\
o
DISCURSO EDUCACIONAL
DO MARANHAO NA PRIMEIRA REPÚBLICA:
~
-
-UMA ANALISE DE CONTEUDO
BEA'.i:RIZ ~TINS DE ANDRADE
Tese submetida corno requi
sito parcial para a obten
ção do grau de Mestre em
Educação.
RIO DE JANEIRO
Fundação Getúlio Vargas
Instituto de Estudos Avançados em Educação
Departamento de Filosofia
A KENARD
esposo e amigo
apoio de todas as horas
111
AGRADECIMENTOS
Devo agradecimentos a uIT.a serie de
que, com seu incentivo ou ajuda, de alguma forma
ram para a realização deste trabalho.
pessoas
colabora
Na impossibilidade de nomear todas, menciono
algumas, fazendo-as representantes daquelas que omiti.
Meus agradecimentos sinceros:
Ao Magnífico Reitor Jose Maria Cabral Marques
e
ã
Pro-Reitora de Ensino e Pesquisa, Margarida MariaRêgo Barros Pires Leal, da Universidade Federal do
do
Mara
nhão, po~ me haverem possibilitado
para a execução desta pesquisa.
-
.
a necessar~a liberação
Ao professor Jomar Moraes, pesquisadcr
sãvel, pela sugestão inicial do tema e pela ajcda na
ta de alguns dados fcndamentais.
incan
cole
À professora Maria Ângela Vinagre de Almeida,
orientadora e amiga, pela pertinência dos críticas feitas
e pela expressão constante de apoio, respei~n e estímulo no
decorrer do trabalho.
Às professoras Circe Navarro Rivas e Nelly
Aleotti Maia pela confiança em mim depositada, aceitando
participar do exame desta dissertação antes de conhecer o
seu teor.
Aos professores do IESAE que, no dia a dia do
curso, me ajudaram a crescer intelectualmente e
nas descobertas iniciais.
IV
gicos, desacreditando-o dessa forma. Atu
almente, grupos com quaisquer
pontos-de-vista usam esta arma contra todos os de
ma~s. Corno resultado, estamos ingressa~
do em uma nova epoca do desenvolvimento ~n
telectual e social".
Karl Mannheim, "Ideologia e Utopia".
Esta pesquisa, a partir do pressuposto de que
na sociedade maranhense da Primeira Republica j~ existia
uma divisão social de trabalho definida, em que as classes
dominantes detinham o conhecimento, criando uma distribui
ção de saber que legitimava a distribuição na esfera do po
der, empreende a reconstituição historica da sociedade da
época bem como do seu sistema educacional, no sentido de
contextualizar a análise do discurso de alguns intelectu
ais maranhenses, procurando mostrar o seu caráter eminen
temente conservador e o seu comprometimento com o poder
de Estado, na medida em que veiculavam a ideologia oficial
e provocavam a alienação das massas.
Este estudo tenta mostrar ainda como a educa
ção foi se tornando, com o advento da Republica, cada vez
mais importante em sua função adicional de reprodutora das
estruturas de poder e como a escola já objetivava,
naque-la época, inculcar a ideologia das cnaque-lasses dominantes e re
produzir as diferenças sociais entre os individuos.
,
Departing from the viewpoint that the Mara
nhense society of the First Republic knew a well - defined
social division of work in which the dominant classes deli
berately detained knowledge in the sphere of power, this
paper undertakes a study of the historical reconstitution
of society of the times as well as its educational system
~n an attempt to contextualize the analysis of discourse
of several Maranhenses intellectuals, clarifying their em~
nently conservative character and pointing out their com
promise with the structures of po~er of the State ~n their
attempt to transmit the official ideology; and in so doing
provoke the alienation of the masses.
with the advent of the Republic, education be
carne increasingly important in its role as reproductor of
the structures of power, as inculcator of the ideology of
the dominant classes and as breeder of social differences
between individuaIs. These concepts are discussed and ana
lyzed in the following thesis.
1. INTRODUÇÃO 1
1.1 - Justificativa da pesquisa . . . 1
1.2 - Formu1aç~0 dos objetivos . . . . 1.3 - Estruturaç~o da pesquisa e procedimentos m~ todo 1 ~g i co s . . . 3
1 . 4 .- R e f e r e n c i a 1 t e ~ r i c o . . . 6
2. RECONSTRUINDO A REALIDADE SÓCIO-ECONÔHICA . . . 13
2.1 - Da colônia . . . 13
2.2 - Do Imperio . . . 18
2.3 - Da República . . . 25
3. RECONSTRUINDO A REALIDADE EDUCACIONAL . . . 41
3.1 - Dos jesuítas ao sistema de ensino repub1ica-n o . . . • . . . • . . . • . • . . • . • • . • • . • . • . . • • .. 4 1 4. ANALISANDO O DISCURSO EDUCACIONAL . . . 70
4.1 - Preâmbulo . . . 70
4.2 - E ducaç~o
f
Teoria . . . 704.3 - Educaç~ofSociedade . . . 87
4.4 - Educaç~ofPoder . . . • . . . 105
4.5 - Educaç~ofIdeo10gia . . . 121
5. CONCL USAO . . . 139
6. OBRAS ANALISADAS . . . • . . . 144
7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA . . . 150
1 - INTRODUÇÃO
1.1 - Justificativa da pesquisa
Nos últimos anos, a preocupaçao com a
-
educaçao brasileira é evidenciada por inúmeros estudos que vem
sendo realizados em todos os setores, buscando explicar os
desajustes referentes
ã
atividade educacional no Brasil.Apesar desse esforço louvável, empreendido so
bretudo através de pesquisas fomentadas pelos cursos de
Pós-Graduação em Educação do pais, restam muitas zonas in
tocadas, grandes espaços em branco, que ainda não despert~
ram o interesse dos estudiosos.
No Maranhão, por exemplo, sobretudo no peri~
do que este trabalho pretende abranger - 1889-1930 - nenhum
estudo de caráter histórico-filosófico havia sido
no sentido de conhecer o pensamento educacional tal
feito
como
se encontrava expresso em textos, oficiais ou não, de inte
lectuais da época. E embora muitos deles tenham seus nomes
consagrados em praças, 2venidas, ruas ou Colégios de são
Luis, como e o caso de hnt~nio L;bo, Benedito Leite, Mag~
lhães de Almeida, Godofredo Viana, Herculano Parga, Barba
sa de Godóis ou Rosa Castro, são quase totalmente desconh~
cidos pelas novas gerações. Dessa forma, o que fizeram ou
o que escreveram sobre educação, nesse periodo, permanecia
no limbo, aguardando que ;lguem se aventurasse a descobri
-los, desvendando a sua real intencionalidade, a sua pr~
posta prática concreta e a sua influência no todo social
da época.
Problemas cronicos, que angustiam pela sua
permanencia e insolubilidade ao longo dos anos, como o do
analfabetismo ou semi-analfabetismo de grande parte da p~
pulação, o baixo nivel do ensino ministrado, ou ainda, o
da separação escola-povo, certamente têm suas raízes no
,.
apresentavam naquele periodo, o que se pensava a
.
respeitoe que medidas foram tomadas para solucioná-los.
Neste sentido, tentou-se elucidar pontos es
senciais da formação histórico-cultural maranhense num es
forço revisionista que, embora fragmentário e pontilhado
de óbvias limitações, foi lastreado em sistemática e farta
documentação, resultando nesta pesquisa que, ao trazer a
luz a problemática educacional da epoca e as soluções ten
tadas para resolvê-la, ao desvendar ensaios e acertos do
passado, estará, certamente, contribuindo para reavivar a
memória nacional e para evitar que se venha a repetir no
futuro os mesmos erros cometidos em outras epocas.
1.2 - Formulação dos objetivos
A preocupaçao com a educação, com as
de ensinar e aprender, so se manifesta quando o povo
-ge um estágio social mais desenvolvido. Como afirma
dão:
"Somente quando o povo enfrenta~ por exerrrplo~
a questão da divisão social do trabalho e~
portant03 do poder3 é que ele começa a viver e a pensar como problema as formas e os pr~
cessos de transmissão do saber" 1
formas
atin
Bran
o
fato de se escrever e publicar trabalhos sobre educação ou destinados a educar, numa sociedade como a
do Naranhão, na Primeira República, co; prova o grau de evo
lução sócio-econ;mica desse Estado onde a escola certamen
te já funcionava como fator importante de definição da di
V1sao social de trabalho. Este fato, evidente nos dias
atuais, tem por base a ideia de que, aqueles que concluem
os cursos escolares e recebem o diploma final são os mais
aptos porque herdeiros de uma parcela da cultura conecta
e, portanto, com legitimidade garantida para o exercício
do poder sobre a maioria da mão-de-obra sem qualificação.
Nesse sentido, pressupos-se que, em se tratan
do de uma sociedade onde já existia uma divisão social de
trabalho definida, nela as classes dominantes detinham o
conhecimento criando uma distribuição de saber que legit!
mava a distribuição já existente na esfera do poder.
Desse modo, importava descobrir através dos
textos: Como os seus autores cumpriam a função de agentes
de hegemonia, e como, nas condições históricas daquela de
terminada formação social, se apresentava o aparelho esco
lar na sua tarefa de reprodução da ideologia dominante.
Assim, o objetivo fundamental desta pesquisa
foi tentar conhecer, através de textos de intelectuais, o
discurso educacional do Maranhão, na Primeira República,
analisando:
- o seu comprometimento com o poder
cido e com o sistema político vigente;
estabele
- a sua conexao íntima com o meio social, na
medida em que servia
ã
reprodução das desigualdad~existentes;
- a sua contribuição no reforço e
de valores, crenças e, em última instância, da
das classes dominantes.
inculcação
ideologia
1.3 - Estruturação da pesquisa e procedimentos metodológi
cos
Como a educação e parte integrante do todo so
cial, somenté captado por suas determinações economico-so
ciais, e considerando também que os fatos e os fenômenos têm
um movimento interno que provem deles mesmos e um movimen
cluiu-se que tratar isoladamente o fato educacional, sem
levar em conta o conjunto de suas relações com os demais fe
nomenos, seria priva-lo de sentido, de explicação e mesmo
de conteúdo.
Dessa forma, esta pesquisa, que recebeu o t i
tulo de O discurso educacional do Maranhão na Primeira Repú
blica uma analise de conteúdo, constou de três etapas
fundamentais. Na primeira, tentou-se reconstruir o contex
to social da epoca, considerando-se os
cos e econômicos bem como as condições
dados sócio-politi
e acontecimentos his
tóricos que possibilitavam a compreensão da
educacional em sua totalidade.
problemática
Na segunda, com base em textos oficiais
sagens e relatórios de governadores e secretarios de
(men
Esta
do) da epoca, ensaiou-se refazer a situação da educação no
Estado pelo interrelacionamento dos fatos educacionais com
os elementos históricos ja conhecidos, na busca de uma ex
plicação satisfatória às contradições detectadas.
Na terceira etapa, empreendeu-se a analise de
conteúdo contextualizada de livros e artigos sobre educa
çao, previamente selecionados,de intelectuais maranhenses.
A seleção dos textos obedeceu aos seguintes
criterios: serem de autores maranhenses; terem sido escri
tos no Maranhão; versarem sobre educação e terem tido re
percussão e influência em sua epoca.
Para a consecução dos objetivos da
foram observados os seguintes procedimentos~
pesquisa,
- levantamento em arquivos e bibliotecas das
publicações sobre educação de caráter oficial
tas no Maranhão, no período delimitado.
-ou nao, fei
- leitura e seleção dos textos, levando-se
em conta nessa seleção, além dos criterios ja estipulados, a
- levantamento dos dados sócio-políticos e
economicos do período que permitissem a compreensao da pr~
blemática educacional em seu respectivo contexto.
- interpretação dos dados levantados, coteja~
do-se fatos educacionais e fatos sociais, num interrelacio
namento sistemático de acordo com a linha traçada para
trabalho.
o
- análise da matéria educacional obtida em to
dos os seus detalhes, em suas diversas formas de desenvol
vimento com vistas a responder às questões básicas formula
das para a orientação da pesquisa, tais como:
-Quais as teorias a que se poderia vincular
os textos selecionados? Quais as influências externas (de
outros países) mais evidentes neles?
-A que solicitações da sociedade (brasilei
ra/maranhense) eles respondiam e de que forma explicavam es
sa sociedade?
Em que medida refletiam os valores da clas
se dominante e expressavam as relações de poder presentes
na sociedade da época?
No sentido de melhor cumprir a etapa referen
te à análise do discurso, pensou-se, de início, exam1nar se
paradamente cada texto, expondo as várias linhas de pens~
mentos individuais. Considerando, no entanto que o homem
reflete em sua açao o contexto sócio-políticn e
econom1-co em que está inserido e econom1-considerando que o pensamento
educacional de uma época não é o pensamento deste ou daqu~
le educador, deste ou daquele grupo de intelectuais, desta
ou daquela parcela da sociedade, mas uma combinação de to
dos estes elementos que culminariam em uma determinada dire
çao no sentido de tornar-se norma de ação coletiva, ativi
dade pratica em seu conjunto, julgou-se mais adequada a or
ganização da pesquisa a partir de temas que contivessem as
diversas concepções levantadas, com base nas indagações
J
I
I
~
i ! I ! ~i
1
,I
J
\
tese final.
Com fundamento nas respostas obtidas, os te
mas foram reunidos em quatro tópicos, que expressavam as
principais relações encontradas: Educação/Teoria, Educa
ção/Sociedade, Educação/Poder e Educação/Ideologia.
Dentro do primeiro item, foram agrupadas as
idéias em torno das concepções de educação procurando-se a
vinculação delas com sistemas teóricos vigentes no
do.
perí~
No segundo item, foram reunidas as idéias so
bre educação e sociedade buscando-se descobrir, através
dos textos, a conexão íntima da escola com o meio social e
as formas como ela colaborava na reprodução do mesmo.
Para o terceiro item foram levadas em conta
as indagações sobre o comprometimento do texto
ou do sistema escolar com o poder estabelecido
(do autor )
ou com o
sistema político vigente, tentando-se verificar como ex
pressavam as relações de poder presentes na sociedade da
epoca.
Finalmente, no último item, mereceu especial
atenção a relação educação/ideologia, vendo-se do ponto
de vista da praxis, qual a contribuição do sistema educa
cional da época para o reforço e inculcação da ideologia
das classes dominantes.
É importante lembrar que, embora tenham
organizados separadamente com o fim de facilitar a
sentação do trabalho, hi uma profunda interpenetração
sido
apr~
dos
temas que anula qualquer tentativa de tornar estanques suas
partes.
1.4 - Referencial teórico
Embora se tenha ao longo do trabalho
tado o instrumental teórico utilizado na leitura,
explici
,
e interpretação dos textos, acreditou-se necessario,ã gul
sa de esclarecimento, apresenta-lo formalmente em seus po~ tos fundamentais, na medida em que se conceitua a termino
logia basica empregada.
2
A partir do pensamento de Carr de que a His
tória consiste essencialmente
olhos do presente e ã luz dos
em ver o passado através dos
seus problemas, e sabendo
que a História é o passado e o presente é o novo, p~de-se
concluir que quem ignora a História, esta desprovido dos
elementos essenciais para o julgamento do presente, Ja que
.
-no passado estão as raízes do presente. Novo só faz sentido quando se contrapõe a velho, podendo-se dizer então que
melhor conhece uma situação modificada quem conheceu a si
tuaçao anterior.
Assim, o relacionamento presente/passado pe~
meou todo o trabalho, no qual se procura compreender os me
canismos pelos quais a educação se revela fundamental no
capitalismo, nao só a nível ideológico mas também a
concreto das relações econômicas que fundamentam a
dade.
sendo
-nível
socie
estu
dadas, nao
Como os homens,
foram indivíduos
cujas açoes estão
isolados agindo no vacuo, mas
atuaram num contexto e sob o estimulo de uma determinada
sociedade, cabe entender que é a partir da atividade huma
na, a partir do seu processo de vida real que se represe~
-ta o desenvolvimento dos reflexos
lógicas.
e das repercussoes ideo
Os homens pensam tendo como base aquilo que
fazem e o modo mediante o qual se relacionam neste fazer
Daí porque as relações de produção (ou seja, as relações
dos homens com as coisas e dos homens entre si) sejam apr~
*
sentadas por Marx como o fundamento da estrutura sendo,
a seu ver, sempre relações sociais e estas, na sociedade ca
pitalista, relações de classe.
Por sua vez as relações de produção sao o fun
damento das relações de propriedade com seu sistema de
leis e de instituições jurídicas que ocasionam a divisão
da sociedade em classes, divisão esta que decorre das rela
ções de propriedade.
Vale considerar ainda que os indivíduos quaE.
do nascem já encontram delineada a sua posição na vida bem
corno a forma do seu desenvolvimento pessoal, agrupando-se
em urna classe, não so para se ajudarem mutuamente, mas p~
lo fato de terem de travar urna luta comum contra urna outra
classe.
A reprodução das relações de produção e asse
gurada pela superestrutura jurídico-política e ideologica
e e nas formas e sob as formas da sujeição ideológica que
e assegurada a reprodução da qualificação da força de tra
balho.
Assim, a estrutura social e o Estado resultam
do processo de vida de indivíduos determinados e da forma
corno eles atuam partindo de bases, condições e limites ma
teriais determinados e independentes de sua vontade.
o
Estado, no sistema capitalista, surge corno"máquina" de repressão que permite às classes dominantes
assegurar a sua dominação sobre a classe op~rária e
elemento de coesão dos diversos setores da sociedade.
corno
Embora considerado corno o aparelho central de
poder, cumpre, no entanto, lembrar, apoiados em Foucault,
que o "0 poder não
é
um objeto naturaZ~ uma coisa;é
uma prática sociaZ
e~
comotaZ~
constitu{da historicamente". 3Em outras palavras, o poder nao esta situado
nos níveis de estrutura ou num determinado nível de estru
tura, mas e um efeito do conjunto desses n~ve~s.
..
.
"0 conceito de poder não pode assim ser apli cado a um n{vel
de
estrutura; quando se fala, por exemp lo,de
poder de Esta
do , não se pode indicar com isso o modode
articulação e de intervenção do Estado nos outros n{veis de estrutura, mas sim o poder de uma classede
terminada, a cujos interesses o Estado corres ponde, sobre outras classes sociais" 4
Nesse ponto, há que considerar que a classe
que tem o poder material numa dada sociedade é tamb;m aqu~
la que domina espiritualmente, pois se dispõe dos meios de
produção material, dispõe, igualmente, dos meios de prod~
ção intelectual, o que faz com que seus pensamentos
também os pensamentos dominantes de sua epoca.
sejam
Resumindo, pode-se dizer que a realidade so
cial objetiva é constituída não somente por grupos humanos
unidos por relações recíprocas e com interesses comuns,mas
*
também por um sistema de idéias, a ideologia ,que expre~
sa esses interesses e que modela as atitudes e os comport~
mentos dos homens.
Assim a ideologia, no sentido em que e tomada
neste trabalho, e segundo Marilena Chauí:
"nasce para fazer com que os homens creiam que suas vidas são o que são em de~orrência
da ação de certas entidades (a Natureza, os deuses ou Deus, a Razão ou a Ciência, a Socie
*
Entende-se aqui ideologia como "o sistema de idéias que reflete omundo do ponto de vista de uma classe" (Sdrtre, Questão de méto
do, p. 45). Goldmann fundamenta a diferença entre ideologias e V1
sões de mundo no caráter parcial e deformador das primeiras e to
tal das segundas, vinculando "as visões de mundo às classes soci,..." ais ,enquanto possuam ainda um ideal visando o conjunto da
comuni-dade, humana, e as ideologias a todos os outros grupos sociais e
~s classes sociais em declínio, quando nada mais fazem senao de
dade, o Estado) que existem em si e
porsi e
às quais
é
legItimo e legal que se
submetam"~
sendo um dos meios, e o mais eficaz, usados pelas
dominantes para exercer a dominação fazendo com que
nao seja percebida como tal pelos dominados.
classes
esta
Chauí explica ainda que a ideologia, um cor
pus de normas e de representações encarregado de fabricar
a unidade social pela dissimulação das divisões internas,
so se torna possível, objetivamente, pelo fenômeno da alie
nação, isto e, pelo
"fato de que, no plano da experiência vivida
e imediata, as condições reais de
existência
social dos homens não lhes apareçam como
pr~duzidas
poreles, mas, ao contrário, eles se
percebem produzidos
portais condições
e
atribuem a origem da vida social
a
forças
ignoradas, alheias às suas, superiores e inde
pendentes". 6
Dessa forma, representando a realidade de for
ma invertida, a alienação, que pode ser considerada como
o pedestal da ideologia e entendida como processo de fabri
cação da universalidade abstrata, precisa ser ampliada ao
maximo e vivida e exercida numa sociedade, para que fun
cione como fonte de auto-preservação da sua classe dominan
te.
A tarefa de difusão da ideologia dominante e
da expansão das formas de alienação, cabe, sobretudo,
-
asinstituições sociais e delas a escola tem o papel prevale~
te suplantando mesmo a Igreja que tinha a primazia nas for
mações sociais pre-capitalistas.
Assim a escola, numa sociedade em que predomi
ne o modo de produção capitalista, que para se manter ne
cessita de uma instância educativa distanciada da produção
I
-.
trabalho manual, vem a desempenhar a função de Aparelho
*
Ideológico de Estado função essa definida e explicitada
por A1thusser que afirma ainda: "Nenhwna classe pode dur>avelme?!:..
te deter> o poder> de Estado sem exer>cer> simultaneamente a sua hegemonia sobr>e e nos Apar>e lhos I deo lógicos de Es tado" 7.
Corno o sistema escolar, enquanto Aparelho Ide~
lógico de Estado, e essencialmente aparelho de reprodução
de classes e de reprodução das relações de produção da so
ciedade de classes, tornou-se necessário, no corpo do tra
ba1ho, explicitar as formas que tornou o Estado no Brasil
bem corno a dinâmica das classes sociais peculiar
ã
sua formação social, urna vez que
e
dentro da articulação específica Estado-estrutura de classes, que se procedeu
ã
do papel da educação.
análise
Corno as relações de poder e as relações educa
cionais só se expressam na prática social que, corno tal,
são constituídas historicamente, foi preciso conhecer em
profundidade essa prática social a fim de apreender o seu
movimento e as suas conexoes internas.
-E para ver como a escola de fato opera, para
estudar a função dos sistemas de ensino ao nível ideo1ógi
co, fez-se necessário apreender como a escola colabora na
interiorização de toda urna pauta de distinções sociais,
que traduzem na linguagem da "sL!PeY'ioY'idade" e da
"infeY'ioY'i-dade
"3
o que s e s u s t e n ta, em Ú 1 t i m a in s t â n c i a ~ e m r e 1 a ç õ e s de força.*
A1thusser designa por Aparelho Ideológico de Estado a "um certo numero de realidades que se apresentam ao observador imediato sob a
forma de instituições distintas e especializadas". Enuncia sete de
las: o AlE religioso; o AlE escolar; o AlE familiar; o AlE
jurídi-co; o AlE polítijurídi-co; o AlE sindical; o AlE da informação e o AlE
cultural. (Louis A1thusser, Ideologia e Aparelhos Ideológicos de
I
,
REFER~NCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que
é
educação. são Pau2
3
10, Editora Brasi1iense, 1981, p. 16.
CARR, Edward H. O que
é
história? 2a. edição. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra S. A. , 1978, p.22.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janei
ro, Edições Graa1, 1979, p. XII~
4 POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais.
são Paulo, Martins Fontes, 1977, p. 96.
5 CHAUf, Mari1ena de Souza. O que
é
Ideologia. 2a. ed. são Paulo, Editora Brasi1iense, 1980, p. 87.6 Id. Ibid, p. 86.
7 ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos
de Estado. são Paulo, Livraria Martins Fontes, s/d.,
,
2 - RECONSTRUINDO A REALIDADE SÕCIO-ECONÔMICA
2.1 - Da Colônia
"Não podemos ter nesta geração a histó
ria definitiva, mas podemos dispor da
história convencional e mostrar
o po~to a que chegamos entre uma e
outra,
agora que todas as informações
estão
ao nosso alcance e que cada
problema
tem possibilidade de solução".
(Harry B. ActonJ
Estudar o processo educacional no Maranhão da Primei
ra República requer obviamente que se comece pela situação só
cio-política do Estado, que, por sua vez, remete ao estudo
da situação econômica, elemento fundamental para a
compre-ensao das contradições existentes, a qualquer desses ní
veis.
Como explicar, por exemplo, o subdesenvolvi
mento cultural sem explicar o subdesenvolvimento economi
co? E como explicar ambos, naquele período, sem buscar suas
origens mais remotas, a partir da estrutura colonial escra
vista? Daí a necessidade de conhecer a sociedade maranhen
se em suas diferentes etapas para tentar apreender as cau
sas dos avanços e recuos do Estado na totalidade do proce~
so evolutivo do País.
Durante a etapa colonial, quando o Brasil so
fria a intervenção da Metrópole Portuguesa, que mantinha
atraves de seus aparelhos jurídico-político e ideológico,a
exploração econômica do País, o sistema de dominação utili
zado era o chamado Pacto Colonial, que tantos males causou
ã
economia nacional.ra estava articulada ao setor internacional por praticas
mercantilistas. Essas praticas, que constituiam o Pacto Co
lonial, eram, segundo Manoel Maurício de Albuquerque: o mo
nopólio comercial, a organização de uma estrutura econômi
ca especializada e dependente, além de normas de coação
fiscal e privilégios econômicos e financeiros concedidos a
certas entidades, como, por exemplo, a Igreja. De modo mais
específico descreve o referido autor:
"0 MonopóUo Comercial era o elemento básico
para que se realizasse
oobjetivo
primacial
do expansionismo colonial nesta etapa
de
transição entre o Feudalismo e o Capitalismo.
A burguesia comercial metropolitana
detinha
o
controle da compra dos produtos coloniais,
embora nem sempre
ofizesse com exclusividade
devido a conjunturas especificas da Formação
Social Portuguesa; esse esquema
dominante
era completado com
oprivilégio da venda
na
Colônia dos produtos importados,
inclusive
os escravos africanos cujo tráfico
represe?:..
tava um dos setores de maior investimento
e
de reprodução e circulação de capital na eco
nomia da Co lônia" .
1Assim, a infra-estrutura economica do País,
nessa fase, era de uma grande simplicidade, ja que a terra
era a única força produtiva, da que derivava uma estrutura
social também extremamente simp1e~, que reunia de um lado os proprietários rurais e do outro a grande massa dos tra
ba1hadores despossuídos, fôssem eles escravos ou livres.
Em meio a uma população miserável de índios,
mestiços e negros escravos, os grandes proprietários pud~
ram assentar, numa base dominantemente escravista, a exp1~
ração rural: lavouras de cana, engenhos de aç~car e exten
r
"A diversidade das várias zonas econôrrricas em
que se divide o pais não altera
sensivelmen
te este quadro fundamental. Na extensa faixa
costeira, onde impera a lavoura açucareira, o
caráter da grande exploração é incontestável.
Na zona da pecuária, localizada no sertão
no~destino e que se estende do médio são Prancis
co ao Maranhão, o regime dos grandes
latifú~2
dios é t{pico"
Essa afirmação é ratificada por Tribuzi, quando diz:
"Durante o século
XVII,além da coleta de al
guns produtos extrativos, a atividade econômi
ca maranhense cifra-se na produção de açucar
e aquardente de cana e mandioca; e, na
pec~ria bovina, cujo efetivo, em
1750,ultrapassa
a população incorporada ao dom{nio
port~3
guês".
Em resumo, a economia maranhense, essencial
mente rural e dominantemente escravista no período coloni
aI, relacionava-se, através do setor mercantil português
ao mercado mundial em crescimento e no qual eram hegemônl
cas as formações sociais em transição para o Capitalismo na
Europa ocidental.
o
elemento capitalista do nosso·mercado nial era imposto de fora para dentro e efetivava-secolo
atra
vês dos mecanismos jurídico-políticos e econômicos dos me~
cados metropolitanos, que ditavam os modos de apropriaçao
e de expropriação e, portanto, de acumulação de
pré-capitalistas.
capital,
No Maranhão, como no resto do país, se produ
zia para exportar e não se exportava porque se produzia,
o que assinala a situação de dependência do Estado, sobre
tudo, se forem levadas em conta as proibições,
da Metrópole, do cultivo de diversos produtos
por parte
f
de práticas extrativistas como a exploração de salinas e
mesmo de atividades artesanais e manufature iras que não in
teressavam a Portugal.
Por tudo isso e também devido
ã
escassez de mão-de-obra, a economia maranhense, até o século XVIII,foitotalmente incipiente e, como ressalta Tribuzi:
"0 Maranhão só
passaa constituir-se reaZida
de econômica
ponderável~no contexto colonial
português~
quando
oMarquês de Pombal decide
criar condições objetivas de
expansão~ atr~vés da Segunda Companhia Geral de Comércio do
Grão-Pará e Maranhão
(1755)~cujo
monopólio
mercantil era condicionado a r{gidas
exigê~cias de suprimento de mão-de-obra
escrava~implementos e insumos agPÍcolas e crédito aos
4produtores" .
Com esse estímulo, e com a ênfase dada
Metrópole ao cultivo do algodão, que alcançava bom
pela
preço
no mercado mundial, a economia do Estado se fortalece e en
tra em fase de expansão, provocando um rápido aumento
escravaria negra e a incorporaçao e utilização de
agrícolas de ma~or produtividade.
da
-areas
Como a evolução política segue passo a passo
a transformação econômica que se opera em todo o Brasil, a
partir do século XVIII, rompe-se o equilíbrio político do
regime colonial pelo choque das forças contrárias que assi
nalam a contradição fundamental entre o desenvolvimento do
país e o limitado quadro do regime colonial.
Prado Júnior diz muito bem:
"É
a superestrutura poHtica do Brasil-colônia
que~
já não correspondendo ao estado das for
ças produtivas e
a
infra-estrutura econômica
do
pa{s~se
rompe~para
dar
lugar a outras
f~cas e capazes de conter a sua evoZuçãO. A
re
percussao deste fato no terreno poZ{tico
a
revoZução da Independência -
nãO
é mais
que
o termo finaZ do processo de diferenciaçãO de
interesses
nacionais~Zigados ao desenvoZvi
-mento econômico do
pa{s~e
por isso mesmo dis
tintos.
·dosda·
méti'Ópo Ze -e con tronos
áe Zes ;,
~5
o
Maranhão, embora extinta a Companhia do Grão - Pará e Maranhão (1778) e diminuído o ritmo de progresso,permaneceu com uma situação econômica estável ate o Impe
rio, quando são Luís ocupava a quarta posição entre as ci
dades brasileiras, em população e importância, contribuin
do de forma notável para o erário da Corte e
"fornecendo
ao
Tesouro ReaZ mais tributos do que o resto do
Império~excetuadas
(aZ
gumas) provtncias brasi Zeiras"
6.Realizada a Independência - que para ser pe~
feitamente entendida tem que ser vista e analisada no am
pIo quadro do desenvolvimento da revolução burguesa no
Ocidente e na America - faltava ao Maranhão, reduto de le
aldade
ã
Coroa, desligar-se da Metrópole com quem mantinhaum contato mais íntimo do que com o resto do Brasil, o que
só veio a ocorrer em 28/07/1823, passando, então, oficial
ment~, a integrar o Imperio do Brasil como uma de suas pr~
~
.
Vl.nCl.as.
Alem do contexto polar senhor/e~cravo, basea
do no trabalho servil, em que se resumia a sociedade colo
nial, existia, agora, uma camada intermediária a que, so
bretudo o desenvolvimento do comercio dera extraordinário
impulso.
"Essa camada intermediária - a pequena
burgu~sia
precoce~que
é
uma das peculiaridades de
nossa formação social - constitui a área
em
que a cultura encontra clima e se
desenvol
ve".
?sia, aparecida no Brasil antes da burguesia propriamente
dita, uma dupla função veicu1adora: do ponto de vista polI
tico ela responderia pela transplantação aqui de reivindi
cações e postulações que constituem o núcleo da ideologia
burguesa em ascensão, e do ponto de vista cultural, respon
deria pela transplantação dos valores esteticos oriundos
do avanço da burguesia no Ocidente europeu.
Quanto às camadas populares, elas nao se
-
encontravam politicamente maduras para fazerem prevalecer
suas reivindicações, nem as condições objetivas do Brasil
eram ainda favoráveis à sua libertação econômica e social,
tanto assim que
"se fez a Independência praticamente
à
revelia
dopovo, e se isto lhe poupou sacriftcios também afastou
por
completo
sua participação na nova ordem polttica" 8
Na realidade, os movimentos de emancipaçao ti
nham por finalidade permitir que os agentes privilegiados
da economia colonial pudessem atingir os requisitos legais
e po1iticos de sua autonomia econômica.
Resumindo, pode-se dizer que, apesar do seu
comercio em expansão, de 1756 à abertura dos portos (1808),
e apesar da relativa estabilidade econômica mantida nas de
cadas seguintes, o Maranhão saiu do periodo colonial em
condições precárias, uma vez que a exploração da terra se
fazia por processos primitivos, a indústria não passava de
um paupérrimo artesanato, os transportes e comunicações
eram os mais rudimentares possiveis e a única forma de ener
gia empregada era a força humana e animal.
2 . 2 - Do Im p
e
r i oMuitos historiadores veem o per iodo
como uma transição entre o passado colonial e o
Imperial
presente
moderno constituindo-se, assim, numa das fases mais inte
ressantes para o estudo e compreensão da evolução brasi1ei
•
riormente,
Para Prado Júnior:
"A
significação histórica do Império se mede
pelo grau com que se fez a transfoY'mação
da
estrutura colonial para a moderna. A complexi
dade do Brasil de hoje, em que encontramos la
do a lado uma civilização moderna, que se em
parelha
à
dos povos mais desenvolvidos
da
atualidade e fOY'mas antiquadas que
sobraram
da colônia, explica-se precisamente pela his
tória do segundo reinado, onde se situa
em
sua parte fundamental e essencial,
oprocesso
da modificação social sofrida pelo pats"
9.A província do Maranhão, como j
ã
f o i d i to ante ocupava uma posição de destaque no contexto doImperio, não sã no plano econômico como no político e no
cultural. A respeito, assim se expressa Meireles:
"0 Império, repetimos, foi a Idade
deOuro do
Maranhão, não obstante quando em vez
os
aza
res da balança comercial, as altas e
baixas
inesperadas do algodão, não raro
provocadas
pelo "trust" inglês que
oexplorava e
monop~lizava causassem algum pânico
à
praça e arras
tasse um ou outro fazendeiro ou comerciante nz
~
10
cional, menos prevenido, a
bancarrota".E acrescenta, ao falar sobre a situação privil~
.,
.
giada da sua proY~nc~a:
" ... principalmente no Segundo Reinado, qua!!:..
do, como galardão maior, a força da inteligê!!:..
cia de seus filhos conquistou para ela
otttu
lo de glória com que se têm enobrecido as ge
rações subseqüentes -
ode A tenas do Bras i Z". 11
A sociedade mar anhens e da e po ca, in tegrada por
jovens educados nos melhores colegios e universidades euro
dores do Imperio), era cheia de preconceitos, mantendo uma
rigida divisão de classes e rivalizando a sua classe
nante em educação e bom gosto com a colônia inglesa,
estabelecida, e considerada esnobe e racista.
domi
ali
No entanto, apesar da relativa estabilidade fi
nanceira, a formação econômica maranhense, dentro do qu~
dro social e cultural do escravismo, sem a possibilidade de
elevar o seu padrão tecnológico nem de contar com um merca
do interno significativo, tinha o seu processo produtivo con
dicionado pelo mercado externo, que o obrigava
ã
monocul tura e o fazia balançar em ondas de prosperidade ou depre~são de acordo com as conjunturas internacionais.
Tribuzi refere que:
" o processo econômico do Impé-E-o no Mara nhão não sofreu até quase o final do século XIX mudanças qualitativas importantes. Conti nuou a basear-se na expansão quantitativa da massa da mão-de-obra escrava, na amp la dispo-nibilidade de terra e, posto que o rrKJnopólio comercial português da exportação tivesse ce!!.. sado e, conseqüentemente, a margem de apropria çao local sobre a renda gerada tenha cresci do, a produção pe lo mecanismo escravista con tinuava a ser definida "de fora" condição que lhe tornava altamente vulnerável a contingê!!:. cias internacionais de preços a que, bem ou mal, procurava ajustar-se sem conseguir, CO!!
tudo, livrar-se de seus efeitos negativos". 12
Politicamente tambem o Maranhão, com seus pr~
sidentes substituídos a cada queda de Ministério e a cada
oscilação partidária na Corte, não pôde contar em todo es
se periodo com uma só administração eficiente e realmente
proveitosa para a província, limitando-se os governantes no
meados a meras disputas partidárias ou a "responderem.pelo e~
pediente"; como tão bem definiu Meireles.
.JIII
que só o Maranhão, nos dezessete anos que compreendem o
primeiro reinado e as regências, teve dezenove presidentes,
e noventa e dois nos quarenta e nove anos do segundo rein~
do, incluídos os eventuais substitutos, o que permite o co
mentário do historiador maranhense: "Se~
naquele primeiro
PE..
rlodo
da monarquia~a média fôra de quase
um (presidente)
por ano~nes
t
a segun
das t.na para quase
uh ' ,do'
t.s
,,13 E a a f' ~rmaçao - d e que:"A história do segundo reinado no
Maranhão~afora as lutas do dualismo
polltico-parti~rio
entre conservadores e
liberais~é
quase
exclusivamente a enumeração cronológica dos
que se sucederam em
meses~às vezes em sema
nas e raramente em anos na curul governamen
tal"
14.Apesar de tudo, foi nesse período que se ini
ciou o soerguimento do baixo nível material legado pela c~ lônia, por efeito naturalmente, do desenvolvimento da Ciên
cia e da Tecnologia, a nível internacional. Rã uma evolu
ção sensível das instituições políticas e administrativas,
cabendo ao Império transformar o trabalho servil em traba
lho livre, de que a abolição do tráfico em '1850, foi o ato
propulsor da deflagração do processo, que viria causar de
sastrosas conseq~ências
ã
Província do Maranhão.A utilização da mão-de-obra escrava baixava
os custos da produção tornando-a concorrencial em relação
a outros produtos coloniais junto aos centros consumidores
externos, garantindo a continuidade e a reprodução do sis
tema econômico que sustentava a classe escravista no Bra
s i l .
Segundo Albuquerque:
"Dessa
forma~ oEstado Escravista Monárquico
reproduzia
osistema de classe pelo exerc{cio
da
dominação
da
ordem social vigente e dos ti
pos de exploração econômica que nele
se repr~para que tal sistema pudesse ser aceito pelo
conjunto social sem obstáculos maiores" 15
A Abolição, impondo a mudança radical nao
-
ap~nas da relação de propriedade mas também da estrutura eco
nômica, teve como efeito o estabelecimento de relações de
trabalho capitalista que desagregaram inapelavelmente as
velhas instituições monárquicas.
Com uma população de origem africana que che
gou a superar, embora de pouco, a dos senhores brancos, o
processo da Abolição no Maranhão, transformando radicalmen
te as relações de trabalho, encontrou despreparados senho
res e escravos, resultando numa desordem total do sistema
produtivo agrário, tanto que:
fI • • •
no próprio ano de
1888~a desvalorização
da fazenda agricola maranhense atingiu 90%
( ... ) Das fazendas afastavam-se os
senhores
com a mesma ansiedade com que os ex-escravos
deixavam os ranchos do seu cativeiro.
Estes
tinham horror do passado;
aqueles~medo
do
16
presente"
Não admira, portanto, que no Maranhão a liberta
ção dos escravos tenha provocado tais efeitos, uma vez que
o se~ sistema produtivo, sem nenhum recurso tecnológico m~
derno, somente através da mão-de-obra escrava, de baixo
custo de manutençao, tinha possibilidade de ,obter lucros.
o
Relatório da Associação Comercial do do, no ano de 1889, dizia, entre outras coisas:'~
safra do aç;car foi muito diminuta devido
ao abandono
da
maior parte dos
engenhos~só por falta de
braços~como também por
-nao
-nao
disporem os seus possuidores de meios necessá
rios para o devido custeio. Outro assunto
di~no de sérias ponderações se nos depara ao en
cararmos a desorganização sofrida pela lavou
ra
com a extinção do elemento servil. Os
li
bertos~
apenas decretada a patriótica Lei de
13
maio~tornaram-se rebeLdes a todo e
qual
quer ramo de
lavoura~abandonando-se
à
intei
ra
ociosidade. Quase todos os sistemas que
e~tão apareciam de contrato para regular o tra
balho da
Zavoura~foram sem proveito
aplica
dos pe los fazendeiros"
1?-Na realidade, desde 1870, vinha ocorrendo o ames
quinhamento da mais importante produção do período colo
nia1, o açucar, e a evo1uçao de outra monocu1tura bras11e1 "..
-
.
.
ra, o cafe. A partir daí, o norte se diversificou do sul,pois enquanto o primeiro, ao decrescer a produção, passou
a exportar sua mão-de-obra escrava para outras regiões, i~
c1usive o sul, o segundo, em franco progresso, já se previ
nia contra escassez de braço trabalhador estimulando a imi
gração europeia. Faoro confirma:
"Desprotegidos de crédito
territoriaL~os en
genhos vendem seus
escravos~perdendo a
prin-cipal garantia do
crédito~no prelúdio dos fo
gos apagados que tomaria conta da costa
nordeste~
no último quartel do sécuLo.' Enquanto
o café navega em vento
próspero~morre o açu
car~
destru{do pelo peso de sua
principal
18
força~
o escravo"
.
A todas essas transformações da estrutura eco
nômica e política do país, correspondem naturalmente pr~ fundas modificações sociais nas relações de classe e cate
gorias sociais, sua psicologia e modos de vida.
Com a formação de uma sociedade mais comp1~
xa, fruto de um crescimento demográfico considerável, em
que se amplia rapidamente a divisão de trabalho e em que
se torna possível a realização econômica de indivíduos iso
lados, há um aumento progressivo do poder aquisitivo e o
conseqüente desenvolvimento do mercado interno.
"Nessas
transfop,mações~a pequena
burguesia
e particularmente as suas componentes intelec
tuais~
desempenha papel de
destaque~abrindo
caminho~
como aguerrida
vanguarda~à
nascen
te
burguesia~que avança devagar e manobra em
retirada sempre que depara condições de
luta
mais exigentes. As transformações assinalam a
crescente complexidade social que decorre do
crescimento da riqueza e da amplitude que
o
poder po
U
tico deve as sumir"
19.o
país europeizava-se, segundo os modelos in gleses, subvertendo os hábitos lusitanos ate então dominanteso O desenvolvimento da cultura intelectual, o estabele
cimento de um ritmo de vida mais afinado com o momento in
ternacional e o maior contato com o mundo exterior acabam
por revolucionar completamente a sociedade brasileira nes
se curto espaço de meio seculo.
Para o brasileiro dessa epoca, ser moderno si~
nificava conhecer e adotar as ideias liberais que acentu~
vam o valor da ordem natural e da atividade particular. Nas
palavras de Faoro:
"Liberalismo poUtico casa-se haP<moniosamente
com a propriedade
rural~a ideologia a
servi-ço da emancipação de uma classe da túnica cen
tralizadora que a entorpece. Da
imuni~adedo
núcleo agrtcola expande-se a reivindicação fe
aeralista~
empenhada em libertá-lo dos contro
les estatais" 20.
O sistema politico do Imperio que fora organi
zado em função dos interesses escravistas dominantes re
presentava, agora, um obstáculo
ã
ascensão da burguesia e pequena burguesia.Assim, a ideologia liberal articulada aos p~
dos Unidos, contribuiu para produzir, no Brasil, a
gia republicana que pregava uma democracia total e
trita, capaz de legitimar o golpe militar de 15 de
bro.
2.3 - Da República
o
programa republicano, buscando darideolo
irres
novem
amplitu
de e florescência ao liberalismo econômico, foi, pouco a
pouco, integrando os grupos de interesses contrários a es
trutura de poder que a Monarquia mantinha.
Com a ajuda do positivismo, que encontrou no
Brasil uma acolhida muito maior da que teve na França, a
feição ideológica do país foi sofrendo profunda transform~
ção. Atraves da palavra de Benjamin Constant, professor de
Matemática na Escola Militar, um dos maiores sectários de
Augusto Comte no Brasil, as novas ideias penetraram nas
Forças Armadas, que, condensando as contradições
tes, as exigências de descentralização e a ação
existen
propaga~
dística do positivismo, tornaram-se as responsáveis dire
tas pelos acontecimentos que resultariam na mudança do re
gime político.
Assim, a 15 de novembro de 1889, o marechal
Deodoro da Fonseca,
ã
frente dos soldados e instigado p~los republicanos, derrubou o ministério, organizado alguns
meses antes pelo visconde de Ouro Preto, proclamando a Re
pública e fazendo D. Pedro 11 partir para o exílio rumO a
Lisboa.
As antigas províncias tornaram-se Estados, c~ da qual com sua Constituição (naturalmente em consonancia
com a Carta Federal) e com seu Governador ou Presidente es
colhido, como o da República, em eleição direta. E, na opi
nião de Albuquerque:
ra
República significou na Formação Social
Brasileira
oestabelecimento da
dominân
cia efetiva do Capitalismo. Esta
transfor-mação na estrutura do aparelho estatal foi
resultado da fusão superdeterminada
de
contradições
econômicas~poltticas e ideo
lógicas.
Entretanto~no plano
dasrelações
com
oscentros hegemônicos do capitalismo
internacional~
essa mudança não objetivava
uma transformação nem do lugar nem
,liafunção
de dependência que a Formação Social Brasi
l . e~ra
ocupava neste
s~stema . ".
21Com efeito, a implantação da República não aI
terou as relaç~es de dependincia que a estrutura ec~n~mica
brasileira mantinha com o Capitalismo Internacional. A úni
ca mudança nesse aspecto digna de menção foi o aumento pr~
gressivo das articulaç~es com os Estados Unidos que acaba
ram por superar a anterior primazia inglesa. No entanto,
internamente,
ê
a partir dessa época que se estabelecem r~laç~es de trabalho tipicamente capitalistas: assalariamen
to e separação do trabalhador dos meios de 'produção.
Ã
medida em que a produção e reprodução de riquezas passa a ser articulada sob essa nova modalidade, o
Brasil atinge uma etapa de desenvolvimento capitalista,de~
tro de um esquema de desenvolvimento ainda desigual que
passa por ritmos diversos, vencendo crises, destruindo va
lores, mas avançando sempre.
Ao se desenvolver em nosso País, o capitali~
-mo nao conseguiu fazer desaparecer as formas tradicionais
de produção como as economias de subsistincias do setor
agrícola, o artesanato rural e urbano ou a indústria a do
micílio.
Assim p~de escrever Kowarick:
" ..• o
mais importante
é
que tanto a manuten
ção de 'novas' são parte integrante de um mo
do de produção
que~não obstante ser em
sua
dinâmica essencial de corte nitidamente capi
talista no processo de sua
acumulação~as ar
ticula e dela se alimenta. Em outros
termos~não se trata de duas
estY'Uturas~uma 'moderna'
e outra 'tradicional'
~'arcaica' ou 'marginal '.
Trata-se de uma única lógica
estrutural~deti
po
capitalista~a qual ao mesmo tempo gera e
mantém formas de inserção na divisão social
do trabalho
nãO
tipicamente capitalistas que
longe de serem um peso morto constituem
par
tes integrantes do processo de
acumulação,,22~
No Maranhão, onde a sociedade e a estrutura
econômica permaneciam coloniais, naturalmente, que a tran~
formação da mão-de-obra escrava em mão-de-obra assalariada
e a transferência para o Centro-Sul do país do pólo da eco
nomia nacional (o que implicava num maior compromisso do
Governo Federal, no que tange ao atendimento de reivindic~
ções, com aquelas regiões em detrimento do Norte e Nordes
te) iriam provocar violento impacto e efeitos desastrosos.
Analisando a situação,' escreve Viveiros:
"A
liberdade dos escravos e o advento da Repf
blica~
uma desorganizando o trabalho agrlcola
e outro criando novas obrigações para. o Esta
do~
determinaram no Maranhão uma tremenda cri
se econômica que se prolongou por um lapso de
tempo de cerca de um quarto de século.
Oaba
lo fôra
formidável~ diminuindo~num imprevi!!..
estarrecente~
as nossas fontes de renda.
Dei
xamos de produzir um dos nossos gêneros
de
consumo e
deexportação - o
açúcar~decresce
mos no
algodão~nunca mais atingindo o costu
meiro limite de 60.000
fardos~paralisamos em
relação ao arroz e apenas progredimos na man
T
• f
o II 23-z-n -z-mos .
Numa tentativa de deter a derrocada iminen
te, de vencer os embaraços causados pela falta de capitais
e braços, os maranhenses procuraram transformar o seu Esta
do agricola em Estado industrial e num espaço de dez anos
de 1885 a 1895, construíram, com recursos próprios, um pa.E,
que industrial respeitavel, que ocupava o segundo lugar do
pais, no setor, com 27 fabricas (sendo 17 pertencentes a
sociedades anônimas e 10 particulares), só suplantado por 24
Minas Gerais que tinha trinta e sete.
A indústria passou a ser o escopo dos mara
nhenses que, como outros brasileiros, queriam aproveitar as
lições da experiência e da civilização americanas. Com ma
quinas que dispensavam quase totalmente o auxilio braçal,
a indústria apresentava-se como solução democratica, a cur
to prazo, para fazer a felicidade dos operarios e para tri
plicar os capitais dos investidores.
Albuquerque confirma:
'Wa etapa de transição do Escravismo para
o
Capitalismo, a atividade fabril teve o seu
.pri
-meiro surto apreciável: o número de
estabele
cimentos triplicou e o capital investido ele
vou-se,
sendo 60% aplicado na atividade têx
til e
15%na do fabrico de gêneros aliment{
-cioso
O desenvolvimento da produção de
tecidos
está diretamente articulado
à
expansão
do
plantio do algodão cujo cultivo para
export~ção recebeu o est{mulo do afastamento da con
corrência do similar norte-americano
devido
à
Guerra de Secessão. Terminado o conflito, a
fibra nacional encontrou no consumo
interno
um recurso para evitar o colapso da sua
prod~ção, realizada dominantemente no Maranhão
e
25