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Com a palavra, Sua Excelência, o Vereador: Projeto de implantação de Programa de História Oral na Câmara Municipal do Rio de Janeiro

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Academic year: 2017

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COM A PALAVRA, SUA EXCELÊNCIA, O VEREADOR:

Projeto de implantação de Programa de História Oral na Câmara Municipal do Rio de Janeiro

Maria Alice Paes Barretto Gomes

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS ________________________________________________________________

Dissertação de Mestrado submetida como pré-requisito para obtenção do grau de Mestre.

Orientadora: Profª Drª Verena Alberti

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Folha de aprovação

COM A PALAVRA, SUA EXCELÊNCIA, O VEREADOR:

Projeto de implantação de Programa de História Oral na Câmara Municipal do Rio de Janeiro

Maria Alice Paes Barretto Gomes

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO PROGRAMA DE PÓS -GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS DO CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS , MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS, COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE.

APROVADA POR:

Profª Drª Verena Alberti

Profª. Drª. Aspásia Camargo

Prof. Dr. Carlos Eduardo Sarmento

_______________________________________________________________

Profª Drª Marieta de Moraes Ferreira

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AGRADECIMENTOS

A idéia da criação de um Programa de História Oral para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro surgiu numa aula da professora Verena Alberti, na Fundação Getúlio Vargas. Naquele momento modifiquei todo um projeto inicial de dissertação do Mestrado, que era o de fazer um diagnóstico dos acervos que pudessem compor um projeto de memória documental do Legislativo do Rio de Janeiro, idéia que me perseguia há alguns anos por conta de minha trajetória profissional na Câmara Municipal.

Meu agradecimento primeiro, portanto, é à minha “mentora” e orientadora, professora Verena Alberti, que também me fez ver, por outros prismas, que os encantos da atividade de pesquisar e escrever vão muito além do relato jornalístico ao qual eu estava acostumada. Profissional que vibra com o que faz, Verena passou, não só a mim, mas a todos da nossa turma, uma energia mais do que positiva em relação à História Oral. E em todos os nossos contatos, durante a sua orientação, mostrou-se carinhosamente exigente, firme e competente, abrindo meus horizontes e fazendo-me acreditar em meu potencial.

Agradeço ao professor Carlos Eduardo Sarmento e à vereadora e professora Aspásia Camargo pela participação na minha banca de qualificação e por suas valiosíssimas colaborações que só fizeram enriquecer os rumos de minha pesquisa. Carinho especial dedico, também, à professora Marieta de Moraes Ferreira, que acompanhou o projeto em sua organização. À minha filha, Luiza Paes Barretto Gomes David, um beijo grande por sua exemplar ajuda no levantamento de dados em tempo recorde, que foi fundamental para a finalização da dissertação, e à amiga Maria Teresa Dias Gomes, que prontamente transcreveu as gravações da minha primeira entrevista, um obrigada especial.

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Quero expressar um agradecimento sincero aos amigos de infância que me ajudam até hoje e àqueles que sempre levantaram a bola para que eu fizesse as mais lindas cortadas de minha vida: Lavínia Jobim, Maria da Glória Dias Gomes, Hésio Fernandes Pinheiro Filho, Regina Jatobá, Vivian Wyler, Sandra Chaves, Márcia Alaor Barreto, Romildo Guerrante, Luciene Salies e Ângela Mendonça.

Agradeço a meus pais e irmãos, que não estão mais aqui para compartilharmos juntos essa nova experiência, pelos excepcionais valores de vida que me ensinaram e pelos quais tenho pautado meu caráter, minhas ações e atitudes com êxito.

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RESUMO

GOMES, Maria Alice Paes Barretto – Com a palavra, Sua Excelência, o Vereador: implantação do Programa de História Oral na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Orientadora: Verena Alberti. Rio de Janeiro, FGV/CPDOC, 2006. Diss.

O presente trabalho tem por objetivo a implantação de um Programa de História Oral na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, com a constituição de um acervo de entrevistas gravadas sobre a história do Legislativo do novo município formado com a fusão dos antigos estados da Guanabara e Rio de Janeiro, em 1975.

Esse acervo servirá não só como fonte de informação sobre o papel da Câmara Municipal na história da cidade , a trajetória de seus vereadores e a lógica do processo legislativo, mas também como importante ferramenta de preservação e divulgação do passado e da memória da instituição.

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ABSTRACT

GOMES, Maria Alice Paes Barretto – Com a palavra, Sua Excelência, o Vereador: implantação do Programa de História Oral na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Orientadora: Verena Alberti. Rio de Janeiro, FGV/CPDOC, 2006. Diss.

The main interest of this project is to organize an Oral History Programme to the Municipal Council of Rio de Janeiro to create a historical collection of recorded interviews with the councilors, about the history of the Legislat ive of the new municipal district of Rio de Janeiro created with the fusion of Guanabara State and Rio de Janeiro State, in 1975.

This collection of interviews will compose a database of oral statements that will serve as a wellspring of information about the role played by the Municipal Council in the history of the city, the life stories of the councilors and the understanding of the legislative process, as well as an important instrument of collecting, preserving and publishing a more complete record of the past of the institution and its memories.

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SUMÁRIO PG

Apresentação... 1

Capítulo 1: Um pouco de história... 6

1.1. Trajetória política da cidade do Rio de Janeiro...6

1.2. A Câmara e o processo legislativo...22

Capítulo 2: Entre a memória e a história...28

2.1. Conceituações ... 28

2.2. História Oral – metodologia a ser adotada...39

2.2.1. O que é História Oral?...39

2.2.2. Breve Histórico...40

2.2.3. Na atualidade... 46

2.3. Riscos e desafios... .48

Capítulo 3: Roteiro geral de entrevistas...55

3.1.O roteiro e suas funções...55

3.2. Questões...57

3.2.1. O vereador na política carioca – o voto ideológico e o voto distrital...58

3.2.2. A fusão...65

3.2.3. A autonomia – o nacional e o local...72

3.3. O roteiro geral...79

3.3.1. Propostas de assuntos para elaboração de roteiros ...80

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Capítulo 4: O Programa de História Oral da Câmara Municipal do Rio de

Janeiro...91

4.1. A implantação do programa – procedimentos a serem adotados...91

4.1.1. Especificidades do programa...91

4.1.1.1.A escolha dos entrevistados...93

4.1.1.2. A escolha do tipo de entrevistas...95

4.1.1.3. Formação de equipe...95

4.1.1.4. Equipamento necessário...97

4.1.1.5. A carta de cessão da entrevista...98

4.2. Base de dados...99

4.3. Instrumentos de auxílio à consulta...104

4.4. Consulta à base de dados...107

4.5. Liberação da base de dados para consulta...108

Capítulo 5 : A primeira entrevista ...110

5.1. Seleção do entrevistado ...110

5.2. Biografia...111

5.3. Roteiro individual ...112

5.4.Realização da entrevista ...119

5.5.Passagem para a form escrita...121

5.6.Liberação para consulta ...122

Considerações finais...193

Anexos Anexo I – Cronologia – O Rio de Janeiro de vila do reino a município capital ...196

Anexo II – Governantes do Rio de Janeiro...223

Anexo III – Vereadores da Câmara Municipal do Rio de Janeiro...234

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Apresentação

No ano de 2001, com a aproximação dos 80 anos de existência do Palácio Pedro Ernesto, completados em 2003, houve um movimento na Câmara Municipal do Rio de Janeiro para a elaboração de um estudo com vistas ao levantamento, à organização e à divulgação da memória documental do Poder Legislativo carioca. Foram constituídas duas comissões especiais com a finalidade de colher subsídios e discutir a viabilidade de implantação de um projeto de resgate de memória do Legislativo municipal, a exemplo de programa similar já existente na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

As duas comissões, a primeira composta pelos vereadores Edson Santos, Lílian Sá e Eliomar Coelho e assessoria de duas funcionárias da Diretoria de Apoio Legislativo e a

segunda formada pelos vereadores Edson Santos, Lílian Sá e Argemiro Pimentel, se reuniram poucas vezes e foram encerradas sem que nada de concreto fosse realizado

nesse sentido dentro da Câmara, a não ser a publicação de um relatório bastante sucinto sobre a situação do acervo histórico, patrimonial e artístico existente no Palácio Pedro Ernesto, que vinha acompanhado de algumas propostas de se criar, na Câmara, um memorial ou um centro de referência na área de política do Rio de Janeiro.1

Na ocasião, a Diretoria de Biblioteca e Documentação, que é o centro de coleta, tratamento, estruturação, gerenciamento e difusão da informação na Casa, não foi solicitada a participar da Comissão, embora, além das responsabilidades já citadas, ainda se ja a depositária do Diário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro (DCM), o periódico oficial do Legislativo municipal. E também a responsável pela manutenção do acervo legislativo da Câmara e de importantes coleções sobre a cidade do Rio de Janeiro e sobre direito, legislação e política.

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vem sentindo, ao longo dos anos, a falta de um levantamento de grande número de documentos de cunho histórico e político referentes à Câmara Municipal do Rio, que se encontram sob a tutela de outras instituições municipais, como o Arquivo da Cidade e a Assembléia Legislativa, que têm, sob sua guarda, farta documentação referente à memória política da cidade.

O órgão verificou também que boa parte do material impresso sobre a Câmara do Rio refere-se a períodos antigos da cidade, como a Colônia, o Império e o início da República, havendo uma produção bastante limitada sobre a Câmara do novo município do Rio de Janeiro criado com a fusão dos antigos estados da Guanabara e Rio de Janeiro, em 1975. Essa situação se agrava, a meu ver, pela falta de um setor responsável pela preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural do Legislativo municipal e a inexistência de uma política de preservação que dite e regulamente as iniciativas necessárias à preservação e divulgação da memória institucional da Câmara Municipal e, conseqüentemente, da memória política da cidade do Rio de Janeiro.

Nesse sentido, como diretora da Diretoria de Biblioteca e Documentação, percebi a necessidade urgente de iniciarmos, dentro da Casa e através de um órgão responsável pelos acervos já existentes e que tem experiência no tratamento de acervos, um processo de registro da experiência e da visão de quem vive o dia-a-dia da política carioca, de quem basicamente respira política em sua rotina de trabalho, os responsáveis pelas políticas públicas da cidade e o bem-estar da população: os vereadores e os funcionários da Casa.

O presente trabalho tem por objetivo inaugurar uma nova linha de acervo dentro da Diretoria de Biblioteca e Documentação, composto por um banco de depoimentos gravados. Será um banco de entrevistas orais através das quais os entrevistados falarão sobre sua trajetória na política da cidade do Rio de Janeiro e sua experiência na Câmara Municipal, entremeando sua história de vida com a história da instituição. Esse banco de entrevistas será operacionalizado através do Programa de História Oral da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, cujo projeto é objeto deste trabalho.

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Uma das metas do Programa é examinar e registrar o processo de implantação da Câmara Municipal no quadro fundador do novo município do Rio de Janeiro, sua organização e desenvolvimento a partir desse ponto. O novo município surgiu envolto em disputas relacionadas à sua organização política e administrativa e durante dois anos, até a criação da Câmara Municipal, em 1977, coube ao governador e ao prefeito a tarefa de legislar sobre a cidade, o que causou uma série de problemas para a sua organização.

O marco principal será, portanto, a primeira legislatura da Câmara Municipal, iniciada em 1977. Mas o Programa seguirá com as outras legislaturas, abrangendo todo o período de funcionamento da Câmara que, em 2007, completará 30 anos. O Programa vai tentar recuperar, através dos depoimentos, a história da instituição, seu papel na história política do Rio de Janeiro, a trajetória de seus vereadores e funcionários e a lógica do processo legislativo a partir da fusão, que conferiu o novo status político-institucional à cidade e inaugurou uma nova fase na administração pública carioca.

Assim, iniciamos o Capítulo 1 com um breve histórico da cidade e da instituição, passando pelo período colonial, imperial até chegar ao republicano. O Rio de Janeiro, após ter assistido ao advento da Proclamação da República, passou da condição de Corte Imperial (Município Neutro), exclusiva em todo o continente americano, para a de Distrito Federal, e o processo de adaptação à nova ordem vigente serviu como pano de fundo para as futuras transformações de natureza política, econômica e sócio-cultural que permearam a consolidação do novo regime e que se refletem na política carioca até hoje.

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A partir desse histórico, chegamos à análise institucional propriamente dita que mostra o que é a Câmara Municipal do Rio de Janeiro hoje: sua composição, suas funções, sua cultura institucional e a importância da recuperação de seu passado para a valorização do presente.

No Capítulo 2 passamos, então, a comentar os debates relativos à memória e à história, mostrando que a necessidade de revitalização do espaço do Palácio Pedro Ernesto e da legitimação do poder legislativo municipal passam pela valorização da memória da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Verificamos, nesse capítulo, que o Programa de História Oral da Câmara pode se tornar o primeiro esforço de se construir um memorial da Casa e um centro de referência em política, e que a recuperação do passado e a valorização da memória institucional podem contribuir em sentido positivo para a dignidade da

Câmara, para o bom funcionamento do poder Legislativo e para a melhoria das relações com a população através da divulgação de suas atividades.

O Capítulo 3 vai estabelecer as questões que deverão ser aprofundadas nas entrevistas, como a questão da autonomia da cidade do Rio de Janeiro, preocupação presente no campo político carioca desde o início da República. Outra questão importante, que geralmente não é comentada nas obras documentais por conta de sua subjetividade, é a do perfil dos políticos em relação ao voto. O que é realmente voto distrital e voto ideológico? Existe essa divisão? Como ela apareceu? Por fim, apontaremos algumas dúvidas quanto ao problema da fusão, assunto que, volta e meia, surge na mídia e ainda suscita discussões.

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O Capítulo 4 dedicou-se à operacionalização do Programa de História Oral na Câmara Municipal, abordando os procedimentos metodológicos que serão adotadas e os riscos e desafios que estão por vir. E o Capítulo 5 descreve a primeira entrevista realizada com o jornalista e ex-vereador Maurício Azedo, atual presidente da Associação Brasileira de Imprensa.

Nos Anexos foram incluídos a cronologia que servirá de base para os roteiros gerais das entrevistas, a relação de todos os governantes do Rio de Janeiro desde a fundação da cidade, e a relação dos vereadores das sete legislaturas da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

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Capítulo 1. Um pouco de história

1.1.Trajetória política da cidade do Rio de Janeiro

Desde a sua fundação, em 1565, a cidade do Rio de Janeiro teve uma trajetória bastante diferente das outras, passou por muitas mudanças e transformações, principalmente por ter sua história sempre ligada a uma franca interferência do governo central em seu campo político. Por muitas décadas, o Rio de Janeiro foi capital do país; em 1960, quando a capital transferiu-se para Brasília, a cidade transformou-se em estado da Guanabara e em 1975, com a fusão entre o estado da Guanabara e o antigo estado do Rio, criando-se um novo estado da federação, o Rio passou a ser município e capital do novo estado.

Esses marcos políticos foram importantes e fundamentais na evolução da cidade, no seu desenvolvimento e no aparecimento de seus problemas, na sua história e na sua memória. Se, por um lado, ser capital era ser, também, o palco dos acontecimentos nacionais, por outro, a cidade era cenário de lutas políticas pessoais que provocavam a constante interferência da política nacional no contexto local.

De 1763 até a Proclamação da República o Rio de Janeiro foi capital da Colônia, sede do Império português e, conseqüentemente a cidade era referência desse mesmo poder central. O Império brasileiro tinha como espaço a corte do Rio de Janeiro, sede do poder e da família imperial. Segundo Américo Freire e Carlos Eduardo Sarmento, “o Rio era Corte Imperial, pólo irradiador de civilização e elo político entre o poder central e as províncias.”2

O movimento republicano, entretanto, era muito forte no Rio de Janeiro, onde militavam grupos políticos radicais que combatiam a centralização imperial em prol de uma estrutura federalista.3 Mas mesmo com a República a situação da cidade não mudou muito.

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Até a transferência da capital para Brasília, em 1960, o Rio foi Distrito Federal, com a presença marcante do poder federal na cidade, que teve influência fundamental na construção identitária da cidade do Rio de Janeiro. Como vemos, a relação entre o Rio de Janeiro e a construção do modelo de Estado nacional está fortemente fundamentada nesta cidade.

A primeira experiência republicana foi um marco histórico importante na vida dos brasileiros, pois representou um período de mudanças: a população dobrou, houve um crescimento urbano significativo, a economia manteve -se em bases rurais com a

predominância do cultivo do café, mas a indústria foi alavancada, o Rio de Janeiro cresceu muito e foi considerado a maior cidade brasileira e a mais importante durante a Primeira República.4

Nesse processo de adaptação está a dissolução da Ilustríssima Câmara da Corte (1830-1889), em cujo lugar foi criado o Conselho da Intendência Municipal. Os antigos vereadores do Império foram denominados intendentes e suas atribuições são relativas aos problemas locais como gerenciamento da Justiça, alimentação, saúde pública, educação, obras, finanças e patrimônio municipal.

No plano político, a Constituição Republicana de 1891 definiu o surgimento dos estados federados no lugar das províncias e deu-se início a um processo de descentralização, passando os estados a serem uma espécie de centro da vida política brasileira.5 Na Primeira República alguns estados brasileiros tinham muita força, como São Paulo e Minas Gerais, ao lado do Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, que mantinham um regionalismo político forte.

A Carta Magna de 1891 estabeleceu que o presidente do Brasil, os governadores dos estados assim como os membros do Poder Legislativo em todos os níveis deveriam ser

4 RIO DE JANEIRO (Estado). O Rio de Janeiro na história da República. (Alerj. Sessão extraordinária do dia

09/11/2001), Rio de Janeiro, 09/11/2001. Disponível em: http:// alerj.rj1n.1.alerj.rj.gov.br/taqalerj.nsf. Acesso em 23/03/2005.

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eleitos pelo povo. O Legislativo da capital ficaria a cargo de um Conselho Municipal composto por intendentes eleitos pelos distritos municipais e mais seis cidadãos mais votados no somatório de todos os distritos, sendo consideradas distritos as paróquias existentes no Distrito Federal. O número de intendentes do Conselho variou bastante de acordo com regras sempre ditadas pelo governo federal.

O Rio de Janeiro, com cerca de 500 mil habitantes, era a maior cidade brasileira, experimentando, nas duas últimas décadas do século XIX, uma notável e rápida expansão urbana, e era também o maior parque industrial do país. O Rio era a capital do país, com problemas como segurança, limpeza, saneamento, transportes, lutas partidárias, greves operárias. Era no Rio que ficava a efervescência do poder, do ponto de vista político.6

A Constituinte de 1890 aprovou a tese da transferência da capital para o centro do país, apoiada pela bancada carioca que via, aí, uma oportunidade de estabelecer um governo autônomo e de criar um estado, sonho da bancada do Rio de Janeiro. Mas a Constituinte também determinou que, enquanto a cidade fosse sede do governo, nela mandaria o poder central, embora houvesse um governo local formado pelo prefeito e pela Intendência Municipal. Ou seja, quem mandava no Rio, enquanto capital, era o governo federal, apesar de a cidade manter uma administração municipal.7

Como a transferência da capital não foi efetivada de imediato, o Rio acaba tendo um governo completamente diferente, com um prefeito nomeado pelo presidente da República - que ouve o Senado Federal e faz a nomeação do prefeito. O órgão de representação local é o Conselho Municipal, mas o Senado é a instância superior. A organização municipal funcionava no tripé: prefeito, Conselho Municipal e Senado. Sendo que ao Senado cabia julgar os vetos do prefeito, não ao Conselho Municipal, o que enfraquecia os seus poderes.8

O governo federal montou, no Rio de Janeiro, uma estrutura política que, paradoxalmente, acabou por beneficiar alguns políticos locais que exerciam forte influência

6 RIO DE JANEIRO (Estado). Alerj. Sessão extraordinária do dia 09/11/2001. 7 Idem.

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sobre a prefeitura e o Conselho Municipal, grupos de oposição ao governo central que se reuniam em torno do Partido Republicano do Distrito Federal.9 O Conselho Municipal era bem influenciado por essa política local, efervescente. Segundo a historiadora Marly Silva da Motta, “essa fragmentação característica do campo político carioca, pontuado por disputas entre várias esferas – presidente da República, prefeito, senadores, deputados, intendentes – não levou à despolitização da cidade. Ao contrário. No Rio de Janeiro havia excesso de política.”10

O presidente Campos Sales, ao assumir a presidência em substituição a Prudente de Moraes, na tentativa de enfraquecer essas forças, conseguiu mudar a legislação: introduziu a extinção do mandato do prefeito do Distrito Federal, que poderia ser demitido quando conviesse ao governo federal. Além disso, o Senado perdeu o poder de sancionar a escolha do prefeito pelo presidente, assegurando a este ampla liberdade na condução dos negócios municipais.11 Ele anulou eleições, manteve a míngua o funcionalismo municipal, que não recebeu salários durante quase um ano, cooptou deputados, enfim, desconstruiu a administração da cidade. Marly Motta esclarece: “Em termos resumidos, o esquema era o seguinte: nos estados se fazia política; na capital se administrava.”12

O governo seguinte, de Rodrigues Alves intensificou a intervenção federal com a nomeação de Pereira Passos para a prefeitura, o adiamento das eleições e o fechamento do Conselho Municipal por seis meses, instituindo a “ditadura do prefeito”.13 A reforma urbana de Pereira Passos, porém, foi considerada significativa no tocante à parte física da cidade que sofreu várias reformas modernizadoras. O Conselho foi perdendo força, os grupos locais foram perdendo influência e a prefeitura subiu na balança do poder por força da consolidação da legislação federal relativa ao município, a lei nº 5.160 de 8/3/1904. Por essa lei, a prefeitura tornou-se órgão central da administração municipal, e o Conselho, um órgão auxiliar, responsável pela rotina administrativa, empréstimos e orçamentos.14

9 FREIRE & SARMENTO, 1999, p. 301. 10 MOTTA, 2004, p. 23.

11 FREIRE & SARMENTO, 1999, p.302. 12 MOTTA, 2004, p. 24.

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Nessa competição dentro do campo político carioca tínhamos, de um lado, grupos políticos locais girando sempre em torno da idéia de uma autonomia para o Rio de Janeiro, sem a influência tão forte do governo federal, grupos que atuavam em torno de uma nova frente partidária, o Partido Republicano do Distrito Federal (PRDF). De outro, prefeitos mais comedidos que Pereira Passos, porém com a incumbência de “domar” a cidade, situação que perdurou até a década de 1920.15 Na década de 1920, o Conselho foi atingido pelas turbulências político-financeiras da República, com a crise da cafeicultura e os levantes militares dos tenentes demandando a interferência do governo federal na garantia da ordem oligárquica.

Com relação à política nacional, esta era controlada por grandes oligarquias que colocavam os estados de São Paulo e Minas Gerais no topo da briga dos interesses pelo poder, sempre seguidos por Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, marginalizando as oligarquias menores. O governo Vargas vai adotar uma proposta diferente.16

O presidente Getúlio Vargas vai investir no Rio de Janeiro como o local escolhido para ser a expressão do poder federal, a “sede do processo de centralização político-administrativa implementada durante esse período”17 e dessa transformação, necessariamente, o Rio de Janeiro teria que se assumir como espelho da nação, modelo de nação moderna e de Estado Nacional que Vargas pretendia construir no Brasil. Para isso ele precisava de uma melhor articulação com os grupos políticos locais, para transformar o Rio no centro político e cultural do país, na cidade representativa do nacional. O Rio tinha que ser o ideário de espaço urbano e moderno para o Brasil. Segundo Marly Motta, dois projetos são destacados nessa época: o do prefeito Pedro Ernesto e o do presidente Getúlio Vargas.18

15 FREIRE & SARMENTO, 1999, p. 304. 16 Idem.

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Vargas, que chegou ao poder conduzido por um movimento revolucionário que defendia a completa transformação da face da nação,19 realizou obras e construiu prédios que são verdadeiros marcos simbólicos do controle do Estado sobre a sociedade, como os do Ministério da Fazenda, do Ministério do Traba lho e do Ministério da Educação e Cultura, além da maior avenida da cidade, que leva o seu nome, Presidente Vargas, onde foi construído o Ministério da Guerra (atual Ministério do Exército) e a Central do Brasil. Ao mesmo tempo, sua intenção de melhorar a articulação com os políticos da cidade é concretizada com a indicação, em 1932, do médico Pedro Ernesto, que tinha um bom trânsito com a política carioca, como interventor federal.

Nascido em Recife, em 25 de setembro de 1884, Pedro Ernesto veio para o Rio de Janeiro estudar medicina. Sua trajetória política começou em 1922, quando apoiou o movimento tenentista. Vargas nomeou-o prefeito-interventor do Distrito Federal. Pedro Ernesto construiu uma rede de hospitais para a cidade e investiu num grande projeto educacional – que, por sua vez, fazia parte de um grande projeto de modernização de Vargas no Ministério da Educação e Cultura, para a formação do novo cidadão brasileiro -, com a construção de escolas públicas.

No campo político carioca, Pedro Ernesto tentou uma aliança com os políticos locais e consolidou-se como liderança política. Conseguiu inserir um dispositivo na Constituição brasileira que possibilitava, pela primeira vez, a eleição do prefeito do Distrito Federal. A eleição era feita por um Colégio Eleitoral – a Câmara Municipal. Com uma administração popular e humanista, fundou o Partido Autonomista, que venceu as eleições municipais de 3/5/1935. Pedro Ernesto concorreu a vereador obtendo 34% do total de votos e, conforme a legislação da época, como vereador mais votado foi aclamado prefeito da cidade do Rio de Janeiro, o primeiro prefeito eleito da cidade, embora por processo indireto. O seguinte foi Saturnino Braga, em 1985, por eleições diretas.20

19 FREIRE & SARMENTO, 1999, P.305.

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O passo seguinte foi construir um projeto político próprio, calcado na autonomia do Rio de Janeiro, um projeto que lançasse “as bases de um partido político local que concorresse às eleições para a Assembléia Constituinte e viabilizasse a coesão do campo político em torno da proposta autonomista”.21 Entre as propostas do Partido Autonomista

do Distrito Federal, estavam a escolha direta do prefeito e a efetiva liberação do Executivo e do Legislativo municipais das formas de intervenção federal, tornando a cidade independente das injunções externas, o que significaria a possibilidade de autogestão.22

O projeto, contudo, não foi tolerado por Getúlio Vargas que acusou o prefeito de envolvimento com o levante comunista de 1935. Pedro Ernesto foi preso em 1936 e mantido na prisão até as vésperas da decretação do Estado Novo, já doente e fraco.

Com o fim da Primeira República, a Constituição de 1934 ratificou que o Distrito Federal seria administrado por um prefeito eleito pela Câmara e definiu o Poder Legislativo do Distrito Federal pela Câmara Municipal do Distrito Federal.23 Coube ao Congresso Nacional formulara Lei Orgânica que concedeu autonomia ao Distrito Federal até o golpe de 1937.

Com o Estado Novo foram extintos todos os órgãos legislativos do país e o Distrito Federal passou a ser administrado diretamente pela União por meio de um prefeito nomeado pelo presidente da República. A Câmara do Distrito Federal só voltou a ser um órgão legislativo em 1947, com a redemocratização do país, funcionando até 1960, quando foi extinta por causa da criação do estado da Guanabara.

A era Vargas, no Rio de Janeiro, foi caracterizada por ênfase na melhor articulação com a política local – houve uma melhor organização das forças políticas - e pela consolidação da imagem do Rio como principal cidade do país, como pólo irradiador de

21 FREIRE & SARMENTO, 1999, p. 305. 22 Idem, p.305-6.

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cultura e modernidade. Foi uma cidade de vital importância para os projetos nacionais até o início dos debates sobre a transferência da capital para o interior do país, em 1960.24

A perda da condição de capital federal provocou incertezas na vida dos cariocas; acostumados com o Rio de Janeiro-capital desde 1763, agora encontravam-se diante das dúvidas quando ao futuro da cidade. Além de perder o título de sede político-administrativa do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro ainda tinha que admitir a dura realidade de não ser mais o centro da efervescência do país, o espelho da nação, imagem alimentada durante muitas décadas e transformada em crença para a população. A construção de Brasília significava o esvaziamento da importância nacional do Rio e a perda de status de cidade mais importante do país. Significava, também, o esvaziamento econômico, uma vez que a estrutura administrativa – ministérios, secretarias, empresas estatais – foi sendo paulatinamente transferida para a nova capital.

A transferência da capital para o interior foi objeto de dispositivo constitucional em 1891, mantido nas Constituições de 1934 e 1946, e efetivado na gestão do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), quando a mudança da capital para Brasília foi efetuada. JK precisava, assim, elaborar uma política para o Rio de Janeiro como ex-capital, uma cidade em vias de perder sua identidade e que precisava, com urgência, de novos instrumentos políticos para ser administrada. O Distrito Federal, na época, tinha no PTB e na UDN os partidos de maior poder de polarização nas eleições.

A Constituição de 1946 determinava que, após a transferência, o antigo Distrito Federal deveria se transformar em estado da Guanabara. Nada mais. A indefinição quanto ao futuro do Rio de Janeiro apontava que estava por ser criada uma das mais complicadas redes de interesse político-partidário na política carioca e nacional, o que demandava a participação do presidente Juscelino Kubitschek. Ao mesmo tempo em que precisava divulgar uma política para a futura ex-capital, Juscelino necessitava congelar as disputas políticas como forma de neutralizar a cidade no jogo eleitoral da futura campanha presidencial de 1960. Isso foi considerado, pelos cariocas, como descaso pela cidade e a

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transferência tratada como ato de desamor do presidente pelo Rio de Janeiro. Juscelino, entretanto, queria ganhar tempo para melhor avaliar as questões que pudessem apenas favorecer sua futura candidatura à eleição presidencial de 1965.

Finalmente, o presidente encarregou o deputado petebista San Tiago Dantas de elaborar o projeto de criação do estado da Guanabara, criado em 14 de abril de 1960 pela Lei nº 3.752.25 De 21 de abril a 5 de dezembro de 1960, a Guanabara foi governada por um governo provisório, nomeado pelo presidente da República com prévia aprovação do Senado – o chefe da Casa Civil de JK, embaixador José Sette Câmara. Nas primeiras eleições para o governo da Guanabara, Carlos Lacerda (União Democrática Nacional -UDN) foi vitorioso, colocando em risco o projeto de JK se eleger presidente da República em 1965.

De 1960 a 1975 o Legislativo passa a ser estadual, com a instalação da Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara (Aleg). Somente a partir de 1977 começa a funcionar a Câmara Municipal do novo município do Rio de Janeiro, em decorrência da fusão dos estados da Guanabara e antigo Rio de Janeiro, com vereadores eleitos na cidade e uma nova Lei Orgânica promulgada em 1990, de acordo com os princípios estabelecidos na Constituição Federal de 1988.

Lacerda tomou posse em 5 de dezembro de 1960 e seu mandato caracterizou-se pela descentralização das tarefas executivas, com uma administração mais regional, tentando afastar o velho hábito carioca de se pensar o país a partir de sua antiga capital. Lacerda elaborou um plano de habitação popular e tomou medidas polêmicas, como a erradicação de favelas. Além disso, construiu escolas, uma universidade, criou a polícia civil e remodelou a polícia militar. 26

25 Fonte: www. alerj.gov.br – A data de criação de 14/04/1960 está citada no inventário analítico do

Departamento de Arquivos da Alerj.

26 Ver Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós 1930, 2001, p.2979-2990 e MOREIRA, 2002, p.

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A radicalização política acirrada com a posse de João Goulart na presidência da República em virtude da renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961, entretanto, desembocou no golpe militar de 1964 e deixou cair por terra o projeto de ambos chegarem à presidência do Brasil em 1965.

Na segunda eleição para o governo da Guanabara, o candidato de Carlos Lacerda foi derrotado pelo candidato da oposição, Francisco Negrão de Lima (Partido Social Democrático-PSD/ Partido Trabalhista Brasileiro- PTB), que governou a Guanabara de 1965 a 1971, quando foi substituído por Antonio de Pádua Chagas Freitas (Movimento Democrático Brasileiro - MDB), que estabeleceu uma política de combinação de interesses do governo estadual e do governo federal do general Emílio Garrastazu Médici. Chagas Freitas foi escolhido pela Assembléia Legislativa com apoio da cúpula militar.

O país assistia, nessa época, à edição dos atos institucionais, como o AI-2, que dissolveu os partidos; o AI-3, que tornou indiretas as eleições de governadores e prefeitos das capitais e cidades consideradas áreas de segurança nacional, e o AI-5, que suspendeu as garantias dos direitos civis, estabelecendo o fim do hábeas-corpus para crimes políticos. Foi o período das manifestações estudantis de rua no centro do Rio e dos seqüestros dos embaixadores norte-americano, alemão e suíço, entre os anos de 1969 e 1970.27

A atmosfera política do Rio de Janeiro começou a sofrer novo frisson em meados de 1974, nas campanhas eleitorais que elegeriam os deputados. Como vimos, o Rio já tinha um cenário político bem delineado desde 1960, quando, de um lado, colocava-se a corrente udenista liderada por Carlos Lacerda e, de outro, o petebista Leonel Brizola. Na época, Chagas Freitas ainda não havia firmado suas bases no Rio, mas já demonstrava a força eleitoral que possuía com os cerca de 95 mil votos recebidos nas eleições de 1958, quando renovou seu mandato federal pelo PSP. Transferiu-se, depois, para o PSD e reelegeu-se em 1962, com 56.657 votos numa época em que, no Rio, a polarização ficava entre PTB e UDN.28

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Com a adoção do bipartidarismo pelo governo militar, Chagas Freitas ingressou no MDB e conseguiu renovar seu mandato em 1966. No ano de 1968, com a decretação do AI-5 e as inúmeras cassações políticas advindas do Ato, Chagas, que nessa ocasião já havia plantado uma imagem de oposição sem radicalização, enraíza as bases de suas futuras aspirações – o domínio do MDB e o posto de governador do estado da Guanabara.29

A ascensão do chaguismo no Rio se inicia, realmente, em 1970, quando Chagas Freitas investe pesadamente na campanha com o uso do jornal O Dia e o aberto apadrinhamento de seus aliados. O chaguismo passa a controlar a bancada do MDB na área estadual e tem excelente resultado no Legislativo federal. Aliando às articulações nos dois planos – federal e estadual – o bom trânsito junto aos militares, Chagas Freitas é eleito indiretamente para o governo do estado da Guanabara em 3 de outubro de 1970, com incrível poder de mobilização.30

O grupo chaguista havia conseguido uma consolidação tal que esta se dava, segundo Marcela Gonçalves Rocha Moreira,31 de acordo com três engrenagens diferentes: a forma de organização do partido no estado com a consolidação do controle em todos os níveis partidários; a significativa representação no terreno das bancadas legislativas e no acesso aos bens públicos e o apoio dos jornais O Dia e A Notícia, que “faziam” os candidatos. O domínio do chaguismo no MDB carioca se impôs até 1975, quando houve a fusão e o MDB saiu-se fortalecido nas eleições de 1974, confirmando as previsões dos chaguistas: o MDB do Rio conquistou 75% das cadeiras federais e estaduais.32

Essa época marca uma importante fase do cenário político carioca porque, com a fusão, entra em cena o grupo do senador Amaral Peixoto, que representava o MDB fluminense, uma ala de resistência ao chaguismo. Além do grupo amaralista, ainda havia a corrente dos chamados “autênticos” do MDB, que rejeitavam Chagas como verdadeira

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oposição. A união dos “autênticos” e “amaralistas” cria uma zona de conflito no MDB carioca, que permeia toda a negociação político-partidária durante a implantação da fusão e nos primeiros anos do governo do novo estado do Rio de Janeiro.

Com a fusão, haveria necessidade de reorganização dos diretórios carioca e fluminense do MDB. Aparentemente, no início do ano de 1974, o partido parecia se entender e compartilhar decisões. No final do ano, entretanto, o MDB carioca, liderado por Chagas Freitas, cria uma subcomissão para a criação de um novo diretório oposicionista único. Sentindo-se alijado das negociações, Amaral Peixoto, em protesto à decisão unilateral de Chagas, denuncia a manobra ao diretório nacional do partido, que cria uma comissão executiva provisória presidida por Amaral Peixoto. As disputas internas continuam até o pedido de expulsão de Chagas do partido, em documento elaborado pelo deputado J.G. de Araújo Jorge contendo 82 assinaturas. Em maio de 1975 Chagas Freitas faz o pedido de desligamento do MDB.

Essa era a cena política estadual em que se consolidou a fusão. No nível federal, as negociações para a fusão dos Estados da Guanabara e Rio de Janeiro estavam sendo costuradas desde 1974, quando o Congresso Nacional elaborou o Projeto de Lei Complementar que daria origem ao novo estado. O governo militar promoveu a fusão após a edição da Lei Complementar nº 20 de 1º de julho de 1974. No dia 15 de março de 1975, quando se encerrou o mandato do governador Chagas Freitas, a Guanabara deixou de existir. A capital do novo estado do Rio de Janeiro passou a ser a cidade do Rio de Janeiro.

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término do mandato dos deputados e o Poder Judiciário seria exercido pelo Tribunal de Justiça.33

Quanto à cidade do Rio de Janeiro, passou por uma situação no mínimo estranha: a Lei Complementar nº 20 determinou que o governador criaria, também por decreto-lei, a estrutura administrativa do novo município. Mas enquanto tal estrutura não fosse elaborada, caberia ao poder municipal administrar os bens, recursos e serviços da ex-Guanabara. O prefeito seria nomeado pelo governador, mas, enquanto não fosse criada e eleita a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, as atribuições do prefeito seriam definidas pelo governador através, também, de decreto-lei.

Foram escolhidos, para governar o estado, o almirante Faria Lima, e como prefeito do município do Rio, o engenheiro Marcos Tamoio , ambos personagens distanciados dos mecanismos político-partidários. A Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), composta por 94 deputados, refletiu o domínio do MDB no estado – 63 cadeiras do MDB e 31 da Aliança Renovadora Nacional - Arena.

Em 15 de março de 1975 começava, para a cidade do Rio de Janeiro, uma fase de organização institucional. O governador do estado, imbuído de seus poderes legislativos, elaborou o Decreto-Lei nº 2 dispondo sobre o ordenamento jurídico do novo município do Rio de Janeiro e definindo as atribuições do prefeito nomeado. Por esse decreto-lei, o município do Rio de Janeiro seria regido, primeiro pela Lei Complementar nº 20, depois pela legislação expedida pelo governador e em terceiro, pelos regulamentos das autoridades municipais e pelas regras jurídicas da ex-Guanabara.

Sem a organização de uma Câmara Municipal – esta só iria começar a funcionar em 1977 –, as atribuições legislativas ficariam a cargo do governador até a promulgação da

33 Lei Complementar nº 20 de 01/07/1974. Estabelece normas para a criação de Estados e Territórios.

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Constituição Estadual e a instalação do Legislativo Municipal. O município funcionou, inicialmente, através de um convênio firmado entre o governador e o prefeito, com prazo máximo de quatro anos. Esse convênio definia que o estado se comprometeria a administrar o município até que seu ordenamento jurídico-administrativo estivesse em condições de ser operacionalizado. Entretanto, cabiam ao prefeito as providências para a implantação da estrutura administrativa.34

Coube ao prefeito a estruturação das secretarias municipais, mas sua implantação dependia de aprovação do governador, o que passou a ser motivo de críticas do Executivo municipal – a demora na apreciação das questões municipais – o que deixa transparecer, também, as dificuldades nos arranjos entre estado e município. Questões como aluguel de imóveis para instalação de órgãos administrativos, falta de local para a sede da Prefeitura, demora na transferência de órgãos para a administração municipal e outras pendências acabam evidenciando a falta de habilidade do governador no jogo político e a facilidade de Tamoio em circular no meio político.

Tamoio, entretanto, precisava municipalizar o Rio de Janeiro, distribuir bens e atribuições que antes se concentravam no estado da Guanabara. Havia a necessidade urgente de criação de uma Prefeitura municipal, de criação de normas jurídicas que regulamentassem a municipalização e de forjar uma identidade de município carioca num cenário de ainda confusão entre o que era estado e o que era município e de lento processo de transferência.

A situação era realmente diferente. Pela legislação da fusão, todos os bens e serviços do estado da Guanabara deveriam ficar com o governo municipal. Entretanto, cabia ao Executivo do estado determinar prazos e aprovações. O Rio deveria, também,

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enquadrar-se nas regras de administração geral dos municípios brasileiros, mas tinha que enfrentar uma intrincada centralização do poder estadual.35

Somente em junho de 1975 a estrutura do Rio pôde consolidar-se, embora mantendo bizarras situações, como a administração do Estádio Mário Filho e do Teatro Municipal, que ficaram com o estado. O assunto foi um dos principais alvos de críticas dos vereadores nos debates realizados em plenário no ano da primeira sessão legislativa da Câmara, em 1977.36 Os problemas, entretanto, não acabaram, pois havia muito interesse

em jogo quando se tratava do patrimônio do antigo estado da Guanabara. Foi criada, então, uma Comissão Especial para assuntos do Município do Rio de Janeiro, que serviria, a priori, para preencher a lacuna do Legislativo Municipal até a instalação da Câmara Municipal, em 1977.37

A idéia era for mar um grupo de deputados, na Assembléia Legislativa, encarregado dos assuntos referentes ao município, com representantes dos dois partidos – Arena e MDB. Mais confusão foi criada por conta da indicação dos nomes representativos da Comissão. Chegou-se a pensar que 15 suplentes estaduais do MDB e seis da Arena pudessem ser “nomeados” vereadores, uma manobra que serviria para impedir a realização das eleições municipais de novembro de 1976. Essa hipótese não foi levada a cabo, mas nos dá a idéia de como estava a situação política no Rio de Janeiro.38

Finalmente chegou-se a um consenso e a Comissão foi composta por 21 membros, com a missão de fiscalizar os atos do prefeito, apreciar as mensagens do Executivo e a proposta orçamentária do município, que começaria a atuar em setembro de 1975. Ficou nítida, nessa composição, a hegemonia do grupo chaguista, que ainda elegeu o presidente e o primeiro vice-presidente da Comissão.

35 Ver MOREIRA, 2002, p.119.

36 Ver Diário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, mar-dez 1977. 37 MOREIRA, 2002, p. 124.

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Há que se registrar, nesse momento, a situação econômica do Rio que era incerta e inquietante. As lideranças políticas e a mídia argumentavam que na divisão de bens, o estado estava ficando com a melhor parte, como era o caso do Maracanã, deixando para o município os setores de manutenção cara, como o ensino de primeiro grau. E que o Rio esvaziava -se industrialmente, perdendo suas receitas. Essas incertezas também foram apontadas, em 1977, pelos vereadores em seus discursos em plenário.39

Tamoio vai aos jornais anunciar o “Projeto Carioca”, baseado na indústria do turismo, e defende a necessidade de um reforço econômico da área federal, o que gera mais críticas. Os debates acerca do orçamento de 1976 para o novo município, em meados de 1975, também revelam novas rusgas nas relações estado-município. Pela Lei Complementar nº20, o estado se comprometia a repassar percentuais de ICM arrecadados nos quatro primeiros anos da fusão, sendo 100% em 1975 e 90% em 1976.A proposta orçamentária, no entanto, contemplou o Rio com cerca de 40% do ICM que o estado iria arrecadar no território da ex-Guanabara para o ano de 1976. Alguns deputados argumentaram que os direitos da cidade estavam sendo desrespeitados e o Rio, esvaziado economicamente. A decisão do impasse coube ao governador Faria Lima, que definiu como seriam aplicados os recursos, mantendo os 40%.

À trajetória de interferência federal que marcou o campo político carioca do século XVII até a criação da Guanabara, somou-se a interferência das instâncias superiores estaduais, mostrando um Rio de Janeiro frágil, que não conseguia conquistar o desejo da autonomia. Para 1976, o orçamento seria bem menor do que o que seria destinado ao antigo estado da Guanabara,40 aumentando os problemas do novo município e da futura Câmara

Municipal. Em novembro de 1975, a Assembléia Legislativa aprovou as propostas orçamentárias estaduais e municipais assim: CR$ 14 bilhões 900 milhões para o estado e CR$ 4 bilhões 100 milhões para o município. As repercussões foram bastante negativas para o governo estadual resultando em considerável desgaste do governo Faria Lima.

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A tramitação da proposta orçamentária revelou a estranha situação da organização institucional e administrativa do Rio no primeiro ano da fusão: os projetos de lei referentes ao município aprovados pela Assembléia iam à sanção do governador e não do prefeito. As mensagens do prefeito chegavam à Assembléia através de mensagens do Executivo estadual. Nem a Assembléia nem a Comissão Especial podiam dirigir-se diretamente ao prefeito.

Nesse cenário, a 1º de março de 1977, dois anos após a fusão, é realizada a primeira sessão legislativa da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, sob a presidência do vereador Romualdo Carrasco (MDB) e com a posse de 21 vereadores no plenário, eleitos diretamente nas eleições de 15 de novembro de 1976, sendo 15 do MDB e seis da Arena. A instalação da Câmara do Rio abriu um significativo canal de negociações e debates nas forças políticas cariocas, tendo em vista que a cidade ficou sem Poder Legislativo de março de 1975 a março de 1977.

1.2.A Câmara e o processo legislativo

Em linhas gerais, a dinâmica do processo legislativo nas Câmaras Municipais do Brasil é semelhante. O que muda é o processo organizacional com que cada Câmara se estrutura para administrar suas funções. Mas a Câmara é o local mais importante da atuação dos vereadores, porque é onde eles exercem o seu papel de legisladores e fiscalizadores da administração municipal.

A Constituição Federal dividiu as atividades governamentais em três esferas, reservando à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, diferentes responsabilidades. Aos municípios foram destinados os assuntos ligados aos interesses locais e os vereadores são, por excelência, os representantes do povo nos municípios, os que acompanham de perto os acontecimentos da vida das comunidades. A Constituição

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garantiu, também, a independência do poder Legislativo municipal, e nenhuma outra esfera pode interferir em seus trabalhos.

De acordo com a Constituição Federal,41 o município é regido por uma Lei Orgânica que, entre outros preceitos, organiza as funções da Câmara Municipal. Pela Lei Orgânica, o governo municipal é constituído pelos poderes Executivo e Legislativo,42 independentes e harmônicos entre si. O Poder Legislativo é exercido pela Câmara Municipal, composta de vereadores, eleitos para cada legisla tura pelo sistema proporcional entre os cidadãos maiores de 18 anos, no exercício de seus direitos políticos, pelo voto direto e secreto, na forma da legislação federal.43 A Constituição Federal de 1988 restabeleceu os antigos poderes das Câmaras Municipais e favoreceu as condições para que os legislativos possam atuar no processo democrático. A atual Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro foi promulgada em abril de 1990 e representa, para o município, o que a Constituição Federal representa para o país.

A partir de 1977 a Câmara Municipal, ao ser reaberta, volta a funcionar no Palácio Pedro Ernesto. Ao longo desses 29 anos de funcionamento a Câmara do Rio tem sido um dos reflexos da vida política carioca, pois incorporou a participação popular em seus padrões de atuação, discutiu assuntos nacionais, fiscalizou os atos do Executivo, realizou audiências públicas e criou comissões parlamentares de inquérito importantes, como, por exemplo, a que apurou a qualidade da prestação do serviço de saúde pública no Rio, de 2004, a que apurou irregularidades do parcelamento do solo e documentos imobiliários fraudulentos, de 2001, a que investigou as licitações para substituição de quiosques na orla, de 1999, e a que apurou irregularidades no sistema Rio Rotativo, de 2001, entre outras.

Cada legislatura da Câmara tem a duração de quatro anos, correspondendo cada ano a uma sessão legislativa. Desde a sua instalação, a Câmara Municipal do Rio já teve sete legislaturas: 1ª, de 1977 a 1982; 2ª, de 1983 a 1988; 3ª, de 1989 a 1992; 4ª, de 1993 a 1996; 5ª, de 1997 a 2000; 6ª, de 2001 a 2004, e 7ª, de 2005 a 2008.

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A organização da Câmara Municipal do Rio obedeceu às regras já consagradas na Constituição Federal e na Lei Orgânica do Município:44 uma Mesa Diretora, que dirige os trabalhos administrativos e legislativos, composta por um presidente, dois vice-presidentes, dois secretários e dois suplentes. A Mesa Diretora é eleita a cada duas sessões legislativas, ou seja, de dois em dois anos. O mandato dos vereadores tem a duração de quatro anos, ou uma legislatura.

A Câmara Municipal do Rio de Janeiro é composta, hoje, por 50 vereadores eleitos por voto direto, e é o local onde eles exercem o papel de legisladores e de fiscalizadores da administração municipal. O vereador legisla propondo e/ou aprovando projetos relativos ao interesse local, projetos que passam por um caminho específico desde que é proposto até ser aprovado ou vetado, que é o processo legislativo. As deliberações dos vereadores – e das comissões – são adotadas pela maioria dos votos, em plenário,

O plenário da Câmara, composto por todos os vereadores, é o órgão máximo do Poder Legislativo municipal. Na apreciação das matérias, esse plenário conta, também, com a ajuda das comissões permanentes, que são colegiados de caráter técnico-legislativo que analisam as proposituras em seus aspectos jurídicos e de mérito antes de a matéria ser encaminhada à votação. Atualmente, a Câmara do Rio de Janeiro trabalha com 16 comissões. O processo legislativo é, portanto, o conjunto de matérias legislativas que são de competência exclusiva dos municípios, ordenadas de forma estabelecida pela Constituição Federal, destinadas a produzir normas jurídicas que tramitam necessariamente pelo poder Legislativo.

Cabe à Câmara, com sanção do prefeito, legislar sobre todas as matérias de competência do município, especialmente assuntos de interesse local como matérias tributárias, discussão e aprovação do Plano Diretor Decenal da Cidade, discussão e

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aprovação do orçamento anual e da Lei de Diretrizes Orçamentárias, sobre a dívida pública municipal, a fiscalização das atividades comerciais, industriais e de serviços da cidade, a vigilância sanitária, a fixação dos vencimentos do funcionalismo municipal, sobre os bens de domínio público, sobre a política administrativa, sobre o zoneamento urbano, sobre a convocação do prefeito para prestar contas de sua administração, entre diversos outros assuntos.45

São três as funções da Câmara Municipal – função legislativa, função fiscalizadora e função deliberativa – semelhantes em todas as casas legislativas do país. No exercício de sua função legislativa, a Câmara participa da elaboração das leis de interesse do município. As matérias que são de competência exclusiva dos municípios estão fixadas no artigo 30 da Constituição Federal.

A função fiscalizadora serve para controlar o exercício da administração do município, ou seja, controlar as ações do prefeito. A Câmara acompanha, por exemplo, a execução do orçamento público – verifica como o prefeito está aplicando os recursos. Para auxiliar as Câmaras no seu papel de controle externo existem os tribunais de contas dos municípios, que fazem o julgamento das contas apresentadas pelo prefeito anualmente.

A função deliberativa é decorrente das atividades que a Câmara desempenha sem a necessidade da participação do Executivo, ou seja, os atos internos da Casa como criação de quadro de pessoal, eleição e destituição da Mesa Diretora, posse ao prefeito e vice-prefeito e elaboração do Regimento Interno da Casa, o documento legal que rege a administração dos serviços da Câmara.

A Câmara reúne-se, anualmente, de 15 de fevereiro a 30 de junho e de 1º de agosto a 15 de dezembro. As sessões são ordinárias, extraordinárias e solenes, conforme dispuser o regimento interno, e serão públicas, salvo deliberação em contrário, na forma do regimento interno, tomada pela maioria absoluta de seus membros, quando ameaçadas a autonomia e a

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liberdade de palavra e voto dos vereadores. A Câmara pode, ainda, ser convocada extraordinar iamente.

As normas municipais que tramitam na Câmara são as emendas à Lei Orgânica, as leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, os decretos legislativos e as resoluções. Essas matérias legislativas são apresentadas inicialmente como projetos que serão votados em plenário e depois transformados em leis, decretos legislativos, resoluções, emendas à Lei Orgânica.

Um projeto de emenda à Lei Orgânica, por exemplo, visa alterar essa lei, na qual se baseia toda a organização política e adminis trativa do município. A emenda pode ser proposta pelo prefeito; por um terço, no mínimo, dos membros da Câmara, ou pelos cidadãos, através de iniciativa popular subscrita por, no mínimo, três décimos por cento do eleitorado do município registrado na última eleição. Só pode ser aprovada após dois turnos de discussão e votação, quando obtiver, em ambos, dois terços de votos favoráveis.46

São de iniciativa da própria Câmara os projetos de resolução e de decreto legislativo. Os primeiros destinam-se a disciplinar matérias do âmbito interno do Legislativo. Os outros, a disciplinar matérias do Legislativo com repercussão fora dele, como, por exemplo, a concessão de títulos honoríficos. Os projetos de lei são aqueles voltados para criação de norma geral e são fruto da negociação entre Legislativo e Executivo.

A iniciativa das leis complementares ordinárias cabe a qualquer membro, comissões da Câmara Municipal, ao prefeito e aos cidadãos, nos casos previstos pela Lei Orgânica. Há leis que são de iniciativa apenas do prefeito, como as que fixam e modificam os quantitativos de cargos, empregos e funções públicas da administração municipal. Elas são determinadas pelo artigo 71 da Lei Orgânica.

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As leis delegadas são elaboradas pelo prefeito que solicita delegação à Câmara, que dá essa delegação ao prefeito sob a forma de decreto legislativo. Esses decretos regulam concessão de licença don prefeito e vice-prefeito, entre outros dispositivos determinados pelo artigo 76 da Lei Orgânica.

As resoluções da Câmara destinam-se a regular matérias de sua administração e se dividem em resoluções de Mesa Diretora (propostas de sua competência) e resoluções de Plenário, que podem ser propostas por qualquer vereador ou comissão.47 A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara de projeto de lei subscrito por 5% do eleitorado do município; por entidade representativa da sociedade civil, legalmente constituída, que apresente projeto de lei subscrito por metade mais um de seus filiados e por entidades federativas legalmente constituídas que apresentem projeto subscrito por um terço de seu colegiado.48

Todas as matérias são apresentadas em plenário, tornadas públicas no Diário da Câmara Municipal (DCM) e depois enviadas às comissões permanentes da Câmara, presididas por um vereador. O plenário é composto, exclusivamente, por vereadores. A Comissão de Constituição e Justiça é a primeira a estudar o projeto e por ela passam todos os projetos apresentados. Essa comissão dá seu parecer prévio quanto à legalidade e constitucionalidade do projeto. As outras comissões opinam quanto ao conteúdo do projeto e é nas comissões que podem ser apresentados, discutidos e aprovados substitutivos ou emendas ao projeto original.

No plenário, os projetos devem passar por uma ou duas votações, de acordo com sua espécie, e submetidos a diferentes tipos de quorum, que vão da maioria simples até a maioria de dois terços dos vereadores, passando à maioria absoluta ou pela maioria de três quintos, dependendo da complexidade de que tratam.

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Os projetos de lei, após aprovados, são enviados ao prefeito que os sancionará, concordando com eles, ou vetará, explicando os motivos jurídicos e de interesse público que o levaram a negar seu aval. Caso o projeto seja vetado, total ou parcialmente, ele deve voltar à Câmara que poderá concordar com a decisão do prefeito e arquivá-lo ou derrubar o veto em plenário. Os projetos de emendas à Lei Orgânica, de resolução e de decreto legislativos são promulgados e publicados, passando a vigorar em seguida.

Para cumprir sua função fiscalizadora, a Câmara dispõe de instrumentos adequados como a convocação de autoridades municipais para prestar informações, realização de audiências públicas e aprovação de requerimentos de informações. Há, ainda, as comissões de inquérito, que apuram eventuais irregularidades cometidas por agentes públicos.

Capítulo 2. Entre a memória e a história

2.1. Conceituações

A memória é uma construção no processo dinâmico da vida social. A memória social é um campo de disputas que inclui múltiplos processos de articulação das lembranças e esquecimentos dos diferentes sujeitos sociais em interdependência com a rede de poderes que imperam nas sociedades, em conexão com a construção das memórias.

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Quando me proponho a fazer um trabalho que tem como objetivo a implantação de um Programa de História Oral para a criação de um acervo de depoimentos orais de vereadores e como objeto de análise a Câmara Municipal do Rio de Janeiro (que, como já vimos anteriormente, é uma das mais antigas instituições públicas de nossa cidade), não posso abrir mão de apresentar algumas referências aos estudos sobre os conceitos de memória, pois a Câmara faz parte da história da cidade e o trabalho de (re)construção de seu passado através dos relatos dos parlamentares e dos funcionários é uma etapa importante do trabalho de reconstituição de sua memória, de preservação do capital simbólico relacionado a seu passado e, conseqüentemente, de sua identidade como instituição. Meu objeto de análise, a história da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, será recuperado e recriado por meio da memória dos entrevistados.

No caso da Câmara Municipal, necessário se faz estudar mais especificamente a memória institucional, ou seja, a importância da recuperação do passado como ferramenta fundamental para a valorização da instituição e entender a necessidade de se considerar a Câmara Municipal como uma instituição de memória fundamental para a preservação do patrimônio histórico, político e cult ural da cidade. Uma instituição viva e atuante que não só preserve o seu passado e a sua memória, como também disponibilize a sua história de forma transparente e eficaz para a produção de conhecimento em prol do desenvolvimento da instituição e, numa visão mais abrangente, que colabore para a transformação do indivíduo e da sociedade.

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A memória “é um elemento constituinte do sentimento de identidade tanto individual como coletiva, na medida em que ela é, também, um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si.”49 Esse conceito de Michael Pollak nos indica que é através da

memória que podemos nos conscientizar do que nos identifica como povo, como nação, o que nos identifica como grupos.

É a partir da nossa memória que organizamos nossas vidas e nos desenvolvemos. Mantendo uma trajetória comum, as pessoas de um grupo se identificam e garantem a sua coesão. É também pela memória compartilhada por um grupo que ele se une e forma sua identidade, a sua memória coletiva. Por isso podemos dizer que a memória é elemento básico para a afirmação de identidade de uma instituição política como a Câmara Municipal do Rio.

Mas o que é falar em memória? Muitas vezes é se referir a lembranças, recordações. Muitas vezes é se referir à história, à cultura, a arquivos, a memoriais, a museus, a coleções, a depoimentos, a santuários, a festas e comemorações de um povo, às suas ideologias e crenças, ao viver do cotidiano nas suas tradições, seus rituais, seus mitos, tudo o que é relacionado ao passado dos grupos sociais, verdadeiros testemunhos de diferentes épocas e de diferentes culturas. Por isso, ao ser relacionado a grupos sociais, o conceito de memória tornou-se uma das questões bastante discutidas na atualidade, no campo das ciências sociais.

Para perceber por que, tomemos esse conceito no que ele representa a priori de essencial na vida das pessoas, vamos ao conceito original de memória, que seria a guarda de informação no cérebro que nos faz perceber que existimos, que faz reconhecermo-nos como indivíduos a cada dia na história de nossas vidas, que dá sentido à vida: memória é “a faculdade de conservar e lembrar estados de consciência passados e tudo quanto se ache associado aos mesmos.”50

49 POLLAK, 1992, p.264.

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O historiador francês contemporâneo Jacques Le Goff é um dos cientistas que, nas últimas décadas, valorizou a memória como categoria explicativa do social. Na abertura do capítulo “Memória” em sua obra Memória e história, afirma: “O conceito de memória é crucial.”

Considerando o campo social em seu todo, podemos admitir que a conceituação de memória não é simples e, assim, concorda r com o que Le Goff quis dizer com “crucial”: o conceito de memória é cada vez mais amplo, vai muito além das propriedades de guardar informações e não pode ser estudado apenas como um processo de lembrar fatos passados.

À parte os usos e abusos do termo “memória” na atualidade, há que se admitir que o conceito é polissêmico, ou seja, tem uma multiplicidade de sentidos, e é realmente “crucial”, não só na sua historicidade – estuda -se a memória desde a Roma de Cícero, quando os discursos eram memorizados por meio de técnicas mnemônicas - como na importância que recebeu das ciências sociais ao ser apropriado por diferentes áreas do conhecimento quando se ligou ao social. Porque trata da construção de referências sobre o passado e o presente dos grupos sociais, trata dos “resquícios que os homens precisam para preservar, para minimizar o sentimento de descontinuidade na sua relação com o passado.”51

Dada a sua polissemia, tende -se a confundi-lo principalmente com o conceito de história, porque ambos evocam o passado, são campos que cruzam esquecimentos e lembranças, invenção e registro, passado e presente. Ambos são campos cada vez mais recorrentes nas pesquisas científicas e, nos últimos anos, têm sido parte importante dos trabalhos de sociólogos, antropólogos, historiadores, assim como dos debates acadêmicos.

Importante estudarmos os conceitos de história e memória e verificarmos suas inter-relações porque, ao implantarmos um programa que se baseia na metodologia da história oral – que trabalha com os fa tos e suas interpretações preservados pela memória dos entrevistados -, estaremos trabalhando intimamente com esses conceitos no momento de

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selecionarmos o que vai ser recuperado no passado da instituição e como a informação sobre esse passado será utilizada.

Como chama atenção o historiador e professor Carlos Eduardo Sarmento:

“O debate se trava com as perspectivas definidoras da memória, procurando assim uma distinção clara e crítica entre o discurso historiográfico e as formulações memorialistas. Se recorrermos mais uma vez a Pierre Nora encontraremos uma definição concisa, e aparentemente frágil, que define memória como a presença do passado no presente. Desta maneira alargamos o escopo daquilo que poderíamos admitir como sendo memória, chegando à conclusão de que a história tem lidado há muito, mesmo que não tenha se alertado deste fato, com conceitos e objetos que se integram no campo das elaborações de memória, devendo o investigador, portanto, ao recorrer a eles, ter a atenção de promover uma crítica consistente de seus fundamentos e dos possíveis desdobramentos advindos desta constatação.”52

É realmente difícil lidar com conceitos que têm variações de sentido como os de história e memória, se pensarmos que existem variados modos de perceber e registrar a história, que se apropria da memória preservada e trabalha sobre ela, vai em busca dessa memória e alimenta-se dela fazendo seleções.

Através da leitura de relatos de histórias de vida já publicados, percebemos que a memória “é um fenôme no coletivo e social, ou seja, um fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes.”53 É, portanto, uma construção do que consideramos significativo e importante em nossas vidas. É uma narrativa construída, é o uso que se faz do passado, é “um fenômeno construído.”54

Daí sua estreita relação com o sentimento de identidade, “um fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de

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credibilidade, e que se faz por meio de negociação direta com os outros.”55 A memória nos dá o sentimento de pertencimento e existência.

Apesar da transformação dos suportes utilizados – da oralidade das sociedades ditas primitivas aos suportes virtuais de hoje – o conhecimento, a informação e a memória continuam sendo produzidos no mundo inteiro. Alguns não podem se perder e, por isso, são cultuados, hoje, em lugares especiais, verdadeiros “refúgios onde a memória se cristaliza.”56 Esses lugares especiais são o que Nora chama de “lugares de memória”, ou seja, espaços (físicos e simbólicos) em que a sociedade procura construir memória e preservá -la.

Esses “lugares de memória” passam a ser importantes para a sociedade e para os indivíduos no momento em que se assumem como loca is privilegiados para conservar a produção de registros que formam uma memória a preservar. E que guardam a história.

Em suas reflexões sobre história e memória, Nora frisa que a memória é sempre um processo vivido, de caráter existencial, conduzido por grupos vivos, e a história, ao contrário, é ciência, é método, é registro, distanciamento, é crítica (observa e analisa o vivido), é reflexão, interpretação, impessoalidade, administração do passado, de seu sentido:

“A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas revitalizações.”57

A memória, para o autor, não é versão sobre acontecimentos passados – um complexo de lembranças apenas -, mas o conjunto de saberes permanentemente atualizado em práticas no presente, um contínuo social e cultural. Memória é, pois, puro presente.

55 Idem, p.204.

Referências

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