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Visão estrangeira da religiosidade brasileira no século XIX: uma leitura da obra de Daniel Parish Kidder

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Academic year: 2017

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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

DE CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

VISÃO ESTRANGEIRA DA RELIGIOSIDADE BRASILEIRA NO

SÉCULO XIX: UMA LEITURA DA OBRA DE

DANIEL PARISH KIDDER

Por: CARLOS ANTONIO VALENTIM

(2)

CARLOS ANTONIO VALENTIM

Visão Estrangeira da Religiosidade Brasileira no Século XIX:

Uma Leitura da Obra de Daniel Parish Kidder

Dissertação apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Ciências da

Religião

da

Universidade

Presbiteriana

Mackenzie,

como

requisito parcial à obtenção do título

de Mestre em Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Franklin de Sousa

(3)

V155v Valentim, Carlos Ant onio.

Visão estrangeira da religiosidade brasileira no século XIX: uma leitura da obra de Daniel Parish Kidder / Carlos Antonio Valentim.

74 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) -Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2012. Bibliografia: f. 67-74.

1. Inserção do protestantismo. 2. Metodismo. 3.

Religiosidade brasileira. 4. Catolicismo. 5. Viajante. I. Título.

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CARLOS ANTONIO VALENTIM

Visão Estrangeira da Religiosidade Brasileira no Século XIX:

Uma Leitura da Obra de Daniel Parish Kidder

Dissertação apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Ciências da

Religião

da

Universidade

Presbiteriana

Mackenzie,

como

requisito parcial à obtenção do título

de Mestre em Ciências da Religião.

Aprovado em 06 /02 /2012

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Rodrigo Franklin de Sousa - Orientador

Universidade Presbiteriana Mackenzie

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Edson Pereira Lopes

Universidade Presbiteriana Mackenzie

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que nos concede vida, sendo possível a realização de projetos.

A minha esposa, Dulce, e filha, Débora, que tiveram a paciência de suportar minha ausência nos passeios e brincadeiras, durante este período.

Aos meus pais, João Valentim da Silva e Eva Belarmina Valentim, os quais, mesmo não tendo uma formação acadêmica, sempre me motivaram a seguir.

Ao meu irmão José Carlos Valentim, pelo incentivo e estímulo.

Aos irmãos Presbítero Cristian Kresbky da Silveira e Ana Sílvia Sales Ferreira da Silveira, pela revisão do texto e incentivo à pesquisa.

Ao Prof. Dr. Rodrigo Franklin de Sousa, pela bondosa e competente orientação, mesmo com tantos compromissos, sem a qual esse trabalho não seria realizado.

Aos membros da banca examinadora, Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth e Prof. Dr. Edson Pereira Lopes, pelas preciosas contribuições dadas para a conclusão da pesquisa.

À Escola Superior de Teologia, professores e funcionários, pela prontidão no atendimento e sempre com excelência.

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“Cruzes, há com abundância, mas quando prevalecerá a

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo refletir sobre os pensamentos sobre a instituição religiosa brasileira sob o olhar do viajante e missionário metodista norte-americano Daniel Parish Kidder por meio de seus relatos de viagens no Brasil na primeira metade do século XIX. Utiliza-se como referencial teórico o pensamento da Escola dos Annales, mais especificamente E. P. Thompson com sua lógica histórica, que diz que cada época, cada geração fará perguntas diferentes para o objeto estudado e terá respostas diferentes. Para a contextualização do tema observa-se a interpretação da sociedade brasileira feita pelos escritores Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior sobre o período do Brasil colônia. Para compreender a visão estrangeira, analisa-se o que outros viajantes também disseram sobre a religiosidade brasileira e observa-se o que Auguste De Saint-Hilaire, Jean-Baptiste Debret e Richard Francis Burton afirmaram sobre o tema, os quais são unânimes em identificar que a dificuldade de civilizar o Brasil ocorre devido à religiosidade brasileira que, segundo Saint-Hilaire o catolicismo sofreu uma regressão social quando em contato com a natureza primitiva. Para Kidder, e para os intérpretes do Brasil e os viajantes, o Brasil não é civilizado porque a Igreja Católica não conseguiu evangelizar o país, não tendo condições de fazê-lo devido à imoralidade e ignorância do clero. Kidder denuncia também o catolicismo, que em vez de levar os fiéis a Deus, os afastava dele. Para ele, a pregação do evangelho era fundamental para civilizar o Brasil, pois entende que o evangelho que os protestantes norte-americanos ofereceriam para os brasileiros trazia em seu bojo o progresso. Portanto, o Brasil com o evangelho se tornaria um país de homens e mulheres que saberiam ler e escrever, contribuindo assim para o desenvolvimento pessoal e social, rumo ao progresso.

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ABSTRACT

This research aims to analyze the thoughts on the Brazilian religious institution under the eye of the traveler and the American Methodist missionary Daniel Parish Kidder through his narrative of travels in Brazil in the first half of the nineteenth century. It is used as the theoretical thinking of the Annales school, specifically E. P. Thompson with its historical logic that says that each time, each generation will be different questions for the object under study and will reach different answers. To contextualize the subject there is the interpretation of Brazilian society made by the writers Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda and Caio Prado Junior, on the period of colonial Brazil. To understand the foreign view, we analyze what other travelers have also said on the religiousness in Brazil, for it is observed that Auguste Saint-Hilaire, Jean-Baptiste Debret and Richard Francis Burton said on the subject, they are unanimous in identifying the difficulty of civilizing Brazil is due to the Brazilian religiosity, which according to Saint-Hilaire Catholicism has undergone a social decline upon contact with the primitive nature. For Kidder, interpreters of Brazil and travelers, Brazil is not civilized because the Catholic Church was unable to evangelize the country, not having a position to do so because of the ignorance and immorality of the clergy. Kidder also denounces Catholicism, which instead of leading the faithful to God, away from him. For him, preaching the gospel was central to civilize Brazil. Kidder considers that the gospel that American Protestants offered to the Brazilians brought in its bulge the progress. Brazil with the Gospel would become a country of men and women who would know how to read and write, thus contributing to the personal and social development, towards progress.

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SUMÁRIO

Introdução...11

1. A OBRA DE KIDDER...18

1.1 - O Brasil e os Brasileiros...18

1.2 - Reminiscência de Viagens e Permanências no Brasil....27

2. AS RAÍZES DO PENSAMENTO DE KIDDER...29

2.1 – A Teologia Arminiana...29

2.2 – O Despertamento Espiritual...30

2.3 – A Pregação Milenarista...31

2.4 – Olhar Estrangeiro...34

2.5 – Orientações de Kidder...39

3. A RELIGIÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA DO SÉCULO XIX...42

3.1 – A Visão dos Intelectuais Brasileiros...42

3.2 – A Visão dos Viajantes Estrangeiros...51

3.3 - A Igreja Brasileira no Século XIX...60

CONSIDERAÇÕES FINAIS...65

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é identificar, nos relatos de viagem de Daniel Parish Kidder, sua compreensão da religiosidade brasileira. Focalizar-se-á em seus escritos

Reminiscência de Viagens e Permanências no Brasil e O Brasil e os Brasileiros, à luz da lógica histórica de Edward Palmer Thompson. Desta forma, o presente trabalho se insere na linha de pesquisa e estudos interdisciplinares sobre o campo religioso brasileiro do programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Um exemplo da religiosidade brasileira do século XIX pode ser visto nas palavras do arcebispo da Bahia quando falava da falta de padres para suprir as necessidades das paróquias “É melhor não haver padres que havê-los, ignorantes e imorais” (KIDDER, 1980, p. 271). Kidder se utiliza de falas como essas para analisar a religiosidade brasileira.

Diante deste material, dois fatores justificam a realização e relevância deste trabalho. Primeiro, existe um expressivo crescimento da igreja evangélica no Brasil, sendo importante entender como foi sua inserção no Brasil. Segundo, os viajantes do século XIX estão recebendo uma releitura, por teses e dissertações sobre o tema, por exemplo: O Príncipe Maximiliano de Vied-Neuwied, Sir Richard Francis Burton, Jean de Léry, Claude D’abbeville, Jean-Baptiste Debret, Auguste De Saint-Hilaire, entre outros. No entanto o viajante e missionário Kidder não tem tido a mesma atenção. Deste modo estudar Kidder é preencher a lacuna e contribuir para que essa releitura seja expandida.

Neste trabalho discutiu-se a visão de Kidder sobre religião na medida em que seja relevante para a compreensão da religiosidade brasileira do século XIX.

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de pessoas de países protestantes, mas com ressalva, pois ainda era proibida a construção de templos com fachadas de igrejas.

Na Constituição Imperial (1824), o catolicismo foi declarado como religião de Estado, tendo assim um caráter oficial e quase exclusivista. Afirma o artigo número 5: “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”. A autorização para a construção de templos ocorreu depois de algum tempo. Outro fator que contribuiu também para todas essas aberturas foi o fato das autoridades liberais verem nas nações protestantes uma oportunidade de progresso e civilização. Desta forma, a análise dos escritos de Kidder, sua impressão e opiniões sobre a religiosidade brasileira registradas nos escritos Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil e O Brasil e os Brasileiros, possibilitou a compreensão da religiosidade neste período que marcou a inserção do protestantismo brasileiro.

A problematização passa pelos questionamentos: Como a religiosidade brasileira aparece ao olhar de Kidder? Como ele vê as instituições religiosas existentes no Brasil? Para responder às questões propostas, formula-se a seguinte hipótese: Há um Brasil religioso descrito nas obras dos viajantes que estiveram no Brasil no século XIX, dentre eles o missionário Kidder. Para Kidder esse Brasil religioso não era cristão, mas sim marcado por um catolicismo sincrético, supersticioso e pagão, que ao invés de levar as pessoas para um relacionamento com Deus, as afastava dele. Kidder vê nesse sentido uma oportunidade para a implantação de um evangelho “genuíno” trazido pelo protestantismo norte-americano. Sobre essa tentativa de implantação do protestantismo no Brasil, por parte da igreja Metodista norte-americana, enviando o missionário Kidder, alguns escritores destacam: São poucos os trabalhos que abordam o objeto de nossa pesquisa. Estes mencionam sempre o breve período que Kidder passou no Brasil, suas dificuldades de introduzir a bíblia nas escolas públicas, a viagem que fez ao norte e sul do país, a distribuição de bíblias e literatura, a boa receptividade que teve por onde passou, e a morte de sua esposa, tendo assim que abortar a missão, voltando para os Estados Unidos com seus dois filhos pequenos.

Cairns (1990, p. 366) em O Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristãmenciona Kidder somente no texto que segue.

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espiritual aos marinheiros americanos no Rio até que voltassem aos Estados Unidos (Kidder em 1840 e Spaulding dois anos mais tarde).

Ribeiro, em Protestantismo no Brasil Monárquico (1973), mencionando Kidder e Fletcher, fala do trabalho deles, a princípio com marinheiros norte-americanos, e a viagem que fizeram, onde coletaram informações para a confecção de seu livro. Ainda do mesmo autor, Protestantismo e Cultura Brasileira – Aspectos Culturais da Implantação do Protestantismo no Brasil (1981, p.14), enfatiza a importância dos escritos de Kidder quando diz:

O livro de Kidder sobre suas viagens no Sul e no Norte do País, depois ampliado em colaboração com Fletcher, fixou, para os norte-americanos, a imagem do Brasil como um país vasto, pitoresco, amável, acessível aos protestantes, e de futuro; mas, principalmente, como “país de Missão”, ao qual as igrejas protestantes deviam enviar missionários.

A observação de Ribeiro mostra que os objetivos do livro eram tanto a oportunidade financeira de futuro próspero para os norte-americanos, quanto a evangelização dos brasileiros.

EmO Protestantismo Brasileiro (2002), Émile G. Leonard faz uma síntese do trabalho de Kidder. Ao mostrar como o clero católico estava neste período, transcreveu as conversas que Kidder teve com o regente Feijó, apresentou a quantidade de literatura e bíblias distribuídas, e a tentativa de conseguir, através da Assembleia Legislativa, a autorização para doar a cada escola da província doze exemplares da bíblia, porém a autorização foi negada devido à influência do bispo católico, visto que um sacerdote anglicano pôs em dúvida a veracidade da tradução.

EmHistória do Metodismo no Brasil(1992), José Gonçalves Salvador traça uma breve biografia de Kidder, enfatizando o seu trabalho como vendedor de Bíblias, a perda da esposa por febre amarela, seu retorno para os Estados Unidos com seus dois filhos e o hiato que permaneceu após a saída do missionário metodista do Brasil.

Ducan Alexander Reily, em História Documental do Protestantismo no Brasil

(1984) e Momentos Decisivos do Metodismo (1991), transcreve documentos que mostram os verdadeiros motivos para a retirada dos missionários metodistas da primeira tentativa de implantação do metodismo no Brasil, para ele o motivo foi financeiro, a falta de dinheiro nas igrejas norte-americanas e reproduz a proposta apresentada à Assembleia Legislativa da imperial província de São Paulo, solicitando autorização para doar bíblias para às escolas da província. Relata também a perda da esposa e a volta para os Estados Unidos.

Boaventura, num capítulo do livro Introdução a História do Metodismo (1981),

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importante dos missionários que chegaram ao Brasil enviados pela igreja Metodista norte-americana. Os outros dois foram Fontain F. Pitts e Justin R. Spauding.

Eula K. Long, em Do Meu Velho Baú Metodista (1968), contendo várias biografias de missionários, menciona Kidder, ao fazer um breve resumo de seu trabalho em São Paulo, ao Norte e Nordeste do Brasil. Relata também a solidão que a esposa de Kidder sentia quando seu marido ficava meses viajando a trabalho.

Halford R. Luccok, em Linha de Esplendor Sem Fim (s/d),menciona a vinda do missionário Kidder como o primeiro esforço para implantar o evangelho no Brasil. Falam também da perseguição que Kidder sofreu por parte do Cônego Luiz Gonçalves dos Santos, através da publicação do livro Memórias da História do Reino do Brasil.

Além disso, abordam também a intenção frustrada de doar bíblias para as escolas da província de São Paulo. E o retorno a sua terra natal após a morte de sua esposa.

Isnard Rocha, em Pioneiros e Bandeirantes do Metodismo no Brasil (1967), o qual é composto de 100 breves biografias de missionários metodistas que trabalharam no Brasil, enfatiza o trabalho de distribuição de bíblias e o trabalho de produção dos livros Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasile em seguida O Brasil e os Brasileiros.

Antonio Gouvêa Mendonça e Prócoro Velasques Filho, em Introdução ao Protestantismo no Brasil (1990), quando mencionam o protestantismo de Missão que chegou ao Brasil após o protestantismo de imigração, dizem que houve uma tentativa de implantar o metodismo no Brasil em 1836, mas que foi uma tentativa frustrada, não mencionando os nomes dos missionários e nem a missão a que pertenciam.

Luiz Antonio Giraldi, em História da Bíblia no Brasil (2008), relata Kidder como um colportor e viajante que, após sua breve passagem pelo Brasil, volta aos Estados Unidos, motivado pela perda de sua esposa, e escreve suas memórias em livro que recebeu o nome deReminiscências de Viagens e Permanências no Brasil.

Através de um estudo dos textos produzidos por Kidder, a saber,

“Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil” e “O Brasil e os Brasileiros”

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Brasil no século XIX, contribuem para a compreensão da religiosidade brasileira sob o olhar estrangeiro. O conhecimento do contexto religioso norte-americano também é contemplado nesta pesquisa, tendo em vista sua importância para o conhecimento da influência dele para o envio do missionário Kidder ao Brasil.

Utilizar-se-á como referencial teórico E. P. Thompson, que em seu livro A Miséria da Teoria ou um planetário de erros: Uma crítica ao pensamento de Althusser, auxiliará com a sua teoria para o entendimento dos viajantes.

Um método de investigação adequado a materiais históricos, destinados, na medida do possível, a testar hipóteses quanto à estrutura, causação, etc., e a eliminar procedimentos autoconfirmadores. O discurso histórico disciplinado da prova consiste num diálogo entre conceito e evidência, um diálogo conduzido por hipóteses sucessivas, de um lado, e a pesquisa empírica, do outro. O interrogador é a lógica histórica; o conteúdo da interrogação é uma hipótese; o interrogado é a evidência, com suas propriedades determinadas. (THOMPSON, 1981, p.49)

Sendo o historiador inglês um dos expoentes do que se convencionou chamar de “nova história cultural”, além de um profundo militante das causas da “história dos de baixo” e "da história vista a partir de baixo" será de extrema utilidade a aplicação de suas teorias, e de outros referenciais do campo historiográfico, na tentativa de entender o pensamento de Kidder, o viajante de referência, entendendo que faz parte daqueles que fazem a “história dos de baixo”, missionário, protestante, num país genuinamente católico, seus escritos para os historiadores não cristãos não teriam valor histórico na historiografia tradicional.

Ainda relacionando às justificativas para a escolha desses referenciais teóricos observa-se que Thompson foi um grande pensador que soube melhor analisar o objetivo do historiador, que não é chegar à veracidade dos fatos (no caso, impossível), mas ajudar a ver que cada geração fará perguntas à evidência histórica, e terá respostas diferentes. Thompson enuncia:

Cada idade, ou cada praticante, pode fazer novas perguntas à evidência histórica, ou pode trazer luz novos níveis de evidência. Nesse sentido, a “história” (quando examinada como produto de investigação histórica) se modificará, e deve modificar-se, com as preocupações de cada geração ou, pode acontecer de cada sexo, cada nação, cada classe social. (THOMPSON, 1981, P. 51)

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O objeto do conhecimento histórico é a história “real”, cujas evidências devem ser necessariamente incompletas e imperfeitas. Supor que um “presente”, por se transformar em “passado”, modifica com isto seu status ontológico, é compreender mal tanto o passado como o presente. (THOMPSON, 1981, p. 50)

Segundo Thompson (1981, p. 57) nunca a evidência será completa, não se terá a história real, mas o objetivo principal da história é: compreender, explicar e reconstruir seu objeto, a história “real”, que são as próprias evidências do comportamento humano ocorrendo no tempo. De acordo com Thompson, o conhecimento histórico não permanece cativo no passado. “Ele ajuda-nos a conhecer quem somos, saber por que estamos aqui, que possibilidades humanas se manifestam, e tudo quanto podemos saber sobre a lógica e as formas do processo social”

Como foi observado por Thompson (1981, p. 50):

O passado humano não é um agregado de histórias separadas, mas uma soma unitária do comportamento humano, cada aspecto do qual se relaciona com outros de determinadas maneiras tal como os atores individuais se relacionavam de certas maneiras.

Ao utilizar nessa pesquisa Thompson como um referencial teórico, tem-se como objetivo dialogar com certas hipóteses. Para Kidder esse Brasil religioso não era cristão, mas sim caracterizado por um catolicismo sincrético, supersticioso e pagão, que ao invés de levar as pessoas para um relacionamento com Deus, o afastava dele. Kidder vê, nesse sentido, uma oportunidade para a implantação de um evangelho “genuíno” trazido pelo protestantismo norte-americano.

Considerando que a tese de Thompson é definida levando em conta que “cada idade, ou cada praticante, pode fazer novas perguntas à evidência histórica, ou pode trazer luz novos níveis de evidências”, tratar-se-á nesta pesquisa de três intérpretes do Brasil, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Junior, os quais estudando o Brasil, tendo o mesmo objeto de pesquisa, depois de acurada investigação, chegam a um mesmo discurso devido seus pressupostos serem os mesmos. Esses pressupostos estavam relacionados à idéia de progresso existente no século XIX. Sobre este assunto Rost explica:

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presente é melhor e superior, se comparado ao passado, e o futuro será melhor e superior, se comparado ao presente.

No aspecto religioso esse tema tem conotações mais abrangentes a ponto de criar-se uma doutrina escatológica que se chama pós-milenismo que ensinava que a sociedade iria melhorar, que iriam descobrir as curas para as doenças, o mundo se tornaria melhor, e quando todas estas coisas acontecessem Jesus voltaria para levar a sua igreja. Para apressar esse acontecimento era necessário a expansão do cristianismo por todas as partes da terra, levando o reino de Deus e o progresso.

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1. A OBRA DE KIDDER

Daniel Parish Kidder (1815–1891) foi um missionário metodista e é considerado um dos pioneiros do protestantismo no Brasil. Kidder, em companhia do seu colega R. J. Spaulding chegou ao Rio de Janeiro em 1836; demorou-se no Brasil alguns anos, tendo percorrido o norte do país entre os anos 1837 e 1838. Em 1842, por falecimento de sua esposa no Rio de Janeiro, regressou aos Estados Unidos onde, três anos depois, publicou a sua obra Reminiscências de viagens e permanências no Brasil. Esta obra foi com seu consentimento, ampliada, refundida e atualizada pelo seu colega James Cooley Fletcher, e recebeu o nome de “O Brasil e os Brasileiros”.

Na parte introdutória observamos o referencial teórico e em seguida vimos o que já existe escrito sobre o missionário e viajante Kidder, a seguir abordaremos a obra O Brasil e os Brasileiros, uma obra feita em parceria entre Fletcher e Kidder. A importância dessa leitura se dá devido a obra abordar temas que não foram mencionados na obra Reminiscências.

1.1 - O BRASIL E OS BRASILEIROS

Além do livro Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil, Kidder junto com James Cooley Fletcher1, escreveu O Brasil e os Brasileiros. A análise deste livro é importante dentro do tema, tendo em vista que também neste livro os autores vão reafirmar o que Kidder já havia mencionado no seu primeiro livro, agora com a contribuição expressiva de Fletcher. Neste livro também se detectam as críticas contundentes que posteriormente apareceriam nos intérpretes do Brasil, Freyre, Holanda e Caio Prado, críticas que serão mencionadas no capítulo específico sobre esses autores.

1James Cooley Fletcher (1823-1901) foi um pastor presbiteriano, que estudou em Princeton e na Europa

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Sérgio Buarque de Holanda inclusive cita o viajante Kidder para fundamentar as suas observações sobre a religiosidade brasileira.

Via de regra, após o período de viagem, os viajantes editavam os seus escritos em forma de diário ou livros. As suas observações sobre o país visitado eram sempre novidades em seu país de origem. Alguns viajantes eram também cientistas, outros só observadores da natureza, que no caso do Brasil, com uma natureza primal, tornava-se um atrativo a mais para eles. Esses escritos tornavam-se em instrumentos de divulgação e de lucro.

Considerando que as obras Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil e O Brasil e os Brasileiros são as mais importantes sobre o Brasil escritas por norte-americanos naquele período, e também que os missionários norte-americanos chegaram ao Brasil após a publicação delas, percebe-se que havia um interesse de conhecer um país exótico com uma natureza ainda intocável. Considerando ainda que o livro teve nove edições, (alguns dizem 12 edições, mas sem mencionar datas). Seria inadmissível que missionários preparados em seminários e universidades de renome, como o Seminário de Princeton, e a Universidade Wesleiana, não conhecessem esse livro.

Por isso, os missionários que chegaram ao Brasil após as publicações dessas obras, Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasile O Brasil e os Brasileiros, obtiveram conhecimento sobre o Brasil através destes escritos. Ribeiro (1981, p. 173) registra que Simonton2indicou o livro de Kidder Reminiscências, para norte-americanos que queriam conhecer o Brasil, juntamente com o livro A Vida no Brasil de Thomas Ewbank. Giraldi (2008, p. 39) diz que Kalley leu o livro Reminiscências,e foi motivado a vir trabalhar no Brasil.

Simonton foi amigo de James Cooley Fletcher. Vieira (1980, p. 135) menciona que Simonton trouxe cartas de apresentação fornecidas por Fletcher para pessoas importantes.

Simonton ao chegar ao Brasil, trazia consigo cartas de apresentação, fornecidas por James Cooley Fletcher, dirigidas a “pessoas de alta classe”. Entretanto, não as utilizou a não ser em duas ocasiões, nos casos do Dr. Manoel Pacheco da Silva, Diretor do Colégio Dom Pedro II e do Dr. Luís Correia de Azevedo.

2Ashbel Green Simonton, foi ordenado ministro do evangelho em 1859, no mesmo ano, partiu para o

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Com esta informação conclui-se que Simonton era conhecedor dos escritos de Kidder e Fletcher, e se utilizou deles para conhecer o Brasil.

Existe outro exemplo de que os textos escritos por Kidder e Fletcher eram como manuais para os missionários, Vieira (1980, p.164) menciona o missionário e pastor episcopal Richard Holden o qual veio para o Pará, trouxe um exemplar do livro O Brasil e os Brasileiros.

Em 16 de dezembro de 1860, Holden escreveu sua primeira carta de Belém do Pará. Viajara para lá, via Inglaterra e Escócia, onde fora visitar o pai, Mr. R. G. Holden. Em Londres, visitou a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira e a Sociedade de Literatura Religiosa. Então munido com um exemplar do Brazil and the Brazilians, de Fletcher e de um suprimento de Bíblias, saiu de Liverpool para Belém do Pará, em novembro de 1860.

Essa citação mostra a importância que o livro O Brasil e os Brasileiros teve no período da inserção do protestantismo brasileiro ao informar sobre o Brasil para os missionários.

Autoria, Objetivos e Conteúdo do Livro O Brasil e os Brasileiros.

Ao ler atentamente O Brasil e os Brasileiros, observa-se que a contribuição de Kidder para essa obra se dá somente em pequenas citações, as quais são retiradas das

Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil, mas que a contribuição não vai, muito além disto. Fletcher relata os lugares por onde passou e as pessoas com que se comunicou, e vez por outra, ao mencionar uma situação semelhante a que Kidder experimentou, menciona-o citando-o literalmente.

Conclui-se que colocar Kidder como co-autor de O Brasil e os Brasileiros foi uma estratégia, tendo em vista que Kidder já havia vendido muitos livros, enquanto que Fletcher não era conhecido como escritor, podendo ter muita dificuldade de receptividade. Com a co-autoria de Kidder, esse obstáculo seria transposto mais rapidamente.

O título do novo livro também era uma estratégia comercial. O livro teve, para o período, um recorde de edições. Todos quantos queriam vir para o Brasil, ou abrir um negócio neste país, ou aqueles que queriam saber se o Brasil era um lugar de oportunidades, adquiriam o livro e o liam.

Vieira (1980, p. 71) informa que Fletcher foi auxiliado por Dr. Thomas Tainey na elaboração de O Brasil e os Brasileiros.

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Republican, Dr. Thomas Rainey. Este acabava de regressar do Brasil, onde passara algum tempo em Belém do Pará e explorara o vale do Amazonas “por diversas centenas de milhas”.

Considerando essa informação do auxílio do Dr. Thomas Rainey na elaboração de O Brasil e os Brasileiros.Observando o pouco conteúdo do primeiro livro de Kidder,

Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil, presente no segundo livro, tendo a informação dada por Vieira (1980, p. 68) que Kidder pediu para Fletcher “completar seus esboços do Brasil (sic) até o tempo presente”. Tendo em vista o espírito de propagandista brasileiro nos Estados Unidos, conclui-se que Fletcher pegou seus escritos, além dos escritos de Kidder, e escreveu O Brasil e os Brasileiros levando em conta o seu objetivo de fazer conhecido o Brasil, suas oportunidades, sua beleza para os norte-americanos.

Para quem quiser conhecer o pensamento de Kidder, suas viagens pelo Brasil, sua impressão dos brasileiros, as instituições religiosas, e a cultura, a leitura do primeiro livro de Kidder Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasilé o material mais indicado. O Brasil e os Brasileirostem outros objetivos, e esses são mais publicitários do que religiosos.

A obra O Brasil e os Brasileiroscontém relatos históricos sobre o Brasil, como as tentativas de invasões pelos franceses e holandeses, e a vinda da família real para o Brasil. Contém descrição da realidade brasileira, a casa brasileira, a mulher brasileira, como são os mercados, a alimentação diária, as diversões familiares, o menino brasileiro, o moço brasileiro, os partidos políticos e os estadistas, escreve sobre a monarquia, que é a forma de governo do país naquele momento, descreve de forma minuciosa paisagens por onde passou, inclusive mencionando as minas de ouro e como era a forma de extração, mostra também as instituições religiosas, hospitalares, relata como os brasileiros tratam os negros. Aborda também a precariedade dos instrumentos de trabalho, sempre muito rústicos. As narrativas possuem sempre um sentido de oportunidade para o investimento no país.

O objetivo da obra é divulgar o país para os norte-americanos, pois segundo ele existia uma ignorância dos americanos sobre os brasileiros e uma ignorância dos brasileiros sobre os americanos, “a recíproca ignorância do povo norte-americano em relação ao Brasil, desejei tudo fazer que estivesse ao alcance de uma simples pessoa, para remover a impressão errônea” (Kidder e Fletcher, 1941, v. I p.277)

(22)

comerciantes, escritores, poetas, artistas que quisessem que seus trabalhos ou produtos estivessem na exposição a encaminhar um exemplar para o endereço anunciado.

Fletcher diz que recebeu gratuitamente um navio para transportar o material para a exposição, embora segundo ele a quantidade de pessoas que enviaram o material teria sido abaixo de suas expectativas3. O imperador foi o convidado de honra. A exposição foi visitada primeiramente por D. Pedro II e sua comitiva, só depois sendo aberta ao público.

A exposição contou com seiscentos objetos4. O material exposto consistia de exemplares de livros, gravuras de aço, e cromolitografias de Filadélfia, bem como pelos maquinários agrícolas. Segundo Fletcher o imperador ficou admirado ao observar os objetos. Depois da exposição, muitos dos objetos da exposição foram enviados como presentes ao imperador.

Nesse episódio, vê-se em Fletcher o espírito empreendedor e patriótico, embora ele diga que o motivo principal era “o bem dos Estados Unidos e do Brasil”, pois observava que a Inglaterra estava tirando vantagens sobre os norte-americanos com relação ao Brasil, os ingleses possuíam linhas de navios a vapor desde 1850, e desfrutavam isolados dos benefícios desse empreendimento. Fletcher “escreveu uma carta sobre o assunto ao “Jornal do Comércio” de Nova York, e desde então, continuou a agitar na imprensa a questão das comunicações a vapor entre os dois países”, (Kidder e Fletcher 1941, v. I p. 223). Segundo ele “os vapores ingleses, a energia e o capital desse país, e a nossa negligência fizeram desse modo progredir o comércio da nossa rival” (Kidder e Fletcher, 1941, v. I p. 221). A concorrência entre Inglaterra e os Estados Unidos era algo natural, e Fletcher percebe que, com relação ao comércio entre Inglaterra e Brasil, e os Estados Unidos e o Brasil, as estatísticas mostram a grande vantagem da Inglaterra. Fletcher lembra que muitos comerciantes já haviam solicitado essa linha de vapor entre os Estados Unidos e Brasil, mas que até aquele momento não tinham sido atendidos. Somente em 1864, num convênio entre o Brasil e os Estados Unidos foi possível estabelecer a comunicação a vapor, fazendo doze viagens de ida e volta de Nova York ao Rio de Janeiro, anualmente.

Fletcher pendia entre o desejo de ver o seu país tirando vantagem sobre os recursos naturais do Brasil, através da comercialização de seus produtos, e a

3Fletcher menciona que alguns lamentaram a não participação, devido os bons resultados da exposição, e

o que se seguiu após ela, “milhares de dólares foram depois de 1865 empregados na compra dos artigos que expuz”(Kidder & Fletcher, 1941, v. I p. 277).

4Segundo a autor havia disposto os seiscentos diferentes objetos de forma tal que a exposição não deixou

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evangelização dos brasileiros. Em visita ao imperador para entregar-lhe os objetos da exposição, Fletcher pôde contemplar o palacete de Marquês de Abrantes, onde a família real estava passando algumas semanas para tomar banho de mar. Kidde e Fletcher (1941, p. 283) relatam:

Olhando para uma cena tão encantadora, tive um único desejo, de que esta terra, para quem tanto Deus fez no ponto de vista da natureza, pudesse possuir as vantagens mentais e morais que pertencem aos mais ríspidos povos do norte, pela sua educação e religião.

Para Kidder e Fletcher a civilização se desenvolvia através de dois carros-chefe, uma educação de qualidade e uma religião que elevasse a moral de sua população. Ele tem como padrão de civilização os Estados Unidos.

Em carta escrita a seu pai Calvin Fletcher, Fletcher começava a formular o que parece ter-se tornado seu plano de ação e por algum tempo sua grande obsessão: converter o Brasil ao protestantismo e ao “progresso”. Para ele, o protestantismo equalizava-se ao desenvolvimento econômico científico e tecnológico. (VIEIRA, 1980, p. 63)

Para Fletcher o protestantismo trazia em seu bojo, tanto o desenvolvimento quanto a fé, por isso, ao encher o Brasil de norte-americanos, iria contribuir para a evangelização e o desenvolvimento econômico.

Segundo Kidder e Fletcher (1941, v. I p. 278) no Brasil havia falta de material para utilização nas escolas e comenta:

No Brasil, encontrei grande falta de livros didáticos. No Chile, em Nova Granada, vi livros espanhóis, publicados por Appleton, e desejaria ver a mesma coisa feita para a juventude do Brasil, onde grande atenção esta sendo despertada para os assuntos de educação.

De acordo com os autores, era aquele momento importante para atingir seu desejo, pois o assunto sobre a educação estava sendo comentado, despertando-se na juventude desejo pelo conhecimento. O país estava aberto para a evangelização, possuindo uma multidão como consumidores em potencial dos produtos norte-americanos.

O duplo objetivo que permeia toda a obra, de evangelizar e de beneficiar-se das riquezas brasileiras, pode ser visto na citação a seguir, segundo Kidder e Fletcher (1941, v. I p. 278).

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A ideia de uma nação eleita, com um chamado de Deus para civilizar o mundo pagão fazia parte do pensamento norte-americano. Para eles este era um chamado de Deus. Mas também estava presente nos pensamentos de Kidder e Fletcher o desejo de ver sua nação tirando vantagens dessa atividade financeira.

Mesquida (1994, p.38), em seu livro a Hegemonia Norte-Americana e Educação Protestante no Brasil, quando menciona a vinda dos norte-americanos sulistas para o país após a guerra da secessão, apresenta um pensamento presente entre eles de ocupação do sudeste do Brasil e, se necessário fosse até mesmo utilizariam as forças armadas.

O dr. Barnsley, imigrante americano, médico em Tatuí, São Paulo, (..) afirmava que a meta dos sulistas americanos era “de ocupar o país..., converter os nativos e, se necessário, fazer uso da solução armada”. Por outro lado, esta idéia não era estranha ao rev. Ballard Dunn, que consagrou um capítulo de seu livro ao tema da ocupação do sudeste do Brasil. Para ele, segundo a opinião de um “velho soldado prussiano”, 20 mil soldados bem disciplinados e alguns navios de guerra poderiam manter a marinha e o exército brasileiros afastados da região. Assim, os imigrantes não tinham nada a temer porque o território poderia ser mantido como uma fortaleza, onde o sistema de escravidão e a liberdade religiosa e política seriam defendidos contra os eventuais ataques dos “pagãos” nativos.

Esse pensamento de conquista e ocupação tem sua origem no pensamento protestante, que olha para Josué, personagem bíblico que possibilitou a conquista da terra prometida após a morte de Moisés, e tem nele sua inspiração. Esse pensamento não foi adiante, pois os norte-americanos que haviam passado por uma grande guerra civil, a guerra da secessão, não iriam para um lugar distante e empreender outra guerra. A tragédia da guerra perdida estava presente ainda na memória daqueles que tiveram seus entes queridos perdidos nas batalhas.

Kidder e Fletcher também foram influenciados pelo Destino Manifesto,5 que havia sido interiorizado pela nação norte-americana, e também acreditavam que os norte-americanos haviam sido comissionados por Deus para levar a civilização e a fé a todos os países pagãos. Mesquita (1994, p. 105) assevera.

A convicção de que os sinais do Reino de Deus são a liberdade (civil e religiosa), a civilização e o progresso, levava os metodistas a identificarem a nação americana com o povo escolhido por Deus para salvar o mundo. Por isso, o pastor metodista H. H. Lowry acreditava que “a introdução de nossa civilização pelas agências missionárias nos países menos desenvolvidos torná-los-á mais dinâmicos e contribuirá para a sua evolução”. Ao mesmo tempo, o secretário-geral de Missões afirmava que “o evangelho é a mais eficiente empresa civilizadora”.

5O Destino Manifesto é o pensamento que expressa a crença de que o povo dos Estados Unidos é eleito

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Com a influência do Destino Manifesto, mais o desejo de ver os norte-americanos sendo beneficiados com os enormes recursos naturais existentes no Brasil, Fletcher e Kidder empreendem o objetivo de divulgar o Brasil para os norte-americanos, através da ampliação dos escritos de Kidder, sobre seu livro Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil. O sucesso desse empreendimento pode ser visto na quantidade de edições.

Sobre a importância do empreendimento missionário no suposto mundo pagão, que preparava caminho para o expansionismo norte-americano, Mendonça (1995, p. 62) afirma:

Pelo menos no século XIX, o melhor e mais eficiente condutor da ideologia do “Destino Manifesto” foi a religião americana, ou melhor dizendo, o protestantismo americano com a sua vasta empresa educacional e religiosa, que preparou e abriu caminho para o seu expansionismo político e econômico.

É corrente entre os historiadores a ideia de que o desejo de cristianizar o mundo pagão foi utilizado pelas autoridades para a dominação ideológica, mas para os protestantes os motivos eram também espirituais, visto estar claro que o Brasil precisava da presença civilizadora dos americanos, pois estavam trabalhando para levar os outros povos a Cristo e contribuir para a salvação de sua alma.

Para Vieira (1980, p.68) Fletcher pagou um preço muito alto por se posicionar como missionário protestante nessa campanha comercial de divulgar o Brasil entre os norte-americanos, e se posicionar e defender o Brasil para os norte-americanos no período da Guerra do Paraguai. Por isso foi retirado da história do protestantismo brasileiro.

A rejeição de Fletcher e de seus métodos pelos seus colegas missionários, como será discutido adiante, foi tão completa que chegou a obliterar seu nome da história da igreja protestante no Brasil. A pessoa mais responsável por seu olvido foi provavelmente o Reverendo Alexander Latimer Blackford, o primeiro historiador do movimento missionário protestante no Brasil, que também foi um dos líderes do movimento contra Fletcher. Em 1876 publicou seu primeiro esboço do esforço missionário protestante no Brasil. Nele o nome Fletcher aparece apenas como alguém que tinha cooperado com Kidder escrevendo o livro Brazil and the Brazilians.

Os historiadores que se seguiram seguem este mesmo esboço, colocando a participação de Fletcher somente como um co-autor de O Brasil e os Brasileiros,

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Mas Fletcher se defende dessa crítica, pois segundo ele não havia incompatibilidade entre o comércio e o trabalho missionário. Vieira (1980, p.65) repetindo as palavras de Fletcher, relata:

Sei que alguns podem dizer que não é do papel de um clérigo missionário estar envolvendo-se com negócios. Mas creio que tenho uma visão mais alta do que o mero interesse mercantil do meu país, pois sou dos tais que crêem que a religião e o comércio são servos que, unidos com a Bênção de Deus, servem para a promoção dos interesses mais nobres e mais altos da humanidade.

A sua defesa não foi suficiente para mudar a realidade que se seguiu. Pois até pouco tempo eram poucos os livros que relatavam a importância e relevância do ministério de Fletcher no Brasil.

Se os companheiros do trabalho missionário de Fletcher não o viam com bons olhos, como o via o clero católico? Vieira (1980, p. 80) lembra que o veículo de comunicação católica O Apóstolo era o meio dos católicos atacarem a ofensiva protestante. “Em 1871 o jornal ultramontano, O Apóstolo (...) critica a escolha do Fletcher, como membro honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro”. Já o havia criticado pelos escritos de O Brasil e os Brasileiros, por possuir várias críticas ao clero católico, dizendo que o clero era ignorante e imoral.

Só recentemente a historiografia começou a reconhecer a importância de Fletcher, Giraldi (2008, p. 38) destaca essa importância.

Ele estava como secretário da delegação americana no Brasil, procurando aproximar o Brasil e os Estados Unidos nas áreas diplomática, comercial e cultural. Através de seus contatos com políticos e intelectuais brasileiros, ele contribuiu indiretamente para a introdução do protestantismo no Brasil. Foi por sua sugestão que o fundador da primeira Igreja Protestante no Brasil o missionário congregacional escocês Robert Reid Kalley veio para o Brasil, em 1855.

Observa-se uma mudança de discurso na análise da atuação de Fletcher, pelos primeiros historiadores e agora pelos contemporâneos, estes, procurando destacar os pontos importantes da atuação de Fletcher e não enfatizando seu interesse comercial.

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O livro O Brasil e os Brasileiros cumpriu seu objetivo para o qual foi escrito, pois divulgou, durante muito tempo, o Brasil para os norte-americanos, serviu de material de propaganda para todos quantos queriam de alguma forma conhecer o Brasil, visando evangelizá-lo, ter algum tipo de envolvimento comercial, ou simplesmente conhecê-lo.

O livro reflete a dicotomia de seus autores, de um lado vê-se Kidder com seu desejo principal de evangelizar o país, e por outro lado Fletcher enfatizando o lado mercantilista e comercial desse empreendimento. À luz da história subsequente vê-se que os dois objetivos foram atingidos, não como os autores esperavam, nem com a rapidez com que eles previam. A importância da leitura desse livro orienta a pensar que a vinda dos missionários norte-americanos para o Brasil, não foi apenas com o desejo de conduzir pessoas para o “Reino de Deus”. O Brasil e os Brasileirosnos indica que por detrás de alguns missionários piedosos estavam também alguns interesses comerciais.

No século XIX havia o pensamento de que os norte-americanos deveriam levar o evangelho ao mundo e junto com o evangelho o progresso. Esse pensamento também acompanhou os missionários protestantes que chegaram ao Brasil neste período. Para eles ao cumprir seu ministério como missionários, também estavam cumprindo sua vocação como cidadãos norte-americanos. No pensamento protestante calvinista, Deus vocaciona as pessoas para serem profissionais, comerciantes, professores, para eles a profissão deve ser uma vocação, e exercendo sua vocação eles realizariam a obra de Deus na terra. Por isso na mente deles não havia incompatibilidade entre o evangelizar e o progresso.

No século XIX o progresso era o tema central das conversas e a preocupação dos governantes, alguns países estavam se desenvolvendo muito rapidamente e outros estavam ficando para trás, os países em desenvolvimento eram protestantes e os países menos desenvolvidos eram católicos ou de outra religião, por isso a concepção de que o protestantismo e o progresso eram dois amigos que caminham juntos. Com essa concepção os missionários chegam ao Brasil para torná-lo protestante e beneficiá-los com o progresso.

Vê-se à importância dos temas mencionados na obra O Brasil e os Brasileiros,

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1.2 – REMINISCÊNCIAS DE VIAGENS E PERMANÊNCIA NO BRASIL

Este foi o primeiro livro que o missionário Kidder escreveu após retornar aos Estados Unidos, motivado pela morte de sua esposa. Neste livro ele relata suas impressões sobre esse país tão vasto e pitoresco, faz observações de como vivem os brasileiros, suas instituições religiosas, como é a administração das cidades, como foi a história do Brasil até aquele momento, menciona as tentativas de colonização pelos franceses e holandeses, a vinda da família real para o Brasil, como era o trabalho dos brasileiros e como viviam os escravos, se colocando claramente contra o sistema, teve contato com muitas autoridades civis e eclesiásticas, fez o trabalho de distribuição e venda de bíblias e literatura protestante. Em sua análise de sua permanência no Brasil, foi bem recebido pela maioria das pessoas e não sofreu nenhuma perseguição considerável. Seu desejo de doar bíblias para as escolas públicas não foi realizado, mas ele não desistiu do trabalho, viajou o Brasil de norte a sul, distribuindo exemplares de bíblias e evangelizando.

Como o objeto de nossa pesquisa é a religiosidade brasileira na obra de Kidder, abordaremos mais profundamente este tema e o livro Reminiscências em capítulo específico.

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2. AS RAÍZES DO PENSAMENTO DE KIDDER

O cenário do contexto cultural e religioso norte-americano do século XIX, que proporcionou a vinda do missionário protestante Daniel P. Kidder para o Brasil era composto de múltiplas influências. A situação que compõe esse cenário era a teologia arminiana, o despertamento espiritual e a pregação predominante que era o milenarismo. Embora se saiba que muitos outros fatores, tais como a abertura dos portos brasileiros para nações protestantes, a fundação de sociedades bíblicas para a comercialização de bíblias e a divulgação do evangelho, o aumento da arrecadação das igrejas devido o aumento no número de membros após o grande despertamento espiritual tenham contribuído para a vinda de Kidder, destaca-se apenas estes a seguir por possuírem maior relevância para a pesquisa.

2.1 - A Teologia Arminiana

O arminianismo era predominante no metodismo americano devido à influência de John Wesley (1703-1791) fundador do metodismo. Podemos resumir a doutrina arminiana como segue: “Jesus Cristo, por sua obra expiatória, é o salvador dos homens, mas cada qual tem sua parte a fazer, procurando ativamente reformar a própria vida” (MENDONÇA, 1984, p. 39) Embora o arminianismo tivesse sido combatido severamente pelos puritanos e calvinistas, (MARTINS, 1991 p. 75) este achou espaço nas pregações fervorosas e repletas de conteúdo emocional dos discípulos de Wesley.

Mendonça explica o crescimento superior do metodismo no oeste americano em virtude da sua teologia arminiana, que colocava sobre as pessoas a responsabilidade de decisão para Cristo, enquanto que a teologia puritana, por exemplo, enfatizava a eleição.

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pregava, ele convidava ‘todo aquele que quer’; o calvinismo oferecia salvação só aos eleitos (MENDONÇA, 1984, p. 50,51).

No calvinismo não era enfatizada a eleição pura e simplesmente, e sim a consciência da necessidade de arrependimento que só aquele que foi eleito teria. Para eles, só o eleito creria em Cristo, ao passo que no arminianismo todos poderiam crer.

Para Mendonça, a teologia de Wesley é fruto da fusão de três correntes: o misticismo, o pietismo e o puritanismo. Ele completa:

Apelo para a conversão e mudança de vida, a ação social no sentido da moralidade e o emocionalismo lembram, respectivamente, a pregação arminiana da responsabilidade pessoal, o puritanismo e o pietismo. O sentimento de conhecer a Deus através da união íntima com ele lembra o misticismo que, por sua vez, deve ter influído no pietismo (MENDONÇA, 1984, p. 42).

As posições teológicas de Kidder é fruto da influência da teologia de Wesley bem presente no metodismo norte-americano.

2.2 - O Despertamento Espiritual

O movimento que de alguma forma interferiu na vinda de Kidder para o Brasil foi o segundo grande avivamento, que ocorreu nos EUA em todas as igrejas protestantes no início do século XIX. “O acampamento mais famoso aconteceu numa fortificação em Cane Ridge, em agosto de 1801, marcado por estranhos fenômenos, como quedas, pulos, meneios, danças e ladridos” (CAIRNS, 1985, p. 398). O avivamento produziu um crescimento no número de igrejas protestantes e um aumento no número de membros nas igrejas já existentes. Esse movimento atingiu todo o território nacional e ainda atravessou os mares, quando os grandes avivalistas eram convidados para irem à Inglaterra e a outros países do continente europeu.

Kidder, embora não fosse metodista de nascimento, foi influenciado pelo despertamento espiritual de sua época e sentiu-se vocacionado por Deus para a obra missionária. Sonhava ir para a China como missionário, porém não conseguiu e resolveu aceitar o convite para trabalhar no Brasil.

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uma paganização do verdadeiro cristianismo recuperado pela Reforma. No Brasil, todos deveriam ser evangelizados, inclusive o clero (MENDONÇA, 1984, p.59).

Mendonça (1995, p. 82) destaca que os protestantes norte-americanos definiram como era o catolicismo brasileiro, e em seguida realizaram estratégias para evangelizar o Brasil.

A análise do comportamento protestante na fase de sua implantação e consolidação, o que se dá muito provavelmente, creio, ao findar o Primeiro Período Republicano, mostra a visão peculiar que o protestantismo teve da Igreja Católica. Como essa visão é importante, como já foi dito, para se entender a estratégia protestante em seus diversos níveis de ação, ela merece ser reconstruída. Por outro lado, a ótica protestante do catolicismo brasileiro revelou justeza em certos aspectos porque mostrou as brechas pelas quais ele pode entrar.

A definição de que o catolicismo não era uma religião cristã e sim uma paganização do cristianismo restaurado pela reforma, ajudou os missionários a não terem nenhum diálogo com o catolicismo, o contato com os padres e líderes católicos ocorria tendo como principal objetivo o proselitismo através da conversão, e não o diálogo entre religiões.

2.3 - A Pregação Milenarista

Além da pregação arminiana e da influência do despertamento espiritual, outro aspecto de análise é a pregação milenarista, uma versão protestante do “Destino Manifesto”. Segundo Mendonça:

Os americanos não afirmavam ter realizado ou estar prestes a realizar o Reino de Deus na terra, mas que tinham, a duras penas, encontrado o caminho. Para muitos pensadores e pregadores, a civilização cristã apontava para o milênio, (...) o avanço da civilização nos princípios do progressismo, norteava-se pela vinda do Reino de Deus, aperfeiçoamento e coroação dessa civilização. A expectativa milenarista no século XIX na América era intensa e extensa, embora variassem os detalhes teológicos (MENDONÇA, 1984, p.54).

Esse sentimento de ser capaz de reformar o mundo era generalizado em todas as igrejas norte-americanas e houve uma cooperação entre elas, mesmo mantendo suas formas específicas. A percepção de que os norte-americanos eram a locomotiva que levaria ao reino de Deus por toda a terra, fez com que as diferenças teológicas e denominacionais se nivelassem diante de um inimigo comum que era o paganismo.

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cooperar para a reforma do mundo a partir da visão de uma população religiosa livre letrada, industriosa, honesta e obediente às leis (MENDONÇA, 1984, p. 55).

Os pregadores milenaristas dividiam-se entre os que acreditavam que o milênio seria consequência do Reino de Deus implantado na terra, e os que pensavam que o milênio viria e depois o Reino de Deus se estabeleceria, os quais eram denominados pós-milenistas e pré-milenistas respectivamente.

A crença no milenarismo vem desde a chegada dos pais peregrinos à América do Norte. Segundo Delumeau (1997, p. 13) “Os ´pais peregrinos’ que se estabeleceram na América do Norte nos anos 1620 eram milenaristas e a esperança de fazer dessa parte do mundo o centro do reino terrestre de Cristo constitui um dos componentes da identidade americana”. Com o passar dos tempos o fundo religioso dos pais peregrinos foi sendo secularizado, embora nunca tenha se apagado da mentalidade norte-americana. Outro aspecto é que o pré-milenarista e pós-milenarista se alternaram nos diferentes momentos históricos, políticos e sociais. Uma definição dos termos se faz necessária: “Pré-milenarismo é a fé de que o reino milenar seria um período no futuro posterior à segunda vinda de Cristo, a sua vinda em glória. Pós-milenarismo é a fé de que o reino milenar seria um período da história anterior ao retorno de Cristo” (MOLTMANN, 2003, p. 165).

A necessidade dessa pregação exigia empreendimentos missionários. As denominações protestantes se mobilizaram então, criando conferências para tratar do assunto. A Igreja Metodista, na sua conferência de Nova Iorque no ano de 1808, tinha como tema: “Os campos estão brancos para a ceifa diante de nós”. Os presbiterianos, por sua vez, em 1815, recomendaram orações especiais para que “a vinda gloriosa do Reino se apressasse”. É clara a contribuição das igrejas protestantes para a ideologia do “Destino Manifesto”. “Todas as grandes denominações criaram suas agências missionárias e enviaram missionários para os quatro cantos da terra” (MENDONÇA, 1984, p. 55).

Um dos aspectos religiosos dos norte-americanos era uma versão da chamada “teologia do pacto”, segundo a qual Deus havia feito uma aliança com o povo, ou seja, os norte-americanos. Diferente dos judeus que se fecharam em sua religiosidade, os norte-americanos deveriam cristianizar as nações pagãs. Segundo Olmstead (apud, MENDONÇA 1984, p. 60):

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invulgar importância, talvez inconsciente, de sua aliança com o imperialismo americano.

Sobre a importância do empreendimento missionário no suposto mundo pagão, que preparava caminho para o expansionismo americano, Mendonça (1984, p. 57) assevera:

Pelo menos no século XIX, o melhor e mais eficiente condutor da ideologia do “Destino Manifesto” foi a religião americana, ou melhor dizendo, o protestantismo americano com a sua vasta empresa educacional e religiosa, que preparou e abriu caminho para o seu expansionismo político e econômico.

É corrente entre os historiadores a ideia de que o desejo de cristianizar o mundo pagão foi utilizado pelas autoridades para a dominação ideológica, mas para os protestantes os motivos eram espirituais, pois estava claro que o Brasil precisava da presença civilizadora dos norte-americanos, visto que estavam trabalhando para levar os outros povos à Cristo e contribuir para a salvação de sua alma.

O Cristianismo na América tem uma visão mundial, um sonho de um mundo ganho para Cristo. No ímpeto missionário dos séculos XVIII e XIX procurou-se tornar esse sonho realidade... O futuro do mundo parece estar nas mãos de três grandes forças protestantes: Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos... Os seguidores do verdadeiro Deus estão herdando o mundo... O cristianismo é a religião dos povos dominantes da terra. Em pouco tempo ele será a única religião do mundo. O plano divino era que os não-cristãos se tornassem cristãos (...) O progresso das nações cristãs se explica pela sua descoberta da verdade, dos eternos princípios com que Deus criou o mundo (MENDONÇA, 1984, p. 59).

Na passagem fica claro que, para os protestantes norte-americanos, civilizar o Brasil era cristianizá-lo verdadeiramente. E, para isto, era necessário um grande esforço por parte dos protestantes norte-americanos, que imaginavam que já haviam descoberto o cristianismo verdadeiro.

Embora eles colocassem a Inglaterra e a Alemanha como nações cristãs, verdadeiramente os norte-americanos se consideravam mais puros, porque Alemanha e Inglaterra já haviam recebido a influência do catolicismo, tanto no aspecto litúrgico quanto no doutrinário. Dessa forma, os Estados Unidos seriam o “Israel de Deus”, o povo do pacto, de quem Deus esperava o cumprimento da grande comissão dada por Cristo.

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quatro cantos da terra, e a pregação milenarista que dizia que o reino de Deus chegou até nós, mas que esse tempo estava curto, logo viria o fim.

A esperança religiosa na implantação do reino milenar na América foi abalada e os sonhos foram ofuscados. O final do século XIX presenciou um declínio das expectativas sobre as esperanças do protestantismo norte-americano e sobre o sonho de uma nação que se via como alicerçada sobre os fundamentos das verdades bíblicas e que tinha uma mensagem e um modelo de sociedade para semear pelo mundo. Em meados do século XIX a visão pós-milenarista ainda mostrava sua força. Porém, já da metade para o final do século XIX, o otimismo esfriou e “a guerra civil (1861-1865), o problema da escravidão e do racismo e outras questões sociais perturbadoras proporcionaram o florescimento de teologias escapistas” (ORO, 1996, p. 68). A religiosidade secularizada e confiante do protestantismo dito liberal e pós-milenarista começa a perder espaço, e movimentos que buscavam um “reavivamento” espiritual e uma religiosidade mais espiritualizada e individualista entram em cena. O otimismo em relação ao sonho do reino milenar no Novo Mundo começava a ruir.

Enfim, foram elencados alguns aspectos do contexto religioso e cultural da vinda de Kidder para o Brasil. Há outros que não foram relacionados, mas também são importantes, tais como: a abertura do país para a entrada de estrangeiros protestantes, fato que havia ocorrido algumas décadas anteriores, e o surgimento das Sociedades Bíblicas nos Estados Unidos que sustentavam seus missionários.

2.4 - Olhar estrangeiro

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pela pregação fiel das Escrituras Sagradas, que somente o protestantismo norte-americano possuía.

Para Kidder a evangelização dos brasileiros não ocorreu efetivamente porque o catolicismo era deficiente e contaminado pelo sincretismo e práticas animistas, o que podia ser verificado nas numerosas festas religiosas que eram inspiradas pelo folclore português medieval. Essa percepção também é reconhecida por outros viajantes como Saint-Hilaire, por exemplo, que abordaremos no capítulo específico sobre os viajantes. Para eles, o catolicismo brasileiro é quase pagão. Southey é citado por Kidder (1980, pp. 87-88) para justificar suas ideias:

(...) Tais foram os extremos a que no Brasil de então levaram a superstição católica. Em lugar do domínio de si mesmo que recomenda a filosofia divina, instituíram um sistema de tortura baseado no maniqueísmo e não menos repugnante ao sentimento e à razão que as práticas dos yogas orientais. Os anseios de exagerada pureza redundavam nas mais impuras maquinações e conseqüências; a aversão ao luxo era externada pelo desleixo habitual e por meio de ações absolutamente repugnantes. Ainda que a Igreja de Roma apele para os seus cânones e Concílios, as práticas de então eram idênticas às do panteísmo e da idolatria (...).

Quando se refere à Igreja Católica, Kidder não mede esforços para descaracterizá-la como uma igreja cristã, a ponto de chamar as práticas de seus religiosos e fiéis de “práticas corruptas”. Quando narra à morte do padre Joam d’Almeida que, nos últimos momentos de sua vida, pedia instrumento de flagelação para ser aceito por Deus, Kidder (1980, p. 83) afirma: “Tais eram as obras que uma Igreja corrupta sobrepunha à verdadeira fé e aos deveres do genuíno Cristianismo”.

As perguntas que Kidder fazia para o catolicismo brasileiro são: Por que o catolicismo não ensina as sagradas escrituras para o povo? Por que escondem os princípios elementares da fé cristã do povo? Por que se são cristãos não vivem como Cristo? Thompson nos lembra cada geração fará perguntas a evidência histórica, e terá resposta diferentes.

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Pratt (1999, p. 235) narra em seu texto a história do viajante Alexander Von Humboldt que:

...se gabava de ter sido a primeira pessoa a trazer o guano para a Europa, como fertilizante, uma “descoberta” que afinal levou a tal intensificação do uso deste produto que acarretou, na última quadra do século XIX, uma guerra entre Peru e Chile, levando a economia deste último a se tornar totalmente dependente dos banqueiros britânicos.

Esse exemplo mostra como os viajantes europeus e norte-americanos se apropriavam de produtos, discursos, conhecimentos já existentes nas Américas, e relatavam como descobertas pessoais, para com isso receberem prestígios ou benefícios financeiros. No caso do adubo que Humboldt levou para a Europa já era utilizado como adubo na América espanhola. Humboldt só fez divulgá-lo para o resto do mundo.

A apropriação das falas por Kidder tinha como objetivo confirmar suas pressuposições sobre a religiosidade brasileira, Thompson nos lembra que essa apropriação de Kidder, tem como objetivo responder as perguntas feitas por ele naquele momento histórico, Kidder se perguntava se o catolicismo brasileiro era cristão, e ele mesmo respondia que não, e se utilizava das respostas das pessoas entrevistadas para confirmar sua posição de protestante. Considerando que a igreja protestante norte-americana já havia definido que o catolicismo brasileiro não era cristão, respondendo a pergunta baseado em seus pressupostos, mesmo porque se considerasse o catolicismo como cristão, como pode existir um país que não está sob a dominação teológica e econômica dos Estados Unidos. A resposta a pergunta se o Brasil precisava ser evangelizado ou não, não passava por questões de fé e sim por questões econômicas.

Em conversa com o Padre Feijó, o regente, ele registra a opinião do mesmo sobre a situação da Igreja no Brasil: “Dificilmente se encontrava em toda a província um padre que cumprisse os seus deveres como manda a Igreja, especialmente, com relação à instrução religiosa das crianças, no dia do Senhor” (KIDDER, 1980, p.250). Azzi (1991, p. 9) chama a atenção dizendo que Feijó fazia parte do clero que queria uma igreja brasileira independente da autoridade romana.

Ainda falando sobre o mesmo tema, Kidder cita as palavras de um diácono que exercia a profissão de advogado:

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Brasil. – “Diga que estamos em trevas, atrasados, quase abandonados.” – “ Mas que desejam a luz?” – aventuramo-nos, - “Que nada desejamos. Que esperamos em Deus, o pai das luzes”, respondeu-nos o sacerdote (KIDDER, 1980, pp. 263-264).

Como vimos nas palavras do diácono e enfatizadas por Kidder, o problema do Catolicismo era mundial, existindo uma debilidade generalizada da Igreja Católica enquanto instituição evangelizadora. Esse problema se agrava no Brasil devido à imoralidade e ignorância do clero.

A ignorância e imoralidade tanto do clero, quanto do povo, é enfatizada por todas as falas que Kidder se apropria ao tentar provar que era homogênea e lamentável a situação da religiosidade em todos os rincões do país.

Para Kidder, o clero, além de ignorante e de não conhecer as escrituras sagradas, era imoral. Pessoas sem vocação enchiam as suas fileiras, procurando apenas satisfazer seus interesses econômicos, deixando a moral em segundo plano, a ponto do arcebispo da Bahia preferir ter poucos padres, não conseguindo assim suprir todas as paróquias:

Não há dúvidas de que os parcos emolumentos do clero contribuíram para reduzir o número de seus membros; entretanto, que tenham sido de fato nocivos, não parece lá tão evidente, pois são do arcebispo da Bahia as seguintes palavras: “É melhor não haver padres que havê-los ignorantes e imorais”. Com efeito, o clero, cujas fileiras se cerram principalmente pelo atrativo de gordas vantagens, constitue [sic] antes praga que bênção (KIDDER, 1980, p. 271).

A imoralidade e ignorância do clero realmente chamavam a atenção de Kidder. Para ele, parte da elite brasileira também não aceitava a imoralidade do clero, a ponto de criticá-lo e não se submeter às ordenanças da igreja. Kidder (1980, pp.82-83) encontra um coronel que privava suas filhas de contato com os padres, temendo que eles as pervertessem:

O Coronel veio em nosso apoio declarando que preferia obedecer os preceitos de Deus a seguir os do clero. Disse mais que “não permitia que seus filhos se confessassem. Tinha uma filha de dezessete anos que nunca havia se confessado com um sacerdote e assim continuaria até a véspera de seu casamento. A grande maioria dos padres era tão imoral a ponto de, ao invés de cumprir suas obrigações religiosas, aproveitar-se da oportunidade de estar a sós com as moças para incutir-lhes no espírito idéias de que nunca deveriam elas ter conhecimento.”

O grande número de padres que possuíam famílias e amantes produzia uma desconfiança generalizada, atingindo até aqueles que não eram imorais.

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