• Nenhum resultado encontrado

O papel do cuidador na preservação da memória do idoso

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O papel do cuidador na preservação da memória do idoso"

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

O papel do cuidador na preservação da memória do idoso

Cinthia Lucia de Oliveira Siqueira Resumo: Ancorado em uma perspectiva histórico-cultural de desenvolvimento humano, este trabalho procura analisar como o dizer do outro acerca da memória do idoso interfere na forma como este se relaciona com suas lembranças e esquecimentos, e de que forma o discurso positivo do cuidador com relação às possibilidades do idoso pode contribuir para o desenvolvimento saudável deste. Para tanto foram analisados dados de entrevista inicial e relatos espontâneos de idosos (entre 68 e 88 anos de idade) participantes de uma oficina de memória ao longo de 10 meses. Os relatos eram registrados por escrito pela pesquisadora após cada encontro e pautaram-se no método clínico de análise, em que a compreensão do sujeito está acima da compreensão da doença. A partir dos enunciados dos participantes foi possível observar que suas queixas sobre dificuldades na memória estavam relacionadas à fala do outro, de seus familiares e que a preocupação que tinham era menos com a memória e mais com a identidade. Neste sentido, o trabalho indica que o cuidador pode constituir-se enquanto um interlocutor privilegiado na construção de uma ideia positiva acerca da memória do idoso o que certamente contribui para o melhor desempenho da mesma.

(2)

Resumen: Anclado en una perspectiva histórico-cultural del desarrollo humano, este trabajo analiza cómo lo decir de otro acerca de la memoria de las personas mayores afecta la manera en que él se relaciona con la memoria y el olvido, y como la expresión positiva del cuidador acerca de las posibilidades los ancianos pueden contribuir al desarrollo saludable de esto. Para ello se analizaron los datos de la entrevista inicial y los informes espontáneos de personas de edad avanzada (entre 68 y 88 años) que participan en un taller de la memoria de más de 10 meses. Los informes fueron anotados por el investigador después de cada encuentro y guiados en el método de análisis clínico, en el que la comprensión de la persona está más allá de la comprensión de la enfermedad. De las declaraciones de los participantes, se observó que sus quejas sobre problemas de memoria están relacionados con el habla de los demás, de sus familias y de la preocupación que tenían era menos con memoria y más con la identidad. En este sentido, el trabajo indica que el cuidador pueda erigirse como interlocutores privilegiados en la construcción de una idea positiva sobre la memoria de las personas mayores que sin duda contribuye a un mejor desempeño de la misma.

Palabras-clave: memoria; envejecimiento; lenguaje, cuidador.

Memória e Envelhecimento

envelhecimento da população tem trazido novas demandas para a sociedade. Com trajes da moda, cabelos pintados, gírias na fala e trejeitos juvenis, o idoso de hoje salta da cadeira de balanço para a esteira da academia. São os atualmente classificados como “Idosos Jovens” - aqueles que vivem hoje um dinamismo inédito na história e ajudam a construir uma nova imagem, mais atuante e alegre da velhice na sociedade atual (Motta, 2011, p.81).

Avanços na medicina e responsabilidades familiares têm alongado os dias vividos e tornado os velhos importantes protagonistas da vida contemporânea, mas se por um lado o aumento da expectativa de vida carrega entusiasmo, por outro sustenta o receio da doença, da dependência, do esquecimento.

Esquecer... Eis um grande receio do idoso. Esquecer as chaves do carro, o ferro ligado, uma data importante, o nome das pessoas, o número do telefone, o que fez no dia anterior, o que comeu no almoço, as conversas recentes, a palavra certa, o uso dos objetos, o caminho de casa, a fisionomia no espelho, o nome, esquecer a si mesmo.

(3)

A perda da memória é temerosa porque pode restringir a independência e autonomia1. O sujeito com um prejuízo grave na memória não é capaz de estabelecer e seguir suas próprias regras, não tem capacidade de decisão e comando sobre suas ações, ou seja, não tem autonomia sobre sua vida e depende do outro para fazê-lo. Neste sentido, pensar sobre as possibilidades de trabalhar a memória do idoso constitui-se tema importante tanto para este, como para seus cuidadores2 informais no sentido de melhorar a qualidade de vida e interação entre eles.

A oficina da memória

Em janeiro de 2012 fui convidada a desenvolver uma oficina de memória para um grupo de terceira idade em programa de medicina preventiva. No primeiro dia, durante atividade de apresentação, os participantes declararam que procuraram a oficina porque achavam que estavam cada vez mais esquecidos e temiam que isso fosse o prenúncio de uma demência e, neste sentido, depositavam na oficina a possibilidade de prevenção e adiamento de perda das faculdades mentais.

O conceito que permeava suas demandas era o de que a memória está exclusivamente relacionada ao funcionamento orgânico do sujeito e que, com o envelhecimento do corpo, ela necessariamente declina, ou seja, quanto mais velho o sujeito, mais esquecido e menos memória ele tem.

Autores como Alvarez (2009) e Izquierdo (2002) referem que não necessariamente a memória declina com a idade, mas acreditam que há uma lentidão na realização das sinapses e, portanto, no processamento das informações cerebrais, o que torna o idoso mais vagaroso para lembrar-se. Os autores não descartam a influência de fatores emocionais no desempenho da memória, mas a compreendem a partir de uma perspectiva organicista. Nesta visão, o desenvolvimento procede naturalmente como uma sucessão de estágios, regulados por princípios intrínsecos e biológicos e a memória depende essencialmente das sinapses cerebrais.

1 De acordo com Netto (2011) independência é a capacidade de realizar algo com seus

próprios meios e autonomia é a capacidade de decisão, de comando. Evans (1984, apud Netto) chama de autonomia o estado de ser capaz de estabelecer e seguir suas próprias regras e diz que, para um idoso, autonomia é mais útil que a independência, pois pode ser restaurada por completo, mesmo quando o indivíduo continua dependente. Uma senhora com fratura do fêmur, por exemplo, que ficou restrita a uma cadeira de rodas, poderá exercer sua autonomia, apesar de não ser totalmente independente (Paschoal, 1996, apud Netto).

2 Cuidador informal segundo Campedelli (1993) é o familiar, vizinho, ou amigo que presta ação de ajuda e proteção ao idoso que vivencia situações temporárias ou permanentes de comprometimento da capacidade de autocuidado e de exercer atividades práticas do dia-a-dia. Apesar deste trabalho não referir-se especificamente ao idoso com comprometimento de autocuidado, as reflexões aqui traçadas servem para familiares e pessoas próximas a todo idoso, dependente ou não, no sentido de contribuir com a integridade mental dos mesmos e, portanto, favorecer sua interação com os familiares que com ele convivem.

(4)

Neri (2011) faz um levantamento dos estudos psicológicos que foram realizados no início do século XX sobre as diferenças de desempenho intelectual de acordo com a idade dos sujeitos. A autora constatou que a maioria dos psicólogos registrou a associação entre idade e desempenho, como se a primeira causasse o segundo. Prevaleceu e cristalizou-se o chamado modelo deficitário do desenvolvimento mental na vida adulta. Segundo a autora, o preconceito científico em relação ao idoso exerce efeitos, até hoje, na formulação de hipóteses de pesquisa que atribuem às mudanças comportamentais na velhice exclusivamente à idade.

Motta (2011) aponta que o idoso é sempre referido ou analisado em suas ações, sobretudo pela sua condição de velho (p.78). Ainda de acordo com a autora, as classificações por idade (assim como por sexo e classe) acabam sempre impondo limites e produzindo uma ordem em que cada um deve manter-se em seu lugar.

Costumamos ser tolerantes quando uma criança se esquece de algo, pois entendemos que a mesma não tem o compromisso de lembrar-se de tudo. Da mesma forma ocorre com o adulto em idade produtiva profissionalmente, quando esquece, justificamos através de sua sobrecarga de afazeres, cansaço, stress. Para o idoso não há complacência, se esqueceu, é porque está ficando velho e este aceita e incorpora tal discurso como seu. O que o idoso aprendeu ao longo da vida, as experiências que acumulou, são relegadas a um segundo plano, pois eventualmente ele se esquece de apagar o fogo ou não encontra seus óculos, e isto se torna o mais importante.

Era justamente a ideia do prejuízo e déficit que permeava a preocupação dos idosos da oficina e de seus familiares, como se a idade cronológica fosse principal fator dos esquecimentos que eles vinham apresentando.

Memória numa perspectiva histórico-cultural

Diferente da ideia de memória condicionada ao funcionamento orgânico do sujeito, a teoria histórico-cultural de desenvolvimento que teve Vygotsky como principal representante, defende que as funções psicológicas superiores, dentre elas, a memória, têm uma natureza social e não biológica. Ele afirma que o sujeito é constituído ao longo de sua própria história, nas relações com as pessoas e objetos de seu meio e, desta forma, suas capacidades e habilidades, inclusive a memória, estão primordialmente subordinadas à apreensão que este sujeito faz da cultura.

Não há nesta abordagem a negação de um substrato biológico que influencie, de certo modo, o curso do desenvolvimento humano, mas ele não é determinante, pois está subordinado às condições socioculturais em que este sujeito está inserido. Para o autor, as funções psicológicas elementares que nascem com o sujeito e que são reguladas por mecanismos biológicos, ligados à linha de desenvolvimento natural, são totalmente transformadas através da internalização de práticas sociais e isto acontece ao longo de toda a vida.

(5)

Esse movimento de internalização das relações vividas é possível porque o homem é capaz de operar com signos, ou seja, consegue construir representações mentais (por meio da linguagem verbal, das imagens) que substituem os objetos do mundo real, independente do espaço e do tempo presentes. Sem os signos, a relação do homem com a natureza aconteceria de maneira direta e a memória seria apenas uma percepção imediata das impressões externas, condicionada a situações concretas.

Ancorada nesta perspectiva, Cruz (2004) procura mostrar em seus estudos que as relações de solidariedade existentes entre linguagem e memória se constituem por um feixe de processos integrados: cognitivos, biológicos, culturais e linguísticos. Dessa forma, a reflexão sobre a memória exige o reconhecimento de relações que extrapolam a dimensão cortical ou cognitiva a ela tradicionalmente reservadas.

Nesta mesma linha de pensamento, Smolka (2000) refere que a memória é uma prática social e ressalta que pensar e estudar sobre a “formação da mente” na perspectiva histórico-cultural implica em entender as condições, os modos de produção e as práticas que envolvem motivos e formas de lembrar e esquecer, maneiras de contar, de fazer e registrar histórias.

Ao considerar que os processos psicológicos superiores têm natureza social compreendemos que a memória depende muito mais das vivências dos sujeitos do que da integridade orgânica do cérebro, assim, de acordo com esta teoria a maior idade passa a ser uma vantagem dos idosos em relação aos mais novos - quanto mais velho é o sujeito, mais instrumentos internos ele dispõe para recordar.

Outro aspecto importante que a abordagem histórico-cultural nos permite pensar é que a forma como o sujeito é significado interfere expressivamente no desenvolvimento e desempenho deste. A capacidade de significar (dar sentido, interpretar e fazer-se entender) de cada pessoa passa a existir pelo significado que os outros atribuem às suas ações. Inserido em um mundo simbólico/linguístico o sujeito encontra na linguagem a gênese do significado de si próprio e de seu pensamento.

Para Vygotsky, a subjetividade do sujeito não existe a priori, mas concretiza-se no processo de internalização, evidenciando que o desenvolvimento acontece de modo partilhado. O dizer dos outros é internalizado pelo sujeito e constrói aquilo que ele pensa sobre si mesmo, marcando a forma como ele irá passar a atuar sobre o seu meio.

Para Bakhtin (2000), os enunciados dos outros, através de um processo mais ou menos criativo de assimilação, tornam-se nossos próprios enunciados. Aquilo que o sujeito diz e pensa sobre si mesmo são, em certa medida, os dizeres de outras pessoas sobre este sujeito.

A partir desta teoria o outro passa a ter essencial papel na significação que atribui à pessoa idosa e podemos pensar que aquilo que os familiares,

(6)

cuidadores e pessoas de seu convívio pensam ou dizem sobre o velho reflete, de maneira significativa, na forma como ele pensa de si e age em função desse pensar.

O objetivo deste trabalho é analisar, a partir da oficina de memória desenvolvida, como a reformulação do discurso acerca da memória do idoso pode contribuir na preservação e melhora da mesma e em que sentido o cuidador pode participar deste processo.

Metodologia

A oficina da memória teve duração de março a dezembro de 2012. Foram formados dois grupos com 20 participantes cada um na idade entre 68 e 88 anos, sendo 31 mulheres e 9 homens. Das mulheres, 25% eram professoras primárias aposentadas, 27% nunca haviam exercido atividade remunerada e as outras se distribuíam entre antigas costureiras e comerciantes.

Dos homens, havia dois delegados aposentados, um antigo funcionário da Receita Federal, três antigos comerciantes, um antigo Prefeito da cidade e dois bancários aposentados. Nenhum dos participantes exercia atividade remunerada na época e ocupavam-se, em sua maioria, de programas de atividades voltados à terceira idade, como hidroginástica, coral, teatro. O nível socioeconômico da maior parte era entre classe média e média alta. Apenas um participante apresentava lesão neurológica (pós AVC), com alteração de linguagem escrita (afasia) sem comprometimento da memória, e nenhum deles apresentava doença relacionada a processos demenciais.

Em entrevista indireta inicial, 100% dos participantes referiram perceber que a memória estava apresentando falhas e todos eles as associavam ao processo de envelhecimento. Suas maiores queixas era dificuldade de guardar nomes, datas, listas de compras, compromissos, e todos eles ansiavam por exercícios que pudessem amenizar esta condição.

Chamou a atenção o fato de que os idosos baseavam-se no dizer dos outros sobre seus esquecimentos e estes dizeres eram geralmente depreciativos:

“Minha filha disse que eu estou ficando velha porque ando muito esquecida”. (C.)

“Eu vim porque minha mulher disse que eu nunca lembro onde deixei os óculos ou as chaves e que isso está piorando com a idade.” (L.)

“Meus netos me chamam de velhinha porque eu troco o nome deles o tempo todo”. (M.)

Havia preocupação com as queixas dos pacientes, com aquilo que eles apresentavam como dificuldades, sem perder de vista, no entanto, a interpretação de seus ditos. Para compreender os sujeitos, não se recorreu a

(7)

um esquema rígido e fechado de perguntas e respostas voltadas para o estado patológico dos mesmos, mas procurou-se, ao longo dos encontros, realizar leituras de suas demandas explícitas e implícitas, seguindo o que Foucault (1987) denominou método clínico de investigação cuja preocupação recai sobre a interpretação da linguagem (subjetividade) dos sujeitos.

Após os encontros eram registrados em um diário as atividades, informações e relatos importantes dos participantes e o planejamento dos encontros eram realizados semana a semana, guiados pelos anseios, questionamentos e percurso dos mesmos.

Atendendo à demanda dos sujeitos, foram realizados, de início, atividades de associação que lhes auxiliassem nas dificuldades que eles referiam. Trabalhamos com estratégias mnemônicas para guardarem nomes de pessoas, fisionomias, números de telefones, listas de compras, compromissos, entre outros, sempre de forma contextualizada, relacionadas com a realidade de cada participante.

Também trabalhamos com estratégias externas de memorização como utilização de agendas, lembretes, organização da rotina, repetição de alguns procedimentos a fim de amenizar os esquecimentos de compromissos e a perda de objetos pessoais.

Aos poucos foram sendo introduzidas atividades mais criativas de produção textual, compreensão e interpretação de filmes, poemas, obras de arte, fotografias, relatos autobiográficos, composição de músicas, entre outros. Junto a essas atividades práticas eram realizadas explanações teóricas a respeito do funcionamento da memória e dos mitos acerca da relação entre idade e esquecimento, pois o objetivo maior das atividades era justamente mostrar aos participantes suas possibilidades. A intenção que estava por trás das atividades era menos o treino da memória e mais a descoberta de si mesmos.

Análises e resultados

Foi possível observar que ao longo da oficina os participantes sentiam-se motivados pelas estratégias mnemônicas que lhes permitia memorizar um número cada vez maior de informações. Também mostraram beneficiar-se das estratégias externas, como pode ser observado nos relatos registrados abaixo:

Ontem eu fui ao shopping com meus netos e filhos e eles ficaram surpresos comigo, pois eu fui a única que me lembrei onde havíamos parado o carro no estacionamento. É que eu fiz uma associação entre a referência “G2” da vaga com os meus “2 Gatos”. (C.) Eu não levo bronca mais de minha esposa por esquecer onde deixei meus óculos, agora quem dá bronca nela sou

(8)

eu, quando ela os retira da mesa onde eu sempre os coloco. (L)

Que maravilha aquela atividade que você me ensinou com “Doublets”, esta semana fui ao médico e enquanto esperava fiquei praticando; parou uma menina ao meu lado, devia ter uns 10 anos e perguntou o que eu estava fazendo, expliquei a ela e percebi em seus olhinhos que ela ficou pensando assim: Nossa, nem parece uma velhinha esquecida. (A)

Vou partilhar com vocês uma coisa que eu desenvolvi lá em casa para não esquecer o ferro ligado. Escolho a tomada que deixa o fio esticado na direção da porta de saída, assim, para sair do quartinho sem tropeçar, preciso tirar o fio da tomada. (I)

Fiz bonito este final de semana, conheci a namorada de meu neto e logo associei seu nome (Mariana) ao mar, fiquei imaginando ela nadando na praia e não esqueci mais de seu nome, quando ela foi embora eu disse: adorei te conhecer Mariana. Ela deve ter me achado muito educada, melhor do que esquecida né? (M)

Os relatos demonstram o quanto o dizer dos outros sobre a condição do idoso interfere e tem grande relevância na forma como ele próprio se identifica. A “velhinha” é significada como alguém que tem conhecimento e coisas interessantes a oferecer, o marido esquecido agora é o que assume o comando de seus pertences, a avó faz bonito, é educada e não mais desmemoriada. O mais velho surpreende e colabora na hora de lembrar-se da vaga no estacionamento. O velho muda de papel, sai da condição do déficit para a condição das possibilidades.

A fala dos participantes mescla o que pensam de si Fiz bonito este final de semana com o que imaginam pensarem dele - Percebi em seus olhinhos que ela ficou pensando assim: Nossa, nem parece uma velhinha. Em última análise, a preocupação dos idosos parece ser menos com a memória e mais com a identidade.

Interessante que muitas das estratégias foram criadas por eles próprios e divididas com o grupo, como faz I, ao partilhar algo que ela acredita contribuir aos demais.

Ao apropriarem-se de instrumentos psicológicos que lhes permitem amenizar esquecimentos, sentem-se mais confiantes, mais autônomos e mais capazes. Assumem uma posição diferenciada e não acolhem mais a depreciação do outro - agora quem dá bronca nela sou eu.

(9)

Sem se darem conta de que estas possibilidades preexistiam à oficina, os idosos lembram-se mais, não porque estão treinando o cérebro, mas porque passam a acreditar em si, em suas capacidades.

A pesquisadora, ao ocupar-se do trabalho com a autoestima dos participantes, permite que eles experimentem mais lembranças do que esquecimentos, seja a partir da construção de imagens mentais (estratégias mnemônicas), seja na construção de textos, resgate da autobiografia, trabalho com as diversas linguagens artísticas.

A ideia do déficit cognitivo dá lugar à crença no desenvolvimento e aprendizagem que ocorre ao longo de toda a vida. A idade cronológica não mais impõe limites, como discute Motta (2011), mas sugere possibilidades - eu fui a única que me lembrei onde havíamos parado o carro no estacionamento (C.).

Como aponta Vygotsky, o dizer dos outros se transforma no dizer do sujeito sobre si e altera sua forma de agir, o que indica a importância do cuidador construir uma ideia positiva acerca da memória do idoso a fim de contribuir com uma atitude mais confiante deste frente a suas possibilidades.

Considerações finais

É necessário desmistificar a figura do idoso esquecido. As pessoas que o acompanham, dentre eles, o cuidador informal, precisam desconstruir o ideário de que o mais velho tem menos memória do que a criança, o jovem ou o adulto, serem tolerantes com seus descuidos e valorizarem o que ele tem de melhor – suas lembranças, o que certamente contribui para seu bom desempenho. Esta desconstrução implica compreender que a memória extrapola a dimensão cortical ou cognitiva e que não está condicionada à idade cronológica do sujeito. Requer a superação do paradigma organicista sobre envelhecimento e memória e a compreensão do tema a partir de um paradigma dialético cuja análise envolve processos biológicos, cognitivos, culturais, históricos e sociais. Este trabalho, ao tematizar o olhar do outro sobre a memória do idoso, pretendeu trazer uma determinada visão sobre o tema e apontar possibilidades

(10)

para aqueles que cuidam de idosos. No entanto, é um pequeno recorte no vasto campo de investigação sobre envelhecimento e memória.

Ampliar e aprofundar os estudos nesta área, principalmente no que diz respeito à preservação e manutenção das funções cognitivas ao longo de toda a vida, é necessário para garantir a qualidade de vida da população idosa e de seus cuidadores.

Referências

Alvarez, Ana (2009). Deu branco. Rio de Janeiro, São Paulo: Editora Record. Bakhtin, M. (2000). Estética da criação verbal. (3a. ed ). São Paulo: Martins

Fontes.

Camarano A.A. & El Gharoury S.K. (1999) Idosos brasileiros: que dependência é essa? In: AA Camarano (org.) Muito além dos 60 - os novos idosos brasileiros. Rio de Janeiro: IPEA.

Campedelli M.C. et al (1993). Grupo de cuidadores de idosos: uma experiência multiprofissional. In: Âmbito Hospitalar; 46:46.

Cruz, Fernanda Miranda da. Uma perspectiva enunciativa das relações entre linguagem e memória no campo da neurolinguística. 204f. Dissertação (Mestrado), Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2004.

Evans, J.G. (1984) Prevention age-associeted loss of autonomy epidemiological approaches, 37(50):353-361.

Freitas, E. V. e PY, L.(Eds) (2011). Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan

Foucault (1987) O Nascimento da Clínica. Rio de janeiro: Forense Universitária. Gatz M., Bengston V.L. & Blum M.J. Caregiving families (1990). In: JE Birren & K Warner Schaie (eds.). Handbook of psychology of aging, 3rd edition. San Diego, CalÇ Academic Press.

Izquierdo, I (2002). Memória. Porto Alegre: Artmed, 2002.

Lemos e Medeiros (2011) Suporte social ao idoso. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan.

Motta, A.B. (2011). Visão antropológica do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan.

(11)

Neri, A.L. (2011). Teorias psicológicas do envelhecimento: percurso histórico e teorias atuais. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan.

Netto, M.P. (2011). O estudo da velhice: histórico, definição do campo e termos básicos. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan.

Paschoal, S.M.P. (1996). Autonomia e independência. In: Netto M.P. (ed.) Gerontologia. São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte: Atheneu, p 26-43. Saad P.M. (1991). Tendências e consequências do envelhecimento populacional no Brasil. In: A população idosa e o apoio familiar informe demográfico. São Paulo Fundação SEAD, p 5-9.

Smolka, A.L. B. (2000) A memória em questão: uma perspectiva histórico-cultural, In: Educação e Sociedade, n.71, pp.167-193.

Vygotsky, L.S. (1998). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes.

Data de recebimento: 09/11/2013; Data de aceite: 22/01/2014.

____________________________________

Cinthia Lucia de Oliveira Siqueira - Fonoaudióloga (USP), especialista em Linguagem e mestre em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba. Atua na Prefeitura Municipal de Ourinhos - Secretarias de Saúde e Educação. Coordenadora das oficinas criativas de teatro, produção literária, fotografia e vídeo para crianças e idosos. Docente das Faculdades Integradas de Ourinhos. Colaboradora do jornal de Ourinhos na coluna “Cotidiano da Vida”. Email:

Referências

Documentos relacionados

Outras possíveis causas de paralisia flácida, ataxia e desordens neuromusculares, (como a ação de hemoparasitas, toxoplasmose, neosporose e botulismo) foram descartadas,

O fortalecimento da escola pública requer a criação de uma cultura de participação para todos os seus segmentos, e a melhoria das condições efetivas para

O Documento Orientador de 2013, dispondo sobre as atribuições do (a) professor (a) articulador (a) de projetos, determina que ele (a) deverá estar lotado (a) na unidade escolar,

Fonte: elaborado pelo autor. Como se pode ver no Quadro 7, acima, as fragilidades observadas após a coleta e a análise de dados da pesquisa nos levaram a elaborar

No final, os EUA viram a maioria das questões que tinham de ser resolvidas no sentido da criação de um tribunal que lhe fosse aceitável serem estabelecidas em sentido oposto, pelo

O 6º ano do Mestrado Integrado em Medicina (MIM) é um estágio profissionalizante (EP) que inclui os estágios parcelares de Medicina Interna, Cirurgia Geral,

Neste estágio, assisti a diversas consultas de cariz mais subespecializado, como as que elenquei anteriormente, bem como Imunoalergologia e Pneumologia; frequentei o berçário

O objetivo desse estudo é realizar uma revisão sobre as estratégias fisioterapêuticas utilizadas no tratamento da lesão de LLA - labrum acetabular, relacionada à traumas