucional da solidariedade (art. 3º, I da CF).

Flávio Tartuce48 indica alguns dispositivos do Código Civil, os quais promovem a função social do contrato em seu âmbito externo: a) arts. 436 a 438 do CC, que tratam da estipulação em favor de terceiros, como uma das hipóteses de exceção à relatividade dos contratos; b) arts. 439 a 440 do CC, que tratam da promessa de fato de terceiro, também como exceção à relatividade dos efeitos dos contratos; c) art. 608 do CC, tratando da chamada tutela externa do crédito e prevendo uma sanção legal para o terceiro que estimula o descumprimento contratual pelo devedor, quando o terceiro aliciar o devedor para que esse celebre com aquele outro contrato, inviabilizando o cumprimento da avença com o credor do pacto original. Neste aspecto, vide comentários que fizemos a respeito de um caso jurisprudencial envolvendo a questão, no tópico 4.2.

47 SILVA, Jorge Cesar Ferreira da. Princípios de direito das obrigações no novo Código Civil. In: SARLET,

Ingo Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 107.

48 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de

(39)

Destaque-se também, sobre a função social no âmbito externo, o entendimento da Professora Judith Martins-Costa49, no qual restou consignado que a fusão de empresas deve ser impedida, quando tal arranjo empresarial resultar na formação de cartel.

Segundo a orientação acima, a autora defende que a função social do contrato deve fomentar o princípio constitucional da livre concorrência, impondo um dever positivo às empresas em processo de fusão ou incorporação, de forma que essas se abstenham de dominar o mercado e inviabilizar a concorrência. Para tanto, a professora defende a utilização de interpretação sistemática, conciliando a regra do art. 421 do Código Civil, com os dispositivos constitucionais sobre a livre concorrência e as regras relativas aos arranjos empresariais, bem como as normas administrativas referentes ao mercado de valores imobiliários. Nesse sentido, também deve ser observado o mandamento constitucional insculpido no art. 173, § 1º, I da Constituição, referente à função social da empresa.

Saliente-se ainda outra importante decorrência da função social do contrato, no aspecto externo, a qual consiste no entendimento exposto na Súmula 30850 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente

financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem

eficácia perante os adquirentes do imóvel”. Sobre essa questão, vide os comentários que

tercemos no tópico 4.2 desse trabalho, quando tratamos da exigência da boa-fé em todas as fases do contrato.

Ainda na linha do efeito externo da função social do contrato, também no tópico 4.2, abordamos a questão do dever das distribuidoras de combustíveis respeitarem os contratos (com cláusula de exclusividade) celebrados entre outra distribuidora e os postos de combustíveis).

49 MARTIN-COSTA, Judith. Reflexões sobre o princípio da função social dos contratos. Revista Direito GV 1,

São Paulo, ano 1, n. 1, mai. 2005. Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/JudithMC.pdf >. Acesso em: 15 ago. 2013.

50 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 308. Segunda Seção. J. 30.03.2005. DJU. 25/04/2005 p. 384.

(40)

Do que foi exposto, resta evidente que o contrato não mais pode ser entendido como ilhado pelo princípio da relatividade contratual. Ao revés, surte efeitos para além das partes e, por isso mesmo, deve obediência ao princípio da solidariedade, o qual se apresenta como fundamento constitucional do aspecto externo da função social do contrato.

4.2 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E SUA RELAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA IGUALDADE, BOA-FÉ, AUTONOMIA PRIVADA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A função social do contrato é formada por vários outros preceitos que servem para dar-lhe conteúdo. Tal assertiva é corroborada pelo art. 2.035, Parágrafo único do Código Civil, o qual informa que “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da

propriedade e dos contratos”.

Da leitura do citado dispositivo, observa-se que outros preceitos do Código Civil servem para assegurar a função social dos contratos. E não somente os preceitos do Código Civil garantem a função social do contrato, mas também outros princípios contidos no Código de Defesa do Consumidor e na Constituição Federal. Tal comunicação se dá pela denominada tese do diálogo das fontes, de autoria de Erik Jayme, apresentada no Brasil por Cláudia Lima Marques.51

E quais seriam então esses preceitos que dão conteúdo à função social do contrato? Passaremos a analisar alguns princípios (igualdade, boa-fé, autonomia privada e dignidade da

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