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Objeto e desejo em tempos de superexposição.

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Academic year: 2017

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RES UMO:Interroga-se a tristeza a partir da retom ada lacaniana da

teorização do luto por Freud. Delim itam -se, a seguir, as bases de um a teoria lacaniana da perda, localizando a im portância do objeto a e destacando-se sua função de causa do desejo. Situa-se a dor da perda em relação com a perda da função do objeto, causa do desejo, necessariam ente vinculada à inacessibilidade do objeto. Aborda-se a contem poraneidade com a seguinte questão: é possível que o objeto tenha se tornado visível/ acessível? Isto não im plicaria em instabili-dades radicais na estruturação do im aginário do corpo? Objeto e desejo em tem pos de superexposição.

Palavras - c h ave : Lacan, psicanálise, depressão, luto, tristeza, objeto.

ABSTRACT: Object and desire in tim es of super exposure. It is

ques-tioned the sadness from the Lacanian resum e of the m ourning theo-rization by Freud. It is determ ined, afterwards, the bases of a Lacanian theory of loss, pin pointing the im portance of the object a, and set-ting apart its function of desire m otive. It is found the pain of the loss in relation to the loss of function of the object m otive of the desire. The contem porarily is approached in the follow ing questions: Is it possible for th e object to h ave becom e visible/ accessible? Wouldn’t that im plicate in radical instability in the building of the im aginary body? Object and desire in tim es of super exposure.

Ke y w o rds : Lacan, psychoanalysis, m ourning, depression, sadness,

object.

U

m a das características m ais notáveis do aparato psíquico freudiano é que sua existência sem pre foi presum ida e nunca em piricam ente constatada. Ninguém até hoje exam i-nou um a pulsão ou m ediu sua intensidade, por exem plo. Con-tradizendo tentativas recentes neste sentido — conferir um substrato neuronal ao inconsciente, sob a rubrica “neuropsica-nálise” — , Freud já insistia desde o Projeto para um a psicologia Psicanalista da

Escola Brasileira de Psicanálise ( EBP) ; professor do Departam ento de Psicologia da PUC-Rio

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científica que, por conta das características próprias de seu dispositivo, o aparato

psíquico não tem existência no corpo. Ele o sintetiza da seguinte form a:

“...as idéias, os pensam entos e as estruturas psíquicas em geral nunca devem ser

encarados com o localizados em elem entos orgânicos do sistem a nervoso, m as antes, com o se poderia dizer, entre eles, onde as resistências e os trilham entos (Bahnungen) fornecem os correlativos correspondentes. Tudo o que pode ser objeto de nossa per-cepção interna e virtual é com o a im agem produzida num telescópio pela passagem

dos raios lum inosos. Tem os justificativa para presum ir a existência dos sistem as que não são, de m odo algum , entidades psíquicas e nunca podem ser acessíveis à nossa percepção psíquica sem elhantes às lentes do telescópio, que projetam a im agem .” ( FREUD, 1900/ 1974, p.649, grifo nosso)

O aparelho psíquico é um a invenção, um a criação conceitual de Freud para objetivar um novo discurso — não um novo objeto da ciência. Ele funda um novo cam po, em vez de anexar um país ao atlas do conhecim ento hum ano.

Lacan nos permite perceber não apenas que a psicanálise prescinde da busca de uma localização anatômica do inconsciente, como também que a crença em seu substrato orgânico atrapalha m ais que ajuda. O analista não pode supor para o inconsciente uma existência prévia, de uma entidade biológica ou mesmo espiritual, pois senão, refém de conteúdos a priori, perderá o que de singular pode se apresentar em cada paciente. O inconsciente, com o afirm a Lacan, não é ontológico, não é prévio, mas sim ético, existe por uma decisão do analista (LACAN, J. 1988, p.37).

Podem os partir do princípio de que o inconsciente existe, por exem plo, por-que se confia em seus m estres ou em seu aparelho de tom ografia com putadori-zada. Mais cedo ou m ais tarde, porém , nos deparam os, com o analistas, com a certeza de que não há nenhum a garantia de que se curou, ou m esm o m elhorou, a vida deste ou daquele a não ser pelos efeitos que apenas o paciente reconhece com o analíticos. Isso é tão particular que não funciona com o garantia científica ou m esm o, digam os, epidem iológica, da eficácia da psicanálise e de sua im por-tância no m undo.

A existência do aparelho psíquico é garantida pelo fato de que a aposta de Freud produz efeitos. O inconsciente é um a aposta “m ais” seus efeitos. Esses efeitos coletivos que se expandiram para a cultura é que sustentam e garantem a psicanálise. Nem todos, é verdade, m as alguns deles constituem o real que a m antém viva. Lacan purifica essa aposta ao aproxim ar o aparato psíquico de um a estrutura. Nesse sentido, o aparato psíquico é um a estrutura discursiva e, com o tal, não envelhece, pois é um a grade de leitura.

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que acontece na cultura, no cam po do Outro, para ter um a ação sobre o real análoga à de Freud. Se os analistas não responderem a esse desafio, se em algum m om ento aquilo que fazem tornar-se realm ente incom preensível, nessa hora pode ser que não haja m ais com o se fazer um a análise. Isso, sim , equivaleria ao desaparecim ento do aparelho psíquico freudiano.

Estas considerações introdutórias podem ser de uso no trabalho com o que tem sido cham ado de “novas subjetividades” para indicar a preem inência das toxico-m anias, do par anorexia-bulitoxico-m ia, da depressão e do estresse, entre outros, na clíni-ca do analista, hoje. Na psiclíni-canálise, m ais ainda do que em outros clíni-cam pos, não podem os sim plesm ente considerar a presença de um novo objeto com o o signo de um novo sujeito ou de um novo inconsciente, pois isso seria tom á-lo com o um órgão, que é exatam ente o que o faz desaparecer com o tal — não m ais um a lacuna, m aterializada no espaço de um lapso e sim algo supostam ente prévio e sólido.

Por nos apoiarm os em um a aposta, som os continuam ente cham ados a renová-la e para isso é preciso recorrer ao discurso que a institui para reconfigurá-lo a partir do discurso am biente, em vez de buscar com plem entá-lo com saberes pretensam ente novos, novas “aquisições” da psicanálise. A cada novo paciente, nossa aposta se traduz em um a necessidade de dem onstrar que podem os intervir a partir do que aprendem os com o que fizem os de psicanalítico com pacientes anteriores, incluindo aí o que terem os que efetuar de reform ulações em nossa teoria. De m aneira análoga, a cada novo registro subjetivo, a cada novo sintom a, som os obrigados a aceitar a hipótese de reconfigurar todo nosso cam po para continuar trabalhando com a hipótese do inconsciente freudiano ( com o fez Lacan com relação à psicose, por exem plo) .

Crendo ter-nos poupado, assim , da velha discussão sobre o envelhecim ento da psicanálise, assim com o da sedução das novas técnicas e novas clínicas. Gosta-ria, então, de exam inar o estado atual de um velho sofrim ento, a tristeza, de m odo a destacar, naquilo que hoje tendem os m ais e m ais a denom inar “depres-são”, a função do objeto. Discutindo a noção de “perda” do objeto, buscarem os delinear o m odo com o Lacan destaca seu papel na m anutenção do desejo. Partin-do dessa delim itação, poderem os interrogar alguns indícios quanto a m udanças no lugar do objeto na cena do desejo em nossos dias.

O REAL DO OBJETO

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para o narcisism o e para a im agem do corpo. Dessa form a, a naturalidade da perda é colocada em questão, pois a unidade a partir da qual se define a perda n ão é a priori. Por isso, Freud insiste no luto com o um trabalho e não com o sofrim ento reparador ( 1915/ 1974, p.276) .

Retom ando o esquem a freudiano do luto a partir da leitura lacaniana, afirm a-ríam os, então, que Freud produz um a teoria explícita do luto, m as não da perda. Isso conduz Lacan a postular as bases do que poderíam os reunir sob a rubrica de um a teoria da perda e que passam os a delim itar ( LACAN, 3/ 7/ 1963/ 2004) .

O que se perde quando se perde alguém ? Não perdi nesta ou naquela carac-terística o ser am ado. Não é porque m inha m ulher tinha aquele tom de cabelo ou de suavidade nas m ãos que eu a am ava. Por m ais que faça a lista de seus atributos, sem pre haverá um que resta a descrever. Por outro lado, cada elem ento desta lista de atributos pode ser encontrado às dúzias no m undo. O que houve? Em um a prim eira resposta, direm os que a m orte levou consigo a possibilidade disso tudo estar reunido. Esta possibilidade acrescenta-se subtrativam ente à série de traços, pois não é em si um atributo, m as pura suposição. Podem os então acrescentar à série de traços, este indizível a-m ais. É exatam ente este a-m ais que se perdeu. Em outros term os: o que se perdeu é sem pre im possível de se esgotar com um a nom eação.

Dois cam inhos se delineiam a partir desse ponto:

Prim eiro: pode-se conceber este “a-m ais” com o um ente esotérico, a alm a da am ada por exem plo, e im aginar que ela está preservada em algum outro lugar. Freud chega a elaborar um a cena quase m ítica para criticar este criação fantasm a-górica: im agina um hom em prim itivo que diante do cadáver de seu am igo, não podendo suportar a idéia de se confrontar com as tendências hostis que nutria com relação a este ente am ado ( N.B.: para não se deparar com algo que ele que não conseguia nom ear) , elabora a ficção da alm a ( FREUD, 1915/ 1974, p.331) . Um a segunda hipótese é a de que se suponha, com Freud, que o objeto, além de suas características evidentes, tem necessariam ente algo de irrepresentável, a que Lacan dará vários nom es, sem pre o aproxim ando do cam po do real, dos quais reterem os um : o objeto a. Com isso, m ais do que com tendências hostis m inhas, tenho que m e defrontar. Isso, então, que estava por trás de m inha am a-da, não estava em nenhum a de suas características isoladas. Perdi, assim , um com plexo de atributos que reunia vários traços significantes em torno de um “algo” real que possuía aquela m ulher. Nela, havia se aninhado este algo a m ais ( em um a covinha, um a curva do corpo, por exem plo) que dela fez m eu objeto de desejo. A diferença entre o cadáver e o corpo vivo, seria, então, justam ente esse irrepresentável.

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de ter a m ontagem que m e fazia desejar e viver, estou diante de um problem a. Aquilo que dava unidade aos traços, um a vez solto de seu envoltório, está solto. Chego então à estranha conclusão de que ao perder o ser am ado, encontro-m e, talvez coencontro-m o nunca tenha experiencontro-m entado antes, diante deste irrepresentá-vel que parece se desprender do corpo, tornado cadáver. Descobre-se, então, a angústia provocada pela presença do objeto. Afinal, o “ isso” que a m ulher de-sejada tinha m e rem ete ao “ isso” em m im e à angustiante questão que pode ser form ulada da seguinte m aneira: “ o que, em m im , m e fazia desejar isso que nela era m ais que ela?” ( LACAN, 1964/ 1988, p.254) . Pode-se corroborar, en-tão, a paradoxal afirm ação de Lacan de que no luto, trata-se m enos de ausência e m ais de presença — em vez de perda, encontro com o real do objeto do desejo ( LACAN, 3/ 7/ 1963/ 2004) .

As roupagens perderam o brilho e m ostraram -se com o são. Quando caem as roupas do objeto, encontram o-nos diante de um a nudez sem corpo e insuportá-vel. Perde-se a possibilidade de sonhar com a am ada e, ao m esm o tem po, fica-se assom brado com algo m uito estranho no m ais profundo do eu. Esta é um a das m aneiras pelas quais Lacan retom a a célebre passagem de Freud sobre a “som bra do objeto ( que) cai sobre o eu”, algo que se exibe em sua subjetivação m ais radical na m elancolia ( FREUD, 1915/ 1974, p.281) .

Desta form a, a dor do luto vem da m aterialização, no eu, do encontro com algo que deveria estar oculto e não da perda com o m utilação de um a unidade fundam ental, ferida aberta na com pletude natural de um eu narcísico. Na escrita lacaniana direm os que este a-m ais, o objeto a,encontra-se sem pre envolvido por suas roupagens im aginárias, i(a) , e que são elas que se desprenderam dele.

A m etáfora energética segundo a qual, no luto, vai-se esvaziando progressivam ente de libido os atributos do objeto perdido é perigosa. Não soprogressivam ente é incoprogressivam -pleta, pois sabem os que novos laços se refazem perm anentem ente, com o pode ocultar o caráter de angustiante encontro da perda. O im portante é assinalar, com Freud, a prim azia da vertente de trabalho do luto sobre seu aspecto de perda. Assinala-se, assim , o quanto este encontro rem ete a um trabalho e o quanto este trabalho tem dois vetores: construção e desconstrução. Por isso, falam os em traba-lho do luto e não em “reparação”, “com pensação”, “aceitar a perda”, etc.

A DOR E A CAUS A

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Isso pode ser generalizado. A causa é aprisionada em um a rede de explica-ções, m as não se localiza nesta ou naquela teoria ( cf. LACAN, 1962-1963/ 2004, p.343) . Desta form a, estam os sem pre em busca da causa, sem nunca encontrá-la em si, apenas conseguim os obter explicações. É preciso, no entanto, buscar a causa para descobrir algum as respostas. Assim com eça um a análise. Só que — ao longo de um percurso de buscas e achados, em que algo se m ostra e algo se esconde — acabam os com o desenho de algum a coisa que não está no jogo do m ostra-esconde, do “procura e acha”. Esta algum a coisa é nosso objeto aea delim itação da cena em que ele será circunscrito é justam ente o que terá que ser ( re) construído em um a análise. Esta é um a m aneira de situar o m odo com o realiza Freud com o Hom em dos Lobos e que será teorizado de m aneira conclu-siva em seu Construçõesem análise ( MILLER, 1997) .

A im portância do trabalho de construção da cena prim ária, ou de fantasia fundam ental no dizer de Lacan, é o que nos perm itirá situar um final para a análise fora do registro histérico em que ela se inicia, pois a m anobra da histeria, com seu jogo de sedução, consiste em nos fazer crer que o objeto a está ao alcance da m ão, que aquele im palpável a-m ais existe, é representável e está em algum lugar sob o decote ( MILLER, 1997) .

No teatro do corpo, o jogo erótico se estabelece entre o que se m ostra e o que se esconde, m as Freud nos ensina que a causa do desejo está fora dele, em algum lugar no negrum e dos orifícios e que a ilusão da existência de um prazer perfeito é sustentada pelo próprio jogo. Desta form a, Lacan distinguirá o objeto a, tanto de sua apresentação im aginária, i( a), com o de sua paradoxal encarnação com o suposto-existente-apenas-oculto ( que não deixa de ser um a representação, só que sem pre vazia) e que Lacan denom ina falo, -ϕ ( atenção: letra grega com sinal de m enos) em sua álgebra. Dessa form a, ao colocar um véu sobre o que se ani-nha na zona erógena, a histérica oculta o objeto em seu aspecto real e o torna im aginarizado e desejável.

Entende-se por que a angústia será articulada por Lacan ao levantam ento do véu, assim com o o m esm o situa o fato que algo costum a im pedir que, por um a circunstância inesperada, o véu seja levantado ( cf. LACAN, 1962-1963/ 2004, p.32) . Tom em os, com o exem plo privilegiado de m arca sintom ática, a enxa-queca. A dor de cabeça, com o clivagem entre afeto e representação, é produzi-da no ponto de falha do decote, levando a falas com o: “ adoro você, m as hoje estou com dor de cabeça” ou, ao contrário, “ só não foi perfeito por causa da dor de cabeça” . Outras variantes histéricas do fracasso do encontro, com o, por exem plo, culpar o Outro pela falha, poderiam ser citadas, m as já basta para indicar que se quiséssem os im aginar a lua-de-m el da histérica seria preciso nos contentarm os com as prelim inares.

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podem os tentar situá-los na neurose obsessiva. A m anobra do obsessivo é outra. Se a histérica joga com o decote, o obsessivo trabalha com o relógio. O obsessivo tam bém acredita que o m elhor existe, ele tam bém parte da prem issa do falo só que, para ele, o falo não está ao alcance da m ão. Para se chegar ao falo, há que se subm eter a toda um a série de provas, a um a ascese, um aprendizado árduo, longo e interm inável. Um dia, com portando-se m uito bem , pode-se chegar lá, m as para todos os efeitos esse dia não chega nunca. O falo se apresenta com o im possível. O relógio encarna essa regulam entação dos passos, essa idéia de pre-visão universal. A sessão é cronom etrada, o funcionam ento é calculado, existe um a lógica que deve ser conhecida nos seus detalhes para que qualquer tipo de encontro se dê. Desta form a, ou bem o encontro é postergado indefinidam ente, ou bem tudo acontece m ais ou m enos com o o previsto e não há verdadeiram en-te encontro.

O obsessivo é, retom ando nossa im agem , o anatom ista. Conhece a boca da am ada antes de aproxim ar-se dela. Ele sacrifica o infinito a que um beijo pode se abrir em troca da coleção de detalhes no cam inho que leva até ele. O roteiro da lua-de-m el, para o obsessivo, inclui um a visita, m eses antes, ao quarto, um a inspeção rigorosa para confirm ar se tudo estará a contento, o que pode ser repe-tido horas antes, m inutos antes e assim por diante. Seguem -se m il rituais, in-cluindo, eventualm ente o próprio ato sexual, até que ela durm a e ele diga: “acho que deu tudo certo”. Vem os que, apesar do acontecido, é com o se o sujeito não estivesse ali.

Darian Leader sintetiza a sim etria entre a histérica e o obsessivo, que acaba-m os de delinear e que deve acaba-m anter-se seacaba-m pre precária, da seguinte foracaba-m a: a histérica é alguém com quem volta e m eia acontece algum a coisa; o obsessivo é um a coisa para quem volta e m eia acontece alguém ( cf. LEADER, 1998, p.69) .

DO TEATRO

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dizer que está num a espécie de tensão entre os dois. Isso no entanto, explicita-se bem m elhor se, a partir de Lacan, situarm os o objeto no olhar do público.

Se não houver público, não há teatro. O jogo do m ostra-esconde se sustenta porque alguém ou algo o observa. Podem haver objetos ocultos nos bastidores, m as o im portante é o invisível e não o oculto. Esse olhar, porém , nunca será posto em cena sob pena de fazer ruir a representação, pois ele estrutura e m an-tém essa cena desde que nela não se inscreva.

Um dos cam inhos explorados pelo teatro m oderno é trazer os bastidores para a cena, tentar nos fazer cúm plices do diretor, do roteirista, enfim , fazer-nos crer que a verdade do teatro foi revelada. Isso se realiza, por exem plo, fazendo os atores entrarem em cena a partir da platéia. Não nos deixem os enganar por essa vertente histérica do teatro. Não é porque estam os em pleno jogo do m ostra-esconde que estam os tocando o real do teatro. Os segredos são com o o falo, se desdobram sem pre um pouco m ais além .

Apenas para prolongar o paralelo, com o seria um a vertente m ais obsessiva do teatro? Algo que se aproxim aria m ais de um teatro de m arionetes, onde não há bastidores, apenas m anipulados e m anipuladores.

Com nossa pequena álgebra lacaniana podemos retomar as indicações de Freud sobre a zona erógena e entender como os furos do corpo funcionam como uma abertura para o infinito, com o pontos de m istério, de pudor, de terror, m as tam -bém de gozo — algo que o saber anatômico, por exemplo, tende a esvaziar. Estes pontos podem ser muitas coisas: pintas, covinhas, umbigo etc. O que importa é que, um a vez a articulação com o infinito estando dada, eles funcionarão com o ponto de atravessam ento entre a m orte e a vida e serão lugar de gozo ( VIEIRA, 1999) .

Desse m odo, a ação ( e o desejo) se desenrola em torno destes pontos cegos da cen a erótica. Tu do acon tece desde qu e o objeto em si perm an eça invisível. É esse invisível que m antém tudo em funcionam ento. Em sua vizinhança estará o prazer, assim com o em seu desnudam ento o horror ( cf. LACAN, 1964/ 1988, p.169) . A dor, o traum a e a angústia estarão em estreita relação com um a apre-sentação do objeto com o separado do corpo, desaninhado. A tristeza, por outro lado, não está vinculada a um a perda na im agem narcísica m as à sua desestrutu-ração ( cf. VIEIRA, 2001, p.180) .

A CENA DO DES EJO, HOJE

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subir ao palco. Isso é um a m aneira de reforçar o lugar do público. Nestas situa-ções rim os da estranheza de um elem ento da platéia ter se tornado protagonis-ta jusprotagonis-tam ente para nos reconforprotagonis-tarm os com o fato de que continuam os ali, invisíveis espectadores... Quando falo em trazer o público para o interior da cena, no nível conceitual em que estam os, após term os destacado o objeto a, devem os entender um a subversão tal que nada fique em seu lugar, algo que só um Beckett dá a m edida, com relação ao objeto voz, por exem plo, em Eu não ( cf. REGNAULT, 2001, p.145) .

Em term os gerais, se alteram os esse regim e, essa articulação cena/ bastidores, haverá o fim do desejo assinalado pela angústia. Se o objeto a vem à cena, ela tende a im plodir porque é na invisibilidade do objeto que se sustenta o jogo do m ostra-esconde. O cinem ão norte-am ericano sabe disso e não põe nunca em cheque este estrutura tríplice da narrativa. É na cena que tudo acontece, que as m aiores em oções se produzem . Desde Aristóteles, a identificação catártica com o herói supõe que tudo esteja em seu lugar e, sobretudo, que nosso lugar, de olhar que sustenta a cena, não apareça ( cf. REGNAULT, 2001, p.79) .

Mantendo-se as regras aristotélicas, o film e é eletrizante. Fica chato, fica “eu-ropeu”, quando se tenta situar nos confins da cena, quando se tenta trazer o objeto a para a cena. Essa exploração dos lim ites do representável não ocorreu só no m undo do cinem a e do teatro. Antes m esm o do term o “pós-m odernidade” de Lyotard, o século XX esm erou-se em explorar o que aconteceria se rom pêssem os com a estrutura básica da cena, não apenas da cena erótica, m as da estrutura básica da representação, explorando situações em que haveria, por exem plo na pintura, tela sem perspectiva, tela sem im agem , im agem sem tela e assim por diante. O m esm o na m úsica e no teatro.

Essa interrogação sobre os lim ites da representação funda-se na hipótese da presentificação de um real sem im agem , irrom pendo em plena tela e im plodindo-a. Neste ponto assenta-se a valorização da idéia, de tonalidade budista, de um a irrealidade geral do m undo, que film es com o Matrix buscam traduzir.

Esta im plosão da representação é retom ada, pelos inúm eros participantes do debate de diversas form as, m as há um razoável consenso em reconhecer seu efeito de fragm entação e de platitude. A pós-m odernidade é plana, sem profun-didade ( cf. ZIZEK, 2001, p.11-14) .

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Proponho que se coloque a questão da seguinte m aneira: É possível que o objeto tenha se tornado visível? Isso im plicaria em instabilidades radicais na estruturação do im aginário do corpo? Creio que desta form a retom a-se o debate sobre o contem porâneo em bases m ais diretam ente clínicas. Mantem os, assim , o foco sobre as incidências da fragm entação generalizada da cena, no âm bito da cena erótica.

O S EIO DE HOJE

Som os levados atualm ente a adm itir grandes perturbações na dinâm ica cena-basti-dores-público no que tange ao corpo. Tem os corpos m anipulados a tal ponto que o objeto parece ter saído de seus recônditos vindo a se m aterializar no exterior.

Tom em os um exem plo eloqüente a partir de um objeto clássico da psicanáli-se, o seio. Com o, a partir do nosso esquem a, poderíam os situar o objeto a com relação ao seio? Vam os pensá-lo com o certo tônus. O seio teria determ inada energia, um a firm eza viva difícil de apreender e que, no entanto, um a vez deixa-da de fora, faria dele ou bem um a estátua ou bem um a coisa indesejavelm ente flácida. Haveria, assim , o seio que vem os, i(a) , a im agem do seio ideal sem pre ausente, ( -ϕ) ou em algum outro lugar ( em um film e ou sob o decote de um a deusa) e, finalm ente, este “tônus” real, a.

Ocorre que hoje há o silicone. Este tônus, que estava lá e que não podíamos ver, não podíamos pegar, agora se compra e se leva para casa. Não era para ser assim. Havíamos chegado à conclusão de que se o objeto viesse à cena, seria o fim de tudo. Apóio-m e aqui em um a tese fundam ental sobre nossos dias, elaborada por Miller, em seu sem inário O Outro que não existe e seus comitês de ética. Ali, Miller assinala um a nova articulação, um a m udança de prevalência ao colocar o ideal com o subm etido ao gozo do objeto. No nosso exem plo, isto se traduz com o um a m a-neira de apresentação do objeto que é nova, não m ais a partir do -ϕ, não m ais sob o brilho fálico, pois seria um contra-senso tom ar o falo, essencialm ente evanescente, com o m odo de abordagem de algo que pode ser com prado e acres-centado ao corpo. O seio era feito de um ideal ( -ϕ) que delim itava o acesso ao real do objeto i( a) . Tínham os acesso a a através de -ϕ. Agora podem os supor que o ideal “ vem de brinde” com a aquisição do objeto em vez de pautar nosso acesso a ele. Miller ( 1997) o escreve da seguinte m aneira: I> a.

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NOS S OS DIAS

Um a m aneira ligeiram ente distinta de formular esta tese, e que vem com plem entá-la, é proposta por Jacques-Alain Miller em seu sem inário anterior, A fuga do sentido. Ali afirm a que o im aginário e o sim bólico estão justapostos. Onde havia o im agi-nário com o im agem ideal do falo, sem pre ausente por obra do significante, ago-ra se encontago-ra um a im agem chapada, que se apresenta com o se fosse real.

Deixem -m e explicar.

Basta pensar em um a m ulher ideal, na capa da Playboy. Essa im agem tem vida porque sou capaz de decom pô-la em seus traços significantes. Posso im aginar que ali, no cantinho dos olhos, aparecerão am anhã pés de galinha, posso agir sobre o todo de sua bela im agem alterando aqui e ali. Justam ente porque posso decom por a im agem , ela tem vida. O im aginário sem o sim bólico é inerte, pura estátua. Dessa form a, se o sim bólico está afogado pelo im aginário, term os im a-gens chapadas que, por essa razão, se apresentarão com um a fixidez real.

É preciso notar que o im aginário, aqui, opera de outra form a que no narcisis-m o freudiano, enarcisis-m que ele é regulado pelo falo. As narcisis-m ulheres não estão preocupa-das em ser m ais belas que a vizinha e sim em se tornar a im agem chapada de um objeto coletivo. É o que escrevo com o i—a. Dessa form a tem os que: quando I> a, então i-a,o objeto é im aginarizado de m aneira rígida. O silicone não é o real em si, m as um a im agem fixa do real. A tese não é a de que o m undo está m ais im aginário ou m ais real, m as sim que im aginário e sim bólico se apresentam com o um a coisa só. A conseqüência é que as im agens “se chapam ” e o objeto parece realm ente ao alcance da m ão.

Isto explica m uita coisa, por exem plo, porque as guerras hoje parecem m ais im aginárias do que reais. A Guerra do Golfo foi um m arco nesse sentido. Quando o hom em pousou na lua, no interior se dizia que tudo aquilo era ‘invenção da televisão’. Podíam os rir porque é óbvio que era verdade. Alguém nos garantia que aquilo era verdade, havia um a ordem instituída, significantes-m estres. Hoje, acontece a guerra e é das coisas m ais difíceis decidir o quanto consideram os verdade o que vem os.

Voltando ao silicone, podem os agora acrescentar que ele é o objeto a tornado m ercadoria, tornado bem de consum o. Essa é a m anobra, esse é o m ínim o de “i” que, chapado sobre o objeto, nos protege do seu real angustiante. Não m e en-contro com o objeto em sua plena potência real, m as sim com o o real tornado m ercadoria. É m ais ou m enos o que acontece no caso do Viagra. Ali, é a potência do real do gozo tornado pílula. Não deixa de ser um a ficção, um a proteção, pois ali com partim entou-se, localizou-se o real. Com o se vê, não estam os em tem pos do gozo desenfreado, m as do gozo m ercantilizado.

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cena. A tristeza é um a dor em cena, que depende de toda um a m ontagem im agi-nária, especialm ente da im agem do ser que perdeu algum a coisa. Não é com o a angústia que parece perturbar toda a estrutura do teatro. A tristeza acontece na cena. A dor encenada, essa sim faz sofrer. O teatro, nesse ponto de vista, não é um lu gar o n d e se p ro d u zem falsas tr istezas p ara esq u ecer m o s as tr istezas reais. A tristeza do teatro é m ais real ou quase tão real quanto a tristeza da vida.

ANALIS A- S E, HOJE?

Sem estender a discussão, inteiram ente em aberto, sobre as m utações do Outro de nosso tem pos, gostaria de concluir exam inando suas incidências sobre o re-gistro clínico da tristeza. Afinal, ela já não é m ais a m esm a. Mostra-se m enos convincente e pessoal, adquirindo um registro de universalidade sem subjetivi-dade assinalada pela generalização da depressão. A angústia, com panheira habi-tual da tristeza, tem sua essência de sinal, recriação ponhabi-tual de um perigo real, m odificada. Ganha contornos expandidos e esm aecidos, no estresse, e abruptos e localizados, no pânico. O traum a, por sua vez, passa de algo localizado no passa-do a apresentar-se no cotidiano com o lesão a ser reparada, tal com o nos proces-sos de reparação financeira dos danos causados por especialistas.

Registro, assim , duas m udanças essenciais. A prim eira é a generalização da depressão. Aquilo que era bem localizado, conhecido, tocante, perde um pouco dessa força porque a estrutura da cena, em nossos dias, se perturbou. A cena já não está tão bem estruturada, logo, as em oções não serão tão tocantes. É o que se dem onstra com a idéia da depressão generalizada, m enos localizada e m ais m a-nipulável.

Com a angústia ocorre o inverso. A angústia, que era generalizada, não m uito localizável, virou um a entidade, o estresse pós-traum ático ou a síndrom e do pânico. Operou-se então quase um a inversão: antes havia a angústia existencial e a tristeza, tocante, localizada. Hoje, vem os um a tristeza difícil de localizar, apa-rentem ente m eio artificial e a angústia recortada com o ataque e passível de trata-m ento.

O que se perde aí é um enigm a, que vam os ter que recriar sem fazer apelo ao ideal. A aposta é que há enigm a porque há sem pre um a distância entre a tristeza que se experim enta e o que se pode falar dela. É nessa distância que opera o analista. Entre os adolescentes, com seu discurso em pobrecido, a m etáfora uni-versal e única hoje é “parada”. Não é das m ais m etafóricas, m as continua tendo valor de m etáfora. Isso só nos exige que sejam os m enos repetitivos, que produ-zam os um a “parada” a m ais.

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reintroduzir neste tipo de contexto, à força, o jogo histérico do decote. Se existe a possibilidade, m esm o que im aginár ia, de adquirir o objeto, em que recobri-lo com a suposição fálica de um m elhor objeto em outro lugar desen-cadearia o desejo?

Por hora, vale a aposta de que m esm o nestes casos o objeto nunca está ali, real, ao m enos não tanto com o quando se apresenta na dor da perda de um ente querido. Ele m antém -se recoberto por um m ínim o de aparato fantasístico, um m ínim o de ficção ( sem ela, com o desejar?) . Apostando na função da ficção com o condição do desejo, o analista talvez possa orientar-se em m eio às encarnações contem porâneas do objeto para poder suscitar sua inclusão da form a com o a análise a concebe: nem com o o falo perdido da histérica, nem com o a série infinita de bens de consum o, nem com o o dem ônio dos exorcistas atuais, nem com o o m edicam ento que apaga a dor dos m édicos, m as sim , em operação aná-loga à da construção freudiana, com o ponto de fuga que dá nova perspectiva para a cena e redesenha um destino.

Recebido em 2/ 9/ 2004. Aprovado em 11/ 4/ 2005.

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