• Nenhum resultado encontrado

Aprovação das contas do executivo da Guanabara em 1962 : estudo de caso

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Aprovação das contas do executivo da Guanabara em 1962 : estudo de caso"

Copied!
63
0
0

Texto

(1)

A

EVALDO MACEDO DE OLIVEIRA

APROVAÇÃO DAS

CONTAS DO EXECUTIVO

DA GUANABARA EM 1962

ESTUDO DE UM CASO

FUNDAÇÃO GETúLIO VARGAS

SERVIÇO DE PUBLICAÇõES

(2)

Direitos reservados da Fundação Getúlio Vargas - Praia de Botafogo, 186 - Rio de Janeiro - GB - ZC-02 - Brasil por fôrça de convênio celebrado com a Fundação Ford

É vedada a reprodução total ou parcial desta obra 1.a edição - julho de 1967

© Copyright da Fundação Getúlio Vargas

"

FUNDAÇÃO GETúLIO VARGAS - Serviço de Publicações -Diretor, Leósthenes Christino; Assistente da Direção, Ary M.

(3)

Aplicado na pesquisa e no ensino de Administração Pública,. o método do caso, que, nestes últimos tempos, têm tido cada vez maior aceitação nos Estados Unidos da América do Norte, só agora começa a ganhar adep-tos no Brasil. Êsse método se baseia na descrição escri-ta de casos originais como método de pesquisa e, em se-guida, em sua utilização (juntamente com casos de ou-tro tipo) no processo de ensino. Há inúmeros tipos de casos, mas todos têm uma característiÍca comum: rela-tam uma ocorrência significativa, seja administrativa, política, executiva, legislativa ou judicial.

Sob muitos aspectos, um programa de casos é mais indicado para um país em desenvolvimento do que para um já desenvolvido. Uma das características da ad-ministração pública num país em desenvolvimento é a ausência de uma literatura, principalmente 'liVI"iOS e

monografias,. baseada na realidade e produzida

irn

loco.

Confia-se grandemente nas obras traduzidas de outras línguas, oriundas de outras fontes de cultura, geralmen-te mais adiantadas. Embora não se possa negar a sua importância no esfôrço global, essas traduções não podem nem devem substituir trabalhos originais.

(4)

VI CADERNOS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Além disso, por varIOS motivos, não se deve pensar

ser coisa fácil a elaboração de um caso. Em

pri-meiro lugar, um bom caso, bem elaborado, bem pesqui-sado e bem redigido exige uma considerável dose de ha-bilidade e energia. Em segundo lugar é preciso não pen-sar que,. sendo mais curtos e mais fáceis de elaborar do que os livros, os casos sejam por isso inferiores àqueles. Apenas são diferentes e servem a objetivos diversos.

Out,ro ponto - êste refletindo uma idéia pessoal

nossa - é que os casos não podem substituir outras

for-mas de literatura no ensino da Administração Pública. Os entusiastas dêsse método às vêzes acham difícil en-contrar outros para o tratamento de certos assuntos. O

que queremos dizer é que C método do caso se presta

ad-miràvelmente para suplementar ou complementar outros métodos Os casos podem proporcionar novas e mais am-plas perspectivas mas, pelo menos enquanto não dispu-sermos de milhares de casos e pudermos começar a fazer deduções generalizadas, não podtrão êles constituir base adequada para o exame de um tema. O que se faz ne-necessirio é a produção de uma literatura diversificaria de boa qualidade.

Fci reconhecendo essa necessidade que a Fundação Ford, em 1964, resolvEu conceder à EBAP uma doação destinada a estimular a pesquisa e a produção de obras originais brasileiras no campo da Administração Pública. De acôrdo com c contrato firmado serão produzidos,. nos

próximos cinco '~llC3, quinze livros básicos, dezoito

mo-nografias sôbre ':i'.suntos mais ou menos especializados e vinte e quatro casos. Êste é o décimo caso da série. Versando tema momentoso na época dos fatos narrados, contém elementos de interêsse permanente para os es-tudiosos do processo de mudança na administração pú-blica.

BEATRIZ M. DE SOUZA WAHRLICH

(5)

o

professor Evaldo Macêdo de Oliveira,. licenciou-.se em Letras Anglo-Germânicas em 1960, pela Fa-culdade de Filosofia da Universidade do Ceará e adqui-riu o grau de "Master of Public Adminish:-ation", na Universidade do Sul da Califórnia,. em 1965. Atualmente é Instrutor na Escola Brasileira de Administração PÚ-blica.

Iniciou suas atividades de ensino como professor

Se-cundário. Entrou posteriormente para o quadro de pro-fessôres da EBAP, onde colabora nas cadeiras de

Admi-nistração Municipal e de Organização e Métodos. É

Co-ordenador-Adjunto do Curso Superior de Graduação da EBAP e Assistente Técnico do Gabinete da Diretora da referida Escola. Executou trabalhos de assistência téc-nica, no Serviço de Assistência Técnica da EBAP, tendo participado da reorganização das Seções de Pessoal e de Material da Fundação Serviço Especial de Saúde PÚ-blida (FSESP), nos anos de 1965 e 1966 e ministrado os

seguintes cursos: Liderança - para funcionários

públi-cos, promovido pelo Departamento Cultural da Universidade Federal do Espírito Santo; Chefia e Liderança -para dirigentes da Companhia Ferro e Aço de Vitória;

Organização e Métodos - para funcionários da Estrada

de Ferro Central do Brasil e Organização e Métodos -para funcionários do Instituto Brasil-Estados Unidos.

É também professor de Introdução à Administração,

(6)

INTRODUÇÃO

Em outubl'o, de 1960, o sr. Carlos Lacerda era eleitO' 1° Governador do Estado da Guanabara.

Ao assumir o cargo, declarava ... se o Governador dis-posto a imprimir à administração estadual um ritmO' di-ferente que permitisse desenvolver, em pouco tempo, uma cidade outrora tutelada e sem a autonomia necessária p.ara a solução de seus problemas urgentes.

Assim sendo,. decidiu, de imediato, estabelecer uma série de medidas capazes de criar condições para um trabalho eficiente.

(7)

Ao optar pela ênfase na administração indireta, isto é, ao criar emprêsas públicas e fundações, visando' a um trabalho mais profícuo, fêz eclodir verdadeira batalha entre o Executivo e o Tribunal de Contas do Estado.

Êste estudo pretende relatar o queccorreu no to-cante à aprovação das contas do Governador Lacerda, referentes ao exercício Financeiro de 1962. Cinco as-pectos principais serão focalizados:

I O Tribunal de Contas como Órgão

Con-trolador dos Atos do Executivo.

II Reação do Executivo da Guanabara ao

Parecer sôbre suas Contas.

III Réplica do Tribunal de Contas à

Men-sagem do Governador do Estado.

IV Julgamento das Contas pela Assembléia

Legislativa do Estado.

V Participação do Govêrno Federal no

Caso.

O julgamento das contas do Governador Lacerda, tanto no Tribunal de Cont.as da Guanabara quanto 1J.a Asembléia Legislativa, presta-se a um ótimo estudo no campo do processo decisório. A ninguém deve ter pas-sado despercebido que o episódio revelou em boa escala o que se processa nos bastidores das grandes decisões. De um lado, o Executivo a querer governar com a má-xima autonomia em prol da dinamização dos negócios pú-blicos e com isso atraindo contra si a ira de um Legis-lativo ferido em sua autoridade. De outro, o LegisLegis-lativo dividido, com uma grande parcela, senão a maioria, fa-zendo oposição cerrada ou tentando forçar o Executivo a firmar certos compromissos em troca da aprovação de projetos vitais ao desenvolvimento do Estado.

Do ponto de vista administrat>ivo, que é o objetivo primordial dêste estudo, parece-nos essencial situar a po-sição do Executivo estadual face ao Tribunal de Contas

<€ o papel desempenhado por êsse mesmo Tribunal no

(8)

CONTAS 00 EXECUTIVO DA GUANABARA EM 1962 XI

Outrossim,. objet,iva êste estudo mostrar que o jul-gamento das Contas na Assembléia Legislativa do Es-tado refletiu o clima de tensão existente entre o

Exe-cutivo e OI Legislativo, decorrente de incompreensões

recí-procas.

(9)

Apresentação

v

A respeito do Autor

o...

VII

introdução IX

I - O TRIBUNAL DE CONTAS COMO óRGÃO CONTROLADOR DOS ATOS DO EXECUTIVO 3

1. Parecer do Ministro-Relator João Lyra Filho

sôbre as Contas da Gestão de 1962

o...

6

1.1 - Vulnerabilidades das Contas ... 9

II - REAÇÃO DO EXECUTIVO DA GUANABARA AO PARECER SÕBRE SUAS CONTAS... 18

1. Resposta do Governador Carlos Laoerda ao

Tribunal de Contas da Guanabara ... 18

2. Depoimento do Secretário de Finanças da

Guanabara perante a Assembléia ... 21

III - RÉPLICA DO TRIBUNAL DE CONTAS A MENSAGEM DO GOVftRNO ... 24

1. Resposta do Ministro João Lyra Filho ao

Go-vernador Laoerda ... 24

2. Olívio do Ministro-Presidente do Tribunal de

Contas ao Governador do Estado. . . 26

3. Outras Considerações ...• 28

IV - JULGAMENTO DAS CONTAS PELA ASSEM-BLÉIA LEGISLATIVA ... 30

(10)

IV CADERNOS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

2 o Interêsse da Oposição em rejeitar as Contas 34

3 o Apreciação das Contas na Comissão de

Finan-ças e no Plenário da Assembléia; Le1gislativa 3&

v -

PARTICIPAÇÃO DO GOV11::RNO FEDERAL NO

CASO o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 0 0 0 o o o o o o o 0 0 0 o o o o o o o o 45·

(11)
(12)

:1 -

o

TRIBUNAL DE CONTAS COMO

óR-GÃO CONTROLADOR DOS ATOS DO

EXECUTIVO

A Constituição Brasileira delimita,. em seu artigo 77, .as atribuições do Tribunal de Contas da União, quando ,diz:

"Compete ao Tribunal de Contas:

I - acompanhar e fiscaliza;r diretamente, ou por delegações criadas em lei, a execu-ção do orçamento;

II - julgar as contas dos responsáveis por dinheiro e outros bens públicos, e as dos administradores das entidades autár-quicas;

III - julgar da legalidade dos contratos e das

aposentadorias, reformas e pensões ... "

o

texto da Constituição Federal tem sido sempre a fonte doutrinária em que se inspiram os

Estados-mem-bros e os Municípios da União no que se refere à fixa-ção das atribuições dos órgãos similares aos do Govêrno Federal.

(13)

A Constituição do Estado da Guanabara, promul-gada a 27 de março de 1961, estatuiu o Tribunal de Contas como órgão auxiliar do Poder Legislativo na fis-calização da execução orçamentária e da administração, financeira.

Explicitou, outrossim, a competência do Tribunal de Contas, em seus artigos 22,. 23 e 25, que assim rezam:

"Art. 22. Ao Tribunal de Contas compete:

I - acompanhar a execução orçamentária,.

fiscalizando a aplicação dos créditos or-çamentários e adicionais;

11 - dar parecer sôbre as contas da gestão

ánual do governador, no prazo de ::>'0 dias contados da data em que forem apresentadas;

111 - processar e julgar as contas dos

respon-sáveis e co-responrespon-sáveis por dinheiros, valôres e quaisquer materiais perten-centes ao Estado, ou pelos quais êste responda, bem como as dos administra-dores das entidades autárquicas;

IV - fazer o registro de qualquer ato de que

resulte obrigação de pagamento por parte do Estado.

Parágrafo único - A recusa do registro, por

falta de saldo no crédito ou por imputação a crédito impróprio, terá ca-ráter proibitivo. Nos demais casos, se-rão os atos correspondentes revogados ou revistos pelo Executivo, para nova apreciação do Tribunal.

Art. 23. Os contratos que, por qualquer

(14)

CONTAS DO EXECUTIVO DA GUANABARA EM 1962 5

pronuncie a Assembléia Legislativa, se a recusa não fôr por unanimidade.

Art. 25. O Tribunal de Contas, conforme

instruções que expedir, organizará

Co-missões Instrutivas com a finalidade de processar, mas Secretarias de origem, a instrução dos atos que lhe vão ser encaminhados."

Pela Lei n.O 899, de 28.11.1957, criaram-se na Gua-nabara as Juntas de Contrôle com o objetivo de exami-nar e visar, trimestralmente, os livros, balanços e do-cumentos de contabilidade,. para posterior conhecimento do Tribunal de Contas dos procedimentos formalizados. Ganhava, assim, o Tribunal, um instrumento capaz de ajudá-lo no contrôle contábil dos diversos órgãos do exe-cutivo. Acontece, porém, que, no govêrno do Sr. Carlos Lacerda, os representantes do Tribunal nas referidas Juntas passaram a se queixar de que encontraram difi-culdades no exercício de suas funções, vendo sua autori-dade cada vez mais diminuída. Disto resultou que o Tri-bunal decidiu retirá-los dessas Juntas, transferindo ao Executivo a responsabilidade por qualquer irregularidade que viesse a ocorrer.

A Assembléia Legislativa resolveu, então, assumir uma atitude de franco apoio ao Tribunal. Seu presidente, Lopo Coelho, no exercício da chefia do Executivo, dotou o Tribunal do instrumento legal destinado à vitalização do seu contrôle com relação às atividades financeiras das aut,arquias e sociedades de economia mista. Tal instl'u·· mento foi o Decreto n.O 1.201, de 9 de novembro de 1962, que,. no seu art. 1.0 impôs aos presidentes ou diretores de entidades autárquicas ou órgãos descentralizados a suspensãO' da execução de atos que, nas respectivas Jun-tas de Contrôle, não tivessem o voto favorável do repre-sentante do Tribunal, revogando-os ou encaminhando-os a exame do Governador.

(15)

embora a;pregoasse que apenas fiscalizava 5

%

dos

con-tratos assinados pelo Estado. É o casO', pois, de se

per-guntar: Com quem estaria a razão? Com o Tribunal, que se dizia lesado na sua prerrogativa de órgão contro-lador a quem o Executivo ia, a pouco e pouco,. subtraindo os seus atos financeiros, ou com o Executivo que apre-goava estar êle a entravar o progresso do Estado com a demora no registro dos contratos vitais à realização das obras exigidas para a concretização dos objetivos do Go-vêrno?

1. Parecer do Ministro-Relator João Lyra Fillvol sôbre as Contas de GestJão de 1962.

Coube ao Ministro João Lyra Filho, na qualidade de Relator, dar o Parecer final sôbre as Contas do Gover-nador Lacerda relativas ao exercício financeiro de 1962. E', pois, natural, que o referido Parecer encerre con-clusões baseadas numa profissão de fé na relevância dêsse órgão controlador,. de vez que o referido Ministro sempre se distinguiu na defesa da manutenção e amplia-ção da autoridade dos Tribunais de Contas.

O Ministro Lyra Filho entende o Tribunal de Contas como guardião da moralidade administrativa, a julgar por sua constante defesa da ext.ensão de sua jurisdição a tôda e qualquer atividade administrativa que envolva a mobilização de dinheiros públicos. Para êle, a atua(;ão dos Tribunais de Contas em todos os setores da ativi-dade do Estado é de absoluta necessiativi-dade, face aos dei;-mandos da política financeira e ao caráter de persona-lismo assumido pelos Executivos.

"É incompreensível, diz êle, que o contrôle

(16)

CONTAS DO EXECUTIVO DA GUANABARA EM 1962 7

de emprêsas públicas dos mais variados tipos

jurídi-COS."l

E acrescenta:

"E' racional que o contrôle a cargo dos tribuais de contas não pode permanecer estático, desde que a dina-mização das atividades públicas se descentraliza intensa, e extensamente. E' inadiável a descentralização

funcio-nal do contrôle financeiro, a fim de que possa estar

in'

~QlCO ou sur pZa.ae, em qualquer parte onde exista diheirÜ'

ou bem público."2

Seu ponto de vista é o de que o contrôle do Tribunal de Contas não envolve apenas os recursos, o custeio e os investimentos a cargo da administração direta do Estado,.;] mas deve incidir sôbre tôda e qualquer fonte

destinada à arrecadação e ao emprêgo dos dinheiros.

públicos.

Em tese aprovada no 1.0 Congresso de Tribunais de Contas do Brásil,. realizado em São Paulo, de 21 a 26 de abril de 1958, propunha êle que o contrôle constitucional dos Tribunais de Contas se estendesse às sociedades de economia mista em que o poder público detivesse capital majoritário, recomendando que a lei impusesse aos esta-tutos das referidas sociedades disposições que

assegu-l'a:ssem a aplicação do princípio.4 O expediente

obje-tivaria conceder aos Tribunais de Contas o instrumento legal apropriado a um contrôle efetivo da aplicação dos dinheiros públicos naqueles Estados e Municípios onde proliferassem as referidas sociedades.

Suas convicções acêrca do papel a ser desempenhado por êsses órgãos controladores são de tal modo ardo-rosas que lhes reivindica a competência 'que permita "contrastear a legalidade de tôdas as práticas cujos efei-tos afetam o estado das finanças públicas, inclusive os

1) Lyra Filho, João, Regime de Contrôle das Emprêsas PúblicM~

(Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editôres, 1963)" pág,. li.l.

2) Idem, pág. 12.

3) Ibid, pág. 53.

(17)

atos de nomeação do pessoal, o reconhecimento das imu-nidades fiscais ou a concessão de isenções tributárias, assim como a permissão de uso dos bens do Estlado."ii

A tônica dêste trabalho, que se revela de caráter a um tempo administrativo e político, impede-nos de ana-lisar com propriedade o aspecto essencialmente

finan-,ceiro das Contas. A inclusão de tais dados e sua

dis-secação, além de se constituir em tarefa sobremodo ár-dua, resultaria tediosa por se tratar de assunto pura-mente técnico em que a abundância de números e cifras parece desestimular os que não militam na área.

Limitar-nos-emos, pois, a focalizar os pontos vulne-:ráveis assinalados pelo Ministro-Relator,. suas conclusões e recomendações e os motivos que o induziram à rejei-ção das Contas. Em contrapartida apresentaremos com base no Processo, algumas das ressalvas opostas ao Pa-recer, com a respectiva réplica do Ministro-Relator, para que assim se tenha uma idéia clara do que se passou no Tribunal de Contas da Guanabara, quando da aprecia-ção das referidas Contas.

Em nota prévia endereçada aos leitores de Finanças

da Guanabara, 1962, o Ministro João Lyra Filho afir-mava não crer no consêrto das vulnerabilidades denun-ciadas no Relatório,!; São essas vulnerabilidades por êle constatadas que virão a lume, transcritas na sua ver-são original, como também as opiniões adversas de dois dos membros do mesmo Tribunal de Contas, que hou-veram por bem discordar do Ministro-Relator e exigir que se anexassem aos Processos suas ressalvas forma-lizadas em voto em separado. Convém notar, antes de focalizar-se o cerne do problema, que as conclusões a que chegou o Ministro-Relator revelam-se calcadas numa aná-lise minuciosa feita pelos peritos-contadores do Tribu-nal, que concluía pela existência de deficiência e irregu-laridades nas Contas de Gestão de 1962 .

. 5) Ibid, pág. 69.

(18)

CONTAS DO EXECUTIVO DA GUANABARA EM 1962 9

1.1 - Vulnerabilidades das Contas.

Antes de apontar, especificamente, com base no Re-latório do Ministro João Lyra Filho,. as vulnerabilida-des constatadas nas Contas de Gestão, convém relacio-nar alguns. dos artifícios de que o Executivo da Guana-bara teria lançado mão para escapar ao contrôle do Tribunal de Contas. A privatização do serviço público em grande Escala, através da criação de sociedades de economia mista, retira da jurisdição do Tribunal o con-trôle de grande parte das atividades financeiras da ad-ministração estadual, porquanto as sociedades de eco-nomia mista não estão sujeitas a nenhuma tutela de

índole censtitucional.7 Outro ponto capital, decorrente

da mesma privatização, é o da admissão de funcionários para as referidas sociedades. Cresce anualmente a fôlha de pagamento do pessoal assalariado da Guanabara por fôrça dos ates de locação de serviço sob o regime da legislação trabalhista, sem que o Tribunal de Contas a

possa controlar por lhe fugir à alçada. Basta dizer que

o total das despesas com pessoal, que em 1962 elevava-se a Cr$ 500 000 000,00 foi orçado em Cr$ 1 500 000 000,00 para o exercício de 1963. As vulnerabilidades argüidas pelo Ministro-Relator referem-se a dinheiros públicos. que não entraram no Tesouro e foram aplicados independente-mente das leis financeiras e contábeis. Trata-se, espe-cificamente, do tributo pago pelo Jóquei Clube Brasi-leiro, das rendas da Loteria e dos auxílios concedidos ao

Estado. A vulnerabilidade imputada à aplicação do

tri-buto pago pelo Jóquei Clube reside no fato de que,. sen-do um tributo, deveria ser recolhisen-do ao Tesouro sen-do Es-tado, conforme preceitua a Lei Federal n.o 3 909, de 26 de junho de 1961, em seu art. 11.

Ora, o Governador do Estado,. por simples Resolu-ção que julgou procedente em face do disposto no item XII, do art. 30, da Constituição Estadual,8 atribuiu-se o direito de aplicar o referido impôsto. Conseqüente-mente, o Tribunal de Contas não pôde controlar o

de-7) Lyra Filho, João, ibid, págs. 19, 21 e 95 .

. 8) Art. 30 - Compete privativamente ao Governador do

(19)

sembôlso da renda,. pois ela não foi recolhida ao Tesouro. do Estado. O que prova a ilegalidade da Resolução n.o. 6, de 3-2-1962, diz o Ministro Lyra Filho, é que o poder que o Sr. Governador adjudicou era privativo da Assem-bléia Legislativa, consoante o art. 6.°, itens I e lI,. com-o

binado com o art. 19 (caqJut) da Constituição Estadual.

Acresce que, continua o Ministro, mesmo no caso de a Resolução ser legítima, o Executivo não poderia desti-nar a renda proveniente do tributo à concessão de auxí-lios e subvenções,. a seu talante, pois a Lei n.o 804 es-tabelece critérios para tanto e tais favores estariam su-jeitos ao contrôle do Tribunal de Contas. Finalmente,.

- é ainda o Ministro quem fala - , o próprio Código

de Contabilidade fôra violado pois, além de não se re-colher a receita ao Tesouro, esta se convertia em des-pesas pagas sem empenho e sem liquidação.!)

No que se refere à Loteria Estadual declara o

Mi-nistro-Relator que sua receita elevou-se a Cr$ ... . 974824014,90, dos quais nenhuma parcela foi recolhida

ao Tesouro do Estado. 10 Ora,. em decreto recente, de

n.O 1309,_ de 14-11-1962, o Executivo estatuíra em seu

art. 4.0, que o relatório anual do Departamento de Con-tabilidade da Secretaria de Estado das Finanças, que constitui o Balanço do Estado e a peça fundamental da prestação de contas do seu Governador à Assembléia Le-gislativa, deveria conter documento que demonstrasse os recursos havidos por todos os órgãos do Estado e sua aplicação nos diversos setores de atividade do serVIço público,. centralizado ou não, no exercício a que se refe-risse. Além do mais, o registro das atividades financei-ras dêsse órgão não informara onde se encontrava o

superavit de Cr$ 93 638 115,60, assim como as

disponí-XII - praticar quaisquer atos no interêsse do Es-tado, desde que não estejam explícita ou im-pllcitamente reservados a outro poder, pela Constituição Federal, por esta Constituição ou pela lei. (Constituição da Guanabara).

9) Lyra Filho, João, op. cit., págs. 35 e 36.

(20)

OONTAS 00 EXECUTIVO DA GUANABARA EM 1962 11

bilidades transferidas para o exercício seguinte no valor

de Cr$ 79.711.519,80.11

Dizia o Ministro Lyra Filho que a implantação do serviço lotérico tinha sido irregular na sua origem, pois. o contrato que o estabelecia ainda não fôra liberado, ao tempo da discussão das Contas,. por não haver preenchi-do os requisitos legais, porquanto, conforme preceitua a Constituição da Guanabara (art. 23), os contratos que, por qualquer modo, interessem à receita ou à despes3,

- Só se reputarão perfeitos depois. de registrados pelo

Tribunal de Contas, suspendendo-se a execução do con-trato, se recusado o registro, até que a respeito se pro-nuncie a Assembléia Legislativa, se a recusa não tiver

sido por unanimidade. U

Daí porque, em seu Relatório, o Mmistro consi de-rava o Decreto n.o 827, que a regulamentara, "um ato discricionário do Poder Executivo."

Para não sermos tendenciosos, como estaria a de-monstrar o fato de, até agora, só têrmos dado a pala-vra ao Ministro Lyra Filho, traremos a campo o que declarou o Sr. Mário Lorenzo Fernandes, titular da Se-cretaria de Finahç.as da Guanabara, quando do seu de-poimento perante a Assembléia Legislativa do Estado, como porta-voz do Executivo na defesa das Contas.

Em três dos. jornais cariocas consultados publica-va-se, na ocasião, que o Sr. Secretário das Finanças re-conhecera. de fato, o problema da legalização da Lote-ria. Dizia-se que o referido titular informara à Comissão de Orçamento da Assembléia ser a Loteria uma autar-quia imperfeita, desprovida de meios legais para a in-clusão dos seus encargos e receitas no orçamento do Es-tado, acrescentando que seus lucros eram escriturados como receita de aplicação especial, para finalidades hos-pitalares e educacionais. Seus atos, concluíra, eram todos

da inteira responsabilidade do Governador .13 Um dêles.

usava linguagem mais contundente,. atribuindo ao

mesmo-11) Ibid, págs. 30 e 3lo

12) Constituição do Estado da Guanabara.

(21)

Secretário a afirmação de que o contrato da Loteria do Estado era unilateral, não tendo sido registrado até aque-la data, concluindo com isso que a Loteria funcionava ilegalmente. 11

A terceira vulnerabilidade apontada pelo Ministro-Relator das Contas diz respeito aos auxílios recebidos pela Guanabara e que não foram devidamente conta-bilizados. Estribava-se o Ministre, para afirmar que o Executivo não poderia furtar-se à prestação de contas das verbas recebidas do Govêrno Federal e dos emprés-timos contraídos no exterior, no art. 101 do Código de Contabilidade que estabelece como receita extraordinária o recebimento de depósitos, do produto de operações de crédito a serem resgatadas dentro do mesmo exercício e de outras quantias não consignadas no orçamento por não corresponderem a impostos, taxas ou

contribui-ções.15 Ocorre que, apesar de explícito o artigo do

Có-digo de Contabilidade, a referida receita não fôra con-signada nas Contas de Gestão.

Em defesa do Govêrno, perante a Assembléia Legis-lativa, o Secretário de Finanças, respondendo a uma pergunta do deputado Gonzaga da Gama, declarou que a prestação de contas das verbas federais destinadas a en-tidades estaduais competia aos seus adm'inistradores di-retamente ao Govêrno Federal. O jornal que publicava essa notícia não explicita se o referido Secretário citou o apoio legal a sua asserção, bem como não relata se o ar-güidor o exigiu.

No tocante aos empréstimos externos, declarou que eram creditados à SURSAN (Superintendência de Urba-nização e Saneamento) os empréstimos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), funcionando o BEG (Banco do Estado da Guanabara) como mutuário. Os donativos do Fundo do Trigo, afirmou, tinham sido apli. cados através da Fundação Leão XIII. A defesa não parece ter convencido o Plenário, pois o mesmo deputado Gonzaga da Gama ponderou, em aparte, que a aplicação

14) Última Hora, Rio de Janeiro, 15-8-1963.

(22)

CONTAS DO EXECUTIVO DA GUANABARA EM 1962 13

de recursos por intermédio da Fundacão Leão XIII, sem

a fiscalização do Tribunal de Cont~s, era

inconstitu-donal. 1ü

A análise de tôdas as vulnerabilidades apresentadas pelo Ministro-Relator das Contas prolongaria por demais êste trabalho. Uma das restantes, porém, merece

desta-que especial. Trata-se da rubrica Despesas Eventuais. Se

se confrontarem as dotações orçamentárias referentes à rubrica, ver-se-á que elas evoluíram de Cr$ 102.486.520,90, em 1960 para Cr$ 1.854.124.195,70, em 1961, atingind0 um total de Cr$ 4.886.393.180,40, em 1962. Os números são bastante eloqüentes para demonstrar que uma rubrica tão vaga e imprecisa vinha sendo contemplada com dota-ções sobremodo generosas. A propósito o Ministro Lyra Filho assim se expressava:

"O direito orçamentário, pôsto à luz dos

mandamentos constitucionais, repele o abuso dos gastos imprecisos que a referida terminolo-gia disfarça. .. O artifício destina-se a driblar o contrôle da execução orçamentária, pois o Tribunal de Contas só VIra a tomar conhe-cimento da despesa depois de consumada e paga."17

Cremos ter-nos detido o suficiente na documentação dos pontos vulneráveis assinalados pelo Ministro-Relator das Contas. Antes, porém, de passarmos ao capítulo se-guinte, cumpre-nos apresentar as considerações finais do Relatório, que incluem algumas recomendações de caráter técnico, tendentes a uma melhor orientação da adminis-tração estadual. Assim rezava o Parecer:

16) 17)

"O documentário (Prestação de Contas do Executivo) não oferece quadro que demonstre as influências financeiras resultantes dos rea-justamentos de preços contratuais. .. A legis.

Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 15-8-1963.

Lyra Filho, João, Orçamento da Guanabara, 1962, pág. 16 e

(23)

lação a respeito em vigor, substancialmente

al-terada no fêcho do ano de 1962, é nocivamente

generosa; ela permite aos adjudicatários de· obras locupletações imprevisíveis ... ; faz-se, urgente a criação de um órgão, com jurisdição extensiva às autarquias e sociedades de eco-nomia mista, destinado ao contrôle administra-tivo de todos os reajustamentos de preços con-tra tuais. "18

Advertia, outrossim, a administração estadual, que se' contivesse na sua política de pessoal, a fim de que o pró-· ximo exercício não a surpreendesse com resultados catas-tróficos. Tal advertência decorria do fato de que a pres-são das influências se fazia cada dia mais presente, face-à lei que estipulava serem os aumentos concedidos em fun-ção do salário-mínimo vigente, do que decorria ônus cres-cente para o erário estadual. A recomendação final era a de que a administração se decidisse a implantar a tribuição de melhoria há anos prevista em lei. Tal con-tribuição deveria ser feita por aquêles que detivessem' patrimônio próprio, evitando-se, assim, que as obras de urbanização dependessem totalmente da majoração dos: impostos que afetam indiscriminadamente tôdas as

ca-madas da população. 19

É êste, com certo detalhe, o Parecer do

Ministro-Re-lator João Lyra Filho que, em face das vulnerabilidades constatadas, decidiu pela não aprovação das Contas.

Submetido o Parecer a votação, surgiram duas vozes' discordantes. lOs Ministros Dulce Magalhães e Venâncio, Igrejas opuseram objeções e declararam votar apenas pe-las conclusões. O voto em separado de cada um dêles es-taria a merecer citação e análise neste trabalho. Por não querermos estender-nos demais nesta primeira parte, limitar-nos-emos a assinalar os pontos de discordância de cada um dêles, sem nos determos em detalhes e sem:

18) Lyra Filho, João, Finanças da Guanabara, 1962, pág. 79.

(24)

CONTAS DO EXECUTIVO DA GUANABARA EM 1962 15 nos referirmos a réplica que mereceram da parte do Mi-nistro-Relator.

Do voto em separado do Ministro Dulce Magalhães retiramos o seguinte:

I - a proliferação de autarquias não é fe-nômeno recente ou local.

Para defender sua afirmação citava parecer do Ministro-Relator sôbre as Contas de Gestão de 1951, do então Distrito Federal, em que êle situava as au-tarquias como responsáveis pelas dificuldades da fis-calização financeira.20

II - a elevação do custo de vida não é a maior do país.

Como base para seu argumento citava a Conjuntura Econômica de fevereiro de 1963, em que se lia que o

au-mento percentual do custo de vida fôra de 56

%

em São Paulo (capital), enquanto na Guanabara atingira ape-nas 53,7%.

III os receios do Ministro-Relator quanto ao pessoal admitido na forma da lei traba-lhista foram por ela partilhados, mas achava injusta a acusação de que o Go-vêrno quisesse furtar-se à obrigatorie-dade dos concursos.

Como prova, afirmava que tinham sido realizados 60 concursos e provas para as mais variadas funções.

IV - a afirmação de que os serviços de água e esgôto continuam com as suas insufi-ciências crônicas é desproivda de funda-mento.

(25)

A prova apresentada foi uma relação de obras exe--cutadas e em execução nesses setores.

v -

a lei, tornando automático o

aumento-dos vencimentos aumento-dos funcionMios. se não atende às exigências constitucio-nais, é benéfica do ponto de vista da justiça social.

VI - procede a crítica ao crescimento da

do-tação Eventuais.

Ressalvava, porém, que o próprio Tribunal não se sentia à vontade para fazê-la, pois, no que lhe tocava, "a dotação crescera de 250% de 1960 para 1961, de 250% de 1961 para 1962 e de 625 ';6 de 1960 para 1962." 21

Do voto em separado do Ministro Venâncio Igrejas. destaque-se:

I procede a crítica à privatização do

ser-viço público.

Ressalva: não é processo peculiar ao atual Governo.

II - pelo Decreto li.O 1291 (9-11-1962) e

pela Lei n.O 241 (23-11-1962) o Govêr-no procurou aperfeiçoar o contrôle fi-nanceiro das autarquias.

IH - são procedentes as críticas quanto ao

pessoal assalariado ou de legislação tra-balhista.

Defesa: a Constituição Estadual permite a criação dos sêres autônomos da administração pública, da mesma forma que o contrato pelas leis trabalhistas.

IV - a realização de concursos e provas

pú-blicas desmente que os contratos tra-balhistas visem ao empreguismo.

(26)

CONTAS DO EXECUTIVO DA GUANABARA EM 1962 17

v -

a presenç~, exigida por lei, de um

re-presentante da Oposição entre os diri-gentes das emprêsas públicas constitui--se, sem dúvida, numa forma de

con-trôle.22

Dos votos em separado ressalta a preocupação dos dois Ministros de atenuar o teor das críticas ao Executi-vo, bem como de defender o Governador. O Ministro Dul-ce Magalhães deixou apenas implícita a preocupação de defesa, mas o Ministro Venâncio Igrejas parecia assu-mir o papel de verdadeiro advogado de defesa, confor-me se depreende da arguconfor-mentação que passamos a re-latar:

I - não desejo ver empanada uma grande

administração pelo manto do excessivo

tecnicismo. 23

11 - o povo não se importa em pagar

eleva-das contribuições desde que tenha a

con-traprestação dos serviços públicos.24

111 - a augusta Assembléia por certo há de

ver, como imponderáveis, face às con-tas do Govêrno, são as vulnerabilidades

argüidas.25

Como frisamos anteriormente, não daremos espaço neste trabalho à réplica do Ministro João Lyra Filho aos dois citados Ministros. Àqueles que estiverem interessa-dos em conhecê-las para um melhor cotejo das opiniões opostas recomendamos a leitura do tantas vêzes citado,

Finanças da Guanabara, 1962, título V, págs. 165 a 203~

22) Ibid, págs. 133 a 146.

23) Ibid, pág. 142.

24) Ibid, pág. 143.

(27)

RA AO PARECER SôBRE SUAS CONTAS

A reJelçao das Contas pelo Tribunal de Contas de-sencadeou, como era de esperar, violenta reação do Exe-cutivo da Guanabara. Se é verdade que o fato não

sig-nificava decisão de última instância, porque à Assembléia

Legislativa pertencia, por lei, a responsabilidade direta pelo julgamento das Contas, o Parecer do Tribunal colo-,cava o Governador Lacerda em situação delicadíssima, pois a Assembléia iria apreciar matéria considerada falha do ponto de vista técnico. Ora, é fato sabido que o Governador não dispunha, na Assembléia, de maio-ria incontestável. Em tais circunstâncias, o Governador teria de lançar mão de todos os expedientes ao seu al-cance, para evitar uma decisão que implicaria numa di-minuição de prestígio perante o povo carioca e traria sérios prejuízos à consecução dos ideais políticos. Feliz-mente, o Sr. Mário Lorenzo Fernandes, Secretário de Finanças, demonstrou serenidade e se revelou objetivo ao desincumbir-se da tarefa de apresentar, no plenário da Assembléia, as justificativas do Govêrno aos atos ad-ministrativos julgados vulneráveis pelo Ministro-Relator das Contas.

1. ResposDw do Governador Carlos Lacerda ao Tribunal de Contas da Guanabara.

(28)

CONTAS DO EXECUTIVO DA GUANABARA EM 1962 19

"Tenho a honra de remeter a Vossa Ex-celência a prestação de contas do Poder

Exe-cutivo, relativa ao exercício de 1962, com o

parecer, meramente enunciativo, do Tribunal de Contas, na forma do artigo 130, item X, da Constituição do Estado.

Esclareço que êsse parecer me foi

remeti-do ontem, dia 14, às 20 horas. O prazo

cons-titucional para a remessa das contas a essa Assembléia expira hoje. Teria, pois, menos de 24 horas para formular o pronunciamento que

me considero obrigado a transmitir - e que

transmitÍrei em breve - a Vossas Excelências

e ao povo dêste Estado, diante da natureza dos conceitos contidos naquele documento.

Desejo, contudo, expressar desde já a cer-teza de que o parecer do Tribunal de Contas do Estado aprovou afinal, na exigüidade de tempo, a conclusão ambígua do relator, mas não necessàriamente os conceitos da sua longa di-gressão, de mais de 70 páginas, cuja motiva-ção emocional parece ter origem em contrarie-dades que o Executivo opôs a interêsses afeti-vos de Sua Excelência.

Neste momento cabe-me, tão-somente, en-caminhar, dentro do prazo legal, ao julgamen-to público, as contas do Govêrno. Os resulta-dos do nosso esfôrço se traduzem, inclusive, na

redução do crônico deficit orçamentário a

ci-fras inexpressivas, a despeito dos vícios que encontrei, entre os quais não eram estranhos ao Relator o tráfico de influências e a troca de

favores à custa dos cofres públicos. Isso acabou

neste Govêrno."26

Do seu texto depreende-se uma crítica ao Tribunal ,de Contas do Estado pela demora na remessa do pare-cer e uma acusação ao mesmo Tribunal, cujo parepare-cer

(29)

clarava motivado por ressentimentos decorrentes de con-trariedades opostas pelo 'Executivo a interêsses afetivos do Ministro-Relator. Tanto a crítica como a acusação mereceram a repulsa do aludido Ministro. Não a especi-ficamos neste espaço porque ela será objeto de estudo mais circunstanciado em outro capítulo dêste trabalho. Restringir-nos-emos ao relato do que se noticiou nos jor-nais cariocas, àquela época, e posteriormente, sôbre a re-percussão da aludida mensagem e os efeitos que ela acar-retou no desenrolar dos acontecimentos.

Um matutino carioca publicou as novas acusações do Governador ao Tribunal de Contas, expressas nestes têrmos: "O que estranharam certos juízes do Tribunal de Contas é que, pela primeira vez, em lugar de um pre-feito, de um governador que dê negócios aos seus sócios, encontram êles um governador que vem para a praça pública denunciar os seus crimes e as suas desonestida-des." Prosseguindo, asseverava que o Tribunal nada fis-calizava nem zelava pelas contas do Estado, cujas obras' atrasava ou prejudicava e renovava a acusção de que o Ministro João Lyra Filho só se lembrara de afirmar que a Loteria do Estado não existia depois que um advogado seu protegido fôra dispensado por falta de ocupação. Ci-tava a seguir o caso do Hospital Miguel Couto, que a firma contratada desistira de construir, porque durante dois anos o Tribunal paralisara o processo, de forma a

tornar irrisório o preço inicialmente .ajustado.27

Segun-do um vespertino Segun-do mesmo dia, o GovernaSegun-dor conside-rara anacrônica a estrutura do Tribunal de Contas que não acompanhara o desenvolvimento da Guanabara. Es-taria êle considerando desnecessária a existência do Tri-bunal de Contas, como o declarara antes o deputado Nina Ribeiro,. do partido do Governador (UDN),28 ou queria com isso dizer que era a favor do Tribunal, contanto que êle se atualizasse para melhor atender aos reclamos de uma administração sempre a evoluir?

27) Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 18-7-1963.

28) Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 18-7 e 7-7-1963,

(30)

CONTAS DO EXECUTIVO DA GUANABARA EM 1962 21

2. Depoimento do Secretário de Finança.s da Guana-bara perante a Assembléia.

A 1.0 de agôsto de 196;?', o Sr. Mário Lorenzo Fernan-des comparecia à Assembléia Legislativa para prestar es-clarecimentos sôbre as Contas do Executivo, enviadas àquela Casa com o parecer contrário do Tribunal de

Con-tas do Estado. Os jornais no dia seguinte noticiavam (fi'

resultado da sua atuação. Diziam que o referido Secre-tário classificara o Tribunal de Contas como um órgãev inoperante no que respeitava a despesas sujeitas a regís~

tro posterior. Em seguida chamara de "excelente". O

exercício financeiro de 1962, que se encerrara com deficit

de Cr$ 885 milhões, enquanto a previsão inicial havia sido de Cr$ 10 bilhões e 600 milhões, acrescentando que o resultado do exercício de 62 permitira a execução de grande número de obras públicas em 63. Complementan-do seu pensamento a respeito Complementan-do Tribunal de Contas, si-tuara-o como um órgão já superado, por insuficiência estrutural, afirmando que o Legislativo deveria dotá-lo de Lei Orgânica atualizada, dentro da realidade do Esta-do da Guanabara. Quanto à declaracão Esta-do Tribunal de que não lhe eram remetidas as ordens de pagamento su-jeitas a registro posterior, declarou que o Departamento do Tesouro Estadual, bem como o de Contabilidade, cum-priam regularmente sua obrigação, dentro do prazo

fi-xado. 29 Finalmente, declarou que a execução do inciso V

do artigo 19 da Constituição da Guanabara, que exige a inclusão, no orçamento, da estimativa da receita e pre-visão da despesa dos órgãos autônomos e emprêsas pa-trimoniais, comerciais e industriais do Estado, encontra

dificuldades técnicas quase intransponíveis, não se

coadunando com a sistemática do Código de Contabilidade Pública em vigor. Justificando a não-execução do inciso V do artigo 19 da Constituição Estadual, acima referido, declarou que o Govêrno não recebera qualquer indicaçãO' ou instrução do Tribunal para apresentar contas de modo diverso do determinado pelo Código de ContabilIdade

pública.30 Outro órgão da imprensa noticiava qm~' O' Sr.

29) Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 2-8-1963 ..

(31)

Secretário de Finanças refutara as vulnerabilidades

refe-rentes ao tributo do Jóquei Clube Brasileiro e à Loteria

do Estado. Quanto ao primeiro item, declarara que não

se tratava de tributo, nem de renda do Estaào,

acrescen-tando que a União não tem competência para decretar tributos estaduais. O Ministro, disse êle, confundiu dá-diva com doação, afirmando que a contabilização como

receita extra-orçamentária fôra correta, à luz dos artigos

29 e 101 do Código de Contabilidade Pública, tendo sido .as importâncias recebidas recolhidas aos cofres do

Tesou-ro Estadual. Em relação à Loteria do Estado declarou

que a Lei 14/60, ao dispor que o Executivo organizasse o :seu serviço lotérico, revigorara a Lei 710, de 1952. As ,disposições dessa lei caracterizam nitidamente a sua or-ganização como de índole autônoma, determinando que os lucros da Loteria sejam escriturados como renda de apli-cação especial, para os serviços deaiSsistência hospitalar e escolar.:n

Um vespertino apresentava uma versão um tanto di-ferente, ao relatar ter o Secretário de Finanças confir-mado que o contrato da Loteria do Estado era unilateral,

não tendo sido registrado ~:té a data. Com referência às

irregularidades no Teatro Municipal, inclusive verbas de bailes de gala do carnaval e funcionários obrigados a tra-balhar em espetáculos particulares, declarava o mesmo jornal ter o Sr. Secretário frisado que o Governador, com a cobertura de decretos, podia usar aquela casa de diver-são para qualquer fim, como quisesse, não sabendo, po-rém, explicar se existiam recibos de pagamentos aos di-tos funcionários, nem quem pagava as despesas

extraor-dinárias dos espetáculos de gala carnavalescos.32

N o seu segundo comparecimeno à Assembléia, para

ser mais uma vez argüido, o Sr. Secretário de Financas repetiu as afirmações anteriores. O que de nôvo apres~n­

tou foram esclarecimentos sôbre a aplicação das verbas da União e dos empréstimos externos, afirmando, com

re-lação à primeiras, que competia aos administradores das

:31) Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 2-8-1963 .

(32)

CONTAS DO EXECUTIVO DA GUANABARA EM 1962 23

entidades estaduais beneficiadas prestar contas direta-mente à União e, no tocante aos segundos, que os do BID eram creditados à SURSAN, com o Banco do Estado da Guanabara funcionando como mutuário, e os do Fundo do Trigo aplicados através da Fundação Leão XIII. 33

lO depoimento do Sr. Mário Lorenzo Fernandes pren-deu-se tão-somente a esclarecimentos sôbre os pontos con-siderados vulneráveis das Contas do Govêrno, limitando--se a imputar ao Tribunal algumas omissões que se re-velaram verdadeiras. Aliás, como diz outro vespertino, a sua presença, como a do Ministro Lyra Filho, na As-sembléia, para prestar esclarecimentos técnicos, não re-sultaria no recuo dos dois blocos existentes àquela altu-ra: o que desejava rejeitar, de qualquer maneira, com ou sem argumentos, as contas, e o que vinha lutando, usando para isso de todos os recursos, para .aprová-las.34

33) Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 15-8-1963.

(33)

A MENSAGEM DO GOVÊRNO

Dividiremos o capítulo em dois subtítulos: Respcs-tas do Ministro João Lyra Filho ao Governador Lacerda e Ofício do Ministro-Presidente do Tribunal de Contas ao Governador do Estado.

1. Respostas do Minú;tl'o João Lyra Füho ao G01}et·~

nadar Lacerda.

Reputamos desnecessário apresentar as refutações, item por item, do aludido Ministro às acusações de ordem pessoal e às dirigidas ao próprio Tribunal de Contas. Al-gumas, aliás, já apareceram, aqui e ali, neste trabalho. A acusação mais grave, ao que parece, fôra aquela de que o voto contrário às suas Contas decorrera de uma

re-cusa do Governador à nomeação de um advogado da

Lo-teria, recomendado pelo Ministro-Relator. A ela respon-deu o Ministro com a exibição da sua carta ao Secretário de Finanças na qual declarava:

(34)

CONTAS DO EXECUTIVO DA GUANABARA EM 1962 25

compromissos, pois, com o irretratável cance-lamento do meu pedido." 35

Em nova resposta ao Governador, o Ministro prende--se mais a uma argumentação de base técnica, embora, de início, refute acusações pessoais. Preferimos trazer aqui apenas as respostas aos pontos controversos de or-dem puramente técnica. São êles:

1 - Todos os Srs. Ministros presentes à

reu-nião votaram apenas as conclusões, que foram as seguintes: "A medida e o pêso das vulnerabilidades indicadas, assim como as implicações com que possam ter influenciado a administraçãú financeira do exercício de 1962, somente pela E. As-sembléia Legislativa poderão ser

confe-ridos. A E. Assembléia Legislativa as

considerará, ou não, ao ter que proferir o julgamento final sôbre as contas de ges-tão do Exm.o Sr. Governador Carlos La-cerda, correspondentes ao referido exer-cício.36

o

texto do Relatório, no entanto, evidencia que só dois

Ministros, já anteriormente citados, votaram apenas

pe-las conclusões, conforme se verifica à pág. 122 de

Finan-ças da Guanabara, 1962, da autoria do Ministro-Relator.

2 - A Loteria não está dentro da lei porque,

segundo ela, deveria constitu.ir s'erviço integrante da administração direta do Estado ou constituir servico concedido e ser explorada diretamente' pela Prefei-tura ou por particulares mediante con-corrência pública. (Lei n.O 710, art. 2.°).

O certo é que a Loteria produziu, em

1962, Cr$ 434.727.801,20, que não foram

'35) Lyra Filho, João, Finanças da Guanabara, 1962, pág. 235.

(35)

computados como renda do Estado e que foram aplicados sem contrôle público.:l7

o

restante da nova re:3posta do Ministro-Relator são

refutações a acusações de ordem pessoal, razão por que não nos detemos a apreciá-las. Passamos, assim, ao se-gundo substítulo:

2. Ofício do Ministro-Presidente do Tribunal de Conta,s ao Governador do Estado.

o

aludido ofício, de n.O 3367, de 28-6-1963, é uma

resposta ao ofício de n.o 535, endereçado pelo Governador ao Tribunal de Contas. Do seu teor depreende-se a preo-cupação de defender os membros do Tribunal das acusa-ções e insinuaacusa-ções do Governador, aliada a esclarecimen-tos sôbre ponesclarecimen-tos controversos. Não prima também pela isenção, pois a personalidade do Governador Lacerda

nêle passa pelo crivo da interpretação, com alusões à sua

maneira personalista de governar. Assim é que se lê no início do ofício:

"Dei conhecimento ao Tribunal do teor do,

seu ofício n.o 535. Eivado de afirmações,

apressadas umas e calcadas em ressentimentos outras, impõe-se que lhe responda, analisando cada um dos seus itens, para que a opinião pública dêste Estado e do País possa formar convicção em tôrno dêste episódio lamentável, pelo sentido que tem de evidenciar a rebeldia de um governador contra os dispositivos legais que estabelecem o contrôle dos seus atos,

rela-tivos à aplicação dos dinheiros públicos que

tem sob a sua guarda. 38

Do texto deduz-se que o Tribunal também usava da

técnica de influenciar a opinião pública, então dividida, à_

37) Ibid, pág. 252.

(36)

CONTAS DO EXECUTIVO DA GUANABARA EM 1962 2 r;-semelhança do Governador que, em comícios e discursos, dava ao caso a sua versão. No que se refere aos contatos necessários entre o Executivo e o Tribunal, dizia o Go-vernador, no seu ofício, tê-los procurado, mas que êstes tinham sido impedidos pelas "doenças, raivas, ou via-gens" do Ministro-Presidente, ao que o Sr. Ministro-Pre-sidente retrucava dizendo que o Sr. Governador lhe

le-vara vantagem em tôdas elas.39 Ao se referir ao caso da

Loteria, o Ministro Luiz Felipe da Gama lançava um de-safio ao Sr. Carlos Lacerda, indagando-lhe se era ou não verdade que o dinheiro da Loteria do Estado, como assi-nalara o Ministro João Lyra Filho, não estava sendo re-colhido ao Tesouro Público, ao arrepio da lei, bem como

qual teria sido a sua reação, como jornalista da Tribuna

da lmrprens:a, se êsse desvio houvesse ocorrido na

admi-nistração de um dos seus antecessores. 40 Em seguida,

re-ferindo-se à diminuição do contrôle afeto ao Tribunal de Contas, como decorrência da descentralização administra-tiva mediante a proliferação de órgãos de administração indireta, afirmava ter o Governador esvaziado completa-mente as atribuições do Tribunal criando autarquias e

so-ciedades de economia mista,. "a fim de que perto de 90

%

do orçamento escapasse ao contrôle do Tribunal de Con-tas."41 Reportando-se à crítica à excessiva burocracia que o Governador dissera existir no Tribunal, replicou di-zendo que a tramitação no Tribunal de Contas era mais rápida do que em qualquer das repartições do Govêrno, acrescentando que os processos voltavam em diligências às repartições de origem por causa do descumprimento, por parte dos auxiliares do Governador, das exigências que o Tribunal não inventara mas cujo cumprimento

ti-nha de impor, perante a lei. 42 À acusação sôbre a

pre-sença de empreiteiros nos corredores do Tribunal, feita por Lacerda num dos seus discursos, respondeu o Minis-tro-Presidente que conhecia o empreiteiro Semeraro, liga-do ao caso de um contrato de casas populares na Secreta-ria de Saúde, mas que o referido empreiteiro na presença

39) Ibid, pág. 260. 40) Ibid, pág. 266. 41) Ibid, pág. 267.

(37)

dêle, Presidente, dos Ministros Álvaro Dias, Vice-Presi-dente, e José Fontes Romero, pedira ao titular da Saú-de a abertura Saú-de concorrência para a construção Saú-de casas

nos Parques Proletários. 43

Em revide, indagava do Governador se não conhecia os empreiteiros a que determinava a adjudicação de obras sem concorrência pública, algumas no montante de bi-lhões de cruzeiros e se dentre os que contratavam com o Estado e dependiam, portanto, do seu critério e do seu discernimento, não haveria amigos seus e alguns de sua intimidade. E arrematava: Conhece V. Exa. um Sr.

Ro-bert Bialek? Identifica V. Exa. alguns dos diretores da

G. L R. B. 44

o

ofício do· Ministro-Presidente assim terminava:

"A indignação que tanto se identifica com facilidade nas atitudes de tantos homens pú-blicos não é ponto marcante na minha própria vida. Dela, porém, não me livro, se as ponde-rações são substituídas pelos agravos e se o preço do meu silêncio chega a ser a preterição do interêsse público. 45

3. Out1~as Considerações

De todo êsse episódio descrito neste e no capítulo an-terior resultou um clima de animosidade entre o Govêrno do Estado e o Tribunal de Contas. Se, de um lado, o Go-vernador atacara veementemente o Tribunal, do outro, o 'Tribunal, na pessoa do seu Presidente, retrucara com igual veemência. Em entrevista exclusiva a um jornal carioca, o Ministro-Presidente do Tribunal, após demons-trar que o Governador Carlos Lacerda agira de "manei-ra indigna e mentirosa" ao acusar o Tribunal, anunciava ter em mãos documentos comprobatórios de que Carlos Lacerda pagara à firma C.LR.B. cêrca de 15 milhões

cor-43) lbid, pág. 276.

44) lbid, pág. 277.

(38)

CONTAS DO EXECUTIVO DA GUANABARA EM 1962 29\

respondentes a contrato recusado pelo Tribunal de Con-tas. Outra acusação grave era a de que um pedido de verba para a alimentação do pessoal do Palácio Guana-bara. servira para a aquisição de rádios, e o adiantamento solicitado para compra de c:arros-pipa des,tinara-se à

com-pra de carros de passeio para o seu Gabinete. 40

Resultou dos acontecimentos que envolveram o Tri-bunal que o seu Presidente e Vice-Presidente colocaram

seus cargos à disposição do Tribunal. Êste, porém, por

unanimidade - e é ainda ào mesmo jornal que noticiou

- presentes os Ministros Café Filho e Dulce Magalhães,

*

resolveu não tomar conhecimento das acusações do Go-vernador Lacerda.

O episódio da rejeição das Contas e o que ela desen-cadeou parecem não ter afetado a posição dos dois Mi-nistros, pois que foram reconduzidos aos seus cargos. pouco tempo depois.

46) última Hora, Rio de Janeiro, 19-7-1963.

(39)

SEMBLÉIA LEGISLATIV A

Dividiremos o capítulo em três aspectos distintos: a atuação da bancada governista, decidida a aprovar as contas; o interêsse da oposição em rejeitá-las; e a apre-ciação das mesmas na Comissão de Finanças e no Plená-rio da Assembléia. Pedimos vênia para as interpretações que, porventura, parecerem errôneas ou descabidas, an-tecipando que não temos posição firmada, nem nos move o desejo de julgar a mais acertada esta ou aquela solução.

Para o comentarista Marinus Castro, a aprovação das contas pelo Plenário da Assembléia seria o mesmo que endossar os insultos atirados pelo Sr. Carlos Lacerda contra o Tribunal de Contas quando essa Côrte criticara os gastos excessivos e inexplicáveis efetuadas pelo Poder

Executivo da Guanabara. 47 Para os defensores do

Go-vêrno, como o deputado Nina Ribeiro, vice-líder da UDN na Assembléia, os serviços daquele órgão eram desneces-sários porque se deixava influenciar pelos critérios

polí-ticos de alguns de seus membros. 48 Havia, portanto,

po-sições bem determinadas sôbre o assunto, dependendo o resultado final da estratégia a ser empregada pelas dife-· rentes facções.

Vejamos o que houve a respeito na Assembléia até ()J

encerramento da Legislatura.

47) última Hora, Rio de Janeiro, 1-11-1963.

(40)

CONTAS DO EXECUTIVO DA GUANABARA EM 1962 31

1. Ah~ação da Bancada GoveTnista.

Desde que se iniciara na Assembléia a tramita cão do

Parecer do Tribunal sôbre as Contas do Governad~r

La-cerda, os deputados integrantes do bloco situacionista ti-nham empreendido campanha de arregimentação dos

vo-tos necessários à sua aprovação.

O processo entrou na ordem do dia nos meados de julho, quando da convocação feita ao Ministro-Relator. João Lyra Filho, para prestar esclarecimentos sôbre o seu Parecer. Naquela ocasião, precisamente no dia 16 de julho, o Ministro ratificava sua posição, apontando. mais uma vez, as vulnerabilidades das Contas do Govêr-no. A liderança do Govêrno, assessorada pelo Secretário de Finanças do Estado, fôra entregue aos deputados Mac Dowell Leite de Castro, Nina Ribeiro e Vitorino J ames, todos da UDN, cabendo ao próprio líder da Maioria, depu-tado Danilo Nunes, manter os contatos diretos com o Secretário de Finanças durante todo o correr dos debates. 49

A tarefa primordial do bloco situacionista teria de ser a de conseguir os votos de deputados de outros par-tidos que, somados aos seus, em número de 14, comple-tassem os 22 necessários :\ maioria para aprovação. A 17-7-1963, segundo noticiava um matutino, o líder Danilo Nunes comunicava ao Governador Lacerda que, em

vir-tude de démaTches por êle efetuadas, estava em

condi-ções de aprovar as Contas, pois conseguira os 8 votos

in-dispensáveis. 50 Era cedo para falar. Com o passar dos

dias, tais votos iriam ser disputados a bom preço. Dois dias após essa declaração, o Govêrno do Estado

envia-va ofício à Assembléia Legislativa, pedindo o regresso

imediato de todos os funcionários estaduais requisitados pelos deputados. Outro matutino que noticiava o fato, dizia estar êle sendo interpretado pelo bloco da oposição como manobra do líder da UDN, Danilo Nunes, para pressionar e fechar o cêrco em tôrno dos deputados do

49) Correio da Manhã, Rio de Janeiro, lS-7-1963.

(41)

"Bloco Independente" (MTR, PL e PDC), a fim de dei..

sistirem de examinar as Contas do Sr. Carlos Lacerda. 51

Nova manobra se articularia no início de agôsto, quando a liderança do Govêrno na Assembléia concertava a for-mação de um bloco parlamentar de 28 deputados que lhe desse maioria para atingir, tranqüilamente, seus dois t!bjetivos principais: a aprovação das Contas do Executi-vo e, mais tarde, a eleição da Mesa para 1964. Por tal composição de fôrças, o PTB e demais partidos de

opo-sicão seriam alij ados da Mesa. 52 O assunto ficou por

miIito tempo em compasso de espera, após os

depoimen-tos do Secretário de Finanças na Assembléia, a 1.0 e 15

de agôsto. É que, por essa época, o Parecer estava sendo

estudado na Comissão de Orçamento e Finanças. Quando.

a 30 de outubro,. a Comissão rejeitava, por 6 votos

con-tra 3, as :C'ontas do Governador, houve uma reviravolta nos quadros da situação. O líder da maioria, Danilo Nu-nes, renunciava ao cargo no dia seguinte. O motivo da renúncia, na versão de todos, fôra o descontentamento ma-nifestado pelo Governador quanto à sua liderança na As-sembléia. Relatando o fato, dizia um matutino ter o Sr. Carlos Lacerda afirmado que o estilo de liderança até então exercido pelo deputado Danilo Nunes não era de seu agrado e ter exigido que todos os deputados udenis-tas tivessem presença mais constante em tôdas as arti-culações políticas e legislativas e partissem para uma posição mais agressiva e violenta."3 Com a renúncia do deputado Danilo Nunes, que não se julgava mais em condições de servir ao Govêrno da maneira como de-sejava o Governador, assumiu a liderança da Maio-ria, interinamente, o deputado Vitorino James, tam-bém da UDN.

Segundo noticiava um matutino carioca, como con-seqüência da nova linha de atuação, "agressiva e violen-ta", que o Governador recomendara após a derrota na Comissão de Finanças, já na sessão plenária do dia se-guinte o deputado Célio Borja (UDN) fazia um

discur-51) Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 19-7-1963.

52) Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 6-8-1963.

(42)

CONTAS DO EXECUTIVO DA GUANABARA EM 1962 33

so em tom violento e agressivo, chegando a chamar de ladrões aos Srs. Juscelino Kubitschek e João Goulart, a cujas manobras políticas, com a finalidade de "obstacular a candidatura do Sr. Carlos Lacerda", atribuía a derrota

sofrida pelo Govêrno naquele órgão técnico.G4

No episódio da rejeição das Contas pela Comissão de Finanças da Assembléia um fato não ficou bem esclare-cido: qual dos dois deputados da UDN, o Sr. Domingos D' Ângelo, Presidente da Comissão, ou o Sr. Paulo Areal, havia votado pela rejeição. Alcino Soeiro, comentarista políticos, relatava que o deputado Paulo Areal declarara ter votado com o Parecer, isto é, a favor da aprovação.

O repórter acrescentava que tal declaração - "embora

nela ninguém acredite um pouquinho só" - colocava em

maus lençóis o deputado Domingo D' Ângelo. 5" O certo

é que a cúpula udenista deliberou interpelar os dois.

Rejeitado o parecer do deputado João Machado (MTR) e aprovado o do Sr. Naldir Laranjeiras (PR), que fôra encarregado de redigir nôvo parecer, era evi-dente que a posição do Govêrno estava periclitante. pois as Gontas iriam a plenário duplamente rejeitadas: pelo

~~ibunal de Contas e pela Comissão de Finanças da

As-sembléia. Diante disso, dizia o noticiário, restavam duas soluções: ou angariar votos, através de favores, ou im-pedir que o processo entrasse na ordem do dia para vo-tação. A primeira solução foi, de início, tentada, mas não surtiu o efeito desejado porque o Govêrno Federal, que parecia interessado na rejeição, também entrava no jôgo de distribuição de vantagens. Êste assunto virá re-latado com maiores detalhes no próximo capítulo. A se-gunda solução, aliás, já vinha sendo adotada concomi-tantemente com a primeira, por razões óbvias. Um ma-tutino carioca de 26-11-1963 referia-se a isto ao afirmar que a bancada governista vinha defendendo a tese de que, com sucessivos adiamentos do assunto até o fim do ano, as Contas seriam automàticamente aprovadas. Na mes-ma notícia se lia que os deputados Raul Brunini,

Pre-54) Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1-11-1963.

Referências

Documentos relacionados

Frondes fasciculadas, não adpressas ao substrato, levemente dimórficas; as estéreis com 16-27 cm de comprimento e 9,0-12 cm de largura; pecíolo com 6,0-10,0 cm de

The challenges of aging societies and the need to create strong and effective bonds of solidarity between generations lead us to develop an intergenerational

Os principais resultados obtidos pelo modelo numérico foram que a implementação da metodologia baseada no risco (Cenário C) resultou numa descida média por disjuntor, de 38% no

De acordo com o Consed (2011), o cursista deve ter em mente os pressupostos básicos que sustentam a formulação do Progestão, tanto do ponto de vista do gerenciamento

Na apropriação do PROEB em três anos consecutivos na Escola Estadual JF, foi possível notar que o trabalho ora realizado naquele local foi mais voltado à

the human rights legislated at an international level in the Brazilian national legal system and in others. Furthermore, considering the damaging events already

Para tanto, no Laboratório de Análise Experimental de Estruturas (LAEES), da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (EE/UFMG), foram realizados ensaios

MÉTODOS: Foram analisados os resultados das investigações dos óbitos notificados como causas mal definidas (CMD) do capítulo XVIII da Classificação