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Violência e luta por direitos no capitalismo contemporâneo: crítica à configuração do atendimento às mulheres no Rio Grande do Norte

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

LEIDIANE SOUZA DE OLIVEIRA

VIOLÊNCIA E LUTA POR DIREITOS NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: CRÍTICA À CONFIGURAÇÃO DO ATENDIMENTO ÀS MULHERES NO RIO

GRANDE DO NORTE

NATAL/RN

(2)

Oliveira, Leidiane Souza de.

Violência e luta por direitos no capitalismo contemporâneo: crítica à

configuração do atendimento às mulheres no Rio Grande do Norte / Leidiane Souza de Oliveira. – Natal, RN, 2011.

192 f. : il.

Orientadora: Silvana Mara de Morais dos Santos.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social.

1. Direitos – Dissertação. 2. Violência contra a Mulher – Dissertação. 3. Estado

– Dissertação. 4. Feminismo – Dissertação. I. Santos, Silvana Mara de Morais dos. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

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AGRADECIMENTOS

Tudo que é sentimento. Como um pedaço de fita. Enrosca, segura um pouquinho, mas pode se desfazer a qualquer hora, deixando livre as duas bandas do laço. Por isso é que se diz: laço afetivo, laço de amizade. Não prendem, não escravizam, não apertam, não sufocam. Porque quando vira nó, já deixou de ser um laço! (Mário Quintana)

No período 2009 a 2011, que marca a minha experiência de mestranda, muitos desafios se colocaram ao processo de pesquisa que ora se finaliza. A articulação entre as dimensões pessoais, profissionais e acadêmicas da vida apresentou limites subjetivos e objetivos que talvez não tivessem sido enfrentados sem a força, o apoio, o carinho e os diferentes incentivos.

O sentido de agradecer representa o reconhecimento de que não teria sido possível transpor barreiras, enfrentar desafios, sistematizar a pesquisa, sem a riqueza da construção de laços afetivos que nos fazem reconhecer a impossibilidade de caminhar só, e, simultaneamente, nos convida à solidariedade, à resistência e à socialização das conquistas.

Não poderia, portanto, neste momento de sintetizar resultados alcançados durante um período de sensações, desafios, desejos, tristezas, angústias e afetividades, não mencionar sujeitos ímpares nessa caminhada árdua, porém com momentos prazerosos.

A fé também foi importante nos momentos em que olhar para a realidade era um motivo a mais para querer desistir e a crença de que a força superior de um Deus que ouve seus pedidos permitiu acreditar que a ordem era persistir.

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Aos meus avós maternos José Delmiro e Silvina (in memorian); e paternos Antônio (in memorian) e Deusa, pela influência que exerceram na construção dos valores que trago comigo.

A família representa o espaço do aconchego e do alívio antes mesmo de procurar. Quantos tios/as, primos/as para abraçar, conversar e reencontrar sempre!

Não poderia deixar de me remeter à também família com a qual moro, ainda que com laços bem diferentes. Na residência de pós-graduação ombros pra chorar, companhia para as madrugadas com baralho, café ou chá e gargalhadas. Thiago, Rosenilson, Suzany, Janaína, Michele, Nestor, Ivan e demais.

A Alane e Lucília, pelo colorido dos últimos meses, pelo incentivo, o acolhimento e as boas risadas.

Quando do meu ingresso no PPGSS encontrei pessoas lindas na minha turma (o povinho): Vivi, Ju, Amanda, Nuara, Ana Eugênea, Mônica, Clézia, Aparecida, sempre tão gentis.

As pessoas mais próximas, puderam exercer mais seus atributos: à Milena, pelos diferentes modos de contribuir, às vezes na crítica, às vezes nos questionamentos, nas ligações, nos textos escritos juntas.

Mas no dia-a-dia, no dormir e no acordar, da aprovação para o mestrado até às páginas que aqui se constroem, devo mencionar Fátima, (Fatinha, Fafs), pelo carinho que em tudo demonstrou, quando perto e quando longe.

A Rodrigo, pelas críticas, pelos elogios. Pela singularidade com que me incentivou, pelos livros, pelas palavras e pelo apoio em muitos sentidos, obrigada!

E a Maria (Méury), pelas contribuições me concedidas na interlocução entre nossos objetos de pesquisa, contribuindo com relatórios e dados importantes no tocante ao financiamento das políticas.

Pela contribuição e pela influência na minha formação, os devidos agradecimentos à minha orientadora Silvana Mara, cujas orientações a este trabalho caracterizam um, entre tantos compromissos que assume no cotidiano desafiador de professora, pesquisadora e militante. Agradeço pelo acompanhamento desde a graduação. Para além da formação acadêmica, devo registrar a compreensão humana, o carinho com o qual travamos uma relação que, espero, o término deste trabalho não aponte o seu desfecho.

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disciplinas, grupos de pesquisas, dentre outros. E à Lucinha, grande secretária e pessoa, com a qual dividi muito dessa vida acadêmica, pelo acolhimento sempre de bom grado e o carinho.

Agradeço às contribuições de Telma Gurgel, professora da UERN e de Regina Ávila, do DESSO/UFRN, pelas colaborações no processo qualificação dessa pesquisa.

Neste momento à Marlise Vinagre e Andréa Lima, pela disponibilidade em contribuir com este trabalho e por aceitarem participar desse momento.

Das amizades corro risco de esquecer algumas, mas seria desleal não registrar nomes significativos, sinônimos de companheirismo, de saudade, de carinho, de afeto, mesmo de lágrimas, de gente, gente amiga: Kalini, Joane, Neila, Adriana, Rafaela, Lelena, Samara, Fred, Késsia, Rose, Edson, Geruza, Berg, Éverton, Emídia, presentes de está perto e presentes como um bem que a gente ganha.

Das pretensões de novos espaços, de disseminação do que venho aprendendo: à Escola de Conselhos, da qual sou educadora popular, pela compreensão da equipe de educadores, incentivo e carinho de Íris e Agripina, na condução desse projeto.

A Rede de Jovens do Nordeste, união de seres importantíssimos para mim. Pra registrar, Hélio, Kleitinho, Venício, Ianara, que significam verdadeiras paixões.

Das inquietações surgidas no processo de pesquisa resultou em uma rica experiência que já ocupa lugar especial na minha vida: o grupo de estudos e pesquisa E agora Maria? se tornou em pouco tempo um espaço de trocas tão ricas. Não teria sido possível sem as companhias e os esforços de pessoas tão queridas: Elizângela, Micaela, Annamaria, Agda, Ana Paula e Raquel, que carinhosamente se empenharam pela construção desse espaço.

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Não te deixes destruir... Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas. Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça. Faz de tua vida mesquinha um poema. E viverás no coração dos jovens e na memória das gerações que hão de vir. Esta fonte é para uso de todos os sedentos. Toma a tua parte. Vem a estas páginas e não entraves seu uso aos que têm sede.

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RESUMO

Este trabalho sistematiza os resultados obtidos na análise dos serviços de atendimento às mulheres que enfrentam violência no contexto do capitalismo contemporâneo. Para tanto, objetivamos situar o patriarcado no conjunto das relações sociais atuais e sua relação com as determinações capitalistas na vida cotidiana. Essa relação permeia a vida dos indivíduos e particulariza as relações de violência que atingem as mulheres e exigem elaboração de políticas para seu enfrentamento. Na relação exploração-dominação encontrada, apresentamos limites e possibilidades ao devido enfrentamento dessas questões, problematizando a configuração dos direitos no atual momento histórico em que as conquistas legais se tornam parâmetros a serem seguidos e representam um conjunto de conquistas a serem garantidas efetivamente enquanto mediações para um novo modelo de relações. Destacamos as conquistas e as contradições que caracterizam o processo de luta por direitos, vinculando os serviços para as mulheres ao conjunto das políticas sociais e aos limites que estas enfrentam frente ao direcionamento do Estado para atender às necessidade do mercado, reduzindo seu papel de principal garantidor das políticas. Nesse sentido, destacamos a trajetória das conquistas que remeteram à conquista de uma lei específica para tratar do enfrentamento à violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha – 11.340/06, que prevê um conjunto articulados de medidas que permitam a proteção das mulheres das relações de violência que vivenciam. Identificamos um quadro de precarização dos serviços, que exige organização feminista para reivindicar os direitos básicos que possibilitem às mulheres se reconhecerem enquanto sujeitos de direitos no processo de luta coletiva que possibilitem a existência de novo modelo de relações sociais de gênero. Para tanto, o movimento feminista enfrenta o desafio de organizar-se e fortalecer-se no cotidiano, com vistas à efetivação de um projeto que radicalize o sentido dos direitos das mulheres, articulado a outros projetos que vislumbrem outro ordenamento no conjunto das relações sociais. Uma das possibilidades que apresentam no atual contexto é a incidência no orçamento público, que visem garantir o cumprimento do orçamento destinado às políticas públicas para as mulheres – orçamento mulher. Nesta perspectiva, segmentos feministas a em nível nacional e estadual vêm se organizando para entenderem o funcionamento do orçamento e o monitoramento do conjunto das políticas sociais. Defendemos as possibilidades da garantia dos direitos básicos fundamentais das mulheres como pressupostos ao desenvolvimento de direitos na perspectiva da emancipação humana, que por sua vez exige novas formas de sociabilidade entre homens e mulheres, como particularidades de um conjunto de relações totalitárias. Evidencia-se a necessidade de uma articulação entre feminismo e lutas sociais, que garantam a inserção das mulheres na luta anti-capitalista.

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ABSTRACT

This research analyzes the Rio Grande do Norte care services to women who face violence in the context of contemporary capitalism. To do so, we situate the patriarchy in the set of current social relations and its relationship with the corporate determinations in everyday life. The new functions of the Patriarchy in the capital sociability permeates the lives of individuals and particularizes the relationships of violence which affects women, requiring, in the immediate level, policy-making to face them. The research found an arsenal of contradictory possibilities and limitations in dealing with violence. In this process, forms of struggle and resistance predominate, which appear as possibilities and limits were identified relate to the socio-historical context of regression of the rights, historical moment in which increase the objective difficulties in everyday life to ensure the legal achievements. It is worth to emphasize the achievements and contradictions that characterize the struggle process for rights, linking services to women to the social policies and to the limits they face in opposition to the aims of the State to meet the mandatory requirements of capital, reducing its role as the main guarantor of policies and rights. In this sense, the trajectory of the achievements that have referred to the proclamation of a specific law to deal with combat violence against women, the Maria da Penha Law - 11.340/06, which provides an integrated set of measures that, if implemented, would allow the women protection from relations of violence they experience. We identified in Rio Grande do Norte precarious services that are essential to achieve the Maria da Penha Law. This situation requires a feminist organization to claim the rights that enable women to see themselves as people with rights in the process of collective struggle. This is the historical need for continuity of struggles that accumulate policies for the existence of a new model of social relations of gender. One of the possibilities that are presented in the current context is the impact on the public budget in order to ensure compliance with the budget for public policies for women - woman budget. In this perspective, feminist segments in national and state level have been organized to understand the functioning and monitoring of social policies. This is a condition and prerequisite for ensuring policies to ensure basic rights and the violence combat , which still requires an integrated set of services. The survey results allow us to consider that the struggle for rights is necessary at this historical moment, however it is not sufficient in human emancipation, which requires new forms of social relations that determine substantive equality between men and women. Thus, the feminist movement faces the challenge to organize and strengthen itself in daily life, in order to execute a project that changes the meaning of women's rights, articulated to a corporate project which wants other command in the set of social relations . This study emphasizes the need for a more and more organic connection between feminism and social struggles, to ensure the inclusion of women in anti-capitalist struggle.

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LISTA DE FIGURAS

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Distribuição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar segundo o ano de criação por capital ... 96

Tabela 2: Distribuição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar segundo o ano de criação por região ... 96

Tabela 3: Serviços de Atendimento à Mulher no Brasil (por região e total) ... 111

Tabela 4: Serviços de Atendimento à Mulher (Rio Grande do Norte) ... 119

Tabela 5: Atendimento às Mulheres no Rio Grande do Norte (limites, possibilidades e indicações ... 121

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LISTA DE SIGLAS

ACADEPOL academia de Polícia

AMB Articulação de Mulheres Brasileiras

CEJIL Centro para a Justiça e o Direito Internacional

CEPAM Coordenadoria Especial de Políticas para as Mulheres do Rio Grande do Norte

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria CF8 Centro Feminista 8 de Março

CLADEM Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres

CODIMM Coordenadoria de Defesa das Mulheres e das Minorias do Rio Grande do Norte

CNDM Conselho Nacional dos Direitos da Mulher

CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico DEAM Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher

DDM Delegacia de Defesa da Mulher

FMRN Fórum de Mulheres do Rio Grande do Norte GAMI Grupo Afirmativo de Mulheres Independentes IBOPE Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística IMP Instituto Maria da Penha

JECRIMs Juizados Especiais Criminais LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias LOA Lei Orçamentária Anual

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social MML Movimento Mulheres em Luta MMM Marcha Mundial das Mulheres

OBSERVE Observatório pela aplicação da Lei Maria da Penha OEA Organização dos Estados Americanos

ONGs Organizações não-Governamentais PMDB Partido

PNDH3 Plano Nacional de Direitos Humanos 3ª versão PPA Plano Plurianual

(15)

PPGSS Programa de Pós-Graduação em Serviço Social SEJUC Secretaria do Estado da Justiça e da Cidadania – RN SEMUL Secretaria Municipal da Mulher de Natal

SPM Secretaria de Políticas para as Mulheres

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 17

1.1 Aproximações com a temática e apreensões do processo de pesquisa: uma análise teórico-crítica ... 20

1.2 Direcionamento teórico-metodológico do caminho da pesquisa ... 23

2. RELAÇÕES SOCIAIS E CAPITALISMO: PATRIARCADO E VIOLÊNCIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ... 29

2.1 Relações sociais de gênero no capitalismo ... 32

2.1.1 As relações sociais de gênero na perspectiva da totalidade ... 36

2.1.2 As determinações capitalistas nas relações de gênero ... 41

2.2 Patriarcado e violência como limites à igualdade de gênero ... 49

2.2.1 Patriarcado: uma análise crítica e necessária em tempos de exploração e de dominação das mulheres ... 51

2.2.2 A violência contra a mulher no contexto contemporâneo ... 60

3. POLÍTICA SOCIAL NO CAPITALISMO: ANÁLISE DOS SERVIÇOS DESTINADOS ÀS MULHERES ... 77

3.1 Lei Maria da Penha (11.340/06): desafios entre o legal e a vida cotidiana ... 80

3.1.1 As DEAMs e os JECRIMs: contextualizando as políticas anteriores à Lei Maria da Penha ... 82

3.1.2 A Lei Maria da Penha: inovações ao enfrentamento à violência doméstica no contexto de contradições ... 90

3.2 Articulação entre as políticas sociais: mediação necessária para entender os serviços sócio-assistenciais destinados às mulheres ... 100

3.2.1.1 Políticas sociais como mediação para a garantia de direitos: desafios na contemporaneidade ... 102

3.2.1.2 Os serviços de assistência à mulher: particularidades das políticas neoliberais ... 107

4. FEMINISMO E DIREITOS NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: MEDIAÇÕES DA CONTEMPORANEIDADE ... 124

(17)

4.1.1.1 O feminismo na história: luta pela igualdade e pela liberdade das mulheres

... 128

4.1.1.2 Particularidades do feminismo no Brasil e no Rio Grande do Norte ... 140

4.2 As respostas dadas pelo Estado às pressões feministas ... 149

4.2.1.1 O Estado e a questão orçamentária: mediações para avançar na luta ... 151

4.2.1.2 Radicalizando o presente: ofensiva feminista rumo à objetivação de sua hegemonia ... 157

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 163

6. REFERÊNCIAS ... 168

APÊNDICES ... 178

Apêndice A ... 179

A1 ... 179

A2 ... 181

A3 ... 183

Apêndice B ... 185

B1 ... 185

B2 ... 187

ANEXOS ... 189

ANEXO A ... 190

A1 ... 190

A2 ... 191

(18)

17 1. INTRODUÇÃO

A necessidade de analisar o atendimento às mulheres no contexto social das políticas sociais no capitalismo contemporâneo se apresenta como elemento central

deste trabalho, por não considerarmos possível entendê-las fora das determinações

impostas pelo capital que permeia as várias dimensões da vida das mulheres.

No debate atual acerca das condições das políticas de gênero para as

mulheres é muito forte o discurso de que muito já se avançou, que muitas inovações

estão se colocando na pauta das reivindicações como passos importantes rumo à

conquista da igualdade entre homens e mulheres.

Na perspectiva de ir além desse ideário político concentrado nas estratégias

para a conquista da igualdade de oportunidade entendidas enquanto avanço, me

chamou atenção apreender o porquê, de, mediante a criação de uma lei específica

para o enfrentamento à violência doméstica contra as mulheres, precisamos auferir

ao direito um sentido extra-formal, o que significa tratá-lo além das regulamentações

legais, inquietando-nos quanto à sua garantia na vida cotidiana.

No espaço sócio-histórico atual, a vida cotidiana é permeada pela constante

reprodução das formas de opressão e violação dos direitos. Esta situação assume

particularidades na vida das mulheres que são alvo da violência em diferentes

expressões e da dominação que se realiza historicamente no machismo, no sexismo

e na limitação da liberdade e da vivência da diversidade.

Dando continuidade aos estudos e pesquisas sobre feminismo, direitos e

gênero desenvolvidos no curso de graduação em Serviço Social e notadamente na

experiência da iniciação científica fui levada a aprofundar a análise sobre as

determinações societárias que incidem na objetivação dos serviços sócio

assistenciais previstos como integrantes no enfrentamento da violência contra a

mulher.

Em nossas reflexões partíamos do entendimento de que no âmbito das

relações sociais de gênero, bem como no contexto atual do atendimento às

necessidades das mulheres, uma necessária articulação das dimensões universais,

particulares e singulares, sem a qual não é possível apreender o objeto de estudo

em suas complexas relações. Nesse processo de ida do geral ao particular, um

(19)

18 relações sociais de gênero, caracterizadas pela desigualdade social e desrespeito a

diversidade humana que aflora no processo de organização da vida dos homens e

das mulheres.

Tratamos da igualdade das relações entre os gêneros masculino e feminino,

como ontologicamente iguais, considerando que homens e mulheres possuem as

mesmas capacidades humanas, embora diferentes no que se refere à organicidade

(caráter biológico) e que as desigualdades que ora vivenciamos têm sua gênese em

um dado momento histórico da organização social, no qual as tarefas atribuídas aos

homens e às mulheres vão se complexificando e dando forma aos lugares hoje

conhecidos e naturalizados como “espaços femininos” e “espaços masculinos”,

ratificadas enquanto um conjunto de relações desiguais instauradas e disseminadas

nos espaços de produção e de reprodução da vida, sob o qual os homens adquirem

status de dominadores, instaurando-se assim o patriarcado.

Na contemporaneidade, recaem sobre a mulher as exigências de uma

sociedade que articula esses valores machistas e androcêntricos de dominação à

configuração da exploração capitalista, determinada pelo antagonismo

capital-trabalho, configurando uma situação de “dominação-exploração” particularizada por

essas desigualdades para as mulheres.

À medida que essas relações desiguais vão se consolidando e se

aprofundando, suas consequências na vida das mulheres, que vão desde privação

de espaços, repressão da sexualidade, até dominação e exploração no âmbito

doméstico, seja com o trabalho não pago em sua própria casa ou com a venda da

força de trabalho sem garantia de direitos e/ou com baixos salários em outros

espaços domésticos e as mais distintas formas de violência, principalmente por

parte de namorados, maridos e ex-companheiros.

Todo dia assume visibilidade social casos bárbaros de violências das mais

cruéis contra as mulheres, muitas mortas, justificadas pela “defesa da honra

masculina”, outras silenciadas pela força da violência e do autoritarismo no

complexo cotidiano das relações afetivo-sexuais. Na resistência a este estado de

opressão histórica o movimento feminista tem tido o papel político de questionar,

(20)

19 mulheres, no trabalho, nas relações, na política, na sexualidade, buscando romper

com uma estrutura que naturaliza a violência contra a mulher.

As pressões exercidas pelo movimento feminista reivindicando políticas

orientadas pelas desigualdades de gênero, que atendessem às necessidades das

mulheres, trouxeram algumas conquistas no âmbito da criação de serviços

específicos, dos quais destacamos as Delegacias Especializadas de Atendimento à

Mulher, em 1985 e os Juizados Especiais Criminais, em 1999, embora não sendo

específicos para as mulheres, acabou rebatendo na forma de atendê-las. E desse

processo emergiu uma série de contradições entre as conquistas legais e a vida

cotidiana.

A mais recente expressão das contradições que permeiam os avanços das

lutas feministas foi a criação da Lei Maria da Penha, em 2006, cujas inovações

avançadas quanto às formas anteriores de tratamento à violência doméstica contra a

mulher ainda enfrentam limites à sua efetivação.

Nosso objeto de estudo volta-se, portanto, para a análise das medidas de

proteção e de assistência às mulheres inseridas no rol das políticas sociais,

marcadas pela ausência do Estado em cumprir suas responsabilidades com a

proteção social, pelo pagamento de dívidas (interna e externa) em detrimento do uso

dos recursos públicos com as políticas sociais públicas que passam a ser tratadas

como favor, pela lógica da seletividade, da focalização na pobreza e instituição da

política de assistência na contra-mão do trabalho e das demais políticas que

compõem a seguridade social (Behring, 2003; Behring e Boschetti, 2006;

IAMAMOTO, 2007).

Seguimos a rota das lutas feministas com vistas a incidir na atual

configuração das políticas sociais, especialmente nas políticas para as mulheres, na

perspectiva de exercer o controle social das políticas e efetivar o projeto político do

feminismo frente às respostas que vêm sendo dadas pelo Estado e à configuração

do direito, em sua densidade histórica, evidenciando suas contradições quando se

apresenta como um mecanismo funcional à manutenção da divisão de classes na

sociedade capitalista e em determinados contextos históricos, assume a condição de

estratégia das classes trabalhadoras em sua luta contra formas de exploração e de

(21)

20 Trata-se, portanto, de apreender e analisar os serviços de atendimento às

mulheres que enfrentam situações de violência no universo histórico do capitalismo

contemporâneo que apresenta profundas mudanças na relação entre estado e

sociedade e entre exploração e opressão.

1.1 Aproximações com a temática e apreensões do processo de pesquisa: uma

análise teórico-crítica

As inquietações ora apresentadas surgiram com o processo de formação da

autora na graduação em Serviço Social, período no qual foi possível se aproximar da

temática da violência contra a mulher tanto por meio do estágio obrigatório realizado

na Coordenadoria de Defesa dos Direitos das Mulheres e das Minorias – CODIMM,

no ano de 2007, como no período de participação na Pesquisa Direitos e Serviço

Social: tendências teórico-políticas1, na condição de bolsista de iniciação científica

de 2006 a 2008.

Na primeira experiência resultaram questões sobre os limites dos

encaminhamentos dados às mulheres que eram recebidas na Coordenadoria via

demanda espontânea ou denúncia, pois, sempre era preciso encaminhá-las para um

serviço de assistência, ou de saúde, ou psicológico e na maioria das vezes não se

sabia da finalização do atendimento depois de encaminhada a mulher.

Durante o estágio, houve a sistematização de dados referentes às denúncias

feitas à CODIMM que nos permitiu fazer uma análise quali-quantitativa no período

de janeiro a março de 2007. De um total de 63 (sessenta e três denúncias)

recebidas pela instituição apenas 23 (vinte e três) estavam relacionadas à violência

doméstica e na maioria dos casos essas denúncias partiram de terceiros2, o que

1

Pesquisa vinculada ao Grupo de estudos e pesquisa - Trabalho Ética e Direitos - do Departamento e do programa de pós-graduação de Serviço Social da UFRN e um dos projetos desenvolvidos na pesquisa de maior abrangência “Características e tendências contemporâneas da política Social na América Latina: concepção, gestão, controle democrático e financiamento”, do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica – PROCAD/CAPES, aprovada no ano de 2006, envolvendo 07 grupos de estudos e pesquisa na área do serviço social brasileiro: 04 grupos na Universidade de Brasília – UNB; 01 grupo na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UER; 01 grupo da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e o Grupo Trabalho, Ética e Direitos, na UFRN.

2

(22)

21 reforça o fato de a violência ser naturalizada, difícil de ser enfrentada e aponta a

necessidade de ajuda externa ao seu enfrentamento.

De acordo com o Relatório de Estágio, identificamos:

o tipo de violência mais freqüente é a física com 82%, seguido da violência psicológica, com 47%, sendo que, supostamente, a segunda precede a primeira, mas nem sempre é identificada enquanto agressão por ser mais sutil. Quanto ao agressor, geralmente este já teve ou tem vínculo com a vítima, sendo a maioria (79%) maridos ou companheiros, os ex-maridos ou ex-companheiros são responsáveis por 8.6% das agressões denunciadas e os irmãos, os conhecidos, e os filhos ambos responsáveis por aproximadamente 4% das agressões (OLIVEIRA e MARQUES, 2008, p.14).

Também nesse período realizamos trabalho interventivo sobre educação

sobre relações sociais de gênero com jovens, pois identificamos na análise das

denúncias que das mulheres agredidas 40% delas tinham entre 20 e 30 anos, o que

chamou atenção para a violência contra as mulheres jovens e a necessidade de

jovens de ambos os sexos entrarem em contato com a temática, o que foi aguçando

a curiosidade em desvendar mais elementos da realidade da violência contra as

mulheres.

Durante a pesquisa de iniciação científica, surgiram as inquietações sobre a

constituição da categoria direito, sua vinculação com a luta de classes e dos

segmentos coletivos feministas na sociedade contemporânea. Este momento foi

crucial para formular as questões referentes aos limites da efetivação de direitos na

sociedade capitalista, com vistas à articulação entre patriarcado e capitalismo e o

lugar das mulheres no processo de garantia de serviços no atual contexto das

políticas sociais. Foi o pontapé para as reflexões sobre limites e possibilidades aqui

apresentadas.

A partir de então surgiram indagações sobre as lutas feministas para a

efetivação da Lei Maria da Penha, que constituiu objeto de estudo do trabalho de

conclusão de curso intitulado A luta no campo do feminismo pela efetivação da Lei

Maria da Penha (2008), onde o enfrentamento à violência aparece como uma das

bandeiras de luta centrais para o feminismo, representado pela Marcha Mundial das

(23)

22 O movimento feminista, enquanto sujeito coletivo, assume politicamente a

frente das lutas pela garantia dos direitos das mulheres no conjunto das mudanças

societárias que inserem a efetivação da lei e o conjunto de serviços que ela exige no

marco da desregulamentação e da regressão dos direitos.

Os direitos das mulheres enquanto particularidade se apresentam,

necessariamente, vinculados ao contexto geral dos direitos e das políticas sociais,

embora nem sempre sejam feitas as devidas conexões entre os complexos

constituintes da realidade social.

Nesse sentido, o projeto da pesquisa que resultou neste trabalho, ingresso no

mestrado em Serviço Social da UFRN em 2009, passou desde então por ajustes e

reformulações, culminando nos objetivos seguintes.

Inicialmente pretendíamos realizar uma avaliação da Rede de atendimento às

mulheres no Rio Grande do Norte, sendo inviabilizada esta avaliação pela própria

complexidade dessa Rede, que compreende as Delegacias, as Varas, as

Coordenadorias e os Centros de Referência em distintos municípios.

As contribuições recebidas no processo de qualificação do projeto de

pesquisa nos levaram a reflexões no sentido de inserir os direitos das mulheres,

mais especificamente das mulheres que enfrentam violência, no âmbito da

efetivação de direitos no sistema capitalista. Levando em consideração também as

particularidades dos serviços no Rio Grande do Norte, consideramos relevante

situá-los no contexto mais amplo das políticas sociais e na efetividade do atendimento às

mulheres na realidade no estado.

As dificuldades encontradas começaram com a fragmentação da Rede de

atendimento às mulheres e os limites impostos à realização da pesquisa em todo o

estado, considerando que existem poucos serviços e os principais, como as

delegacias, encontram-se espalhados em três municípios distantes entre si, por se

constituírem cidades pólos: Mossoró, Parnamirim e Caicó, além das duas existentes

em Natal.

Considerando o tempo limite da pesquisa e a carga horária que deve ser

cumprida nas disciplinas do Programa de Pós-graduação em Serviço Social,

tomamos a decisão de tratar especificamente das políticas no âmbito da

(24)

23 feminista (fórum de mulheres), considerando uma dimensão da efetivação de

direitos legalmente garantidos, com limites para uma efetivação plena na sociedade

vigente, permeado pela mercantilização e fragmentação do atendimento às distintas

necessidades humanas.

Vivemos a era da privatização dos serviços (básicos e complexos) de saúde,

de educação, de cultura, do chamado à sociedade para dar respostas a essas

questões por meio da ação voluntária, da solidariedade despolitizada quanto à

vigência dos interesses de classe, da benesse e no âmbito das políticas sociais

evidencia-se a seletividade, a focalização e ainda resquícios da lógica do favor,

fazendo com que os gestores apareçam como os “bons” que concedem esse ou

aquele direito.

As respostas às questões de pesquisa foram situadas movimento de

totalidade que envolve a complexa relação entre estado e sociedade; entre lutas

sociais e conquistas legais e os sujeitos individuais e coletivos, considerando as

várias dimensões (política, cultural, econômica e social) que os envolve.

Destacamos a seguir alguns elementos que explicam nossas escolhas no

campo teórico, com vistas à realização de pesquisa qualitativa.

1.2 Direcionamento teórico-metodológico do caminho da pesquisa

Esta pesquisa se apresenta como necessidade de aprofundamento de um

estudo em curso, conforme a trajetória anteriormente destacada, nos permitindo

respostas aproximativas com o real.

Nesse estudo, muitas outras questões surgiram a partir do processo de

apropriação da realidade do atendimento às mulheres, mas foram impostos limites

pelo tempo, pela relação com as instituições e profissionais sempre no limite, pela

insuficiente disponibilidade de bibliografias e análises sobre os serviços de

atendimento às mulheres.

Por essas e outras questões, dois elementos são significativos na realização

deste estudo: a análise qualitativa, articulando as dimensões política, cultural,

técnica, profissional, dentre outras que se apresentam no cotidiano da efetivação

(25)

24 parte de um processo histórico, com determinações do modo como a sociedade

capitalista se estrutura.

Decorre daí a imbricação entre o patriarcado e o capitalismo como categorias

de análise estruturantes das relações violentas que levam as mulheres a buscarem

os serviços e, em não os encontrando, não acessam direitos básicos, que deveriam

operacionalizar a Lei Maria da Penha.

Objetivamos analisar a situação dos serviços de atendimento às mulheres no

Rio Grande do Norte. Trata-se, pois, de apreender as tendências que permeiam

estes serviços no processo da garantia de direitos no capitalismo contemporâneo,

considerando as implicações do patriarcado na constituição das relações sociais de

gênero e as determinações societárias que geram a violência e em particular a

violência contra a mulher e incidem nas respostas dadas pelo Estado às lutas

feministas no processo de implementação da Lei Maria da Penha, com destaque

para as tendências orçamentárias.

Partimos do entendimento de Ianni (1986), quando afirma que:

A realidade - é complexa, é heterogênea, é contraditória - apresenta diversas facetas, peculiaridades. Revela-se sobre diferentes partes. A reflexão deve observar, deve examinar essa realidade, o fato, o acontecimento que está em questão e tratar de buscar a compreensão global, que seja vivo. Não como um todo que está dissecado numa anatomia, numa fotografia, numa sincronia. Mas um todo que se apresenta tanto quanto possível vivo (p.2).

Os instrumentos técnicos de pesquisa utilizados na apreensão foram

bibliografias sobre as categorias centrais de análise, compreendendo livros, artigos,

relatórios de pesquisa, cartilhas, pesquisas de opinião, dentre outros. Na análise dos

serviços no Estado, nos utilizamos de questionários de pesquisa do tipo perguntas

abertas, por meio do qual se pretende “uma maior elaboração das opiniões das

entrevistadas” (RICHARDSON, 2007, p.193).

A opção por esta técnica foi em virtude de os sujeitos da pesquisa,

notadamente, as gestoras apresentarem dificuldade de tempo para a realização das

entrevistas. Dessa forma, procedemos com data de entrega dos questionários e data

de recebimento dos mesmos e do termo de Consentimento devidamente assinados

(26)

25 Os questionários continham questões referentes ao cotidiano das referidas

organizações e as ações realizadas no sentido da garantia de serviços de

atendimento. As organizações pesquisadas foram a Coordenadoria de Defesa dos

Direitos das Mulheres e das Minorias – CODIMM, no âmbito estadual; A casa abrigo

Clara Camarão, no âmbito do Departamento de Atenção à Mulher – DAM, da

Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social do Município de Natal –

SEMTAS; e do Fórum de Mulheres do Rio Grande do Norte – FMRN, ambas

representadas por Coordenadoras.

O propósito deste trabalho é vincular à realidade das organizações

pesquisadas no estado às análises feitas no âmbito do atendimento aos direitos das

mulheres no Brasil, sem a qual não poderíamos ter a devida aproximação com a

realidade local.

No movimento de realização da pesquisa em seu processo de investigação e

exposição os resultados revelam a incidência das determinações mais gerais nas

relações sociais de gênero, que incidem, também, na relação entre políticas sociais

e serviços para as mulheres; na efetivação desses serviços e no limite posto a uma

efetiva garantia de direitos frente às desigualdades reais postas na sociabilidade

capitalista.

A interlocução com autores que tratam das relações de gênero, com destaque

para Saffioti (1992; 2004), Cisne (2004; 2010), Ávila (2000, 2007), Gurgel (2004;

2010), Hirata (2009), Duque-Arrazola (2004; 2006) se evidencia ao longo da

exposição do trabalho, seja nas análises do patriarcado, da violência contra a

mulher, do movimento feminista e do próprio atendimento.

No âmbito da articulação com as determinações do capitalismo e atual

configuração de crise que o mesmo apresenta, destacamos as contribuições de

Mészáros (2002; 2009; 2010), Mota (2006; 2008), Boschetti (2008, 2010) Behring

(2008), Wood (2003), demarcando a necessidade de construir um processo que vise

à garantia de direitos para além do âmbito formal, conforme salientam Netto (2006;

2008; 2009) e Santos (2007; 2008; 2010).

Várias outras contribuições foram encontradas em documentos de ONGs

(27)

26 Mulheres; dos Institutos de pesquisa que analisam a realidade das mulheres no

Brasil.

Durante o processo de exposição da pesquisa, trilhamos a busca de decifrar

a dimensão ideológica contida nos discursos de alguns sujeitos entrevistados que,

por vezes, escondem mais do que revelam a realidade estudada. Ou seja, fomos

levadas a entender e a decifrar o discurso de que já avançamos muito no tocante

aos direitos das mulheres, de que a Lei Maria da Penha expressa o tão sonhado

patamar de igualdade, como apontam determinadas análises contemporâneas.

Longe de identificarmos a total complexidade das “conquistas” no campo da

luta por direitos, o processo de pesquisa que resulta neste trabalho expressa,

aproximativamente, “o produto de uma longa elaboração teórico-científica,

amadurecida no curso de sucessivas aproximações ao seu objeto” (NETTO, 2009,

p.676-677).

Não poderíamos, desse modo, desvincular as técnicas utilizadas da

incorporação teórica que se constituíram nas bases da identificação entre a

realidade e a apreensão da mesma nesse processo de pesquisa, uma vez que:

Enquanto abrangência de concepções teóricas de abordagem, a teoria e a metodologia caminham juntas, intrincavelmente inseparáveis. Enquanto conjunto de técnicas, a metodologia deve dispor de um instrumental claro, coerente, elaborado, capaz de encaminhar os impasses teóricos para o desafio da prática (Minayo, 1994, p.16).

Para além de nos instigar a outras questões com relação à luta das mulheres

por direitos no marco dessa sociabilidade, com esta pesquisa podemos contribuir

com as análises acerca da relação entre o patriarcado, as relações de gênero e o

capitalismo; sobre os elementos que estão no centro da tensão entre formalização e

a regressão de direitos; bem como apresentamos um panorama das questões atuais

e os desafios para o movimento feminista, na sua pluralidade, que, certamente, não

fará sentido, sem as necessárias articulações entre o cotidiano desse sujeito e os

estudos realizados no âmbito da academia, não como relação formal que seja

estabelecida, mas como reflexão crítica e acompanhamento das produções no

(28)

27 A investigação é um processo dinâmico, inconcluso e aberto às descobertas

que a pesquisa delineia na perspectiva de um maior aprofundamento na apreensão

do movimento real.

Para as mulheres, a aproximação com os direitos previstos legalmente e que

mecanismos existem ou precisam existir para sua efetivação, situando esse

processo no contexto das políticas sociais brasileiras, tensionadas pelo processo de

minimização dos recursos que visam amenizar as expressões da questão social e a

maximização de recursos destinados a subsidiar a política macro-econômica,

contradição que permeia a relação Estado x sociedade no capitalismo

contemporâneo e nas particularidades da realidade brasileira.

A exposição desses elementos far-se-á na seguinte estrutura:

Esta introdução apresenta os aspectos que justificam a pesquisa, bem como

o arsenal teórico-metodológico necessário ao seu desenvolvimento.

O segundo capítulo trata das relações sociais de gênero, patriarcado e

violência, no qual identificamos que no capitalismo as desigualdades nessas

relações se agravam pela apropriação que é feita do patriarcado pelo capital,

configurando novas formas de desigualdade e violação do respeito à diversidade

humana.

Apreendemos uma transformação de diferenças em desigualdades,

aprofundadas pelo patriarcado como um sistema que orienta as práticas cotidianas

dos sujeitos femininos e masculinos, que se articula à violência estrutural e ocasiona

o fenômeno da violência contra a mulher, como particularidade no conjunto dessas

relações.

No terceiro capítulo apresentamos o panorama dos serviços destinados às

mulheres no contexto das políticas sociais contemporâneas. Em tempos de Lei

Maria da Penha, permanecem resquícios de formas anteriores ao processo de

institucionalização do enfrentamento e do combate à violência contra a mulher.

Analisamos as DEAMs e os JECRIMs, instrumentos característicos no

universo das estratégias de combate à violência, configurando avanços e

retrocessos em tempos de uma lei específica para as mulheres que estão

(29)

28 Vinculamos os serviços previstos nesta lei ao desenvolvimento das políticas

sociais, sobretudo da Política Nacional de Assistência, que, nos municípios, atende

uma demanda em nível nacional, funcionando, basicamente, com recursos do

governo federal.

Expomos no quarto capítulo as expressões da luta do movimento feminista e

a sua trajetória como sujeito político e coletivo, cuja organização representa as

estratégias que são e/ou precisam ser criadas para a efetivação de direitos na

sociedade atual, expressando mediações para a efetivação de um projeto de

sociedade que vise novas relações sociais de gênero.

Para tanto, seguem algumas considerações acerca das respostas

apresentadas pelo Estado às reivindicações pelos direitos das mulheres, com ênfase

em atitudes que sejam ofensivas frente à regressão de direitos ora apresentada por

um processo que avança em termos legais mas não garante a efetivação das

políticas como mediação para as condições necessárias à construção de uma

“crítica radical”.

As considerações finais sintetizam os resultados apreendidos e as reflexões

feitas a partir das análises, com destaque para as aproximações que mais nos

chamaram atenção a partir dos objetivos propostos.

A apreensão desse objeto de estudo pressupõe analisar as possibilidades e

os limites da luta por direitos e as determinações da violência na sociedade

capitalista. As possibilidades de garantia de direitos exigem ir além da mera

caracterização dos serviços sócio-assistenciais, aqui mapeados, também, nos

aspectos jurídico-legais e político. Trata-se de identificar quem são os sujeitos

profissionais e coletivos, bem como as organizações que a compõem e como se

efetiva a participação do Estado nas respostas às demandas postas.

Ensejam-se novas questões com vistas ao aprimoramento da apreensão da

realidade. Visamos contribuir para o aprofundamento do debate acerca das relações

sociais de gênero na contemporaneidade, das possibilidades e dos limites de

enfrentamento à violência e da efetivação dos direitos sociais garantidos como

(30)

29 2 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E CAPITALISMO: PATRIARCADO E

VIOLÊNCIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Ar

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tu

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S

o

u

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a

Pa

(31)

30 Na fogueira preconceitos

invisíveis queimam ainda; Nas fogueiras as meninas pernas nuas pelas ruas (Mauro Iasi)

A discussão da categoria gênero sofre, na contemporaneidade, alguns

embates quanto à sua constituição. É comum ser tomada como construção social

dos sexos macho e fêmea (GOUVEIA E CAMURÇA, 1997), por outro lado, são

enfatizadas as simbologias nas relações de sexo (SCOTT, 1990) e, ainda, o

reconhecimento histórico e dinâmico das relações entre os gêneros, sem

determinações do biológico (SAFFIOTI, 1992, 2004).

No conjunto das relações sociais, a dimensão do gênero se particulariza na

dinâmica social que envolve outras dimensões no processo de objetivação e

subjetivação dos sujeitos homens e mulheres nas relações entre si e com as

determinações históricas, por isso, a denominação das relações sociais de gênero

se apresenta como mais completa, no conjunto dos elementos centrais a serem

problematizados aqui – a exemplo do patriarcado e da violência e suas expressões

nas relações entre os gêneros masculino e feminino.

Havemos de reconhecer a significância do debate e da conceituação do

gênero enquanto categoria relacional e de análise como elemento fundamental para

a desmistificação das desigualdades entre homens e mulheres como um fator

natural, fundadas nas diferenças entre os sexos e no desrespeito à diversidade

humana. Faz-se necessário, portanto, afirmar como pressuposto neste estudo que a

violência contra mulher só pode ser entendida no âmbito das relações sociais,

possibilitando-nos situar historicamente os indivíduos e apreender as determinações

societárias que incidem na vida concreta de mulheres e homens. O segundo

pressuposto se refere à complexidade dessas relações haja vista a dimensão da

diversidade humana que reúne, dentre outras, as dimensões de gênero,

étnico-racial, da sexualidade, orientação sexual e da identidade, dos valores sociais e

(32)

31 processo em que se constituiu esse trabalho, a análise numa perspectiva de

totalidade sugere um tratamento da questão no campo das relações sociais de

gênero, dadas as limitações em isolar o gênero enquanto uma categoria específica,

uma vez que envolve elementos outros que não estão inertes ao processo de

redefinição e complexificação sugerido pelo movimento das relações sociais entre os

indivíduos.

No caso específico das mulheres como sujeito nas relações de gênero, há

determinações do sistema do patriarcado, colocando-as historicamente em situação

inferior ao homem nos diversos níveis da vida social. Esse sistema se atualiza nos

novos processos de relações sociais postos pela sociabilidade do capital, em que,

por exemplo, mesmo ocupando postos de trabalho, e ainda que conquistados alguns

espaços tradicionalmente ocupados por homens, permanecem submetidas às

relações de dominação-exploração (SAFFIOTI, 1992).

Com a naturalização das desigualdades entre homens e mulheres e a

legitimação do sistema de relações patriarcais pela sociedade, enseja-se uma

cultura da violência contra as mulheres, na maioria das vezes praticada por homens

com quem mantêm relacionamentos afetivo-sexuais3. Desta feita, unem-se o

sistema de dominação do homem sobre a mulher e o sistema de desigualdades de

uma classe sobre a outra, particularizando as relações violentas vigentes na

sociedade capitalista.

A violência como fenômeno cultural, social e estrutural, adentra o universo

de inúmeros sujeitos, seja perpetrada por indivíduos, por grupos ou por instituições.

Um mesmo ato pode, simultaneamente, atingir, física, psicológica ou moralmente

mais de uma pessoa, daí ser tão comum a identificação da violência psicológica em

vários membros de uma mesma família, por exemplo.

3

(33)

32 Na perspectiva de enfrentamento ao sistema patriarcal e de auferir às

mulheres um novo lugar na sociedade, surgiu o movimento feminista com atuação

em todo o mundo, questionando, em suas distintas fases e com a diversidade que o

compõe, fatos e situações que reforçam a desigualdade e a violência para as

mulheres.

Desde a década de 1970 esse movimento vem se afirmando no Brasil como

sujeito coletivo que busca construir uma unidade que lhe afirma na diversidade.

Muitos têm sido os desafios a enfrentar, entre eles, manter um grau de criticidade

sem perder de vista a dimensão de totalidade frente às problemáticas particulares

enfrentadas pelas mulheres. Cabe destacar que o próprio movimento é permeado

por tensões históricas e políticas na constituição do sujeito político-coletivo e por

isso sua trajetória apresenta avanços e recuos, possibilidades e limites.

Busca-se aqui aprofundar esses elementos para apreender quais as

determinações atuais do sistema do patriarcado na constituição das relações e das

identidades de gênero, de modo a situar no conjunto desses elementos a luta

feminista e as repostas que lhe foram e são dadas, bem como analisar, no campo

das políticas sociais e dos serviços oferecidos, os limites e os avanços para a

efetivação dos direitos das mulheres no capitalismo contemporâneo.

2.1 Relações sociais de gênero no capitalismo contemporâneo

Nas últimas quatro décadas as discussões sobre a categoria gênero e sobre

as relações sociais entre os gêneros adquirem grande visibilidade nas pesquisas

acadêmicas em diferentes áreas de estudos. E por se tratar de uma realidade nova,

que, impulsiona os processos investigativos, deve ser desvendada criticamente,

levando-se em consideração o processo histórico que as coloca no auge das

investigações.

Enquanto categoria conceituada, campo de pesquisas, o gênero possui

história recente, fruto das críticas feministas. Ressaltamos, porém, as relações

sociais de gênero como produto da história humana, que, construídas com base na

diferenciação de papéis, permeiam o desenvolvimento histórico humano.

Se de um lado, o sentido dessas relações ainda não é reconhecido no

(34)

33 grupos, entidades e movimentos têm contribuído para tornar esta uma questão de

ordem pública, de conhecimento de todos os indivíduos, tarefa difícil

considerando-se a complexidade que caracteriza as relações sociais de gênero e sua constituição

histórica, sobre a qual prescinde fazermos algumas considerações.

Comumente, associamos gênero às relações entre homens e mulheres e

não raro é essa conceituação que ganha espaço na definição e nas ações não

apenas no campo da pesquisa, bem como nos espaços institucionais, no

desenvolvimento de projetos, programas e políticas. Podemos afirmar que passa por

aí, certamente devemos buscar a desmistificação dos papéis de homens e de

mulheres e discutir o modo como se configura a desigualdade entre eles. Não

obstante, revelar-se-á, para tanto, um elevado grau de complexificação do que vem

a ser o gênero e das relações que enseja cotidianamente na vida das pessoas, as

relações sociais de gênero.

Havemos de corroborar que as relações de gênero são permeadas por uma

diversidade que envolve as relações entre homens e mulheres, mas também entre

mulheres e mulheres e homens e homens, de modo que “o tornar-se mulher e

tornar-se homem constitui obra das relações de gênero” (SAFFIOTI, 1992, p. 18).

Destarte, a singularidade do termo gênero, conforme nossa apreensão, não dá conta

da dinamicidade que a totalidade dessas relações sugere, além de corrermos o risco

de uma obstacularização ao processo de transformação que se evidencia no

transcorrer da história.

Contudo, não é nossa pretensão descartar o papel das relações de gênero

na vida social contemporânea ou substituí-lo por outra dimensão das relações

sociais, mas evidenciá-lo enquanto um eixo complexo que se articula a outros eixos,

incidindo reciprocamente no cotidiano da vida social.

Conforme Barbieri (1993), a busca pela consolidação de um conceito de

gênero passa por três perspectivas: a primeira é a que trabalha com as relações

sociais de sexo e têm na divisão social do trabalho o núcleo motor das

desigualdades, toma como exemplo as francesas; a segunda perspectiva é a que

considera o gênero como baseado na hierarquia, no status e no prestígio social,

(35)

34 marxismo, ganhando espaço nas discussões sobre gênero, notadamente com as

obras de Joan Scott e a própria Teresita Barbiere.

No artigo Gênero: uma categoria útil para a análise histórica (1990), Scott

apresenta o “simbolismo sexual” como o centro das relações de gênero, que se

caracterizam pela “amplitude dos papéis sexuais nas várias sociedades e épocas”, à

medida que destaca como símbolos constituintes dessas relações as

representações simbólicas, as normas, as instituições e a subjetividade.

Estes são elementos que possuem importância singular no tratamento às

questões do gênero e da mulher, constatando-se recuos e acentuações de um ou

outro deles em determinados momentos históricos. Para uma emancipação de fato,

reconhecemos que todos devem ser problematizados e necessariamente superados,

pois se a cultura enseja essa simbologia na vida cotidiana, não devemos esquecer

que ela se constitui como categoria histórica e humana, sob determinadas

condições. E ainda que submetidas às potencialidades humanas, essas simbologias

não são cristalizadas de modo a expressarem por si mesmas o conjunto das

relações entre os gêneros, mas tanto os símbolos, as normas, as instituições podem

assumir aspectos diferenciados e até contrários variantes dependendo do

direcionamento social, político e concreto que assumirem os sujeitos homens e

mulheres, e, assim, incidir uns sobres os outros permitindo a construção de novas

ideologias e das subjetividades.

Tomemos como exemplo a relação entre esses aspectos. Em um momento

de guerra, por exemplo, com acentuado número de mortes masculinas, as mulheres

são chamadas a exercer novos papéis, movidas pelas necessidades reais, seja da

organização da vida coletiva, dos trabalhos a serem realizados, da relação com os

filhos, o que agrega novos valores – a partir de um caso concreto. Embora se possa

contestar determinada experiência por seu limite temporal e imediato, é irrefutável a

possibilidade de novas formas de sociabilidades que podem desencadear em

desconstruções, as experiências de vida, os novos desejos, as sensações e, mesmo

que não possamos afirmar ser isso suficiente para um novo modelo de símbolos,

novas formas organizacionais e normativas, é pertinente afirmar sua capacidade de

incidir fortemente com vistas à modificações/transformações destas e das

(36)

35 Uma vez que estamos nos propondo discutir a configuração das relações de

gênero no capitalismo, convém destacar três elementos centrais na nossa análise: o

primeiro é o direcionamento teórico no sentido destas relações sociais de gênero

como categoria que melhor explica a dinâmica histórica e social que a identidade de

gênero adquire no seu processo de constituição, envolvendo aspectos gerais,

particulares e singulares.

Em segundo lugar, essa definição de caráter histórico, não se define

somente na construção social dos sexos e dos papéis que são culturalmente

atribuídos aos machos e fêmeas. A construção de uma identidade masculina ou

feminina, passa pelas dimensões objetiva e subjetiva da constituição dos indivíduos,

e dos aspectos não só biológicos, mas culturais, sociais, econômicos, se

considerarmos a dimensão de totalidade que incide sobre a formação humana. Sob

essa perspectiva, chamamos atenção para a complexidade que, no capitalismo,

atinge o processo de sociabilidade, uma vez que, impulsionado pelo trabalho como

fundante da sociabilidade humana, os seres sociais, homens e mulheres, sem deixar

de considerar a incidência de diferenças e de desigualdades nesse processo, se

constituem afastando-se cada vez mais das relações naturais e orgânicas.

Interessa-nos concordar que

através de um processo histórico uma espécie da natureza constitui-se, sem perder sua base orgânico-natural, em espécie humana (processo de humanização). [...] Quanto mais o homem se humaniza, quanto mais se torna ser social, tanto menos o ser natural é determinante em sua vida (BRAZ e NETTO, 2006, p. 38).

Por último, as relações de gênero não estão descoladas do contexto mais

amplo dessas relações sociais que determinam a constituição dos indivíduos sociais,

se vinculam às distintas formas de constituição da sociedade, merecendo serem

tratadas com cuidado de reconhecer as singularidades do que significa ser mulher e

ser homem hoje, e, de outro modo, não perder de vista as determinações

sócio-estruturais e culturais que definem o ser e o agir dos indivíduos sociais.

As dimensões universal, particular e singular atestam o caráter histórico,

social e de totalidade das relações de gênero. Universal, uma vez que sofre

determinação das transformações da sociedade, do modo como se constroem as

(37)

36 reconstrução social. Particular, que sob esse conjunto de determinantes adquire

forma e se torna um complexo de caráter social, econômico, cultural e permite se

refazer e incidir com autonomia no conjunto mais amplo de relações. Singular,

ganha centralidade enquanto categoria que se constrói e reconstrói, se permitindo

às diversas teorizações, adentrando diferentes espaços de discussão com

necessidade de ser apreendida.

Nesses termos, não podemos prescindir de analisar as relações de gênero como

dimensão de uma totalidade de relações sobre as quais incidem elementos

subjetivos e objetivos, sendo necessário vinculá-las às determinações de ordem

econômica – por impulsionarem o movimento do real –; e social – pelos elementos

histórico e humano que lhes caracterizam.

A coordenação do Fórum de Mulheres do Rio Grande do Norte, vinculado à

Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), em resposta e esta pesquisa afirmou que

“as questões femininas se ligam a economia e ao trabalho, economia solidária4 e

agricultura ecológica, dos serviços públicos e direitos sociais para todos e da

conservação/proteção do meio ambiente”.

Na sua amplitude, a dimensão de gênero se expressa como uma “relação

sócio-histórica que remete às relações de poder de caráter transversal,

atravessando os liames sociais, as práticas, instituições e subjetividades” (CISNE,

2004, p.116). Seu caráter social confere a estas relações um necessário movimento

de desnaturalização, um embate contra a cristalização de papéis auferidos às

mulheres e aos homens, inquietando forças conservadoras insistentes na defesa de

uma predestinação do feminino e do masculino.

2.1.1 As relações sociais de gênero na perspectiva da totalidade

4

(38)

37 Antes de adentrarmos especificamente no debate da constituição dos

gêneros masculino e feminino, mas já adiantando e reafirmando estes enquanto

produtos das relações sociais, sentimos a necessidade de dialogar sobre a

constituição social do ser – homem ou mulher -, dada a necessidade de um

aprofundamento de suas definições enquanto ser social.

Isso é importante, dentre outras razões, por ser fundamental reconhecer

aqui um fato primordial: as relações de gênero, a condição das mulheres e os

serviços que lhes são oferecidos, são determinados pelo alto grau de complexidade

da sociedade contemporânea. Mas esse modo atual da sociabilidade do capital se

constituir possui uma gênese, sua configuração atual é síntese de um longo

processo histórico, mediado pela luta de classes e o papel que assume o Estado em

cada conjuntura.

Podemos começar pela constituição do ser social e sua complexidade5 hoje.

A definição de ser social baseada no processo histórico e na capacidade humana se

difere do simples fato do ser existir, significa que é na relação de si com os outros e

com a natureza que a característica social ganha sentido. Por exemplo, os avanços

da mente humana na ciência, na tecnologia, na medicina, não são dados do

imediato, são processos de aprendizado determinados pelo grau de aprofundamento

e complexificação dessas relações de que falamos, de cunho eminentemente social.

Até chegarmos aí, passamos por um processo em que outros elementos

como o biológico, o cultural e o econômico exercem um papel primordial. Exemplo

disso é um maior avanço da ciência nos países mais desenvolvidos, onde os

indivíduos (seres sociais) possuem, a depender da sua inserção no processo

produtivo e da forma de apropriação cultural, mais acesso às condições materiais

das quais dispõem para viver, mais condições de pesquisa sobre a realidade e de

desenvolvimento das idéias e dos projetos.

Idéias e projetos aqui entendidas enquanto capacidade única e

exclusivamente dos seres humanos, constituídos conforme Lukács (apud Lessa,

2007, p. 24-25) por três esferas ontológicas distintas do ser social:

5

(39)

38 [...] a inorgânica cuja essência é o incessante tornar-se outro mineral; a biológica, cuja essência é o repor o mesmo da reprodução da vida; e o ser social, que se particulariza pela incessante produção do novo, por meio da transformação do mundo que o cerca de maneira conscientemente orientada, teleologicamente posta.

Porém, a capacidade de idealizar e executar posteriormente seus projetos

se caracteriza pela consciência humana, em um processo de prévia ideação, que

apenas a capacidade humana permite, por meio do trabalho6, uma objetivação, ou

seja, o ato de transformar a idéia prévia em um objeto concreto e material, por sua

vez distinto do ser que o criou (Lessa, 2007).

A opção metodológica de caracterizar o processo de constituição do ser

social se justifica pela necessidade de expor elementos que caracterizam homens e

mulheres como sujeitos sociais no processo de humanização. Não menos

importante é ressaltar que outros elementos e outras atividades se colocam na vida

social, embora o trabalho seja o fator determinante, pela condição de possibilitar a

separação do homem da natureza.

Sabemos que homens e mulheres têm relações diferenciadas com o

trabalho, o que certamente não nos leva a atribuir uma menor capacidade humana a

eles nem a elas. Encontramos explicação para essa diferenciação (às vezes até

desigualdade) na forma de apropriação das relações de trabalho entre homens e

mulheres, que advêm da forma de se organizar de cada agrupamento humano. Tais

relações se justificam pelas diferenciações de cultura, de divisão de tarefas, de

organização social e de inserção de novos elementos na vida humana. A partir

desses elementos se constitui o patriarcado, que será melhor discutido e analisado

posteriormente.

Para uma melhor explicitação, homens e mulheres, na sua condição de

humanos, possuem um conjunto de elementos centrais na sua vida, que se

aperfeiçoam e se redefinem no desenvolvimento das relações entre si e com a

produção e a reprodução social da vida. O que nos permite corroborar mais uma vez

6

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