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Um certo jeito de ser velho: representações sociais da velhice por familiares de idosos.

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Academic year: 2017

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UM CERTO JEITO DE SER VELHO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA

VELHICE POR FAMILIARES DE IDOSOS

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Rosana Cancelo da Cruz2, Márcia de Assunção Ferreira3

1 Recorte da dissertação - Representações sociais da velhice por familiares de idosos hospitalizados: implicações para a

enfermagem, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2007.

2 Mestre em Enfermagem. Enfermeira da Casa de Saúde República Croácia, Rio de Janeiro, Brasil, e-mail: rcancelo@uol.com.br 3 Doutora em Enfermagem. Professora Titular do Departamento de Enfermagem Fundamental da EEAN/UFRJ. Pesquisadora

do CNPq. Rio de Janeiro, Brasil.. E-mail: marciadeaf@ibest.com.br

RESUMO: Os objetivos foram conhecer as representações sociais da velhice por familiares de idosos hospitalizados e discutir suas implicações para o cuidado ao idoso pela família no domicílio.O referencial foi a Teoria das Representações Sociais. Os sujeitos foram 22 familiares de clientes hospitalizados em instituição de longa permanência. A técnica de produção de dados foi a entrevista semi-estruturada. Aplicou-se a análise de conteúdo temática, através da qual se organizaram categorias sobre o que é a velhice e ser velho, e indicaram características tipiicadoras destes objetos. As representações sociais sobre a velhice a relaciona a uma fase de perdas dando-lhe uma conotação negativa, aludindo a modelos de interações pessoais e sociais, assim como a modos de cuidar do idoso. Conhecer tais representações sociais e as ações que dela demandam é fundamental para se lidar com os familiares, com vistas a que estes cuidem dos idosos no domicílio.

DESCRITORES: Idoso. Cuidados de enfermagem. Psicologia social.

A CERTAIN WAY OF BEING OLD: SOCIAL REPRESENTATIONS OF OLD

AGE BY ELDERLY FAMILY MEMBERS

ABSTRACT: This study aimed to better understand the social representations of old age among relatives of hospitalized elderly and to discuss their implications for home care by the elderly person’s family, according to the Theory of Social Representations. The subjects were 22 relatives of hospitalized patients in a long-term institution. The data was collected through semi-structured interviews and submitted to thematic content analysis, from which the categories about what old age is and being old is were organized, indicating typifying characteristics of these objects. The social representations of old age relate it to a stage of loss and give it a negative connotation, alluding to personal and social interaction models, as well as the ways to care for the elderly. A better understanding of such social representation and the actions which are demanded from it is essential in dealing with family members, considering that they care for elderly family members at home.

DESCRIPTORS: Elderly. Nursing care. Social psychology.

UNA MANERA DE SER ANCIANO: REPRESENTACIONES SOCIALES DE

LA VEJEZ POR FAMILIARES DE ANCIANOS

RESUMEN: Los objetivos del estudio son: conocer las representaciones sociales de la vejez por familiares de ancianos hospitalizados, y discutir sus implicaciones para la atención del anciano por la familia en el hogar. La referencia para el estudio fue la Teoría de las Representaciones Sociales. Participaron 22 familiares de pacientes hospitalizados en instituciones geriátricas. La técnica de producción de datos fue la entrevista semi-estructurada. Se aplicó el análisis de contenido temático, a través del cual se organizaron categorías sobre lo qué es la vejez y ser anciano, y se indicaron características que tipiican estos objetos. Las representaciones sociales sobre la vejez la relacionan a una etapa de pérdidas dándole una connotación negativa, aludiendo a modelos de interacciones personales y sociales, así como a maneras de cuidar del anciano. Conocer tales representaciones sociales y las acciones que de ella demandan es fundamental para lidiar con los familiares, con el objetivo de que ellos cuiden de los ancianos en el hogar.

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INTRODUÇÃO

Envelhecer é um processo natural, que marca uma etapa da vida do homem, e que se dá através de mudanças físicas, psicológicas e sociais. Com o avançar da idade vão ocorrendo alterações estru-turais e funcionais, que são encontradas em todos os idosos, próprias do processo de envelhecimento normal.1 No entanto, essas alterações variam de um indivíduo para outro. Se, por um lado, é fácil associar-se algumas manifestações que sejam comuns em idosos como cabelos brancos, rugas, redução da capacidade de trabalho e de resistência,

por outro lado é impossível airmar que elas sejam

ditadas exclusivamente pelo processo de envelhe-cimento, já que fatores genéticos e ambientais po-dem também estar presentes e interferindo nesse

processo. Isso justiicaria o fato de que as pessoas

não envelhecem da mesma maneira.

A preocupação com o declínio isiológico

ocorrido com a velhice data das épocas mais remotas, assim como com o papel que o velho desempenha na sociedade. Em breve retrospecti-va histórica, obserretrospecti-va-se que Hipócrates (460-377 a.C.) considerava a saúde resultante do

equilí-brio entre quatro humores: sangue, leuma, bile

amarela e bile negra, e a doença e a velhice como uma ruptura nesse equilíbrio. Galeno (século II) considerava a velhice como intermediária entre a saúde e a doença, não sendo a velhice propria-mente um estado patológico, mas um estado onde todas as funções fisiológicas ficam reduzidas, ou enfraquecidas. Até o século XVIII, a grande preocupação dos médicos era prevenir a velhice, ainda encarando-a como uma doença, elaboran-do regimes de saúde e de longevidade. A partir deste século, com o predomínio do racionalismo e do mecanicismo nos modos e se pensar a vida e a saúde, o corpo é comparado a uma máquina, a doença à avaria e a velhice representa o desgaste de suas engrenagens.2

Existem diferentes formas de envelhecer, individualmente, e, principalmente, diferentes formas de encarar a velhice; no entanto, vemos sempre correlacionado na história a visão da velhice associada ao desgaste, às perdas e às do-enças. Essa correlação tem sido questionada, na atualidade, uma vez que diversas experiências de envelhecimento bem sucedido têm sido retratadas como, por exemplo, nos grupos de convivência e universidades da terceira idade.3

Esta pesquisa teve por objetivo conhecer as representações sociais da velhice por familiares de idosos hospitalizados em instituição de longa

permanência, e discutir suas implicações para o cuidado ao idoso pela família no domicílio.

MÉTODO

Pesquisa de caráter descritivo, de aborda-gem qualitativa. O referencial foi o da Teoria das Representações Sociais (TRS), na sua vertente processual. As Representações Sociais (RSs) são formas organizadas de conhecimento do senso comum, que orientam os sujeitos nas suas ações.4 À luz desta teoria, considera-se que os sujeitos sociais elaboram explicações sobre os objetos socialmente relevantes, o que os ajudam a se comunicar e a agir frente às questões que se colocam no cotidiano. As representações sociais expressam saberes, práticas e atitudes, servindo para explicar as múltiplas for-mas com que os sujeitos lidam com os objetos, no caso desta pesquisa, com a velhice e com o velho. A velhice e o velho são objetos socialmente relevantes, passíveis de representações sociais, mormente para os familiares que se vêem diante da situação de lidar com os idosos dependentes de cuidados.

O cenário foi uma Casa de Saúde classiica

-da como instituição de longa permanência,5 no município do Rio de Janeiro. Os sujeitos foram familiares de idosos de cuidados prolongados, com probabilidade clínica para alta hospitalar. Consideraram-se familiares as pessoas com vín-culo consanguíneo ou não, que anteriormente à internação conviviam com o idoso na mesma residência. Os critérios de inclusão consideraram a maioridade legal, dezoito anos, e visitar o idoso durante sua hospitalização no período demarcado para a coleta de dados.

Para a deinição da amostra utilizou-se o

critério de recorrência de dados, encerrando-se a fase de coleta na medida em que a pré-análise delineou o quadro empírico da pesquisa para o alcance dos objetivos. No total, participaram vinte e dois sujeitos, sendo vinte do sexo feminino e dois do masculino. A faixa etária variou de vinte e dois a sessenta e sete anos, com predominância da faixa de quarenta e um a cinquenta anos.

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Aos conteúdos foram aplicadas técnicas de análise temática que originaram mapas com o agrupamento do material verbal coletado, de acor-do com suas semelhanças e características comuns, formando uma grande linha organizadora do dis-curso sobre a concepção da velhice. Esta grande linha se desdobrou em duas categorias temáticas que indicaram o que é a velhice/ser velho e que

características tipiicam o ser velho.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery e Hospital Escola São Francisco de Assis, de acordo com o protocolo de nº 003/07. Todos os sujeitos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Es-clarecido. O anonimato foi garantido por códigos: codinome, idade, vínculo com o idoso.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados se assentam nas características que marcam os sujeitos e o objeto da RS, familiares de idosos internados que necessitam de cuidados prolongados, ou seja, idosos nos quais está pre-sente, com frequência, a associação de várias enti-dades patológicas, com alto grau de dependência. Portanto, os familiares têm a experiência de vida com esse tipo de idoso – doente e dependente.

Como a RS se coniguram a partir da experiência

vivida de cada indivíduo, a RS da velhice nesse grupo é marcada por essa realidade, ou seja, a vi-vência com idosos doentes, debilitados e em geral,

dependentes, o que lhes trazem grandes desaios

para o cuidado de tais idosos.6

Talvez, ou provavelmente, a mesma pesqui-sa realizada com outro grupo, em outra realidade social, com uma experiência de lidar com uma ve-lhice diferente, possa gerar outras respostas, ainda que se tenha claro que as RS se constroem à luz dos grupos sociais, e mesmo que a pessoa não vivencie na família uma determinada situação, participa de discussões, conversas e comenta os assuntos veiculados pela mídia sobre os mais variados ob-jetos, no caso em questão, a velhice. A partir daí, vai agregando os elementos da experiência vivi-da na vivivi-da privavivi-da e no âmbito social, reunindo informações, opiniões e os sentidos sociais que as outras pessoas com as quais convive comunicam. Tudo isso, em conjunto, constrói as RSs.

Os resultados da análise de conteúdo geraram categorias que se formaram a partir de unidades de registros que se organizaram em tópicos assemelha-dos que aludiram ao que os sujeitos entendem sobre o que é a velhice e o que é ser velho, e indicaram

características tipiicadoras destes objetos.

O que é a velhice/ser velho é

Esta primeira categoria remete à idéia de envelhecimento como um momento de perdas.

A gente vai perdendo as forças, a energia. A gente vai perdendo tudo. Você passa dos 60, você vai sentindo um cansaço, ainda mais se você começou a trabalhar muito cedo, vai batendo o cansaço (Ana, 67, acompanhante).

Acho que é muito triste, porque a pessoa perde

as forças e ica fraca, cansada, desanimada. Ah, é da

velhice mesmo. Vai perdendo as forças, sabe? (Tânia, 38, sobrinha).

Essas perdas podem ser caracterizadas de diversas formas: a perda dos amigos, da força produtiva, da saúde e da beleza. Na perda dos

amigos, os sujeitos levantam a questão da initu -de da vida e da proximida-de da morte. A velhice acarreta um sentimento de falta de expectativa de vida, relacionada à inexorabilidade da morte, à impossibilidade de se lutar contra ela.

Fica parado, vendo a vida passar, só esperando a morte chegar. Você já pensou que tristeza, você envelhe-cendo e vendo seus parentes, seus irmão, seus vizinhos

da sua idade tudo morrendo? Só deve icar pensando:

“-o próximo sou eu” (Mara, 47, ilha).

A morte de pessoas próximas signiica uma

ruptura com o passado e isto faz com que o velho seja considerado como “alguém que tem muitos mortos por trás de si”.2:452 A morte de um familiar ou de um amigo não priva o idoso apenas de sua presença, mas da parte da vida que estava ligada a essas pessoas que se foram. A frequ-ência com que os idosos vão passando por essa experiência causa-lhes um contínuo sentimento de perda, de descontinuidade, levando-o a cada vez mais pensar na proximidade da morte, fato bem marcado nas RSs da velhice dos sujeitos desta pesquisa. Ressalta-se que estas RSs são compartilhadas pelos sujeitos idosos, com mais de 60 anos, e pelos que não o são.

Ressalta-se que o medo da morte, o temor

pelo im da vida, ligados à imagem da velhice, faz

com que as pessoas se afastem do idoso, buscando assim afastar também a velhice e a morte, como se isso fosse possível. Esse afastamento pode gerar o abandono e reclusão do velho, seja em sua própria residência, seja em instituições hospitalares ou asi-lares. Isto mostra a dimensão prática4 desta RS da

velhice, conirmando o potencial de aplicação da

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corpo como instrumento de trabalho, característica das sociedades ocidentais capitalistas

contemporâ-neas, e das diiculdades e consequências que essa

perda acarreta no velho/velhice.

Vai icando feia, acabada, com um cansaço mortal, sabe? Tudo ica difícil, uma coisa que antes a gente fazia com a maior facilidade, agora se torna difícil, custoso

(Fani, 62, irmã).

Antes ela era forte, trabalhava, sempre trabalhou,

(Tânia, 38, sobrinha).

Na sociedade ocidental e capitalista, “qual-quer valoração fundamenta-se na idéia básica da produtividade, inerente ao próprio capitalismo”.8:423 Dessa forma, o indivíduo, com a diminuição da força de trabalho característica da velhice, torna-se um ser incapaz de produzir, perdendo seu papel na sociedade onde predominam os valores relaciona-dos à capacidade para o trabalho e independência, tendo sua condição desvalorizada. Passa então a depender do auxílio do estado, objetivada através da aposentadoria, da assistência gratuita à saúde, de benefícios como passe-idoso.

A oposição jovem-forte x velho-fraco é clara-mente expressa e compartilhada pelos sujeitos,

Quando ele era novo era forte, um homão [...] bebia e tudo, mas era forte. Trabalhava, dava um duro danado,

cuidava da gente. Mas depois que envelheceu, foi icando

cada dia mais fraco, parou de trabalhar. Depois que

en-velhece, parece que a vida despenca, sabe? Tudo ica mais difícil, porque a gente está fraco (Gina, 51, esposa).

A inconformidade com a perda da força está intimamente ligada à juventude. Ser jovem é ser forte. Ser velho é ser fraco, sem forças para lutar. Não só o velho se sente assim, mas também a so-ciedade lhe reforça a idéia, quase que diariamente, principalmente através dos meios de comunicação, de que bonito é o jovem, que é forte.

Diretamente relacionada a essa questão de

forte x fraco, identiica-se a associação da velhice com a doença, que se mostra deinitiva para os

sujeitos desta pesquisa.

A saúde é muito importante. E a maioria dos velhos não tem saúde (Ana, 67, acompanhante).

Ah, mas é difícil, muito difícil ver um velho sem

doença nenhuma. Alguma coisa sempre tem (Mila,

47, ilha).

Só de estar velho já é uma doença, né não? (Vera, 59, irmã).

De um modo geral, os idosos possuem várias doenças coexistentes. Estudos populacionais de-monstram que a maioria dos idosos (85%)

apresen-ta pelo menos uma doença crônica, e que cerca de 10% possui, no mínimo, cinco dessas patologias.9 Esse quadro comum na velhice vem corroborar a imagem de associação da velhice com doença, ajudando a formar e a reforçar esta RS.

Com o passar dos anos ocorre um aumento exponencial da prevalência de entidades patológi-cas, ocasionando também um aumento na mortali-dade.1 No entanto, é também fato que nem sempre é possível estabelecer os limites entre senescência,

que seria deinida como as modiicações peculiares do envelhecimento e a senilidade, deinida como modiicações decorrentes de processos mórbidos

mais comuns em idosos. Desta forma, se para o cientista essa diferenciação é difícil, podemos ima-ginar que também o seja para o familiar, que associa o envelhecimento com doença, gerando o estere-ótipo de que velho é sempre doente. Esse quadro de coexistência de múltiplas doenças, aliado ao

fato de ser difícil identiicar quais manifestações se

referem à doença e quais são alterações esperadas e

normais, representa um dos motivos da diiculdade

do diagnóstico e tratamento dos idosos, enfrentada

pela maioria dos proissionais.

A partir dessas duas últimas análises sobre a associação feita entre jovem-forte x velho-fraco e velhice x doença, podemos dizer que a compreen-são da velhice se dá na linha do tempo na oposição com a juventude e na oposição com a saúde, pois o velho está diretamente relacionado à doença. As RSs do velho se constroem em oposição, em comparação à representação da juventude, que está associada à força. A velhice é pensada em comparação e oposição à juventude. Isto leva a um desmerecimento e desqualificação das ca-racterísticas próprias da velhice em virtude do enaltecimento das características da jovialidade.

Nesse sentido, a velhice acaba icando em desvan -tagem porque não é pensada em si mesma, mas sempre em relação a algo ou alguém, que é sempre o mesmo que foi e não é mais. Daí a imagem da perda e da doença.

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As representações dominantes sobre o pro-cesso saúde-doença são concebidas no discurso biomédico, hegemônico na produção do conhe-cimento e no campo da saúde. Assim, a doença é considerada um defeito que precisa ser corrigido. O capitalismo reforça a representação do corpo como máquina e como força de trabalho, feito para produzir, e que quando deixa de suprir sua função precípua, necessária para a manutenção do sistema, perde seu valor,10 e este pensamento do universo da ciência se impregna no senso comum alimentando a construção das RSs da velhice.

Ora, se o velho não produz, perde a capa-cidade de contribuir para a grande engrenagem, não tendo valor em uma sociedade capitalista. O ideário capitalista leva a crer que a velhice seja um estado que dá prejuízo à produção, uma vez que nesta fase, por conta do declínio biológico, o corpo perde gradativamente sua capacidade de trabalho.

Dessa forma, vemos o discurso do senso

comum se apropriando do discurso cientíico para

elaborar e re-criar sua representação da velhice – a velhice está ligada à fraqueza, que leva à doença e ao desmerecimento social.

É natural. É como uma máquina. A máquina, não passa o tempo, ela não dá defeito? Então, nosso corpo também é uma máquina, vai passando o tempo, vai dando defeito. E defeito na gente é doença (Paula, 32, sobrinha).

Apesar de o jovem também icar doente, é

forte e, por isso, tem forças para lutar contra a doença. Já o velho, sem força, não tem como lutar contra ela.

Quando era novo era forte, a doença não pegava ele não (Gina, 51, esposa).

Você encontra um jovem cansado e sofrido? Até tem, mas é da maneira deles, eles é que se fazem assim. O velho já não tem como reagir. O jovem ainda tem, ainda tá começando. Mas o velho não agüenta mais, o jovem tá indo, o velho já tá voltando (Ana, 67, acom-panhante).

Acho que quando a pessoa ica velha, ica mais fraca, aí a doença pega de jeito. Por isso que a maioria dos velhinhos é assim, doentinho. É porque ica mais

fraco, e não consegue lutar com a doença (Rebeca, 34, acompanhante).

A construção da imagem sobre a velhice não tem uma relação de unicidade com o processo fí-sico de envelhecimento, mas principalmente com

o contexto econômico e social. Por isso, airma-se

que a velhice seja uma construção social, não sendo

apenas uma manifestação da subjetividade, isto é, de sentir-se velho, mas uma realidade biológica que se relaciona de forma profunda com o contexto social e histórico.11 Nessa perspectiva, a associação de velhice com doença resulta de um processo de produção social que, em última análise, guarda estreita relação com a perda da juventude e de sua força característica.

Nas RSs, as imagens ganham força,4 e a imagem que se cria do velho é feia, pois a perda da beleza, caracterizada como o surgimento de sinais físicos próprios da velhice, é feita sempre em oposição à do jovem-belo.

Vai caindo cabelo, a pele enruga, a coluna entorta. Veja só que coisa mais triste. Às vezes a pessoa foi uma

mulher linda quando era jovem, aí vai icando velha e

vê sua beleza indo embora (Mila, 47, ilha).

Olha, velho é aquela pessoa enrugada, de pele feia, de cabelo branco (Célia, 40, ilha).

Pra eles deve ser muito difícil vê,r assim, a beleza

indo embora (Mara, 47, ilha).

Devido à exacerbação da atenção dada na sociedade contemporânea ao corpo, especialmente ao corpo sadio, vigoroso e ágil, a velhice acarreta um sentimento de incômodo, em virtude da sua inexorabilidade, “independentemente de todos os saberes que investigam o corpo humano na tentativa de adiar sua chegada e a da própria morte”.12:7

Os idosos se deparam com várias perdas

signiicativas com o passar dos anos: a viuvez, o

surgimento das doenças crônico-degenerativas, a morte de amigos e parentes, a ausência de papéis sociais valorizados, o isolamento crescente, as

diiculdades inanceiras decorrentes da aposenta

-doria, que tendem a afetar a autoestima do idoso, resultando em crise.13 O enfrentamento dessa crise dar-se-á de uma forma positiva ou negativa, de acordo com o posicionamento que o indivíduo assumiu durante toda sua vida, sua inclusão em seu meio social e as experiências vividas. Poderá enfrentar essas perdas e superá-las, ou sentir-se

incapacitado para tal. As modiicações orgânicas

indicativas da passagem do tempo, como rugas, cabelos brancos, pós-menopausa, postura

encur-vada, relexos mais lentos também atuam trans

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A representação social da velhice observada nesse grupo em especial, formado por idosos e também por jovens de idades variadas, indica que a velhice é vista como peso social, ligada a impro-dutividade e à doença. No caso dos idosos partici-pantes deste estudo, quando se deparam com sua própria velhice, no momento em que vivenciam essa realidade, trazem à tona ideias preconcei-tuosas e preconcebidas, interiorizando a velhice com imagens negativas, fortemente construídas e materializadas, associadas ao ser velho.

Velho: um certo jeito de ser/estar

Atendendo ao questionamento sobre o que é ser/estar velho, a análise do conteúdo das unidades de registros extraídas dos depoimentos demonstrou que há um certo jeito de ser que carac-teriza a condição do velho. Esse jeito de ser tem a ver com alterações principalmente emocionais ou psíquicas, gerando um estereótipo de velho liga-do a condições negativas como rabugento, chato, teimoso, implicante e cheio de manias.

Porque a gente ica assim, como é que diziam an

-tes, ranzinza. A gente quer as coisas no lugar, entende?

Aí tem um jovem dentro de casa, desarruma tudo, a gen -te quer tudo arrumadinho, você quer chegar e encontrar tudo onde deixou, muito sistemático. Se faltar luz eu sei justamente onde tem uma caixa de vela, vou de olho fechado, tudo no escuro e eu vou de olho fechado pegar.

[...] A gente começa a reclamar dentro de casa. Aí vem

e fala: -Ah, você é chata (Ana, 67, acompanhante).

Ah, minha ilha, você não sabe que velho é cheio

de manias?(Marta, 65, irmã).

Os idosos refugiam-se nos hábitos e nas roti-nas porque sair da rotina para eles é amedrontador e cansativo. A mínima desordem causa irritação e insegurança no velho, que já não tem aquela ca-pacidade de adaptação e de reagir ao novo, como anteriormente possuía.

Pode-se refutar dessa caracterização do ve-lho, alegando que elas não são peculiares dessa faixa etária, já que se observa no cotidiano que também há jovens rabugentos, ranzinzas, chatos, tristes, cansados e doentes. A personalidade das pessoas não se constrói na velhice, mas se mantém ou se acentuam as características que já possuíam antes.14 No entanto, nas RSs dos sujeitos desta pesquisa, se observam referências contrárias a essa

airmação, com a alegação de que essas caracterís -ticas tenham surgido após o envelhecimento, como

se o velho icasse de um determinado jeito como

se antes não o fosse.

Características peculiares como teimosia e rabugice aparecem em contraposição à juventude compondo um ‘certo jeito de ser do idoso’, natu-ralizado na velhice.15

Nem que a gente não queira, a gente ica (Ana,

67, acompanhante).

Quando é nova, a gente diz que não vai ser

as-sim, mas que depois ica, sem nem perceber (Fani, 62,

irmã).

A análise das unidades de registros extraídas dos depoimentos mostra a questão de que esse seja um processo irremediável, do qual não se perceba quando começa nem se possa fugir. Em consequência, tais representações implicam no cuidado ao idoso, principalmente no domicílio, pois os familiares participantes desta pesquisa

demonstram sentimentos contraditórios ao air

-marem que o melhor lugar para o idoso é o domi-cílio, mas assumem que diversas situações podem inviabilizar esse cuidado, como estar o idoso aca-mado ou apresentar um quadro de desorientação.

Sinalizam também as inúmeras diiculdades de se

realizar o cuidado no domicílio, como sobrecarga de trabalho, desarranjo da estrutura da casa e da família entre outros.

Levando-se em consideração as característi-cas apresentadas como inerentes ao ‘certo jeito de ser idoso’, os entrevistados consideram que prestar cuidados ao idoso no domicílio exige que alguns atributos ou qualidades estejam presentes, como paciência, carinho e amor. O ‘certo jeito de ser idoso’ exige que haja ‘um certo jeito de ser do cui-dador’. De certa forma, agir com paciência, carinho e amor representa uma estratégia utilizada para

suplantar as diiculdades que surgem durante o

cuidar, que são geradas principalmente pelo ‘certo jeito de ser idoso’. Nesse sentido, se não houver na família alguém com características apropriadas para dar conta do ‘jeito de ser do idoso’, torna-se inviável cuidar do idoso no domicílio, reforçando a necessidade de sua institucionalização.

Conhecer os elementos que à luz das RSs

da velhice por familiares de idosos tipiicam o

cuidador é de grande relevância para que se pos-sam entender as escolhas das famílias acerca de qual familiar será responsabilizado diretamente pelo cuidado do idoso, haja vista que, no Brasil, as famílias são o, primeiro recurso para atender e acolher os idosos que necessitam de cuidados prolongados,16 a exemplo dos sujeitos e idosos foco da pesquisa em tela.

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ações e trocas cotidianas, evidenciando uma das funcionalidades das representações sociais.7

Desta feita, considerando que a enferma-gem tem importante papel no campo da saúde e educação, mormente se destacando na área de gerontologia,17 há que se levar em conta os elementos que constituem as RSs da velhice na abordagem do cuidado no que tange o processo de envelhecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos revelam que estes, sem exceção, trazem nas suas representações sobre a velhice uma conotação negativa, reconhecendo no velho algumas características que consideram se-rem peculiares a eles. Assim, para esses familiares, a velhice, não é determinada apenas pelo critério cronológico, pelo passar dos anos, mas também

sofre inluência de fatores biológicos e psicológicos.

Estes últimos sendo muito mais valorizados por esses sujeitos, à medida que a velhice está condi-cionada a ‘um certo jeito de ser’, reconhecido por características psicológicas, muito mais do que por características físicas, relacionadas ao modo de pen-sar e de agir, ao comportamento frente às situações vividas e ao estado de espírito do velho.

Resulta então desta pesquisa, que as repre-sentações sobre a velhice, para o grupo estudado, têm relação muito mais com características psico-lógicas atribuídas ao velho, a traços da personali-dade imputados a ele, do que propriamente com alterações físicas. Este resultado é interessante para ser discutido no âmbito da formação

técnico-cientíica dos proissionais que cuidam de idosos,

pois, em geral, a abordagem dos livros textos usualmente utilizados nos cursos enfatizam de forma importante as alterações físicas advindas do declínio biológico característico na pessoa idosa, e, ainda, vê-se também ênfase nos aspectos da socialização. No entanto, as características mais marcantes nas representações sociais dos sujeitos foram, justamente, as de cunho psicológico, talvez porque estas tenham uma implicação mais direta com os laços de relação e convivência necessários de serem construídos entre os cuidadores e os idosos, no cuidado no domicílio.

Esta pesquisa mostrou que a representação

que os sujeitos têm sobre a velhice inluencia nas

perspectivas que têm sobre sua própria velhice, gerando sentimentos de medo e mecanismo de negação., além da expectativa de que venham a apresentar também as características que

con-sideram serem próprias a ela, como teimosia e rebugice, naturalizadas na velhice.

Conviver com o idoso aponta para uma ela-boração pessoal do próprio processo de envelheci-mento, criando e re-criando representações sobre a velhice e o ser velho. Se essas representações estão condicionadas a uma concepção da velhice enquanto uma fase da vida ligada a perdas, é esperado que gerem no indivíduo grande

expec-tativa e rejeição, já que conigura o que ele espera

da própria velhice.

Com esta pesquisa, evidenciou-se que a experiência de conviver com idosos doentes e de-pendentes, que é uma marca dos familiares sujeitos desta pesquisa, traz indícios de que também podem ser sujeitos de uma velhice sofrida e difícil, já que a velhice é inevitável, não se podendo fugir dela. O aspecto positivo da velhice é uma possibilidade distante da experiência dos sujeitos desta pesquisa, justamente pelas condições de produção de suas representações, que acabam por levá-los a constru-ção de um conhecimento partilhado por histórias comuns de envelhecimento enfermo, dependente, que os orientam a atrelar a velhice a uma fase que gera muitas demandas de cuidados de outrem.

Assim, as RSs do velho/velhice geram

ati-tudes e práticas que podem inluir no cuidado do

idoso, principalmente quando se está em

domi-cílio, devendo esta questão ser bem reletida no

campo da gerontologia.

Apesar de na atualidade haver uma tendên-cia de se formar uma nova visão da velhice, de um envelhecimento mais saudável, as representações

encontradas no grupo em questão reairmam a

representação de uma velhice atrelada a perdas, ao abandono e a morte. Pode-se deduzir que pelo fato de os familiares de idosos dependentes terem maior contato com a vivência das limita-ções ocasionadas pela velhice, faz com que ela seja concebida como um processo de contínuas

perdas, em que os indivíduos podem icar rele

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se lidar com os familiares que convivem e cuidam do idoso no domicílio.

A existência de representações sociais com conteúdos mais positivos e outras com conteúdos mais negativos sobre a velhice mostram a impor-tância de se realizar pesquisas que explorem as diversas nuances do objeto velhice/envelhecimen-to na nossa sociedade, nos mais variados grupos sociais, e ainda, mostram a aplicabilidade da teoria em tais estudos na evidenciação dos processos que constroem tais representações e suas dinâmicas.

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Correspondencia: Márcia de Assunção Ferreira Estrada do Capenha, 155, apt 101

22743-041 - Freguesia, Jacarepaguá, RJ, Brasil E-mail: marciadeaf@ibest.com.br

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