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Leptospiroses em Portugal : a situação epidemiológica recente

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Academic year: 2021

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José Marinho Falcão é assistente graduado de saúde pública, Ins-tituto Nacional de Saúde, Observatório Nacional de Saúde; Paulo Jorge Nogueira é estatista, Instituto Nacional de Saúde, Observatório Nacional de Saúde;

Carlos Matias Dias é assistente de saúde pública, Instituto Nacio-nal de Saúde, Observatório NacioNacio-nal de Saúde;

Zilda Paulo Pimenta é 1.o oficial, Instituto Nacional de Saúde, Observatório Nacional de Saúde.

A incidência de leptospiroses em Portugal foi estudada com base em dados gerados por três fontes diferentes: «Doenças de declaração obrigatória» (DDO), da Direcção-Geral da Saúde, «Grupos de diagnóstico homogéneos» (GDH), do Instituto de Gestão Informática e Financeira, e «Mortali-dade», do Instituto Nacional de Estatística. As taxas brutas de incidência anual (DDO) variaram entre 2,6 casos/106

(1991) e 6,8 casos/106 (1997) e foram muito superiores

quando estimadas por GDH — valor mínimo: 7,7 casos/106

(1995); valor máximo: 20,2 casos/106 (1997). Ambas as

esti-mativas mostraram resul-tados concordantes em relação a: (1) taxas mais elevadas no sexo masculino em relação ao sexo feminino; (2) aumento da incidência até ao grupo etário 55-64 anos; (3) aumento muito provável da incidên-cia da doença depois de 1995. Através de DDO foram iden-tificadas diferenças regionais apreciáveis, sendo os valores mais elevados na Região Autónoma dos Açores e na Região Centro. Como para a incidência, as taxas de mortalidade bruta média anual no período 1991-1996 foram também mais elevadas na Região Autónoma dos Açores (5,6 óbitos/ 106) e na Região Centro (1,9 óbitos/106), mas, ao invés, a

Região Autónoma da Madeira teve um valor elevado inter-médio entre aqueles (3,3 óbitos/106). Face à muito provável

subestimação da incidência quando calculada por DDO e mesmo GDH, ensaiou-se a correcção das estimativas tendo como base o número de óbitos verificado no país e em cada região e vários valores das razões número de óbitos/número

de casos. Os resultados obtidos com essa correcção

suge-rem que o número médio de casos ocorridos em Portugal pode variar entre cerca de 82 e 213 casos por ano (estima-tivas DDO: 35 casos por ano; GDH: 91 casos por ano).

1. Introdução

As leptospiroses constituem um grupo de doenças provocadas por membros da ordem Spirochaetales, especialmente da espécie Leptospira interrogans. Esta espécie subdivide-se num grande número de serovares, que incluem icterohaemorrhagiae,

cani-cola, pomona, hadjo, entre muitos outros. A infecção

pode evoluir assintomaticamente, mas a doença manifesta-se com aspectos clínicos muito diferencia-dos tanto no que concerne ao quadro sintomatológico como no que respeita à severidade dos sintomas. De facto, a doença pode cursar com sintomas inespecífi-cos e pouco intensos, como febre de início súbito, calafrios, cefaleias e mialgias, assemelhando-se a uma síndroma gripal, ou pode, no outro extremo da gravidade, levar ao compromisso multiórgãos grave, com insuficiência hepática e renal, manifestações hemorrágicas com localizações múltiplas, exantema, anemia hemolítica, meningite e confusão mental. A severidade da doença está fortemente associada ao serovar envolvido.

A duração varia entre poucos dias e várias semanas, consoante a gravidade e a terapêutica instituída. A letalidade é baixa na generalidade dos casos embora possa atingir valores superiores a 20% em doentes que desenvolvem insuficiências hepática e renal e nos idosos.

Os reservatórios do agente incluem várias espécies de animais selvagens, nomeadamente os ratos

Leptospiroses em Portugal: a situação

epidemiológica recente

JOSÉ MARINHO FALCÃO PAULO JORGE NOGUEIRA CARLOS MATIAS DIAS ZILDA PAULO PIMENTA

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(serovar icterohaemorrhagiae), e domésticos, como o cão (serovar canicola), os suínos (serovar pomona), o gado vacum (serovar hadjo), etc..

A transmissão ocorre, sobretudo, pelo contacto da pele ou das mucosas com água, terra ou outros elementos contaminados por urina de animais infectados. A doença pode ter carácter profissional quando atinge trabalhadores que estão em contacto com água conta-minada, como acontece, por exemplo, com alguns tipos de agricultores, com mineiros, com trabalhadores de esgotos e com militares. A transmissão pode ainda efectuar-se durante a prática de actividades de lazer, como o banho e a natação em rios, lagoas ou charcos contaminados por urina de animais infectados (Benenson, 1990; Cruickshank et al., 1973).

Apesar da gravidade que alguns casos assumem, a leptospirose não tem sido alvo de uma atenção prioritária em Portugal, dada a sua incidência relati-vamente baixa no conjunto das doenças transmissí-veis. Contudo, as diferenças já identificadas na distri-buição regional da doença e o aumento do número de casos notificados pelo sistema das doenças de decla-ração obrigatória, em 1997, tornam pertinente uma revisão da epidemiologia das leptospiroses no país.

2. Material e métodos

2.1. Origem dos dados

Na análise foram utilizados exclusivamente dados de rotina, gerados por três sistemas de informação. Dois deles produzem dados que, essencialmente, per-mitem abordar a incidência das leptospiroses: os sis-temas «Doenças de declaração obrigatória» (DDO) e «Grupos de diagnóstico homogéneos» (GDH). O sistema DDO colhe notificações de casos de um conjunto de doenças infecciosas no qual se incluem as leptospiroses. As notificações são concentradas na Direcção-Geral da Saúde, que gere a base de dados e publica relatórios anuais (Portugal. Direcção-Geral da Saúde, 1998).

O sistema GDH é conduzido pelo Instituto de Gestão Informática e Financeira do Ministério da Saúde e gera informação sobre episódios de internamentos em todos os hospitais públicos do continente, incluindo o diagnóstico principal a que se chegou durante o internamento (Urbano e Bentes, 1990). Por isso, os casos GDH foram utilizados apenas para calcular estimativas para o continente, e não para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. Optou-se também por não produzir estimativas para cada uma das regiões do continente, uma vez que a proporção de registos sem indicação do local de resi-dência era muito elevada neste sistema.

O sistema «Mortalidade», gerido pelo Instituto Nacio-nal de Estatística, foi a terceira fonte utilizada e permi-tiu abordar a mortalidade associada às leptospiroses. Os dados dos sistemas GDH e Mortalidade foram processados e analisados a partir das respectivas ba-ses de dados, através da utilização do programa SPSS (Norusis, 1993).

2.2. Cálculo das taxas de incidência e mortalidade

Como numeradores das taxas foram usados os casos de leptospirose extraídos das bases de dados GDH e Mortalidade, correspondentes aos códigos CID-9: 100.0 a 100.9 (OMS, 1975). Os casos DDO foram extraídos directamente dos relatórios respectivos (Portugal. Direcção-Geral da Saúde, 1998).

Para o cálculo das taxas foram utilizadas como deno-minadores as estimativas da população residente em 30.6.94 (por região, sexo e grupo etário), que corres-ponde ao ano intermédio do período em análise na maior parte dos quadros (1991 a 1997). Todas as taxas foram expressas em casos ou óbitos por milhão de habitantes.

2.3. Estimativas de incidência corrigidas

pelas razões número de óbitos/número de casos

Tanto o sistema DDO como o GDH fornecem dados que só parcelarmente estimam a incidência da doença, em regra subavaliando-a. De facto, muitos dos casos são registados simultaneamente nos dois sistemas, mas outros apenas constarão de um deles e, provavelmente, um número adicional não figura em qualquer deles.

As estimativas de incidência podem então ser alvo de correcção, tomando como base o número de óbitos por leptospirose, que, para este fim, se assume não conter erros relevantes.

Se for possível estimar a designada «taxa de letali-dade» da doença (ou seja, a proporção de doentes de leptospirose que morrem devido à doença), o número real de casos pode ser calculado através do produto do número de óbitos verificados no país, ou numa dada região, pelo inverso dessa «taxa».

Sendo a leptospirose uma doença aguda, a razão

número de óbitos/número de casos num determinado

período de tempo corresponde bem à «taxa de letali-dade» e pode ser utilizada para corrigir as estimativas. Torna-se, assim, necessário escolher os valores da razão que melhor pareçam corresponder à realidade. Para tal podem tomar-se em consideração os valores obtidos na análise e descritos em «Resultados»

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óbi-tos/número de casos foi calculada a partir de DDO, o

valor para Portugal foi de 0,31 e todas as regiões do continente tiveram valores acima de 0,20. Parece existir nestas regiões uma forte sobrestimação da «taxa de letalidade» real, provavelmente devida à subnotificação dos casos menos graves. A Região Autónoma dos Açores teve o valor mais baixo de todas as regiões (0,13), o que é a favor da sobresti-mação referida para o continente.

Pelo contrário, a razão calculada através dos casos GDH atinge o valor de 0,10 para o continente. Sendo certo que o GDH inclui os casos mais graves, que necessitaram de internamento, a verdadeira razão para a totalidade dos casos, com e sem internamento, deverá ser inferior.

Assim, para efectuar a correcção das taxas de inci-dência utilizou-se a totalidade dos óbitos por leptos-piroses ocorridos de 1991 a 1996, como forma de diminuir a instabilidade associada a um pequeno número de efectivos.

Para as razões número de óbitos/número de casos foram seleccionados três valores diferentes, presumi-velmente mais compatíveis com a verdadeira letali-dade da doença. O mais elevado foi 0,13 (Região Autónoma dos Açores), correspondente a uma letali-dade bastante elevada; o segundo foi 0,10, correspon-dente ao continente e calculado com os casos GDH, no período de 1993 a 1996; o terceiro foi 0,05,

cor-respondente a uma situação hipotética de letalidade relativamente baixa.

O número de casos de leptospiroses ocorridos no país e em cada região foi então estimado através do produto

número de óbitos causados pela doença no período de 1991 a 1996 pelo inverso de cada um dos três valores

da razão número de óbitos/número de casos. Produzi-ram-se, desta forma, três estimativas diferentes do número de casos ocorridos no período referido tanto para o país como para cada uma das regiões.

As estimativas das taxas de incidência bruta média anual das leptospiroses foram depois calculadas dividindo cada uma das três estimativas do número de óbitos de cada região, referidas atrás, pelo sêxtuplo da estimativa da população residente no meio do ano de 1994 (Portugal. Direcção-Geral da Saúde, 1995), visto que o número de óbitos correspondeu a um período de seis anos.

3. Resultados

3.1. Taxas brutas de incidência (Portugal)

As taxas de incidência de leptospirose estimadas através de DDO mantiveram-se relativamente está-veis desde 1991, com excepção do ano de 1997, em que houve um aumento acentuado do número de casos notificados (Quadro I). Saliente-se ainda

Quadro I

Estimativa das taxas brutas de internamento por leptospirose (GDH, no continente) e das taxas brutas de incidência (DDO, em Portugal) por sexo

(/106 hab) 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 Total GDH: 13,2 12,1 10,2 20,7 30,0 17,3 (60) (55) (46) (94) (136) (391) 4,9 6,4 5,3 5,3 11,1 6,6 (24) (31) (26) (26) (54) (161) 8,9 9,1 7,7 12,8 20,2 11,7 (84) (86) (72) (120) (190) (552) DDO: 3,8 2,5 4,8 5,2 6,5 3,4 11,1 5,8 (18) (12) (23) (25) (31) (16) (53) (194) 1,6 1,6 2,9 2,5 1,2 1,4 2,7 2,0 (8) (8) (15) (13) (6) (7) (14) (71) 2,6 3,1 3,8 3,8 3,7 3,9 6,8 4,0 (26) (31)* (38) (38) (37) (39) (67) (276)*

Entre parênteses, número de casos. – Dados inexistentes.

* O total é superior à soma dos dois sexos, porque em 1992 esta característica não estava referida nos dados fornecidos pela Região Autónoma dos Açores.

Fontes: Grupos de diagnóstico homógeneos, Instituto de Gestão Informática e Financeira; Doenças de declaração obrigatória, Direcção-Geral da Saúde.

H – – M – – Total – – H M Total

(4)

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 Portugal Norte Centro Alentejo Algarve Açores Madeira

que as taxas foram mais elevadas nos homens do que nas mulheres em todos os anos analisados. As razões das taxas entre os sexos variaram entre 1,5 em 1992 e 5,2 em 1995, atingindo o valor de 2,7 para a totalidade do período de 1991 a 1997.

As estimativas das taxas de internamento por lep-tospirose calculadas, apenas para o continente, a partir da base de dados GDH foram claramente superiores à estimadas através de DDO. No entanto, verificaram-se também taxas mais eleva-das no sexo masculino do que no sexo feminino, variando a razão dos sexos entre 1,8 e 3,6, con-soante os anos considerados e sendo o valor 2,4 para o conjunto dos anos analisados (1993 a 1997).

Saliente-se ainda que no período de 1993 a 1997 o número de casos GDH (552) foi cerca de 2,5 vezes superior ao número de casos DDO. A verdadeira razão deverá ser superior uma vez que o GDH não inclui as duas regiões autónomas.

3.2. Diferenças regionais

A análise dos dados DDO mostrou a existência de importantes diferenças da incidência entre as várias regiões do país (Quadro II). Assim, a Região Autó-noma dos Açores teve taxas brutas de incidência muito mais elevadas do que todas as restantes regiões em todos os anos do período de 1991 a 1997. Também a Região Centro teve valores mais elevados do que o conjunto do país em quase todos os anos do período, embora esses valores tenham sido muito inferiores aos da Região Autónoma dos Açores. As restantes regiões tiveram valores muito abaixo da taxa bruta nacional, havendo mesmo algumas sem casos notificados na maior parte dos anos analisados.

3.3. Distribuição por grupo etário

A incidência de leptospiroses não se distribuiu uni-formemente pelos grupos etários.

Quadro II

Estimativas das taxas de incidência anual de leptospirose (DDO) por região

(/106 hab) Total 1991-1997 2,6 3,1 3,8 3,8 3,7 3,9 6,8 4,0 (26) (31) (38) (38) (37) (39) (67) (276) 1,0 0,7 2,0 2,0 1,3 1,6 2,0 1,5 (3) (2) (6) (6) (4) (5) (6) (32) 4,3 2,4 9,1 8,7 5,6 6,1 12,1 6,9 (10) (6) (21) (20) (13) (14) (28) (112) Lisboa e 0,3 3,4 1,2 1,9 1,9 0,6 3,4 1,8 V. do Tejo (1) (11) (4) (6) (6) (2) (11) (41) – – – 1,8 (2) (2) (1) (1) (6) – – – – – 0,8 (1) (1) (2) 50,0 45,9 20,8 16,7 50,0 66,7 83,4 47,6 (12) (11) (5) (4) (12) (16) (20) (80) – – – – – 11,1 (2) (2)

Entre parênteses, número de casos.

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3.4. A mortalidade por leptospiroses

Desde 1991, o número anual de óbitos que ocorreram em Portugal situou-se sempre abaixo das duas deze-nas.

Apesar do pequeno número de óbitos, não parece evi-denciar-se qualquer tendência nítida de aumento ou diminuição da mortalidade até 1995. Em 1996, porém, a taxa bruta de mortalidade foi bastante mais elevada (1,9 óbitos por 105) do que a taxa média anual do

período precedente (1991-1995) (Quadro IV). Quando se agregaram os óbitos ocorridos na totali-dade do período 1991-1996 com o fim de tornar as

Quadro IV

Taxas brutas de mortalidade média anual por leptospi-rose (CID-9:100.0 a 100.9) no período de 1991 a 1996

(/106 hab)

Número Taxa média de óbitos 91/96

Portugal 64 1,1

Região Autónoma dos Açores 18 5,6 Região Autónoma da Madeira 15 3,3

Centro 26 1,9

Lisboa e Vale do Tejo 18 0,9

Algarve 11 0,4

Norte 16 0,3

Alentejo – –

Fonte: Base de dados da mortalidade, INE. Quadro III

Taxas de incidência médias anuais de leptospirose (DDO de 1991 a 1997, continente + Região Autónoma da Madeira, e GDH de 1993 a 1997, continente) por grupo etário

(/106 hab) < 15 15-24 25-34 35-44 45-54 55-64 65 e + Total 0,7 1,8 2,4 4,0 5,3 6,6 3,8 4,0(b) (8) (20) (24) (36) (42) (49) (37) (276) 1,7 4,6 7,6 12,8 17,3 22,8 23,2 11,7 (14) (31) (53) (81) (96) (119) (158) (552)

Razão das taxas 2,4 2,6 3,2 3,2 3,3 3,5 6,1 2,9

Entre parênteses, número de casos.

(a) Não inclui a Região Autónoma dos Açores.

(b) O total é superior à soma nos vários grupos etários por serem desconhecidas as idades de alguns casos. Fonte: Grupos de diagnóstico homógeneos, Instituto de Gestão Informática e Financeira; Doenças de decla-ração obrigatória, Direcção-Geral da Saúde.

Assim, quando se tomou a totalidade do período 1991-1997 e os dois sexos em conjunto, verificou-se que as taxas de incidência estimadas por DDO aumentaram com a idade até ao grupo 55-64 e de-cresceram no grupo etário seguinte. Uma distribuição muito semelhante foi verificada para os casos extraí-dos de GDH (Quadro III).

Saliente-se que o número de casos obtido por GDH em 1997 foi cerca de 2,9 vezes superior ao obtido por DDO. Esse facto ocorreu em todos os grupos etários, notando-se que as razões GDH/DDO tiveram uma tendência geral para aumentar com a idade(Quadro III).

DDO(a) GDH

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taxas mais estáveis, constatou-se que existiam dife-renças regionais relevantes (Quadro V).

Assim, a Região Autónoma dos Açores teve a taxa bruta média anual por leptospiroses mais elevada (5,6 óbitos/106), com um valor mais de 5 vezes superior

ao valor nacional. Ao contrário do que aconteceu no caso da incidência (DDO), a Região Autónoma da Madeira teve a segunda taxa de mortalidade mais elevada no conjunto dos anos em análise (3,3 óbitos/ 106). No continente, a Região Centro teve o valor

mais elevado (1,9 óbitos/106), ficando todas as outras

regiões abaixo da média nacional.

3.5. Estimativas de incidência corrigidas pelas razões número de óbitos/número de casos

As estimativas de incidência calculadas podem então ser corrigidas de acordo com o método indicado atrás. Adoptando os três diferentes cenários de letalidade descritos (razões óbitos/casos com valores 0,13, 0,10 e 0,05), a estimativa do número total de casos de leptospiroses ocorridos em Portugal de 1991 a 1996 poderá ter variado entre um mínimo de 492 — cerca de 82 casos por ano — e um máximo de 1280 — cerca de 213 casos por ano (Quadro VI). Note-se que

Quadro VI

Estimativas do número de casos de leptospiroses que terão ocorrido em Portugal no período de 1991 a 1996 e das respectivas taxas de incidência bruta média anual (/106 hab) para três valores diferentes das razões óbitos/casos

Razão óbitos/casos

Número 0,13 0,10 0,05

de óbitos

Número Taxa Número Taxa Número Taxa

Portugal 64 492 18,3 640 10,8 1 280 121,5 Continente 51 392 16,9 510 19,0 1 020 118,1 Norte 6 146 12,5 160 13,3 1120 116,5 Centro 26 200 14,4 260 18,8 1520 137,5 Lisboa e V. do Tejo 18 139 17,2 180 19,3 1360 118,7 R. A. dos Açores 8 162 43,1 180 55,6 1160 111,2 R. A. da Madeira 5 139 25,4 150 32,6 1100 165,1

O pequeno número de óbitos registado nas Regiões do Alentejo e do Algarve não permite o cálculo das estimativas do número de casos e das respectivas taxas de incidência

Quadro V

Número de óbitos ocorridos, número de casos notificados a DDO (1991 a 1996) e registados em GDH (1993 a 1996) e razões óbitos/casos, por Região.

Casos Razão Casos Razão DDO Ob./DDO GDH(a) Ob./GDH

Portugal 64 209 0,31 – – Continente 51 (35)(b) 147 0,35 362 0,10 Norte 6 126 0,23 – – Centro 26 184 0,31 – – Lisboa e V. do Tejo 18 130 0,60 – – Alentejo – 115 (c) – – Algarve 1 112 (c) – – R. A. dos Açores 8 160 0,13 – – R. A.da Madeira 5 112 (c) – –

(a) Dados só disponíveis para o continente.

(b) Número de óbitos no período de 1993 a 1996 utilizados no cálculo da razão Ob/GDH. (c) Razões óbitos/casos DDO não calculados por insuficiência de efectivos ou inconsistência dos dados.

Fonte: Base de dados da mortalidade, INE; Grupos de diagnóstico homogéneos, Instituto de Gestão Informática e Financeira; Doenças de declaração obrigatória, Direcção-Geral da Saúde.

(7)

o número total de casos notificados a DDO, refe-rentes a todo o território, nesses seis anos foi de 209 — cerca de 35 casos por ano — e o registado em GDH (entre 1993 e 1996 e apenas no continente) foi de 362 — cerca de 91 casos por ano.

Após esta correcção, as estimativas das taxas de inci-dência brutas médias anuais da Região Autónoma dos Açores continuaram a ser as mais elevadas (43,1 a 111,2 casos/106), mas a Região Autónoma da

Madeira que tinha uma taxa de incidência quase negligenciável (2 casos notificados a DDO), surgiu nas estimativas corrigidas como a segunda taxa de incidência mais elevada do país (25,4 a 65,1 casos/ 106). A Região Centro manteve o valor mais alto do

continente (14,4 a 37,5 casos/106).

4. Discussão

As leptospiroses, pela baixa incidência que aparente-mente as caracteriza, não têm constituído prioridade no conjunto dos esforços de luta contra as doenças transmissíveis.

Pareceu útil e oportuno rever a epidemiologia da infecção em Portugal, utilizando integradamente os dados gerados por três sistemas de informação: Doenças de declaração obrigatória, Grupos de diag-nóstico homogéneos e Mortalidade.

Como é natural, nenhum dos três sistemas produz dados perfeitos e a análise isolada que se faça de cada um deles gera quadros epidemiológicos concor-dantes nalguns aspectos, mas muito diferentes nou-tros.

Assim, verificou-se que a incidência da doença foi menor quando estimada por DDO do que por GDH. DDO é o sistema que, teoricamente, deverá receber a notificação de todos os casos, tenham eles sido diag-nosticados e tratados no ambulatório ou no hospital, tenha ou não havido óbito. Mas DDO está depen-dente da disponibilidade de cada médico para notifi-car os casos que diagnostica e é bem conhecida a dificuldade em obter a sua adesão a esse acto. Não é, portanto, surpreendente que essa circunstância se reflicta numa subavaliação apreciável do número de casos. Por outro lado, GDH, ao assentar na obrigato-riedade do registo dos diagnósticos associados a todos os internamentos hospitalares, tem condições mais fáceis para possibilitar o reconhecimento de todos os casos hospitalizados, que constituem, presu-mivelmente, uma proporção elevada de todos os casos diagnosticados. Deve salientar-se que alguns casos podem estar registados mais do que uma vez em duas circunstâncias, contribuindo para sobresti-mar a incidência: (1) se tiver ocorrido transferência entre hospitais após o diagnóstico do mesmo

episó-dio da doença; ou (2) se tiver ocorrido mais do que um internamento no mesmo hospital durante o mesmo episódio. Por outro lado, o quadro epidemio-lógico que esta fonte proporciona está afectado pela não inclusão dos casos de diagnosticados e tratados exclusivamente em ambulatório, o que contribuirá para subestimar o número total de casos.

Mas os quadros epidemiológicos obtidos pelos três sistemas revelam uma grande consistência no que respeita a várias características. Assim, tanto DDO como GDH mostram que a incidência das leptospiro-ses foi bastante mais elevada no sexo masculino do que no sexo feminino. Ambas as fontes são também concordantes no que respeita ao padrão da distribui-ção da doença por grupos etários: aumento consis-tente das taxas até aos 55-64 anos e diminuição no grupo etário 65 e mais.

Face aos dados disponíveis, pareceu justificado tentar melhorar as estimativas de incidência, partindo dos dados da mortalidade, supostamente mais sólidos, e de três valores da razão número de óbitos/número de

casos.

Para este fim, os dados da mortalidade têm uma fragilidade inultrapassável: o pequeno número de efectivos, mesmo quando se agregam os óbitos de seis anos consecutivos. Este facto impediu que fossem aperfeiçoadas as estimativas para regiões com um número muito pequeno de óbitos por esta doença, como acontece com o Alentejo e o Algarve.

Por outro lado, o problema do pequeno número de óbitos exige que as estimativas feitas para a Região Autónoma da Madeira sejam interpretadas com pru-dência. Neste caso, verificou-se completa inconsis-tência entre o número total de óbitos por leptospiro-ses de 1991 a 1996 (5 óbitos) e o número de casos notificados a DDO no mesmo período (2 casos). A utilização daquele número de óbitos gera estimati-vas de incidência muito acima da média nacional, colocando a Região Autónoma da Madeira em 2.o

lugar, apenas atrás da Região Autónoma dos Açores. A ser assim, a doença poderia ter, na Madeira, uma dimensão surpreendentemente maior do que os dados de DDO indicam. Porém, a situação pode ser dife-rente se alguns desses óbitos não corresponderem à doença (por inexactidão do diagnóstico ou da codifi-cação da causa de morte). No entanto, mesmo que na Região Autónoma da Madeira tenham ocorrido ape-nas 4 ou mesmo 3 óbitos, em vez dos 5 registados, as estimativas das taxas de incidência nesta região con-tinuam a ocupar o 2.o lugar, acima de todas as regiões

do continente.

Adicionalmente, refira-se que as estimativas de inci-dência para cada região e para o país podem ser recalculadas de acordo com o valor da letalidade

(8)

(razão número de óbitos/número de casos) que se julgue mais adequado para a região (0,13, 0,10, 0,05 ou ainda outro valor).

É interessante notar que num artigo recentemente publicado (Hogan et al., 1997) sobre leptospirose na República da Irlanda a taxa de incidência anual média calculada pelo sistema de notificação obrigató-ria (1,3 casos/106) entre 1985 e 1996 foi cerca de três

vezes inferior à calculada para Portugal (DDO — 4,0 casos/106). Por outro lado, a taxa calculada pelo

sis-tema «Hospital Discharges» (4,5 casos /106) foi 2,5

inferior ao valor de Portugal (GDH — 11,7 casos/ 106). Saliente-se que, em ambos os países, as taxas

calculadas através dos respectivos sistemas de decla-ração obrigatória foram muito inferiores às taxas cal-culadas com base nos sistemas de informação de internamento hospitalar (3,8 vezes na República da Irlanda e 2,9 vezes em Portugal).

Os resultados obtidos pela análise realizada sugerem um conjunto de conclusões que, no entanto, devem ser interpretadas com prudência face às limitações dos dados:

1. A incidência de leptospiroses em Portugal é, pro-vavelmente, bastante superior às estimativas que podem ser feitas com base nos sistemas DDO e GDH;

2. Os dados GDH sugerem que houve um aumento apreciável do número de casos nos anos de 1996 e 1997. Esta situação foi confirmada por um aumento de casos DDO em 1997;

3. A Região Autónoma dos Açores tem tido as taxas de incidência (DDO) e de mortalidade mais eleva-das do país;

4. A Região Autónoma da Madeira teve estimativas de incidência (DDO) baixas, mas taxas de mor-talidade relativamente mais elevadas. É de admi-tir que a verdadeira taxa de incidência seja supe-rior à das regiões do continente, sendo apenas ultrapassada pela da Região Autónoma dos Açores;

5. No continente, as taxas de incidência mais eleva-das (DDO) corresponderam à Região Centro, com relevo para os distritos de Leiria e de Coim-bra;

6. A incidência da doença foi mais elevada nos homens do que nas mulheres e aumentou progres-sivamente com a idade.

A análise da ocorrência das leptospiroses agora feita é incompleta e tem imperfeições em vários aspectos. Há, no entanto, evidência suficiente para suspeitar de que o problema tem uma magnitude superior à que a consulta directa das estimativas existentes indicia.

Assim, parece justificar-se desenvolver o conheci-mento sobre a situação epidemiológica das leptospi-roses em Portugal, visando, nomeadamente:

1. Confirmar ou corrigir as estimativas de incidência feitas para cada uma das regiões, dando especial importância à confirmação ou infirmação da inci-dência elevada na Região Autónoma da Madeira; 2. Determinar, com pormenor, as vias de transmis-são da doença, através de um estudo especifica-mente delineado para esse fim;

3. Descrever os serovares responsáveis pela doença.

Agradecimentos

Agradece-se ao Instituto de Gestão Informática e Finan-ceira do Ministério da Saúde e ao Instituto Nacional de Estatística a cedência das bases de dados, respectivamente, de «Grupos de diagnóstico homogéneos» e de «Mortali-dade» e à Direcção-Geral da Saúde a cedência dos dados de «Doenças de declaração obrigatória» — 1997, ainda não publicados à data da realização deste trabalho.

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Summary

LEPTOSPIROSIS IN PORTUGAL — THE RECENT EPIDE-MIOLOGICAL SITUATION

The incidence of leptospirosis in Portugal was studied using data from three different sources: «Doenças de declaração obrigatória» (DDO), da Direcção-Geral da Saúde, «Grupos de diagnóstico homogéneos» (GDH), do Instituto de Gestão Informática e Financeira, e «Mortalidade», do Instituto Nacional de Estatística. Annual crude incidence rates estimated with DDO data varied from 2.6 cases/106 (1991) to 6.8 cases/106 (1997), and were higher when estimated with GDH data — lower value: 7.7 cases/106 (1995); highest value: 20.2 cases/106 (1997). Estimates from both sources agreed on: (1) males had higher rates than females; (2) incidence increased up to age group 55-64; (3) crude incidence rates had an increase after 1995. Regional differences in incidence were identi-fied through DDO data: Região Autónoma dos Açores and Região Centro had the highest rates. As for incidence, annual crude death rates in the period 1991-1996 were also higher in RA Açores (5.6 deaths/106) and in Região Centro (1.9 deaths/106), but RA Madeira had also a high value (3.3 deaths/106).

Given the probable underestimation of incidence by both DDO and GDH data a correction method was applied using the number of deaths in the country and in each region and several values of the ratio nb deaths/nb cases. Results after correction suggest that the average number of cases in Portugal is likely to vary between 82 and 213 cases/year (estimates on DDO: 35 cases/year; from GDH: 91 cases/year).

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Referências

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