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Audiência única e a duração razoável do processo nos juizados especiais cíveis

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Academic year: 2017

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RICARDO LUIZ NICOLI

AUDIÊNCIA ÚNICA E A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

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,

AUDIÊNCIA ÚNICA E A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CíVEIS

Dissertaçào para cumprimento de requisito à obtenção de título no Mestrado Profissional em Poder Judiciário da FGV Direito Rio. Área de concentração: jurisdicional de fim.

Orientadora: Professora Doutora Leslie Shérida Ferraz

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,

DIREITO RIO

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA DE DIREITO

MESTRADO PROFISSIONAL EM PODER JUDICIÁRIO

TÍTULO DA DISSERTAÇÃO

"AUDIÊNCIA ÚNICA E A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NOS

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS"

APRESENTADO POR

RICARDO LUIZ NICOLI

E

APROVADO EM: 23 DE MARÇO

01=

2010,

----.

PELA BANCA

Nセ@

rientadora)

セ@ ,

Prof. Dr. Leandro Molhano

(Examina

- FGV DIREITO RIO)

FGV DIREITO RIO

Praia de l3otarogo. 190/13° andar 22250-900 Rio de Janeiro RJ Brasil Tel: (55 21) 3799-5344

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(6)

"

Já virou lugar comum dizer que não se consegue realizar um trabalho acadêmico sem a ajuda de outras pessoas. E estou repetindo esse chavão porque ele é uma verdade insotismável. Por isso, penso que esse espaço é muito reduzido para agradecer a todos aqueles que contribuíram para a conclusão dessa disseliação. A minha lista, certamente, não é exaustiva, pois seria impossível nomear todos aqueles que de alguma forma colaboraram.

Gostaria de começar agradecendo ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás que me pennitiu investir tempo na minha formação jurídica e profissional.

Agradeço à Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro -FGV DIREITO RIO -, pela oportunidade de estudo e pela experiência de vida proporcionada. À professora Leslie Shérida Ferraz, minha orientadora, que tão generosamente me acolheu como seu orientando quando a "luz no fim do túnel" parecia estar se apagando.

Ao professor José Ricardo Cunha, que além das inesquecíveis aulas de ética, possibilitou o meu retomo ao curso após o indeferimento do meu primeiro pedido de licença pelo Tribunal de Justiça.

Ao professor Sérgio Guen'a, notável mestre, por me ampliar os horizontes no estudo do direito, pelo incentivo e a possibilidade de publicar meu primeiro artigo, Também minha admiração e respeito pela condução competente e profissional da pós-graduação da FGV DIREITO RIO.

Sou grato aos professores que contribuíram para a minha formação na pós-graduação, em particular, aos professores: Andréa Diniz, Antônio Carlos Porto Gonçalves, Armando Cunha, Carlos AtIonso Pereira de Sousa, Delane Botelho, Guilherme Leite Gonçalves, Leandro Molhano Ribeiro, Leslie Shérida Ferraz, Maria Elisa Bastos Macieira, Mauriti Maranhão, Paulo Roberto Motta, Roberto Bevilacqua e Yann Duzert, pelos ensinamentos recebidos.

Agradeço com especial carinho à equipe do Centro de Justiça e Sociedade, começando pelo professor supervisor Luiz Roberto Ayoub, o grande líder Carlos Alexandre Machado Melman (a quem eu ainda estou esperando para aquele passeio de bicicleta no Leme), Fernanda Fustagno de Abreu, Patrícia Lemos Quintanilha e Aline Santiago Santos. Obrigado pelo carinho, dedicação e compreensão com as dificuldades de um mestrando de Goiás na Cidade Maravilhosa.

Aos amigos Ivanyr, Carmem e Fernando, pela acolhida e apoio logístico e por tomar mais fácil e agradável a nossa vida no Rio de Janeiro.

À

Manu, Beatriz, Luiza, tia Vânia e tio Cezar, nossa nova ±àmília carioca.

Aos professores que aceitaram participar da banca de defesa, professores doutores Leandro Molhano, que me acompanha desde o exame de qualificação e Nivaldo dos Santos, que gentilmente atendeu ao convite, além, é claro, da minha orientadora, professora doutora Leslie Shérida FelTaz, já mencionada.

Aos meus colegas de mestrado, turma 2007 e 2008, com os quais tive o privilégio de obter conhecimento e fecundos diálogos e discussões sobre o Poder Judiciário, em especial a Mariana Picanço e a Márcia Leal, que se mostraram as amigas "certas das horas incertas," dentro e fora da sala de aula. Obrigado pela amizade. Estou esperando vocês na terra do peqUl.

Aos meus colegas de magistratura, pela amizade, contribuição e incentivo. A dedicação e abnegação de vocês em prol da sociedade me ±àzem sentir orgulho de pertencer ao Poder Judiciário goiano.

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realização. Agora vou deixar de escrever a dissertação. Estou voltando para a vida, aguardem-me! Às minhas cunhadas e sobrinhos pelo apoio recebido. De maneira especial à Edilma, minha mulher, pelo incentivo na realização dos meus objetivos. Sem a sua dedicação integral à nossa família, assumindo, por vezes, sozinha as responsabilidades por nossas filhas. Sem seu amor e compreensão nos momentos de angústia, nada disso teria sido possível, ou teria sido muito mais difícil. Obrigado ainda pelas leituras dos textos, críticas, sugestões e pela companhia e ternura durante meus estudos pelas madrugadas adentro. À minhas filhas Ana Laura e Mariana, exemplo divino do quanto a vida é ainda mais bela. Agradeço todos os dias a Deus por todos vocês estarem vivendo este momento comigo.

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Esta dissertação pretende demonstrar que os Juizados Especiais Cíveis Estaduais, regulados pela Lei n° 9.099/95, orientados pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, que foram criados em decorrência da necessidade de viabilizar um maior acesso à justiça, principalmente da população mais carente, com redução de custos e simplificação de procedimentos que possibilitassem os julgamentos dentro de um prazo razoável, na realidade da práxis forense, estão sendo desvirtuado dos seus objetivos. Neste sentido, o estudo apresenta números comprovando que os Juizados Especiais cumpriram seu desiderato de proporcionar o acesso ao judiciário, mas que passaram a padecer do mesmo problema da justiça comum: a morosidade na entrega da prestação jurisdicional. Além da incompatibilidade de estrutura com a atual demanda que obviamente vai ensejar lentidão nos Juizados, o estudo apresenta como motivo para esse quadro a conduta dos juizes, responsáveis pela administração do processo, que reproduzem nos Juizados o fomlalismo e a burocracia inerente ao processo civil comum, ao instituir, em evidente descompasso com a lei e seus princípios, um procedimento com duas audiências, sendo uma para conciliação e outra, nos casos em que não é obtido acordo, para instrução e julgamento, em dias distintos, aumentando o tempo de duração dos processos. O estudo conclui que a utilização de

audiência única, além de ser uma detenninação legal e estar em sintonia com seus princípios,

proporciona celeridade nos julgamentos. diminuindo o custo e o tempo de espera dos litigantes, obstáculos do acesso à justiça que a Lei n° 9.099/95 procurou remover.

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This dissertation intends to show that the State Civil Small Claims Courts, regulated by the Law 9.099/95, guided by the principIes of orality, simplicity, infonnality, procedural economy and celerity, which were created because of the need to make a greatest access to justice viable, mainly among the poorest, with the reduction of costs and simplification of procedures that could make the judgements within a reasonable period possible, in the forensic custom rcality, are being misconstrued from their purposes. In this sense, the study shows numbers that confinn that the Small Claims Courts accomplished their aim to provide the access to the judiciary, but started to sufTer from the same problem of ordinary justice: slowness in the delay of jurisdictional execution. Besides the structure incompatibility with the CUlTent demand that will obviously cause slowness in the Small Claims Courts, the study shows the reason for this way of acting of the judges, responsible for the administration of the process, that reproduce in the Small Claims Courts the fonnality and the inherent bureaucracy of regular Civil law, when it establishes, in evident lack of measure with the law in its principies, a procedure with two fonnal audiences, one for conciliation, another when an agreement is 110t reached, for instruction and judgement, in separated days, increasing the time of process duration. The study concludes that the use of a single fonnal audience, besides being a legal detennination, is also in syntony with its principIes, and provides celerity in the judgements, reducing the cost and the waiting time of the litigants, obstacles to the access to justice which the law 9.099/95 tried to remove.

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Tabela n° 1 - Casos Novos por Estados: Juizados Especiais Estaduais e Justiça Comum

Estadual - 2008 ... 91

Tabela n° 2 - Indicadores dos Juizados Especiais Estaduais - 1° grau ... 93

Tabela n° 3 - Indicadores da Justiça Comum Estadual - 1 ° grau ... 93

Tabela n° 4 - Prazos nos Juizados Especiais Cíveis - números totais ... 95

(11)

INTRODUÇÃ() ... 11

1 - Limitação do tcnla ... 11

2 - Plano de trabalho e metodologia ... 15

I. ACESSO À JUSTIÇA ... 17

1.1. Notas introdutórias ... 17

1.2. As repercussões das ondas de Cappelletti no direito processual brasileiro ... 24

1.2.1. A primeira onda: assistência jurídica gratuita aos necessitados ... 25

1.2.2. A segunda onda: representação dos interesses difusos ... .27

1.2.3. A terceira onda: uma concepção mais ampla. um novo enfoque de acesso à justiça ... 31

1.3. Acesso à justiça: direito e garantia ... .33

1.4. Acesso à justiça: direito natural, humano e fundamentaL ... 33

1.5. Pactos intemacionais sobre o acesso à justiça ... 38

1.6. Efetividade do direito de acesso à justiça ... .42

2. OS JUIZADOS ESPECIAIS CíVEIS ... 51

2.1. Evolução legislativa ... 51

2.2. Finalidade dos Juizados Especiais ... 55

2.3. Características básicas dos Juizados Especiais e o acesso à justiça ... 58

2.5. Princípios orientadores dos Juizados Especiais ... 64

2.5.1. Oralidade ... 65

2.5.2. Simplicidade e Informalidade ... 68

2.5.3. Econonlia processual. ... 71

2.5.4. Celeridade ... 73

2.5.5. Conciliação ... 75

3. O TEMPO DO PROCESSO NOS JUIZADOS E A AUDIÊNCIA ÚNICA ... 79

3.1. Princípio constitucional da duração razoável do processo ... 79

3.2. Tempo razoável e Juizados Especiais Cíveis ... 85

(12)

4. SUGESTÕES PARA IMPLANTAÇÃO DA AUDIÊNCIA ÚNICA ... 109

4.1. Nota sobre a estrutura e o aparelhamento dos Juizados ... 109

4.2. Infonnações indispensáveis aos litigantes ... 111

4.3. Organização e planejamento das rotinas administrativas ... 112

4.4. Maneiras de operacionalizar a audiência única ... 116

4.5. Fluxograma do modelo de audiência única com conciliador e juiz ... 118

4.6. Fluxograma do modelo de audiência única sem o conciliador.. ... 119

4.7. Institucionalização da audiência única ... 120

4.8. Outros benefícios decorrentes da audiência única ... 120

4.8.1 . Redução dos serviços cartorários e do custo operacional.. ... 121

4.8.2. Aumento do número de acordos ... 122

4.8.3. Redução das execuções ... 124

4.8.4. Redução do custo do processo para as partes ... 124

4.8.5. Efetividade do processo ... 126

CONCLUSÃO ... 128

(13)

INTRODUÇÃO

1. Limitação do tema

Esta dissertação tem como ponto de partida a experiência propiciada pelo dia a dia das atividades desenvolvidas no exercício da judicatura nos Juizados Especiais Cíveis, que em conjunto com estudos acadêmicos e dados estatísticos pesquisados, revelam que a realidade da práxis forense, por diversos motivos, pode desvütuar os objetivos da lei.

No que se refere ao tema proposto, considerou-se a sua relevância para a sociedade contemporânea que há muito conclama do Poder Judiciário a facilitação do seu acesso com instituição de órgãos e procedimentos que garantam uma prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável.

Para isso, o legislador CrIOU os Juizados Especiais que foram instituídos em

decorrência da necessidade de viabilizar um maior acesso à justiça, principalmente da população mais carente, com redução de custos e simplificação de procedimentos que possibilitassem maior celeridade aos julgamentos. Posteriormente reforçou a sua preocupação com a demora na entrega da prestação jurisdicional ao incluir no rol dos direitos fundamentais a duração razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação

O trabalho desenvolve-se, portanto, coma a análise da sistemática procedimental empregada nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, regulado pela Lei n° 9.099/95.

Dados do Conselho Nacional de Justiça - CNJ -, I divulgados em 2009, revelam

que somente no ano de 2008 foram protocolados nos Juizados Especiais Estaduais mais de 4 (quatro) milhões de novos processos, セ@ números que pela sua grandiosidade revelam a impOltância desse sistema3 para a resolução de conflitos do cidadão.

Não há dúvidas de que os Juizados Especiais Cíveis cumpriram parte do seu desiderato, ou seja, possibilitaram acesso ao judiciário para uma camada da população que não dispunha de mecanismos estatais para solucionar seus conflitos, e por isso tinham que

I Órgão do Poder Judiciário encarregado do controle da atuação administrativa e financeira do próprio Poder

Judiciário (art. 92, I-A e art. 103-B, ambos da Constituição da República de 1.988).

2 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça - CNJ - Justiça em números - 2008. Disponível em

<http://www.cnj.jus.br>Acessoem: 12jul. 2009.

J "O sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal é formado pelos Juizados Especiais Cíveis,

(14)

renunCIar aos seus direitos ou resolvê-los por outros meios (nem sempre lícitos), fenômeno esse que o professor Kazuo Watanabe denominou de "litigiosidade contida".4

Atendidas as expectativas iniciais de acessibilidade, os Juizados Especiais começaram a sofrer uma incessante tendência de expansão de sua competências. Atualmente vários projetos de lei tramitam no Congresso Nacional visando ao alargamento da competência dos Juizados.ó

Em 200 I foi contemplada a Justiça F ederal7, ou seja, mais um canal de acesso à

justiça para resolução dos conflitos envolvendo a União, principalmente questões previdenciárias e habitacionais.8 Recentemente, no final de 2009, foi publicada a Lei n° 12.153, que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, que entrará em vigor no dia 23 de junho de 2010.

Porém, se de um lado os Juizados Especiais garantiram acesso à justiça de uma parte da sociedade que até então se via excluída, por outro, esse acesso provocou uma sobrecarga de demandas, que por serem incompatíveis com a estmtura judicial existente, comprometeram a celeridade na entrega da prestação jurisdicional, um dos escopos da Lei n° 9.099/95. É o que revelam os dados estatísticos apresentados pelo CNJ.

Segundo seus levantamentos, a taxa de congestionament09 dos Juizados Especiais Estaduais 10 é da ordem de 50,6%, ou seja, mais da metade das ações protocoladas no período de estudo (2008) ainda estão aguardando sentença final, enquanto a carga de trabalho

-4 De acordo com esse autor, dentro da normalidade os eonf1itos de interesse são solucionados sem a necessidade

da intervenção estatal, através de negociação direta das partes interessadas ou por intermédio de terceiros (tais como parentes, vizinhos, amigos, líderes comunitários, autoridades eclesiásticas, advogados). Mas nas comunidades mais populosas, o relacionamento entre as pessoas é mais formais c impessoal, o que leva a diminuir a cíiciência dos mecanismos extrajudiciais de resolução de conf1itos. W AT ANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas. In: WAT ANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei n° 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 2.

5 Por intermédio da Lei n° 9.1541/99 permitiu-se a possibilidade das microempresas de encaminhar suas

reclamações nos Juizados Especiais.

" Vide <http:www.camara.gov.br> e <http:www.senado.gov.br>.

7 Emenda Constitucional n° 22, de 115.03.1999 e Lei nO 10.259/200 I.

x O Relatório Anual 2008 do CNJ informa que atualmente tramitam nos Juizados Especiais Federais dois

milhões de ações. Disponível em <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 12 fev. 2009.

Y Taxa de congestionamento é uma medida do número de processos para os quais não foi prolatada sentença durante o período de estudo, ou seja, ela indica o número de processos que estão "parados" aguardando sentença. Essa taxa ajuda a medir a morosidade no julgamento dos processos. A taxa de congestionamento é medida pela divisão do número de sentenças que extinguem os processos pela soma do número de casos novos com o número de casos pendentes de julgamento. Fonte: CNJ. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 12 tev. 2009.

(15)

relação entre o número de casos novos e os pendentes de julgamento e o número de magistrados -, foi superior a 9.000 processos por juiZ. 11

Com essa alta taxa de congestionamento e esse acervo de processo, é facilmente perceptível que os Juizados Especiais padecem do mesmo mal de outros ramos do Poder Judiciário: a morosidade na entrega da prestação jurisdicional.

Essa lentidão na solução dos conflitos também é ratificada pela pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais - CEBEPEJ ヲセL@ em parceria com a SecretaIia de Refonna do Judiciário, do Ministério da Justiça - SRJ/MJ, no ano de 2006 13, em nove capitais, que chegou à conclusão de que o processo de conhecimento nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais durava em média 349 dias 14. A Lei n° 9.099/95 prevIU que os processos deveriam terminar com a sentença de mérito em 30 (trinta) dias.ls

Com isso, a conclusão é que o princípio do acesso à justiça - que não pode ser entendido apenas como acesso ao judiciário, mas, e principalmente, também como um direito à tutela jurisdicional efetiva e em prazo razoável - foi duramente prejudicado, impondo a necessidade de se buscar mecanismos para garantir a presteza nos julgamentos dos Juizados.

Entretanto, as mazelas da demora na entrega da prestação jmisdicional não se restringem puramente ao elevado número de ações, sempre desproporcional ao número de juízes e servidores, precariedade das estruturas judiciais ou ausência de gerenciamento, além da carência crônica de recursos, mas, principalmente, pela resistência a uma "nova filosofia e estratégia no tratamento dos conflitos de interesses,,16 que os Juizados Especiais trouxeram ao mundo jurídico, em contraponto ao formalismo tradicional do processo.

Orientada pelos princípios da oralidade, simplicidade, infom1alidade, economIa processual e celeridade,17 visando preferencialmente uma solução conciliada dos conflitos,

11 BRAS! L. Conselho Nacional de .Justiça - CNJ - Justiça em número - 2008. Disponível em

<http://www.cnj.jus.br.>. Acesso em: 12jul. 2009.

11 O Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais é uma associação civil, não governamental, sem fins

lucrativos, que objetiva desenvolver estudos e pesquisas sobre o sistema judicial brasileiro. O CEBEPEJ foi fundado em 1999, por profissionais do Direito c das Ciências Sociais, diante da constatação da escassez de informa.,:ões e estudos científicos relativos à Justiça brasileira. Disponível em <http://www.cebepej.org.br.>.

U CEBEPEJ .• Juizados Especiais Cíveis - Estudos. Pesquisa realizada para a Secretaria de Reforma do

Judiciário do Ministério da Justiça em nove cidades de difercntes unidades da Fcdcração. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br >. Acesso em: 12 tev. 2009.

14 Compreende todas as etapas do processo de conhecimento: distribuição, audiência de conciliação, audiência

de instrução e julgamento, sentença de mérito, interposição e julgamento de recurso.

15 Arts. 16 e 27.

Ih WATANABE. Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas: In:

WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei n° 7.244. de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 1985, p. I.

(16)

--

resumido o procedimento em uma só audiência,18 a Lei n° 9.099/95 trouxe em seu bojo inovações para simplificar e abreviar procedimentos 19 com o desígnio de reduzir custos e acelerar o processo.

Portanto, a regra é o procedimento oral, simples, acessível e célere, com a concentração dos atos processuais, buscando sempre que possível em audiência única a conciliação ou, se for o caso, a instrução processual e imediatamente o julgamento, desde que não haja prejuízo para defesa.

OCOlTe que, na prática forense, os princípios norteadores dos Juizados Especiais, em especial os da economia processual e celeridade, estão sendo sacrificados, já que a regra da unificação das audiências cedeu lugar para ao agendamento de no mínimo duas audiências em momentos distintos, contribuindo para aumentar o tempo de duração do processo.lO

Esse artifício produz prejuízos para o jurisdicionado, pois retarda a sua "saída" do Poder Judiciário, aumentando os desgastes naturais de uma batalha judicial e anulando os benefícios adquiridos pela conquista do acesso formal à Justiça.

Com essa realidade, ocorreu um completo desvirtuamento dos princípios e regras procedimentais da Lei dos Juizados Especiais, ficando comprometido o acesso à justiça para o cidadão envolvido em causas de menor complexidade e valor econômico e a esperança de romper a crença generalizada de que a Justiça é lenta, cara, complicada21 e somente para os abastados.

Uma das alternativas para tentar mll1l111IZar esse quadro e impedir o comprometimento do funcionamento desse essencial microssistema22 da Justiça é a mudança da prática de procedimentos dos aplicadores do direito.

IX Arts. 16 e 27.

19 WAT ANABE, Kazuo_ Filosofia c características básicas dos Juizados Especiais dc Pcquenas Causas. In:

WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei n° 7.244, de 7 de novembro de

191\4. São Paulo: Ed' Revista dos Tribunais, 1985. p. 1.

20 .Juizados Especiais Cíveis - Estudos. Pesquisa realizada pelo CEBEPEJ para a Secretaria de Reforma do

Judiciário do Ministério da Justiça em nove cidades de diferentes unidades da Federação constatou que, com exceção do Rio de Janeiro, em todos os demais Estados, na prática, convencionou-se divorciar as duas audiências, aumentando o prazo de duração do processo_ Disponível em: <http://www.cebepej.org.br >. Acesso em: 12 fev 2009; FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f Tese (Doutorado em Direito Processual) -- Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p.In-I80.

21 WATA.NABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas. In:

WATA:-.JABE. Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei n° 7.244, de 7 de novembro de

1984. São Paulo: Eel. Revista dos Tribunais, 191\5, p. 2.

(17)

Os juízes, responsáveis pela condução dos trabalhos judiciais, precisam estar à

frente dessas mudanças, com uma revisão de procedimentos formais já enraizados na prática forense, busca!ldo uma adequação em consonância com o espírito da Lei.

Assim, diante da constatação do problema da morosidade que ameaça o funcionamento dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, o tema está limitado à análise dos princípios e das questões técnico-processuais previstos na Lei nO 9.099/95 que prescreve a concentração dos atos processuais com a realização de apenas uma única audiência de conciliação, instrução e julgamento, nos casos de não ocorrer uma composição amigável.

Essa hipótese, que não exige qualquer mudança na legislação, promove um enxugamento processual e procedimental que muito pode contribuir para desafogar os Juizados, possibilitando a garantia do acesso à justiça de forma efetiva e menos morosa sem, contudo, comprometer a observância do contraditório, da ampla defesa e da segurança jurídica.

Nesse contexto, a hipótese de trabalho é demonstrar que a utilização do procedimento com audiência única pode reduzir o tempo de tramitação dos processos nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, e, consequentemente, proporcionar julgamentos mais rápidos, melhorando a ampliação do acesso à justiça.

2. Plano de trabalho e metodologia

A dissertação desenvolve-se buscando a solução nas fontes doutrinárias e no sistema nonnativo vigente, além do suporte de dados estatísticos e pesquisas divulgadas. O trabalho está dividido em quatro capítulos, além dessa introdução.

No primeiro capítulo expor-se-á uma visão geral do movimento internacional sobre o direito ao acesso à justiça a partir dos estudos de Mauro Cappelletti.

Após essa abordagem geral, será enfatizada a natureza de direito e gatantia fundamental do acesso à justiça, inclusive com citações de sua abordagem em Pactos internacional, e, por fim, da sua efetividade, aí contidos a necessidade de redução do tempo (e consequentemente dos custos) para que o sistema seja "igualmente acessível a todos," 23 pois

o fator tempo é um elemento detemlinante para garantir e realizar o acesso à justiça.

23 CAPPELLETTL Mauro; Garth. Bryan. Acesso à Justiça. Tradução dc Ellcn Gracic NOIthfleet. Porto Alegre,

(18)

E nesse contexto que surgem os Juizados Especiais, que tem como objetivo a busca da ampliação do acesso à justiça através de um procedimento simplificado, rápido e barato.

No segundo capítulo, em um pnmelro momento, será abordada a evolução legislativa até o atual sistema normativo que abrange os Juizados Especiais, sua criação, sua implantação, sua finalidade, suas características básicas e será depois feita uma apreser.tação detalhada dos princípios que orientam os Juizados Especiais, tudo dentro da perspectiva do direito a uma tutela jurisdicional tempestiva, sem a qual não se realiza o direito de acesso à

justiça.

No terceiro capítulo, será objeto de estudo o princípio da razoável duração do processo e da celeridade no trâmite processual, que vem expresso no artigo art. 5°, inciso LXXVIII, da Constituição da República e o tempo nos Juizados Especiais, com apresentação de alguns dados estatísticos demonstrando a demora na resolução dos conflitos.

Também será analisado o rito da audiência na Lei n° 9.099/95, e como a burocracia e a tendência de assemelhar o rito dos Juizados ao lito do processo civil desvitiuam o espírito da lei no dia a dia nos Juizados, descaracterizando seus princípios e comprometendo a celeridade na entrega da prestação jurisdicional com o aumento do tempo do processo ao utilizar o procedimento de realizar duas ou mais audiências em dias distintos.

No quatio e último capítulo, apresenta-se uma proposta prática para implementação da audiência única, o que vai possibilitar a efetivação dos princípios orientadores dos Juizados Especiais com maior pragmatismo e flexibilidade e menor solenidade, tudo visando a garantia e realização do acesso à justiça (sob a ótica da brevidade jurisdicional).

Este trabalho, além de estar revestido de uma preocupação prática, isto é, na resolução de um problema, objetivo maior de um Mestrado Profissional, 24 não descuidou da

abordagem acadêmica.

Pretendeu-se, assim, neste estudo, demonstrar a necessidade de uma mudança na prática procedimental dos Juizados Especiais Cíveis, que devido a recalcitrância dos adeptos ao fom1alismo do processo civil tradicional, foi desnaturado em suas regras e princípios, com reflexos diretos no tempo de tramitação dos processos.

24 Em entrevista ao .lornal O Globo, no dia 21/06/2009, o presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de

(19)

1 DO ACESSO

À

JUSTIÇA

1.1 Notas introdutórias

o

acesso à justiça é tema que há muito desperta interesse de juristas e cientistas

dos maIS variados ramos do saber científico, comportando, por isso, as mais variadas

acepções, tendo passado, ao longo dos anos por grandes transformações, com interpretações e abordagens distintas, dependendo da perspectiva e ideologia25 do observador.26

Portanto, pode-se dizer que o conceito do acesso à justiça é suscetível a influências de natureza política, filosófica, religiosa, sociológica, econômica e jurídica, mas todos objetivando um maior acesso da população em geral, principalmente dos menos favorecidos economicamente, aos mecanismos e procedimentos para realização de uma justiça equitativa, rápida e eficaz.

Essa evoluçào da discussào sobre o tema do acesso à justiça ganhou corpo com os estudos de Mauro Cappelletti, professor da Università degli Studi di Firenze e do Instituto Universitário Europeu, catedrático da Stanlord University, que realizou pesquisa em diferentes países acerca do acesso à justiça, denominado Projeto Florença (Florence

pイイセゥ・」エIN@ 27

25

°

termo ideologia, de aeordo eom Noberto Bobbio, tem uma gama de significados diferentes e o seu múltiplo

uso pode produzir dois tipos gerais de signitieados, sendo um significado/raeo e outro significado jórte. "No seu

significado fraco, Ideologia designa o genus, ou a .\pecies diversamente definida, dos sistemas de crenças

políticas: um conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os

comportamentos políticos coletivos.

°

significado forte tem origem no conceito de Ideologia de Marx, entendido

como tàlsa consciência das relações de domínio entre as classes, e se diferencia claramente do primeiro porque mantém, no próprio centro, diversamente modificada, corrigida ou alterada pelos vários autores, na noção de fàlsidade: a Ideologia é uma crença tàlsa. No significado fraco, Ideologia é um conceito neutro, que prescinde do caráter eventual e mistificante das crenças políticas. No significado forte. Ideologia é um conceito negativo que denota precisamente o caráter mistificante de falsa consciência de uma crença política." In: BOBBIO, Noberto;

MATTEUCCI, Nicola; PASQUlNO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varriale [et aI].

Brasília: Editora Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, l2a ed .. 2002, VoI. I, p. 585.

Ver também CHALJI, Marilena de Souza. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2003.

26 CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova

sistcmatização da tcoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forensc, 2007, p.3. FERRAZ, Leslie Shérida.

Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) -- Faculdade de Direito da Univcrsidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p.69; BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. 2a ed. Revista.

Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 126; CICHOCKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba:

Juruá, 2008, p.57.

27 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northflect. Porto

Alegre, Fabris, 1988; GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappellefti:

(20)

Nesse trabalho foram colhidos dados empíricos com os objetivos de identificar e conhecer os obstáculos mais frequentes ao acesso à justiça, além de conhecer programas bem sucedidos acerca do tema. O resultado da pesquisa foi apresentado em um relatório geral que Cappelletti publicou. juntamente com Bryan Garth2H, no final da década de 70, que posterionnente foi traduzida uma versão resumida para o pOltuguês por Ellen Gracie Northflleet?.!

É certo que em diferentes períodos históricos ocorreram movimentos perseguindo o ideário de justiça e a possibilidade de acesso à ordem jurídica,30 mas foi a partir do surgimento dos direitos sociais, os denominados direitos de segunda31 geração,32 que eclodiu na doutrina internacional uma nova concepção do processo e a preocupação com um acesso à justiça que não fosse apenas um mero acesso formal ao Judiciário.33

No Estado Liberal34 nos séculos XVIlI e XIX, sob influência da filosofia individualista dos direitos, quando se acreditava que os prêmios e as vicissitudes de cada um

Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Eu., 2005, p. 20; MARQUES, Alberto Carneiro. Perspectivas do processo coletivo no movimento de universalização do acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2007, p.15-16; FONT AINHA, Fernando de Castro. Acesso à Justiça: da contribuição de Mauro Cappelletti à realidade brasileira. Rio de

Janeiro: Lumen Juris Editora. 2009; JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo.

Revista de Estudos Históricos. n° 18, 1996, p. I. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/20I.pdt> Acesso em: 08 abr. 2009.

2;< Professor de Direito na Universidade de Bloomington (USA).

19 CAPPELLETT/. Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northf1eet. Porto

Alegre. Fabris, 1988.

lO Para um estudo aprofundado sobre o acesso à Justiça em diferentes períodos histórico ver: LIMA FILHO,

Francisco das C. Os movimentos de acesso à justiça nos diferentes períodos históricos. Disponível em:

<htpp://www.unigran.br/revistas/jurídica/ed _ anteriores/04/ _ artigos/03.pdt>. Acesso em: 14 abr. 2009;

CARNEIRO. Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo - Rio de Janeiro: Forense, 2007.

11 セ@ doutrina classifica os direitos fundamentais de primeira. segunda e terceira geraçiies. baseados na ordem

cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos. Os de primeira geração são os direitos e

garantias que dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, surgidos institucionalmente a partir da Magna Carta de 1215, assinada pelo rei João Sem Terra. Os de segunda geração são os direitos sociais, econômicos e culturais, inspirados e impulsionados pela Revolução Industrial europeia a partir do início do

século XIX. Os direitos de terceira geração, chamados de direitos de solidariedade ou fraternidade, que

compreendem o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, a uma saudável qualidade de vida. ao progresso. à paz, à autodctcm1inação dos povos e a outros direitos difusos, como o direito dos consumidores.

Fala-se, ainda. em direitos de quarta e quinta gerações que decorreriam dos avanços no campo da engenharia

genética (quarta) e os que envolveriam a compaixão. o cuidado e o amor por todas as fonnas de vida (quinta). Porém, essas novas gerações de direitos ainda nào foram reconhecidas explicitamente no ordenamento jurídico e

nem há consenso na doutrina. Fontes: MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17a ed. São Paulo:

Atlas. 2005. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. II a cd. São Paulo: Editora Método, 2007.

p. 694-695. PAROSKI, Mauro Vasni. Direitos fundamentais e acesso à Justiça na Constituição. São Paulo:

Ltr, 2008. p. 113-122.

31 A doutrina também classifica como dimensões, pois entende que uma etapa complementa a outra. Quando se

fala em geração. pode-se passar a idéia de que uma etapa superou a outra.

3.1 GOMES NETO. José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica desta

concepção como "movimento" de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. li.

(21)

dependiam do seu único desempenho - reflexo da política do laissez fàire35 - e refletiam nos procedimentos judiciais utilizados para a resolução dos conflitos, o direito ao acesso à justiça significava apenas um direito individual e formal de propor ou contestar uma ação:,6

Naquela época prevalecia a teoria de que o direito de acesso à justiça era um direito natural. anterior ao próprio Estado, não necessitando de uma ação deste para sua proteção, exigindo apenas que o Estado não pernlitisse a aplicação da vingança privada.37 Não havia qualquer preocupação dos órgãos estatais em garantir aos cidadãos a proteção dos seus direitos, desprezando, consequentemente, o direito do acesso à justiça. 38

Na prática, o acesso ao judiciário somente podia ser obtido por aqueles que pudessem suportar os seus custos e suas delongas, ou seja, o acesso era fonnal, mas não efetivo - no sentido de ser acessível a todos - e correspondia à igualdade, também fonnal, e não efetiva.39

Com a transfornlação da sociedade e o surgimento do Estado Social,40 sob a influência da teoria marxista,41 essa visão individualista e limitada a quem dela pudesse

ulterior do Estado Moderno, a do "Estado de direito. fundado sobre a liberdade política (não apenas privada) e sobre a igualdade de participação (e não apenas pré-estatal) dos cidadãos (não mais súditos) frente ao poder, mas gerenciado pela burguesia como classes dominantes, com os instrumentos científicos fornecidos pelo direito e pela economia na idade triuntàl da Revolução Industrial" In: BOBBIO, Noberto; MA TTEUCCL Nicola; PASQUINO. Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varrialc [et aI]. Brasília: Editora Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Ofieial do Estado, 12" ed .. 2002. Vol. I, p. 425-431. Para uma melhor compreensão sobre o Estado Liberal e o Estado Social, ver BONA VIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas. 1972.

35 Laissez Faire (deixar fazer). "Palavra de ordem do liberalismo econômico, proclamando a mais absoluta

liberdade de produção e comercialização de mercadorias. O lema foi cunhado pelos fisiocratas franceses no

século XVIII. mas a política do ャ。ゥウウ・コセO¢ゥイ・@ foi praticada e defendida de modo radical pela Inglaterra, que estava

na vanguarda da produção industrial e necessitava de mercados para seus produtos. Essa política opunha-se radicalmente às práticas corporativistas e mercantilistas, que impediam a produção em larga escala e

resguardavam os domínios coloniais. Com o desenvolvimento da produção capitalista, o laissez-faire evoluiu

para o liberalismo econômico. que condenava toda intervenção do Estado na economia." In: SANDRONL Paulo. Dicionário de Economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 465.

36 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH. Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northf1eet. Porto

Alegre, Fabris, 1988. p. 9.

37 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH. Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto

Alegre, Fabris, 1988. p. 9.

3X PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis. Questões de processo e de

procedimento no contexto do acesso à justiça. Editora Lumen juris. Rio de Janeiro. 2004. p.16.

JY CAPPELLETTI. Mauro; GARTH. Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northtleet. Porto

Alegre. Fabris, 1988, p. 9-1 I .

411 O Estado Social é uma das formas do Estado Moderno. sendo caracterizado como uma resposta direta às necessidades das classes subaltemas emergentes que não eram atendidas pelo Estado Liberal, obrigando uma intervenção cada vez mais forte do Estado nos campos eeonômicos e social com o objetivo de proporcionar aos cidadãos padrões de vida mínimos. Fontes: BOBBIO. Noberto; MATTEUCCI. Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varriale [et aI]. Brasília: Editora Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 12" ed .. 2002. Vol. I, p. 429-430; SANDRONI. Paulo. Dicionário de

Economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 313.

41 Norbel10 Bobbio diz que o Mw:tismu é um "conjunto das idéias, dos conceitos. das teses, das teorias, das

(22)

••

usufruir, típica do liberalismo econômico,42 começa a perder força e o pensamento dominante passou a preocupar-se mais com o coletivo do que com o individual e a garantia de acesso à justiça passou a ser considerada como direito social fundamental básico,43 buscando não uma igualdade fonnal, mas uma it,TUaldade material que possibilitasse a todos o acesso aos seus direitos.44

Com o reconhecimento dos direitos sociais de segunda geração, a sociedade fez exigir urna atuação mais positiva do Estado, no sentido de garantir sua real efetivação.45 A partir daí surgiram vários estudos e manifestações para garantir um maior acesso à justiça, não somente para os afortunados, mas para todas as camadas da população.

No Brasil, segundo Eliane Junqueira,46 o tema acesso à justiça passou a ter maior atenção a partir dos anos 80, com a publicação do trabalho produzido por Mauro Cappelletti e Bryan Garth, embora as justificativas não tCJssem as mesmas dos países desenvolvidos.47

'doutrina', que se podem deduzir das obras de Karl Marx e de Friedrich Engels." BOBBIO, Noberto;

MATTEUCCL Nicola: PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varri ale [et ai].

Brasília: Editora Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, l2a ed., 2002, Vol. 1, p. 738. Paulo Sandroni, pela ótica econômica, definiu o Marxismo como uma "fundamentação ideológica do moderno comunismo. Abrange uma filosofia e uma sociologia. Mudou os rumos da economia política, principalmente com a obra O Capital, de Marx, que expõe a teoria da mais valia e considera o capitalismo um modo de produção transitório, sujeito a crises econômicas cíclicas. e que, por efeito do agravamento de suas contradições internas, deverá ceder o lugar ao modo de produção socialista, mediante a prática revolucionária. A teoria política marxista, chamada de socialismo científico, considera que a luta de classes é o motor da história e que o Estado é sempre um órgão a serviço da classe dominante, cabendo à classe operária, como classe revolucionária de

vanguarda, lutar pela conquista do Estado da ditadura do proletariado." In: SANDRONL Paulo. Dicionário de

Economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 518.

42 O liberalismo econômico foi definido e estruturado pela doutrina de pensadores como François Quesnay, Jonh Stum1 Mill, Adam Smith, David Ricard, Thomas Malthus, J .B. Say e F. Bastiat, que consideravam que a economia, da mesma forma que a natureza fisica, é regida por leis naturais, universais e imutáveis, cabendo ao

indivíduo 。ー・ョ。セ@ descobri-las para melhor atuar de acordo com essa ordem natural. Dessa forma, os

comerciantes estariam livres da intervenção do Estado e da pressão de grupos sociais e poderiam alcançar

naturalmente o máximo de lucro com o mínimo de esforço. Essa doutrina aplicou os princípios do laissez-faire

no comércio internacional, ou seja, o livre comércio entre as nações, condenando as praticas mercantilistas, as barreiras alfandegárias e protecionistas. Porém, com o desenvolvimento do capitalismo e a formação de monopólios no final do século XIX, que geraram concentração de renda e propriedade, seus princípios entraram em contradição, sendo necessária a intervenção do Estado para a racionalização e a evolução da economia.

Fonte: SANDRONL Paulo. Dicionário de Economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 486-487.

43 C APPELLETTI, Mauro; GARTH. Bryan. Acesso à .Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto

Alegre, Fabris. 1988, p. 11-12.

44 PEREIRA. Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis. Questões de processo e de

procedimento no contexto do acesso à justiça. Editora Lumen juris. Rio de Janeiro -- 2004, p.16

45 ANNONI, Daniele. Direitos humanos & acesso à justiça no direito internacional. Curitiba: Juruá, 2008, p. 113.

46 JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à .Justiça: um olhar retrospectivo. Revista de Estudos Históricos, n°

18, 1996. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.brirevista/arq/201.pdt> Acesso em: 08 abr. 2009.

(23)

11

Essa evolução da discussão sobre o tema ganhou força e o acesso à justiça passou a representar o acesso efetivo àjustiça,48 que para garantir essa efetividade Cappelletti e Garth identificaram três obstáculos a serem transpostos para a afirmação e reivindicação dos direitos, quais sejam: (i) custas judiciais, (ii) possibilidades das partes e (iii) problemas especiais dos interesses difusos. 49

Sobre as (i) custas judiciais, os referidos autores afirmam que os litigantes precIsam supottar as despesas com os processos judiciais, incluindo os honorários de advogados e peritos, que agem como uma importante barreira ao acesso à justiça,50 pois toma muito dispendioso para o demandante propor uma ação judicial, em que na maioria das vezes ele não tem a certeza do sucesso.51

Nos casos que envolvem causas de pequeno valor os custos podem exceder o montante do valor em disputa, tomando a demanda completamente inviável. Outro fator que impede o acesso à justiça é o tempo para a solução judicial, pois a delonga aumenta os custos financeiros e pressiona as partes economicamente fracas a abandonar suas causas ou aceitar acordos por valores inferiores aos que teriam direito.52

Outra barreira seria (ii) as possibilidades das partes, expressão empregada no sentido de que alguns litigantes possuem vantagens em relação a outros, fator de desequilíbrio para o acesso à justiça.

As pessoas ou grupos que possuem mais recursos financeiros estão em posição privilegiada, tanto para suportar as delongas do litígio, como para produzir provas de maneira mais eficiente,53 como também aquelas com uma melhor 'capacidade jurídica' pessoal, pois essas têm um conhecimento jmídico básico para reconhecer um direito juridicamente exigível ou saber buscar um aconselhamento jurídico qualificado. 54

retrospectivo. Revista de Estudos Históricos, n° 18, 1996, p.l Disponível em:

<http:hvww.cpdoc.fgv.br/revistalarq/201.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2009.

4, Na definição de Cappelletti, "Primeiro, o sistema deve ser acessível a todos; segundo, ele deve produzir

resultados que sejam individual e socialmente justos." In: CAPPELLETTI, Mauro; GARTH. Bryan. Acesso à

Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northf1eet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 8-9.

49 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northf1eet. Porto

Alegre, Fabris, 1988, p. 15 .

. 10 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto

Alegre, Fabris, 1988, p. 15-18.

51 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northf1eet. Porto

Alegre, Fabris, 1988, p. 17 .

. 12 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH. Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northf1eet. Porto

Alegre, Fabris, 1988, p. 20.

51 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northf1eet. Porto

Alegre, Fabris, 1988, p. 21.

54 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH. Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie NOIthfleet. Porto

(24)

Há, ainda, relacionados às possibilidades das partes, os litigantes 'habituais', 55 que

levam vantagens sobre os litigantes 'eventuais', uma vez que podem desenvolver maior experiência, planejamento, diluição de custos, estratégias de defesas, etc., impondo outras ban'eiras ao acesso à justiça para aquela camada da população que eventualmente litiga nos tribunais.56

Cappelletti e Garth ainda descrevem os (iii) problemas relacionados com os

interesses difitsos como uma outra barreira ao acesso à justiça. Primeiro, porque nem todos

possuem legitimidade para buscar a tutela judicial para corrigir um interesse coletivo, e segundo, porque na maioria das vezes o prêmio individual para buscar essa tutela é pequeno demais, desestimulando o cidadão comum. 57

Na visão desses autores, todas essas barreiras são maiS pronunciadas para as pequenas causas e para demandantes individuais e pobres, especialmente contra grandes organ izações.

A solução prática para esses problemas do acesso à justiça aconteceu, nos países ocidentais e mais desenvolvidos, especialmente nos Estados Unidos, em uma sequência mais ou menos cronológica, e foi estruturada por Cappelletti e Garth em três etapas, denominadas "ondas renovatórias".

A primeira "onda" concentrou-se no objetivo de proporcionar assistência jurídica gratuita para os pobres, em decorrência da constatação de que os custos com advogados são uma barreira para o acesso à justiça.

De acordo com as pesquisas do Projeto Florença, apesar de reconhecer o direito de acesso à justiça, os países ocidentais prestavam os serviços de assistência judiciária de fonna inadequada, geralmente por advogados particulares, sem qualquer contraprestação, o que, em uma economia de mercado, limitava o trabalho dos bons advogados que tendiam a dispensar mais tempo para seus trabalhos remunerados.5x

<5 A distinção entre litigantes habituais e eventuais está baseada na "frequêneia de encontros com o sistema

judicial," ou seja, aquele que frequentemente está demandando com alguém na Justiça e aquele que nunca ou

poucas vezes esteve em juízo. CAPPELLETT\. Mauro; GARTH Bryan. Acesso à justiça. Tradução de Ellen

Gracie N0l1hfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 25.

56 CAPPELLETTl, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellel1 Gracie Northfleet. Porto

Alegre, Fabris. 1988, p. 25-26.

57 CAPPELLETTl, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto

Alegre, Fabris, 1988, p. 26-28.

,g CAPPELLETTl, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northf1eet. Porto

(25)

A partir do início do século XX começou um programa de reforrnulação do sistema de assistência judiciária pelos países ocidentais, "de modo a remunerar os advogados mais adequadamente.,,59

Na segunda "onda", para tomar efetivo o acesso à justiça, Cappelletti e Garth destacam o problema da representação dos interesses difusos e coletivos, que não tinham proteção na concepção tradicional do processo civil, por ser vista apenas como uma questão a ser resolvida entre duas partes e com interesses individuais.6o

A terceira "onda" é uma concepção mais ampla de acesso à justiça, considerando as outras "ondas" como complementares de uma série de proposições para melhorar o acesso,6l com atuação nas instituições, pessoas e procedimentos para processar e mesmo prevenir litígios, o que Cappelletti e Garth denominam de "um novo enfoque de acesso à justiça".

A primeira dessas proposições apresentadas são as alterações nos procedimentos judiciais, com melhoria e modemização tomando-os mais acessíveis e adequados para a resolução dos conflitos, tudo em busca da efetividade do processo.

Outras proposições seriam a mudança na estrutura judicial, com a criação de outros tribunais e o uso de pessoas leigas ou paraprofissionais no Judiciário e nas instituições essenciais à justiça, e modificações no direito processual, inclusive com utilização de métodos altemativos de solução de conflitos.62

Embora os autores reconheçam os avanços da assistência judiciária gratuita para os pobres e a representação de interesses difusos e coletivos e nem desprezam tais soluções -afirmam que elas não são suficientes para assegurar no nível prático o acesso à justiça, sendo necessária atenção ao conjunto geral de instituições, recursos humanos, técnicas e procedimentos para processar e prevenir conflitos nas sociedades modemas.

Essas tendências são marcadas pelas refOlmas dos procedimentos judiciais, pela utilização de métodos altemativos de resolução de conflitos (conciliação, arbitragem e mediação), pela criação de instituições especiais para detetminados tipos de causas de

:'4 CAPPELLETTI. Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto

Alegre, Fabris, 1988, p. 32-47.

()Ü CAPPELLETTI. Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto

Alegre, Fabris, 1988, p. 49-50.

61 PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis.Questões de processo e de

procedimento no contexto do acesso à justiça. Rio de Janeiro: Editora Lumen juris, 2004, p. 26.

61 CAPPELLETTI. Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto

(26)

1/1

particular "importância social" e mudanças nos métodos utilizados para a prestação de serviços jurídicos.!>3

Percebe-se, aSSIm, que é nessa terceira64 "onda" que se encontram os Juizados Especiais, por representar o acesso à justiça de fonna adequada para a solução dos conflitos de pequeno valor, de forma ágil, sem custas e sem fonnalismos exacerbados.

1.2 As repercussões das ondas de Cappelletti no direito processual brasileiro

No Brasil o movimento do acesso à justiça não acompanhou o mesmo caminho das três "ondas renovatórias" dos países desenvolvidos, já que aqui elas surgiram praticamente juntas a partir da década de 80, em decorrência de movimentos internos no processo político e social da abertura política e pela exclusão da grande maioria da população de direitos básicos sociais.65

Esse talvez seja o motivo pelo qual, no Relatório Geral do Projeto Florença, Cappelletti e Garth mencionam a legislação brasileira uma única vez, quando citam a Lei da Ação Popular (Lei n° 4.717/65), ao tratarem da representação dos interesses difusos (segunda

d )66

on a .

Mesmo assim, no Brasil, as várias transfornlações legislativas e doutrinárias do movimento de acesso à justiça podem ser identificadas com cada um desses momentos (ou onda), principalmente sob a ótica do ordenamento processual.

,,3 CAPPELLETTL Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de ElIen Gracie Northfleet. Porto

Alegre, Fabris, 1988, p. 75-159.

tJ.1 A doutrina エセャャ。@ no surgimento de uma quarta onda no movimento de acesso à justiça, que surge a partir da

verificação de que a formação e a atuação adequada dos operadores do direito é condição para a mudança do

sistema de justiça c para o acesso à justiça. A tese é defendida por Kim Ecof1omides. professor do Departamento

de Direito. da Universidade de Exeter, Inglaterra, que trabalhou junto com Mauro Cappelletti no Projeto Florença. Para o mencionado professor, essa quarta onda deve direcionar a atenção sobre o "acesso dos cidadãos ao ensino do direito e ao ingresso nas profissões jurídicas" e "uma vez qualificados, o acesso dos operadores do direito à j L1stiça. Tendo vencido as barreiras para admissão aos tribunais e as carreiras jurídicas, como o cidadão pode se assegurar de que tanto juízes quanto advogados estejam equipados para fazer 'justiça'."

ECONOMIDES, Kim. Lendo as ondas do "Movimento de Acesso à Justiça": epistemologia versus metodologia'?

In: Dulce Pandolfi ... tet aI]. (orgs). Cidadania, justiça e violência. Rio ele Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 61-76. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao _intelectual/arq/39.pdf>. Acesso em 03 fev.2010.

65 JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo. Revista de Estudos Históricos, n°

18,1996, p.2. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/201.pdf>. Acesso em: 08 abro 2009.

66 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto

(27)

1.2.1 A primeira onda: assistência jurídica gratuita aos necessitados

Como dito anteriornlente, a primeira "onda" renovatória foi no sentido de facilitar o acesso à justiça para a população mais carente, com a oferta de assistência jurídica gratuita aos necessitados, superando o obstáculo econômico.

As pessoas carentes economicamente são levadas a renunCIar a seus direitos diante do alto custo do processo, representado pelo pagamento de custas, taxas e emolumentos judiciais, bem como honorários de peritos e advogados.67

No Brasil, a primeira iniciativa para superar esse obstáculo foi a edição da Lei n° 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, que estabeleceu nonnas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, assim considerados todos aqueles cuja situação econômica não lhes pennita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento própno ou da própria família.6H

Essa lei disciplina que a assistência judiciária compreende a isenção das taxas judiciárias, emolumentos e custas devidos ao Estado; despesas com as publicações dos atos oficiais; indenizações devidas às testemunhas; honorários de advogados e peritos; despesas com a realização do exame de código genético - DNA - requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade.69

Na verdade, desde a Constituição de 1934 (art. 113) já havia previsão do direito e garantia de assistência judiciária aos necessitados. Na Constituição de 1937 ela foi retirada, voltando a constar nas Constituições de 1946 (art. 141, § 35), de 1967 (art. 150, §32) e na Emenda Constitucional n° 1 de 1969 (art. 153, §32). 70

Entretanto, somente na Constituição de 1988 esse direito e garantia fundamental foi aperfeiçoado, inclusive com distinção tenninológica, pois, ao invés da previsão de assistência judiciária, trouxe previsão de assistência jurídica, integral e gratuita aos necessitados.71

A expressão jurídica tem um sentido mais amplo do que a palavra judiciária, pois engloba a assistência judicial, isto é, o patrocínio gratuito da causa por um advogado ou

67 GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro CappelIetti: análise teórica desta

concepção como "movimento" de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 64.

6X Art. 2°, parágrafo único, Lei nU 1.060/50.

64 Art. 3u, Lei n° 1.060/50.

(28)

ti

"

defensor cuja remuneração ficará a cargo do Estado, além da isenção de pagamento de custas e despesas processuais, até a informação, orientação e aconselhamento para a prática de todos os atos jurídicos, sejam judiciais ou extrajudiciais, como a realização de atos notariais e a defesa em processos administrativos.72

Para instrumentalizar esse direito e garantia, a Constituição de 1988 elevou a Defensoria Pública ao status de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, com autonomia funcional e administrativa, incumbida da orientação jurídica e defesa, em todos os graus, dos necessitados. 73

As atividades da Defensoria Pública da União e dos Estados foram regulamentadas pelas Leis Complementares n° 80, de 12 de janeiro de 1994, e n° 98, de 3 de dezembro de 1999.

Destaca-se que embora a Defensoria Pública esteja prevista constitucionalmente, ela não foi implementada em todos os Estados (e nem mesmo pela União), e em muitos dos quais já ocorreu essa implementação, elas ainda funcionam de forma precária sendo imprescindível dotá-las de condições humanas e materiais para viabilizar o acesso à justiça daqueles desprovidos de recursos econômicos, que são a maioria dos que integram a sociedade brasileira. 74

71 Art. 5" inciso LXXIV da CFí88: O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

72 Para maiores informações sobre o tema ver também: ALVES, Cleber Francisco. Justiça para todos!

Assistência jurídica gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,

2006, p.262; GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise

teórica desta concepção como "movimento" de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 75; BARBOSA MOREIRA, J.c. O direito à assistência jurídica:

evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo, RePro 67/130, apud LENZA, Pedro. Direito

Constitucional Esquematizado セ@ lia ed. São Paulo: Editora Método, 2007, p.612.

n Art. 134 da CR/88.

74 SOUSA. Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2a ed., 2008,

(29)

A assistência jurídica gratuita ainda é prestada por advogados dativos nomeados pelo Estado, pelas Procuradorias Estaduais e até pelo Ministério Público, principalmente nas cidades interioranas onde não foram instituídas as Defensorias Públicas. Outras organizações da sociedade civil também desempenham relevantes serviços de assistência jurídica, com destaque para os Escritórios Modelos de diversas Faculdades de Direito. 75

1.2.2 A segunda onda: representação dos interesses difusos

A segunda "onda" pode ser resumida no esforço para resolver o problema de "representação dos interesses difusos, assim chamados os interesses coletivos ou grupais.,,76

No Brasil, a legislação especificou e definiu os interesses coletivos (em sentido amplo) em direitos difusos, coletivos (em sentido estrito) e individuais homogêneos.

Os direitos difusos são os "transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indetenninadas e ligadas por circunstâncias de fàto"; os direitos coletivos (em sentido estrito), os "transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base"; e os direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de

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orIgem comum.

Essa segunda "onda" provocou uma mudança substancial no sistema processual, de tradição individualista e liberal, que antes era utilizado para solucionar conflitos individuais, entre duas partes, e passou a buscar mecanismos e institutos para efetivação dos direitos sociais, de interesses comuns.

Como já referido anterionnente e mencionado no trabalho de Cappelletti e Garth, o Brasil criou a Lei n° 4.717, de 29 de junho de 1965, denominada Lei da Ação Popular, que possibilitou a qualquer cidadão pleitear a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao interesse público de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.

75 Sobre o tema consultar: SILVA, Luiz Mario de Barros. O acesso ilimitado à justiça através do estágio nas

faculdades de direito - Rio de Janeiro: Renovar. 2006.

7(, CAPPELLETTl, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northt1eet. Porto

Alegre, Fabris, 1988, p. 49.

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Tabela  nUI  - Casos  Novos  por  Estados:  Juizados  Especiais  Estaduais e Justiça Comum
Tabela n° 3 - Indicadores da Justiça Comum Estadual - 1° grau
Tabela n° 4 - Prazos nos Juizados Especiais Cíveis - números totais

Referências

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