POLINEUROPATIA POR PARATHION
E S T U D O C L I N I C O , E L E T R O F I S I O L Ó G I C O E H I S T O L Ó G I C O D E U M CASO
JOSÉ L. ALONSO * AÇUCENA ATALLA ** MARIA J. CAVALIERE ** SONIA M. G A G I O T I **
MARIA A. A. LORENTI ***
Lorot, citado por Johnson
3-\ descreveu em 1899 os primeiros casos de
polineuropatias provocadas pela ingestão de ésteres fosforados. Em 1930 e
1931, o consumo de bebidas adulteradas com triortocresilfosfato, provocou nos
Estados Unidos 16.000 casos, e em Marrocos em 1959, a venda de óleo
comes-tível adulterado com esse tóxico, provocou mais 11.000 casos de polineuropatias
sensitivo-motoras
4 2. Smith
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAá Lillie
4 S, em 1931, foram os primeiros a
demons-trar que esses órgano-fosforados (OF) provocam lesões principalmente
desmie-linizantes no sistema nervoso periférico, e Hottinger <£ Bloch
2 7, em 1943, foram
os primeiros a comprovar que são agentes anticolinesterásicos. Recentemente
tem sido esclarecido que os OF inibem também as esterases do sistema
ner-voso
3 - 3 3 . 3 4 ^Todavia, são escassas as observações de polineuropatias
provoca-das pelos modernos inseticiprovoca-das OF. Nas referências consultaprovoca-das encontramos
somente nove casos: dois de Bidstrup e Bonnell
5, por Mipafox; um caso de
P e t t y
4 5, por Malathion; um caso de Namba e c o l .
4 2e três casos de Novak e
Werneck
4 3, por OF não especificados; dois casos por Parathion, publicados
por P e t r y
4 4e Jager e col.
3 1. O comprometimento subclínico do sistema
ner-voso periférico em conseqüência de exposição a esses agentes tóxicos deve ser
maior, pois Davignon e c o l .
1 1encontraram reflexos profundos diminuídos em
7 , 3 ^ de 441 agricultores, que manipulavam periodicamente OF. Também é
conhecida a capacidade dos OF em doses subletais de provocarem alterações
eletrencefalográficas e psiquiátricas
1 2. São numerosas e melhor conhecidas
as intoxicações agudas por OF
2 1 , 2 5 . 3 9 . 4 2 , 4 « .o
Parathion largamente usado
como inseticida foi responsável por 37 casos de intoxicação aguda relatados
na literatura consultada
1 0 , 1 3 , 4 2 ,Apresentamos a observação clínica, os exames complementares, o estudo
eletromiográfico e resultados da biópsia muscular e do nervo sural de um
paciente intoxicado por Parathion.
O B S E R V A Ç Ã O
M.A., s e x o m a s c u l i n o , 38 a n o s , i n t e r n a d o e m 18-12-1979, a p r e s e n t a n d o h á u m a n o e m e i o o s e g u i n t e q u a d r o c l í n i c o : p e r d a d e p e s o , s u d o r e s e a c e n t u a d a , d i f i c u l d a d e para c a m i n h a r , f r a q u e z a e t r e m o r e s , c â i m b r a s , cefaléia, i n t e n s a s d o r e s m u s c u l a r e s e a b d o m i n a i s a c o m p a n h a d a s d e t e n e s m o . D e s d e 1974 t r a b a l h a n d o c o m o s e r v i d o r braçal a s p i r a v a e t i n h a c o n t a t o c o m A l d r i n ( h e x a c l o r o - e n d o , e x o - h e x a h i d r o d i m e t a n o - n a f t a l e n o ) d u r a n t e o s m e s e s d e j u n h o e j u l h o , e d o i s d i a s p o r s e m a n a c o m P a r a t h i o n o u F o l i d o l
( t i o f o s f a t o d e 0,0-dietil-0 ( p - n i t r o - f e n i l a ) ) d u r a n t e o s m e s e s d e s e t e m b r o .zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA Exame neuro-lógico — Calvície i n c i p i e n t e , m a r c h a e s c a r v a n t e , i m p o s s i b i l i d a d e p a r a c a m i n h a r s o b r e
a s p o n t a s d o s p é s e c a l c a n h a r e s ; r e t r o e â n t e r o p u l s õ e s d u r a n t e a s p r o v a s d e e q u i l í brio e s t á t i c o ; m o v i m e n t o s e s p o r á d i c o s e i n v o l u n t á r i o s d e f l e x ã o d o s j o e l h o s ; f a s c i c u l a -ç õ e s e m i o q u i m i a s g e n e r a l i z a d a s ; f e n ô m e n o m i o t ô n i c o c a r a c t e r i z a d o p o r d i f i c u l d a d e s p a r a a b r i r a s m ã o s d e p o i s d e f l e t i l a s v o l u n t a r i a m e n t e , m a i s a c e n t u a d o na m ã o e s q u e r d a ; p e r d a s u b j e t i v a g e n e r a l i z a d a d a f o r ç a m u s c u l a r ; o b j e t i v a m e n t e a p e n a s a p r e s e n
-t a v a défici-t d o s m ú s c u l o s d i s -t a i s d e m e m b r o s i n f e r i o r e s , c o m p é s c a í d o s ; h i p o e s -t e s i a superficial a t é a raiz d o s m e m b r o s i n f e r i o r e s e a n e s t e s i a p r o f u n d a v i b r a t ó r i a d o s a r t e l h o s , t o r n o z e l o s e j o e l h o s ; r e f l e x o s b i c i p i t a i s , a q u i l e u s e p a t e l a r e s q u e r d o a b o l i d o s : p a t e l a r d i r e i t o , e s t i l o r r a d i a i s e t r i c i p i t a i s d i m i n u í d o s ; t r o f i s m o m u s c u l a r e n e r v o s c r a n e a n o s n o r m a i s ; n ã o a p r e s e n t a v a m i o s e . Exames de laboratório — D H L , a l d o l a s e , t r a n s a m i n a s e s , cálcio, fósforo, g l i c o s e , u r é i a e c o l e s t e r o i , h e m o g r a m a , V H S , t e m p o s de c o a g u l a ç ã o e s a n g r a m e n t o , l í q u i d o c e f a l o r r a q u e a n o ( p u n ç ã o l o m b a r ) , m u c o p r o t e í n a s , c o m p l e m e n t o h u m a n o e i m u n o l ó g i c o (C3, IGA, IgG, I g M ) , e s p e r m o g r a m a , a c i d e z g á s trica e prova d e M a n t o u x , n o r m a i s . A s d o s a g e n s de c o l i n e s t e r a s e s n o s a n g u e m o s t r a r a m s e d i m i n u í d a s , n o r m a l i z a n d o s e e m m a i o d e 1981 ( T a b e l a 1). D o s a g e n s d e a c e t i l c o -l i n e s t e r a s e ( A c h e ) e r i t r o c i t á r i azyxwvutsrqponm-lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 5 5 o u v e r d a d e i r a a p r e s e n t a r a m - s e d i m i n u í d a s ; d o s a g e n s d e c o l i n e s t e r a s e p l a s m á t i c a r e a l i z a d a s s i m u l t a n e a m e n t e foram n o r m a i s ( T a b e l a 2 ) . F o i r e a l i z a d a c r o m a t o g r a f i a d e f a s e g a s o s a p a r a v e r i f i c a ç ã o n o p l a s m a d e i n s e t i c i d a s o r g a n o c l o r a d o s , c o m o A l d r i n , D D T , h e p t a c l o r o e l i n d a n e p e l o m é t o d o d e D a l e 9 , c o m r e s u l -t a d o n e g a -t i v o . O e x a m e n e u r o - o c u l a r , m o s -t r o u p r e s e n ç a de o p a c i d a d e s s u b c a p s u l a r e s
p o s t e r i o r e s e d i s c r e t a o p a c i d a d e cortical d o s c r i s t a l i n o s . O B E G r e a l i z a d o e m 21-01-79 m o s t r o u a t i v i d a d e i r r i t a t i v a em á r e a s t e m p o r a i s d o h e m i s f é r i o d i r e i t o , q u e d e s a p a r e c e u e m 4-11-80.
Eletromiografia (EMG) — F o r a m r e a l i z a d o s 6 e x a m e s , e x p l o r a n d o - s e u m t o t a l de
d e c a p t a ç ã o , b l o q u e i o s p a r c i a i s f r e q ü e n t e s d o p o t e n c i a l e v o c a d o ( F i g . 2 ) . U m a curva d e i n t e n s i d a d e / d u r a ç ã o ( I / D ) r e a l i z a d a a n t e s d a b i ó p s i a m u s c u l a r n o b i c e p s b r a q u i a l e s q u e r d o , foi n o r m a l c o m u m a r e o b a s e d e 18 V, e u m a c r o n a x i a d e 0,1 m s .
Estudo histolôgico — F o r a m r e a l i z a d a s d u a s b i ó p s i a s e m 9-01-80: u m a d o m ú s c u l o
b i c e p s b r a q u i a l e o u t r a d o n e r v o s u r a l e s q u e r d o s . O e s p é c i m e n d e m ú s c u l o foi c o n g e -lado, s e m f i x a ç ã o , s e g u n d o o m é t o d o h e x a n o - n i t r o g ê n i o l í q u i d o 7. F o r a m e f e t u a d o s c o r t e s s e r i a d o s t r a n s v e r s a i s e l o n g i t u d i n a i s d e 10 ^ m d e e s p e s s u r a e m c r i o s t a t o , e r e a l i z a d a s a s c o l o r a ç õ e s d e h e m a t o x i l i n a e o s i n a e t r i c r ô m i c o m o d i f i c a d o d e Gomori, e a s r e a ç õ e s h i s t o q u í m i c a s p a r a a d e n o s i n a - t r i f o s f a t a s e ( A T P a s e ) e m p H 9,4, A T P a s e s m o d i f i c a d a s c o m p r é i n c u b a ç ã o e m p H 4,6 e 4,8, n i c o t i n a m i d a a d e n i n a d i n u c l e o t í d e o t e -t r a z ó l i o - r e d u -t a s e ( N A D H - -t r ) e s u d a n b l a c k p a r a l i p í d e o s 14. O m a -t e r i a l d e n e r v o foi p r o c e s s a d o s e g u n d o : c o l o r a ç ã o p e l o n i t r a t o d e p r a t a d e Cajal 4, c o m i n c l u s ã o e m p a r a -fina, s e n d o e f e t u a d o s c o r t e s h i s t o l ó g i e o s t r a n s v e r s a i s e l o n g i t u d i n a i s e m i c r o d i s e c ç ã o c o m f i x a ç ã o e m ó s m i o 17,si. N a b i ó p s i a d e m ú s c u l o , a ú n i c a a l t e r a ç ã o e v i d e n c i a d a foi a p r e s e n ç a d e f i b r a s a t r ó f i c a s e a n g u l a r e s d o t i p o I e I I , e s p a r s a m e n t e d i s t r i b u í d a s ( F i g . 3 ) . N a b i ó p s i a d e n e r v o , p e l a c o l o r a ç ã o d e p r a t a , n ã o f o r a m e n c o n t r a d a s a l t e r a ç õ e s s i g n i f i c a t i v a s . E m p r e p a r a ç õ e s d e m i c r o d i s s e c ç ã o c o m f i x a ç ã o e m ó s m i o , e n c o n -t r a m o s d e a c o r d o c o m a c l a s s i f i c a ç ã o d e D y c k 15 f i b r a s c o m a l -t e r a ç õ e s d e -t i p o B c o r r e s p o n d e n t e s a i r r e g u l a r i d a d e s d a b a i n h a d e m i e l i n a ( F i g . 4 - A ) ; a l t e r a ç õ e s d o t i p o C q u e c o r r e s p o n d e m a d e s m i e l i n i z a ç ã o p a r a n o d a l c o m e s p a ç o s n o d a i s a u m e n t a d o s d e a t é 10 ^ m d e c o m p r i m e n t o ( F i g . 4 - B ) e m i e l i n a s o v ó i d e s d o t i p o G c o r r e s p o n d e n t e s a r e g i õ e s n o s e s p a ç o s i n t e r n o d a i s f o r m a n d o g l ó b u l o s d e v i d o a o e s p e s s a m e n t o d a b a i n h a d e m i e l i n a ( F i g . 4-C). A s a l t e r a ç õ e s d o t i p o C f o r a m a s m a i s a b u n d a n t e s .
Evolução — E m 220180 foi i n i c i a d o t r a t a m e n t o c o m m e t i l s u l f o n a t o d e a l f a p i r i d i
l a l d o x i m a ( C o n t r a t h i o n ) , r e c e b e n d o 400 m g p o r v i a e n d o v e n o s a n o p r i m e i r o d i a , s e g u i d a s d e 200 m g d i á r i a s p o r m a i s t r ê s d i a s , o b s e r v a n d o s e q u e d i m i n u í r a m a s f a s c i c u l a
-Caso M.A. Resultados da mi-crodissecção do nervo sural segundo a classificação de Dyck, 1975. A = Alteração do tipo B correspondente a irre-gularidades da bainha de
mie-lina (seta). BzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA i = Alteração do
tipo C correspondente a dmielinização paranodal com es-paços nodais de até 10 ^m de comprimento e mielinas ovói-des (setas), C <= Alteração do tipo G correspondente a "gló-bulos" nos espaços internodais devido ao espessamento da bainha de mielina (seta). Pre* paração com tetrôxido de
ç õ e s . E m 130280 r e c e b e u a l t a d o h o s p i t a l c o m a u s ê n c i a d e d o r e s a b d o m i n a i s e p e r s i s -t ê n c i a d e f a s c i c u l a ç õ e s , c e f a l é i a , s u d o r e s e , p a r a l i s i a s p e r i f é r i c a s e f e n ô m e n o s m i o -t ô n i c o s . E m j u n h o d e 1980 d e s a p a r e c e r a m a s c o n t r a ç õ e s m i o t ô n i c a s d a s m ã o s . E m n o v e m b r o d o m e s m o a n o n ã o h a v i a m a i s f a s c i c u l a ç õ e s c l i n i c a s , p o r é m p e r s i s t i a m c e f a l é i a , s u d o -r e s e , p é s c a í d o s , h i p o e s t e s i a s u p e -r f i c i a l d o l o -r o s a d o s m e m b -r o s i n f e -r i o -r e s e -r e p a -r e c e -r a m a s d o r e s a b d o m i n a i s . N e s s a d a t a foi c o n s t a t a d o o u s o de B a y g o n n o q u a r t o d e d o r m i r . E s t e i n s e t i c i d a é c o m p o s t o d e 0,50% d e D D V P ( o r g a n o f o s f o r a d o ) ; 1,00% d e 2 i s o p r o -P Q X Í Í e n i l - m e t i l c a r b a m a t o ; a m b o s i n i b i d o r e s d a c o l i n e s t e r a s e . N ã o c o n s e g u i m o s q u e a f a m í l i a d e i x a s s e d e u s a r e s t e i n s e t i c i d a n o d o m i c i l i o . E m j a n e i r o d e 1981 a d o s a g e m
d e
colinesterase
n o s a n g u e c o n t i n u a v a d i m i n u í d a 12,75%(Tabela
1 ) . E m m a i ode
1981C O M E N T Á R I O S
O paciente apresentou quadro inicial neurológico complexo, no qual
predo-minavam sinais colinérgicos, de ataxia, de polineuropatia periférica e contrações
miotônicas. Os antecedentes de contato com inseticidas sugeriam uma etiologia
tóxica. O exame de cromatografia gasosa afastou uma participação dos
orga-noclorados
9»
3'
2»
4 4no quadro. Os valores das colinesterases no sangue
acentua-damente diminuídos (Tabela 1), confirmaram tratar-se de intoxicação pelo
Parathion que como todos os inseticidas OF, inibe essas enzimas. A inibição
da AchE, apesar de não ser o único mecanismo pelo qual os OF causam
into-xicações, como será comentado mais adiante, certamente é o mecanismo
funda-mental
4 6. A base molecular dessa ação inibidora sobre a AchE se realiza
mediante ligação covalente com a molécula ativa da serina dessa enzima
3.
Mediante OF-fluorescentes Amitai <£ col.
3confirmaram que essa ligação pode
ser reversível ou irreversível dependendo do tipo de OF; quando é irreversível
a AchE não é mais reativada pelas oximas quaternárias, como o Contracthion.
O excesso resultante de acetilcolina (Ach) ao nível das sinapses colinérgicas
seria responsável pelas alterações do E E G
1 9»
2 6e pelos distúrbios
neurovegeta-t i v e s
4 6, como os apresentados pelo nosso paciente. A perda de peso e a
cefa-léia que também apresentava, são descritas em intoxicações por O F
4 3. A
miose pupilar de grande valor para o diagnóstico e prognóstico dessas
intoxi-cações pode estar ausente
1 3»
4 6como em nosso caso.
Não encontramos na literatura consultada referências a fenômenos
miotô-nicos neste tipo de intoxicação, como os observados em nosso paciente. Ainda
que a calvície moderada e as opacificações dos cristalinos observadas sejam
estigmas encontrados em formas subelínicas de distrofia miotônica, a falta de
antecedentes familiares; o desaparecimento espontâneo desses fenômenos, os
resultados laboratoriais, da biópsia muscular e da EMG permitiram afastar
essa moléstia. Há indícios que sugerem existir distúrbios da Ach nas
mioto-nias, pois ern casos de miotonias de Thomsen
1e de distrofias miotônicas
1»
3 8se observam sinais eletrofisiológicos de padrão miastênico, que melhoram pela
ação do brometo de piridostigmina
1»
2»
3 7, que simultaneamente acentua o
fenô-meno miotônico
2. Saraiva & A s s i s
4 7descreveram um caso de miastenia e outro
de miotonia pertencentes à mesma família. Igisu <& c o l .
2 8encontraram em
pacientes com distrofia miotônica sinais indiretos de déficit de AchE
eritroci-tária. As provas de Eaton-Lambert e de estimulação seletiva de um potencial
de unidade motora (Fig. 2) mostraram defeitos da transmissão neuromuscular
de padrão miastênico em nosso paciente. Parece-nos que a miotonia
transi-tória observada, dependeria do excesso de Ach, que dificultaria a repolarização
das unidades motoras voluntariamente ativadas. O acúmulo de Ach explicaria
também os numerosos potenciais de placas mioneurais
5 4e fasciculações
regis-trados em todos os exames de EMG (Tabela 3). Os potenciais de placa tinham
forma de pontas curtas negativas, também chamados potenciais de placa em
miniatura
3 7, e de pontas curtas positivas (Fig. 1), que estão diretamente
relacionados com a liberação de Ach pelas vesículas pré-sinápticas
3 7traduziram pelos potenciais
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAh
eH bifásicos de menos 5 ms de duração
que se registravam junto dos potenciais de placa (Fig. 1).
As fasciculações, de acordo com L u d i n
3 6seriam resultado de
despolariza-ções espontâneas capazes de ativar por via antidrômica todas ou parte das
fibras musculares de uma unidade motora. Wilcher <& Warrnolt
5 3consideraram
que as fasciculações são geradas sempre a nível de nervos periféricos. Esses
autores apoiam suas opiniões nas conclusões de Forster & Alpers
2 0, que
de-monstraram mediante registros eletromiográficos que as fasciculações da
escle-rose lateral amiotrófica (ELA) não desaparecem depois da raquianestesia, nem
pelo bloqueio anestésico de nervos periféricos. Forster e c o l .
2 1demonstraram
que as fasciculações persistem durante um período de 6 dias em músculos
cirurgicamente denervados, de pacientes afetados de ELA. Nessas duas
condi-ções as fasciculacondi-ções aumentavam pela ação da prostigmina e desapareciam
mediante doses não paralisantes de curare. Não conseguimos registros
eletro-miográficos de mioquimias
2 3, provavelmente por serem mais acentuadas nos
músculos do tronco e quadriceps que não examinamos, e por serem um dos
primeiros sinais clínicos a desaparecerem. Nos casos da literatura com estudo
EMG
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 5 , 3 1 , 4 3 , 4 4somente Novak & Werneck
4 3
relataram fasciculações em um
caso. Apenas registramos pontas positivas e raras fibrilações em alguns dos
músculos paralisados, que desapareceram a partir de novembro de 1980
(Ta-bela 3). Esse achado contrastava com o trofismo normal desses músculos
dependentes dos nervos fibulares (Tabela 5) e com a inexcitabilidade desses
nervos durante os primeiros meses de evolução (Tabela 6). Este quadro
eletro-fisiológico e clínico sugeria que a causa principal dessas paralisias dependia de
bloqueios da transmissão neuro-muscular. Richardson, em 1951, descreveu
quadro semelhante, durante o terceiro mês de evolução do paciente mais
afeta-do por paralisias periféricas, produzidas pelo Mipafox, de Bidstrup & Bonnell
5,
que compararam ao produzido pelo iodeto de decametônio; concluindo aquele
autor que se tratava de um estado de bloqueio neuromuscular devido a
despo-larização das placas mioneurais. Esse paciente depois de 8 meses passou a
apresentar um quadro eletromiográfico característico de degeneração axonal.
Novak <£ Werneck
4 3e Jager <& c o l .
3 1encontraram em seus casos sinais de
degeneração axonal.
de evolução. Em princípio atribuímos esses fatos ao uso domiciliar de Baygon,
pois esse inseticida é constituído por dois inibidores da AchE. Está constatado
que pessoas que sofreram intoxicações por OF, apresentam susceptibilidade
anormal a esses inseticidas
5'
4 6; são encontrados também níveis baixos de
colinesterases em profissionais que trabalham com esses tóxicos, sem que
manifestem sintomas agudos
1 2*
2 2. Finalmente, depois de 21 meses de evolução
encontramos cifras da AchE eritrocitária diminuídas e de colinesterase plasmática
normais (Tabela 2). A dissociação desses resultados, de acordo com comunicação
pessoal do Dr. Flávio Rodrigues Puga, indicou que nosso paciente tinha um
déficit congênito de AchE que explicava a persistência dos sinais colinérgicos
clínicos e eletromiográficos e a suspeptibilidade a inibidores dessa enzima.
A etiopatogenia dos graves retardos das velocidades de condução nervosa
motora dos nervos fibulares, dos distúrbios da sensibilidade profunda e
super-ficial e dos retardos das velocidades de condução sensitiva (Tabela 6),
apre-sentados pelo nosso caso, eram difíceis de relacionar com o déficit de AchE.
Bidstrup <£ Bonnell
5baseados em dados clínicos e experimentais concluíram
que as paralisias periféricas, se desenvolveriam quando as intoxicações são
parciais e repetidas, fato constatado na literatura
4 2>
4 4»
4 5e em nosso caso,
ainda que no caso de Jager <£ c o l .
3 1não se tenha dado essa circunstância.
Johnson
3 3»
3 4mediante métodos bioquímicos e com animais de laboratório
escla-receu que os OF inibem também a maior parte das esterases localizadas nas
células nervosas motoras e sensitivas, mas apenas um grupo deles tem ação
neurotóxica, produzindo ataxia e paralisias tardias, Johnson
3 4sugere que essa
ação neurotóxica resultaria da hidrólise de um radical éster ou amido em
conseqüência da fosforilação das esterases por esses OF, o que repercutiria de
maneira nociva sobre o metabolismo das proteínas das células nervosas,
levan-do-as à degeneração axonal Amitai & col.
3mediante tratamento de culturas de
células nervosas embrionárias com OF-fluorescentes demonstraram que esses
compostos se fixam no corço celular e prolongamentos dos neurônios e
astro-citos.
Os resultados da biópsia do biceps braquial confirmam o comentado a
respeito da EMG e dos resultados da curva de I/D realizada nesse músculo,
pois apenas se evidenciaram fibras musculares atróficas e angulares do tipo
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA1
e II esparsamente distribuídas (Fig. 3) não se observando agrupamentos de
fibras musculares do mesmo tipo. Estes achados podem ser interpretados
como resultado da degeneração axonal de alguns neurônios motores, sem
fenômenos de reinervação ulterior; poderiam depender também dos distúrbios
da AchE produzidos ao nível das sinapses neuromusculares pelos OF, pois
fibras musculares atróficas semelhantes podem ser observadas em casos de
miastenia
1 4. Namba <£ c o l .
4 2documentaram um caso de intoxicação crônica
por OF com biópsia muscular, relatando sinais acentuados de atrofia de fibras
musculares. Werneck & N o v a k
6 2em músculos proximais foram normais. O estudo da microdissecção do nervo
sural o qual tinha sua velocidade de condução nervosa moderadamente
dimi-nuída, mostrou fibras de tipo B, segundo a classificação de D y c k
1 5,
caracte-rizadas por irregularidades da bainha de mielina (Fig. 4-A); numerosas de
tipo C, caracterizadas por desmielinização paranodal com espaços nodais
alar-gados, de até 10 (Fig. 4-B) e raras do tipo G, com mielinas ovóides e
regiões nos espaços internodais formando glóbulos, devido ao espessamento
progressivo da bainha de mielina (Fig. 4-C). De acordo com Dyck
1 5»
1 6, o
predomínio de fibras nervosas do tipo B e C indica degeneração axonal, e a
escassez de sinais de remielinização, caracterizados pela ausência de fibras F
e raras do tipo G, indica uma patologia aguda. Estes achados coincidem com
os resultados obtidos pela histoquímica no músculo biceps braquial e com os
resultados das velocidades de condução nervosa dos nervos surais (Tabela 6),
que estariam diminuídas em conseqüência da perda de fibras mielinizadas de
grande diâmetro. A normalização ulterior dessas velocidades indicaria que a
degeneração axonal seria secundária a lesões distais. Jager & c o l .
3 1encon-traram no seu paciente intoxicado por Parathion, degeneração axonal de fibras
mielinizadas de grande diâmetro. Werneck & N o v a k
5 2encontraram em seis
biópsias de nervos surais de intoxicados por organoclorados, sinais de
degene-ração axonal com desmielinização segmentar secundária. Smith <& Lillie
4 8,
encontraram sinais indiretos de degeneração axonal ao nível de pontas
ante-riores da medula em 6 casos de necrópsias de intoxicados pelo
triortocresilfos-fato. Embora a EMG tenha mostrado em nosso caso sinais de degeneração
de alguns axônios dos nervos fibulares, o grave retardo das velocidades de
condução desses nervos (Tabela 6) sugerem distúrbios graves da bainha de
mielina. Não encontramos na literatura consultada qualquer referência a
estu-dos histológicos de nervos motores de intoxicaestu-dos por OF; apenas Smith &
Lillie
4 8encontraram acentuadas alterações da bainha de mielina em nervos
motores das necrópsias por eles estudados. Todo o exposto sugere que a
ação dos OF sobre os nervos motores não deve ser idêntica àquela exercida
sobre os nervos sensitivos.
Deve ser destacado que o quadro neurológico e eletrofisiológico do nosso
paciente coincide com a síndrome descrita por Gamstorp e Wohlfart
2 3em
1959 e por Isaacs
2 0, em 1961, que se caracteriza por contracturas musculares,
distúrbios neurovegetatives, especialmente sudorese, perda de peso, atividade
eletromiográfica espontânea contínua, atrofias e paralisias distais. Isaacs
2 9*
3 0demonstrou que essa atividade muscular espontânea e contínua se originava ao
nível das terminações de nervos motores, fato confirmado por Levy e c o l .
3 5e
Mertens
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAá Zschocke
4 1, postulando Isaacs
2 9*
3 0que dependeria de um excesso
de Ach a nível dessas terminações, e que provavelmente estaria associado a
um defeito das membranas pós-sinápticas, em decorrência de ter observado em
seus três casos uma sensibilidade anormal ao curare. Essas idéias e a
etiopa-togenia dessa síndrome têm sido bastante discutidas
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA8»
4 0. Wallis <& c o l .
4 9,
tóxica para essa síndrome. Hipótese reforçada por Black & col.
e, que
encon-traram na necrópsia de um recém-nascido afetado, alterações patológicas do
sistema nervoso central, desmielinização de raízes nervosas, atrofia de fibras
musculares e elevada concentração de metabolitos de DDT na urina; as
pesquisas para Parathion e para 2,4 D foram negativas. Welch e col.
5 0,
encontraram alterações histológicas em músculos e nervo sural de mais um
caso; apoiados nestes achados defenderam que a desmielinização de nervos
periféricos seria a causa da atividade espontânea contínua observada nessa
síndrome.
As alterações encontradas na biópsia muscular e do nervo sural em nosso
caso coincidem com os achados de Welch e c o l .
5 0. Também os sinais
eletro-fisiológicos de bloqueio da transmissão neuromuscular que relatamos estão de
acordo com a sensibilidade ao curare observada por Isaacs
2 9*
3 0em seus
casos e com a observação de McComas
3 7de um quadro de miastenia grave
que se desenvolveu em paciente afetada por essa síndrome, depois de ser
operada de timoma. Nossos achados confirmam a hipótese de Wallis & col.
4 9de que a síndrome de Isaacs seria resultado de intoxicações. Nosso paciente
não teve contato com herbicidas, mas como o caso de Wallis & col.
4 9, teve
contato com OF. Estes inseticidas são difíceis de serem diretamente detectados
devido a sua rápida metabolização.
Podemos concluir que o quadro clínico, eletrofisiológico, histológico e
bioquímico observado em nosso paciente constitui um modelo de síndrome de
Isaacs, de etiologia conhecida. Esta é resultante de um déficit congênito de
AchE que o paciente apresentava e que foi agravado por intoxicações subclínicas
e repetidas pelo Parathion, que seria diretamente esponsável pelo quadro
polineurítico, especialmente pela sintomatologia sensitiva, em conseqüência da
inibição das neuro-esterases por esse inseticida. Confirmando-se a hipótese
de I s a a c s
2 9'
3 0de que a síndrome por ele descrita depende de um excesso de
Ach ao nível das terminações nervosas pré-sinápticas.
R E S U M O
S U M M A R Y
P o ly n e u r o p a t h y c a u s e d b y P a r a t h io n : c lin ic a l, e le t r o p h y s io lo g ic a l a n d h is t o lo g ic a l s t u d y o f a c a s e .
A case of 38 year old man who worked with organochlorinated and
Para-thion during 5 years is reported. His follow-up was up to 2 years. The
onset of the disease was characterized by cholinergic signs, headache, loss of
weight, trembling, miokimias, fasciculations, ataxia, myotonic phenomena (in
hands only) and motor sensitive peripheral polyneuropathy (affecting the lower
limbs symmetrically). Low concentrations of blood cholinesterases confirmed
the etiology. Myotonic phenomena disappeared spontaneuosly 6 months after
the initial observation. One year later, the concentration of erytrocyte acetil¬
cholinesterase was found to be low and plasma cholinesterase was normal,
suggesting that the patient was carrier of a congenital deficiency of acetilcho¬
linesterase. in literature relationship between myotonia and intoxication due
to organophosphorus was not found. The whole clinical picture, cholinergic
symptoms, transitory myotonic phenomena and spontaneous motor activity could
be explained by an excess of acetilcholine. Eletromyography (EMG) in the
first observation showed neuromuscular transmission blocking characterized by
deficiency or absence of voluntary activity, unexcitability of fibular nerves,
with fibrilations and positive peaks as described previously with Mipafox
(another organophosphorus agent). During 2 years of observation numerous
end-plates potentials of muscular fibres persisted in the EMG. A progressive
increase in voluntary activity showed by unit motor potential of almost normal
amplitude and very increased duration was observed. No potentials of reinner¬
vation were noted. The results of EMG were explained as disturbances of
neuromuscular transmission associated with moderate signs of denervation The
Eaton-Lambert's test and the stimulation of a single unit motor potential
confirmed disorder of neuromuscular synapses. The histochemistry of brachial
biceps showed scattered atrophic and angulated type I and II fibres.
Teased-fibres preparations showed nerve Teased-fibres with B, C, and G alterations as defined
by Dyck et al. indicating axonal degeneration. These results were according
to velocity of sensitive conduction. The conduction velocity of fibular nerves
was strongly delayed during all the evolution indicating serious disorders of
motor nerves myelin. We think that intoxication by organophosphorus should
not be expressed as an identical alteration of both motor and sensitive nerves.
The association of myotonic phenomena with such clinical, electrophysiological
and histological picture is characteristic of the Isaac's syndrome model with
known etiology.
R E F E R Ê N C I A S
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