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Compadrio Livre, Escravo ou Forro: estratégias de sobrevivência dos cativos nos Campos Gerais do Paraná no Período Imperial

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Compadrio Livre, Escravo ou Forro: estratégias de sobrevivência dos

cativos nos Campos Gerais do Paraná no Período Imperial

Fernando Franco NettoMariani de Oliveira Larissa Pachechne

Palavras-chave: Compadrio, escravos, economia e demografia.

a. Resumo:

Os arquivos eclesiásticos na região dos Campos Gerais do Paraná são ricos em documentos relacionados com os registros de batismos de escravos, principalmente durante grande parte do período imperial. Guarapuava e Castro foram importantes localidades de passagem das tropas a fim de abastecerem a região sudeste com o gado proveniente da região sul. Esses registros ajudam-nos a conhecer melhor as estratégias adotadas pelos cativos e pelos senhores de escravos quanto às alianças de parentesco. O trabalho sugere que a relação de compadrio entre os negros, os pardos e os libertos estavam relacionados com a manutenção e ampliação da comunidade. Como a região possuía pequenos proprietários de escravos, o compadrio se tornou estratégico na busca de proteção por parte dos escravos, bem como na manutenção do controle dos cativos, por parte dos senhores. Com isto, verifica-se também uma parcela importante de padrinhos livres no conjunto dos batismos, reforçando os aspectos de dominação e da reprodução da hierarquia social.

Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná e professor do curso de Economia da

Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO – Paraná.

Acadêmica do Curso de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG.

Acadêmica do Curso de História da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO –

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Compadrio Livre, Escravo ou Forro: estratégias de sobrevivência dos cativos nos Campos Gerais do Paraná no Período Imperial

Fernando Franco Netto* Mariani de Oliveira Larissa Pachechne

Palavras-chave: Compadrio, escravos, economia e demografia.

1. Introdução

A imposição do batizado ao recém-nascido tornou-se prática corrente no mundo católico a partir do século XVI, como resposta ao avanço das religiões protestantes na Europa. Em Portugal e suas colônias, esse registro assumiu grande importância, pois o regime do padroado ao transformar a hierarquia eclesiástica em burocracia do Estado facultava aos livros paroquiais o duplo status de registro religioso e civil (LIMA & VENÂNCIO, 1991). Remetendo-nos à escravidão, tal qual uma escritura pública, o batismo assegurava a propriedade do cativo ao proprietário.

Podemos lembrar, ainda que o batismo e os elementos rituais incorporava as crianças à comunidade escrava, funcionando como meio de sociabilidade percebido nas relações de apadrinhamento, que poderia ultrapassar as barreiras da condição social e espacial.

Stuart Schwartz, estudando o compadrio na Bahia colonial concluiu que os padrinhos sempre eram de condição igual ou superior a dos pais do afilhado. Segundo Schwartz, através dessas escolhas os escravos, muitas vezes, buscavam instrumentalizar a política de compadrio, com vistas à alforria de seus filhos, mas, na maioria dos casos, sem muito sucesso.

Freqüentemente, escravos procuravam „pessoas de consideração‟ para apadrinharem seus filhos, na esperança de que o orgulho das mesmas seria grande demais para permitir que seus afilhados permanecessem no cativeiro; tal esperança, porém, em geral não se concretizava. Em um estudo sobre alforrias na Bahia entre 1684 e 1745, menos de 1% das manumissões e menos de 2% de todos os casos de alforria obtida por compra resultaram e padrinhos que libertaram seus afilhados. Fossem quais fossem as esperanças e intenções dos cativos, tais casos eram raros. ( SCHWARTZ, 1988, p.331-332)

Trabalho apresentado no XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu-

MG – Brasil, de 20 a 24 de setembro de 2010.

* Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná e professor do curso de Economia da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO – Paraná. A presente pesquisa representa resultado parcial de projeto de pesquisa com o apoio do CNPq.

Acadêmica do Curso de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG

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Nosso texto pretende analisar os batismos de crianças filhas de escravos em duas localidades voltadas para a produção de subsistência durante a década de 1860: Guarapuava e Castro, pertencentes à província do Paraná, especificamente a região dos Campos Gerais.

O período focado refere-se a um momento de transição do sistema escravista. A cessação do tráfico internacional de escravos e a Lei de Terras (ambos de 1850), foram acontecimentos de um processo de transição que ocorria de forma gradativa, cujo corolário seria a abolição da escravatura. No período, os senhores tinham no tráfico interno e na reprodução natural a esperança de perpetuação do regime, o que posteriormente seria limitado em função de outras leis que dificultariam a presença de escravos nas propriedades.

2. Castro e Guarapuava: perfis econômicos na segunda metade do século XIX

2.1 Castro

Variadas fontes conduzem-nos para a constatação das atividades produtivas em Castro. Inventários post-mortem, relatórios dos presidentes de província, mapas econômicos e documentos da Câmara descrevem o mosaico econômico de Castro composto de atividades agrícolas e na criação de animais,

Durante quase todo o período do século XIX, Castro desenvolveu-se ligado à rota do comércio de gado para Sorocaba. A passagem dos animais foi proporcionando o surgimento de vilas e cidades ao mesmo tempo em que os moradores procuravam se organizar. Esses moradores davam assistência aos tropeiros vindos do sul que traziam o gado para serem comercializados em Sorocaba.

A condição de fronteira agrária provavelmente contribuiu para o acesso a terra e as atividades produtivas. A fronteira deve ter sido receptiva não somente à elite agrária como também às pessoas pobres. Por ser uma região onde os meios de acumulação eram mais intensos, provavelmente dificultava o acesso às pessoas pobres, mas não impedia o acesso à terra.

A atividade predominante foi durante boa parte do período a criação, apesar da importância que a agricultura desempenhou no processo de sobrevivência das famílias. Isso, com certeza, proporcionava uma alternativa de renda para algumas pessoas no tocante a venda de produtos no mercado local ou, ainda, para o consumo interno. Em função da atividade da criação, a população de Castro expandiu-se, o que ocorreu não apenas na localidade, mas também em todo o Paraná.

Altiva Balhana em seus estudos afirma que a população do Paraná cresceu muito durante grande parte do XIX em função do processo de imigração. Além disso, suas pesquisas informam que a distribuição espacial alterou-se profundamente no período entre o período do XVIII para o XIX, pois no início a concentração foi no litoral, enquanto que a partir do XIX a configuração se altera para o Planalto.

Interessante no estudo também são as informações quanto a composição étnica de sua população. Uma sociedade heterogênea que se formou ligada as atividades econômicas durante os séculos XVIII e o XIX.

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(...) na composição da população do Paraná tradicional, isto é, do Paraná da mineração, da pecuária, das indústrias extrativas do mate e de madeiras, e da lavoura de subsistência, estão presentes o branco, o índio, o negro, bem como a variada gama de mestiços que caracteriza o quadro demográfico da maioria dos estados brasileiros. (BALHANA, 1972, p.14)

A força de trabalho empregava a mão-de-obra cativa e sua utilização era comum nos domicílios ligados as atividades da agricultura e da pecuária. O volume de escravos sofreu elevação importante durante os anos em Castro, o que infere sobre o aumento de riqueza na localidade durante o período do XIX. A predominância em Castro era da pequena propriedade, isto é, em torno de 60% possuíam quatro ou menos cativos.

Com relação às atividades econômicas que empregavam a mão-de-obra escrava, predominavam os agricultores e os criadores de animais. Trabalho realizado por Kátia Andréia Vieira de Mello enfatiza que a maior parte da escravaria (39%) plantava e criava gado ao mesmo tempo, reunindo quase 50% do total de escravos (48,4%). (MELO, 2004, p.20)

2.2 Guarapuava

A economia de Guarapuava, além de ser um prolongamento da atividade de subsistência e da pecuária do Paraná, onde ““a população emprega-se quasi geralmente na criação do gado vaccum e em menor escala na do lanígero e muar, constituindo com o preparo da herva mate os unicos objectos de comercio do lugar”” (RELATÓRIO DO PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DO PARANÁ, 1870), é importante para compreendermos a evolução da economia interna face as suas especificidades de região voltada para o abastecimento do Império. A preocupação estava relacionada com a exploração intensiva de suas terras com o intuito de invernarem as tropas provenientes do extremo sul do país.

No livro de registros de ofício da câmara Municipal de Guarapuava, no ano de 1862, verificam-se as condições internas da vila quanto as suas atividades econômicas, em que fica clara sua dependência do comércio de animais, concomitantemente a uma economia de subsistência.

Importam-se do littoral para este município perto de 12.500 alqueires de sal, tanto para o trato dos animaes crioulos como para os e dos que aqui invernão comprados e importados da província do Rio Grande a fim de serem exportados no tempo presiso a Sorocaba. Outros pontos do littoral importa-se fazendas seccas e molhadas. A cal vem de Ponta Grossa na razão de seiscentos a oitocentos alqueires. O fumo, café, assucar são importados da província de São Paulo donde vem tambem obras manufacturadas como chapéus, sellings, redes, lombilhos, freios, foices e machados. Esta villa, os generos de exportação consistem em bois, cavallos, poltros, eguas e mullas. Exporta-se deste Município para a província do Rio Grande, herva matte, fumo, assucar, aguardente e algumas fazendas. Para o littoral este Município exporta clina, couro, queijos, carne seca e herva matte, porem todos estes generos em pouca quantidade, em razão do mao estado das estradas, preferindo os tropeiros que daqui vão buscar cargas no littoral ou na capital, levarem seus animaes descarregados.” (LIVRO DE REGISTRO DE OFÍCIOS, 1862, p.83-87)

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Assim sendo, verifica-se que a atividade da criação de animais era predominante na localidade e que outros gêneros faziam parte das atividades econômicas, porém em pequena quantidade em função das condições das estradas. Entretanto, pode-se perceber que Guarapuava desenvolvia outras atividades complementares à pecuária.

No quadro abaixo, verificamos as áreas declaradas no Município de Guarapuava considerando as terras agrícolas e as terras para a atividade da pecuária.

Quadro 1 - Áreas declaradas no município de Guarapuava 1855/1857

Distritos Terras Agrícolas Terras Pecuária Total Proprietário

s

Área(há) Proprietário s

Área(há) Proprietários Área(há) Vila Guarapu ava 284 31.986,31 169 406.499,87 453 438.486,18 Freguesi a Palmas 51 26.204,49 59 365.546,65 110 391.751,32 TOTAL 335 58.190,08 228 772.046,52 563 830.237,50

Fonte: Alcioly Therezinha Gruber de Abreu. A posse e o uso da terra: modernização Agrope-

cuária de Guarapuava; Declaração de posse do Registro do Vigário – Arquivo da Paróquia

de Nossa Senhora de Belém – Guarapuava.

A quantidade relativa de proprietários com posse de terras agricultáveis em Guarapuava no período atinge o percentual de 62,7%, enquanto as terras para a prática da pecuária extensiva pertenciam a 37,3% dos proprietários. Em princípio, poderíamos afirmar que existia uma concentração das atividades dos proprietários na agricultura de subsistência. Porém, se verificarmos a relação entre propriedade e a área envolvida, podemos afirmar que havia uma grande concentração de terra nas mãos de poucos proprietários; dos 830 mil hectares declarados na Vila de Guarapuava e na freguesia de Palmas, 772 mil hectares pertenciam às áreas destinadas à atividade da pecuária, representando 92,9% da área total declarada. Se considerarmos somente a Vila de Guarapuava, o percentual das terras utilizadas para a pecuária correspondia a 92,7%. De acordo com esses números, podemos afirmar que havia uma grande concentração de terras destinadas à atividade principal da região que era a pecuária extensiva, baseada na grande propriedade e na utilização da mão-de-obra escrava e livre.

Guarapuava e Palmas detinham 72 fazendas de criar de um total de 156 propriedades na Província, o que correspondia a 46,1% das fazendas. Quanto à criação, a região possuía 112.880 animais, perfazendo 49,7% da produção do Paraná.

Daniel Pedro Muller em seu “Ensaio estatístico sobre a Província de São Paulo” demonstra que a região de Castro no ano de 1835 (Guarapuava pertencia a Castro nesse período), comparativamente às outras localidades que faziam parte da Província de São Paulo, em termos de valor anual da produção, foi inferior apenas em relação às localidades de Jacarehy, São Carlos e Mogi-Mirim. 1

1 MULLER, Daniel Pedro. Ensaio d’um quadro estatístico da Província de São Paulo. Ordenado pelas leis provinciais de 11 de abril de 1836 e 10 de março de 1837. São Paulo, Typographia de Costa Silveira, 1838. p. 125, 126, 128. Ressaltamos os dados apresentados pelo autor; para Castro o valor da produção foi de 247:550$812; Jacarehy de 301:185$600; São Carlos de 308:325$620 e para Mogi-Mirim de 308:089$580.

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Em 1859, apesar de o Presidente da Província reclamar da situação da indústria e do comércio da Província do Paraná, bem como da agricultura, muito influenciada pela falta de braços e pelas más condições das vias de transporte, o presidente informa que na Província existiam aproximadamente 227.922 cabeças de gado, sendo que 112.880 delas estavam em Guarapuava e Palmas, o que representava 49,5% de todo o gado do Paraná. Além disso, o número de fazendas dedicadas à criação era de 156, das quais 72 (46,1%) se encontravam nessas duas áreas. A criação de animais era tão fundamental na Província que o orçamento realizado no ano de 1858 demonstra que a atividade relacionada com a comercialização de animais foi muito importante para seu desenvolvimento, pois apenas o “imposto sobre animais” e a “renda das barreiras” participavam com 69,3% do total arrecadado.2

Da mesma forma, o Relatório apresentado à Câmara Municipal de Guarapuava em outubro de 1859 mostra que a indústria e o comércio do município consistem, à época, na criação e exportação de animais para outros pontos. Além disso, “é bastante importante o comércio de animais que da província do Rio Grande importa-se pela estrada que passa por esta vila”.3

Em 1862, a Câmara Municipal de Guarapuava apresentou, em relatório, o quadro geral do município, que, ao avaliar a situação do comércio e da indústria, apresenta os principais ramos de negócios da localidade, que consistem “nas vendas de gado vaccum, cavallar e muar, e bem assim as fazendas seccas e molhadas”.4

Ao mesmo tempo, apresenta um quadro descrevendo os produtos de exportação, que eram os “bois, cavallos mansos, poltros, éguas e mullas, (...) e exporta-se desse município para a província do Rio Grande, herva matte, fumo, assucar, aguardente e algumas fazendas”.5

Percebe-se, pois, que a atividade econômica predominante em Guarapuava era a criação de gado. Entretanto, ao analisarmos mais detidamente o que o Presidente da Província escreve, verifica-se que a agricultura de alimentos tem importante participação no processo de desenvolvimento local, dadas as condições apresentadas pelas terras e pela produção da colônia Thereza, que abastecia tanto Guarapuava como Castro. Desta forma, as atividades econômicas se desenvolviam em Guarapuava, apesar dos problemas relacionados com o transporte e a mão-de-obra.

2 Relatório do Presidente da Província do Paraná. Francisco Liberato de Mattos, 07 de janeiro de 1859. Curityba, Typographia Paranaense de Candido Martins Lopes.

3 Relatório da Câmara Municipal de Guarapuava em 31 de outubro de 1859. Livro de Registro de Expediente da Câmara Municipal de Guarapuava, p. 59-62.

4 Relatório da Câmara Municipal de Guarapuava em 08 de janeiro de 1862. Livro de Registro de Expediente da Câmara Municipal de Guarapuava, p. 83-87.

5 Relatório da Câmara Municipal de Guarapuava em 08 de janeiro de 1862. Livro de Registro de Expediente da Câmara Municipal de Guarapuava, p. 83-87.

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3. Batismos de escravos

Durante a década de 1860, o crescimento no número de escravos nas duas localidades sofreu intensificação em função do maior dinamismo econômico, face o aquecimento na atividade da comercialização de animais para São Paulo, bem como, na intensa migração de pessoas alargando, dessa forma, as fronteiras da região. O gráfico abaixo demonstra o comportamento durante os anos de 1860 quanto à distribuição dos registros de batismos de escravos para as duas localidades.

Gráfico 1. Número de Batismos - Década de 1860

0 5 10 15 20 25 30 35 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Intervalo N ú m e ro d e B a ti s m o s Castro Guarapuava

Verifica-se, pelo gráfico, a tendência muito parecida entre as duas localidades de manterem os registros durante os anos no período. Isto demonstra, em primeira instância, o comportamento da região quanto à expansão do comércio de animais. Também, observa-se, que a localidade de Castro possuía um maior número de escravos proporcionalmente comparado com Guarapuava, corroborado pelo maior número de registros de batismos encontrado.

4. Ilegitimidade dos escravos

O índice de ilegitimidade foi bastante elevado para Guarapuava e Castro no período. Entretanto, comparativamente observa-se comportamento diferente entre as localidades. Antes de analisarmos esses comportamentos, é interessante alguns comentários de cunho geral quanto as especificidades dos registros. A grande maioria dos registros de batismos demonstra que as famílias eram constituídas por relações matrifocais. Poucos são os registros onde não aparece referência aos pais, ou seja, não há o registro do nome nem do pai nem da mãe. Isso quer dizer que, da maioria das crianças batizadas podem ser classificadas como ilegítimas ou naturais. Como o casamento de escravos nas duas localidades foi bastante reduzido, esse indicador de ilegitimidade corrobora de uma certa forma com a tendência a poucas uniões em Guarapuava e Castro.

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O estudo de Denize Aparecida sobre o compadrio em São Francisco do Sul e Joinvile, no período que compreende o final da primeira metade do XIX até o final da escravidão, em 1888, mostra a mesma tendência de crescimento das taxas de ilegitimidade durante a segunda metade do XIX. Para a autora, isso pode estar relacionado com o tempo de criação das freguesias, que ““pode ter interferido nas estratégias e oportunidades dos cativos de organizar seus arranjos familiares legítimos”” (SILVA, 2004). No caso de Guarapuava e Castro a ilegitimidade era muito menor do que a de Joinvile, o que se entende pelo fato de que as escravarias nessas duas localidades serem um pouco maiores do que as de Joinvile. Mas a ilegitimidade de Guarapuava era menor que a de São Francisco do Sul e de Castro, onde as escravarias eram maiores que em Guarapuava. Góes, por sua vez, estudando os escravos na Freguesia de Inhaúma, no Rio de Janeiro, na primeira metade do século XIX ,chegou a um índice de ilegitimidade de 79,3%, assegurando que ““a variação do índice de legitimidade das crianças batizadas, indica que o batismo de crianças naturais sempre foi a regra. Entre 1821 e 1824, e no ano de 1828 os filhos de pais casados superou a barreira dos 30%”” (GÓES, 1993).

Um outro estudo que aborda taxas de ilegitimidade foi produzido por Slenes ao pesquisar a família escrava em Campinas no século XIX. Analisando o censo geral do ano de 1872, o autor sugere que os índices de ilegitimidade estariam relacionados com o tamanho da posse, pois os plantéis com 1 a 9 escravos tiveram indicador maior do que os plantéis com 10 ou mais escravos. Motta, ao pesquisar a vida dos escravos de Bananal nas primeiras décadas do século XIX, observou que os índices de ilegitimidade foram menores do que o indicador de legitimidade para as crianças cativas. A partir disso, ele sugere que a evolução da família escrava, bem como a vida familiar dos cativos, melhorou no período. Quanto à relação entre o tamanho das posses e o índice de ilegitimidade, ele chega à mesma conclusão que Slenes, afirmando que ““à medida que se eleva o tamanho dos plantéis, os filhos legítimos vão se fazendo cada vez mais presentes vis-à-vis os filhos naturais”” (MOTTA, 1999).

Em ambas as localidades, percebe-se o predomínio dos registros de filhos naturais. Esses resultados não são nenhuma novidade em termos de população cativa, ilustrado por alguns estudos relatados acima. Comparando esses resultados com aqueles por nós estudados nas duas localidades, observa-se comportamentos importantes quanto aos indicadores de ilegitimidade, pois, se avaliarmos em função do tamanho das escravarias, percebe-se que na região dos Campos Gerais do Paraná o ambiente era mais favorável para a legitimidade.

Ao compararmos as duas localidades, pode-se inferir que Guarapuava teve tendência para a legitimidade mais favorável do que Castro, visto não somente as condições das propriedades de escravos, em função de serem menores do que as encontradas em Castro, bem como, pelo maior dinamismo econômico encontrado em Guarapuava no período, visto que o caminho das tropas estava fortemente encontrando paragens em Guarapuava, corroborado pelo alargamento da fronteira em função da expansão das terras e das fazendas para a região de Guarapuava e Palmas. Os números apontam para um índice de ilegitimidade de 78,0% em Castro e de 83% em Guarapuava, o que considerando as especificidades das localidades quanto às propriedades de

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escravos, sugere que a localidade de Guarapuava tinha maiores possibilidades de filhos legítimos do que Castro.

6. Padrinhos e Madrinhas

Com relação aos padrinhos e madrinhas dos escravos, é surpreendente o índice de livres em comparação aos escravos formando o que chamamos de parentesco fictício. Pelos registros, identifica-se a tendência de priorizar mais os homens no parentesco fictício, tanto no caso de Guarapuava como em Castro, porém, a localidade de Castro apresenta um número menor de não padrinhos e madrinhas em relação à Guarapuava. Do total de registros para os padrinhos em Guarapuava, 77% eram livres; 14% escravos; 3% libertos e os restantes 6% na categoria que definimos como sem padrinho. Para Castro, os resultados são um pouco diferentes, apresentando um percentual de padrinhos livres de 80%; padrinhos escravos com 18%; padrinhos libertos o percentual de 1,6% e os restantes 0,4% como sem padrinho. Considerando esse comportamento nas duas localidades, verifica-se que as estratégias dos cativos, em Guarapuava, era de manter laços maiores com o ambiente escravo do que em Castro.

No caso das madrinhas, em Guarapuava o percentual de livres é de 74%; para as escravas o percentual foi de 14%; no caso das libertas o resultado foi de 4,5%, enquanto os restantes 7,5% considerado sem madrinha. Para Castro, o comportamento foi de 76% para as madrinhas na condição de livres; 19% na condição de escravas; 3% na condição de libertas, enquanto 2% na condição de sem madrinha. Apesar das diferenças, as estratégias apresentadas pelos cativos em Guarapuava segue a tendência de laços mais próximos da escravidão.

Uma outra questão importante para compreendermos o comportamento dos escravos no momento do batismo, considerando o alto índice de padrinhos e madrinhas livres, é supor que as condições do plantel no momento do batismo poderiam estar influenciando na escolha dos padrinhos – a maioria dos plantéis possuía pequeno número de escravos. Outra hipótese é que os escravos procuravam arranjos fictícios no sentido de se sentirem mais próximos de sua liberdade, assim, escolhiam para padrinhos indivíduos livres ou mesmo de posição elevada na sociedade local.

No caso de Inhaúma, no Rio de Janeiro, Góes percebeu que os batismos das crianças cativas eram preferencialmente seguidos de padrinhos e madrinhas escravos, porém isso só acontecia com maior intensidade nos plantéis grandes. Ele registra que nos menores plantéis era comum haver padrinho e/ou madrinha liberto ou livre, enquanto que nos plantéis em que se ““batizaram 8 ou mais cativos elas eram 86.2% das madrinhas (contra 72.5% dos escravos padrinhos nestes mesmos plantéis)””.(GÓES, 1993)

Schwartz e Gudeman, ao pesquisarem sobre compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII, chegam à conclusão de que 70% dos batismos de escravos tinham a presença de padrinho e madrinha livres. Os escravos participavam com 20% e os libertos com 10%. Para os autores, esse predomínio estava relacionado com algumas vantagens que o escravo poderia ter, pois ““a existência de um padrinho livre residindo

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na vizinhança representava vantagens para os escravos, vantagens de maior peso que aquelas propiciadas por amizades íntimas ou por laços de família, que levariam à escolha de outros escravos””. (SCHWARTZ & GUDEMAN, 1988)

Na Freguesia de São Francisco Xavier de Joinvile, Silva chegou a números bastante expressivos de padrinhos e madrinhas livres. O percentual ficou acima de 90%. Segundo ela, isso está relacionado com as características das comunidades escravas em regiões onde os pequenos plantéis são predominantes, além de uma população formada majoritariamente por crioulos. Já para a Freguesia de Nossa Senhora da Graça, os índices de padrinhos e madrinhas livres também superaram os dos escravos, porém não tão intensamente quanto na Freguesia de São Francisco Xavier, sugerindo, portanto, que o tamanho das posses não era o único fator que influenciava o apadrinhamento dos escravos. Na conclusão da autora, ““quanto mais próximo de 1888, mais aumentava o número de livres, de libertos e/ou forros””.(SILVA, 2004)

Mesmo considerando o tamanho dos plantéis, a partir dos registros de batismos percebemos que em Guarapuava e em Castro os escravos eram batizados preferencialmente por indivíduos livres. Entretanto, isso não ocorreu na mesma proporção ao considerarmos o tamanho do plantel com relação ao número de batismos. Percebe-se que conforme vai aumentando o número de batismos na propriedade, aumenta também a participação dos indivíduos livres como padrinhos. Os escravos como padrinhos reduzem gradativamente sua participação nos plantéis, enquanto que os indivíduos forros não chegam a ter 5% do compadrio. Quanto às madrinhas, o movimento nos plantéis chega a ser praticamente o mesmo que ocorre com os padrinhos.

Em Guarapuava e Castro, os padrões de compadrio parecem tecer caminhos diferentes com relação aos estudos acima mencionados. Apesar de acompanhar as características quanto aos padrões referentes ao número de batismos realizados pelos senhores de seus próprios escravos – quase não houve registro de senhores batizando seus escravos –, o número de padrinhos e madrinhas parentes dos senhores ou mesmo senhores de outros escravos foi significativo. Isso demonstra que as relações entre os senhores e os escravos estavam mais próximas do que parecem e eram fortemente marcadas por um certo “paternalismo indireto”, como caracteriza Schwartz. A historiografia desconhece números tão significativos de padrinhos e madrinhas tão próximos dos senhores e de seus parentes batizando escravos. Além disso, alguns desses indivíduos batizaram mais de um cativo.

Com isso, talvez possamos concluir que os escravos em Guarapuava e em Castro não estavam criando relações de reciprocidade que pudessem aproximá-los mais de outros companheiros de cativeiro. Entretanto, concordamos com a idéia de que, quando tinham possibilidade de escolha, provavelmente a tendência era escolherem os cativos como compadres. Não podemos esquecer, porém, que o tamanho da posse era pequeno e isso provavelmente influenciava nas escolhas dos padrinhos, embora os escravos pareçam vencer algumas dificuldades quando possível, haja vista que os dados referentes à pertinência do padrinho e da madrinha mostram que a maioria dos escravos padrinhos (55,0%) e madrinhas (56,1%) era de plantel diferente daquele a que pertenciam os pais do batizando. Uma outra possibilidade para analisarmos esses números é considerar que os escravos e/ou os senhores poderiam ter que escolher esse

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tipo de estratégia a fim de possibilitar o compadrio escravo a partir de outros plantéis, em função do reduzido número de escravos em suas propriedades.

Um outro tipo de avaliação e que poderia trazer alguns questionamentos com relação ao compadrio escravo é a relação a que nos propusemos a fazer considerando o proprietário e o número de batismos em sua propriedade. As propriedades que batizaram de 1 a 4 escravos tendem a apresentar um número de padrinhos/madrinhas livres menor do que as propriedades que possuíam o registro de mais do que 5 escravos. Além disso, a quantidade de compadres escravos foi superior nas propriedades com 1 a 4 escravos. A dificuldade de se encontrar padrinhos/madrinhas de mesma condição jurídica era menor nas propriedades com poucos registros de batismos do que nas com um maior número de batismos. Isso comprova que os escravos procuravam vencer suas dificuldades de buscar padrinhos cativos. Pelos dados, quanto maior o número de batismos na propriedade, maior a tendência dos padrinhos em serem de condição jurídica livres. No caso das madrinhas, isso é até mais significante.

6. Conclusão

Os registros de batismos de escravos permitiram analisar algumas características importantes no comportamento dos batizados, dos pais, das mães, dos padrinhos e madrinhas. Tudo isso teve como foco a comparação de duas localidades na região dos Campos Gerais do Paraná, Guarapuava e Castro. Procuramos neste trabalho, evidenciar os impactos resultantes de localidades aparentemente com as mesmas características econômicas, dos níveis e das especificidades dos registros dos batizados, da evolução no tempo dos batismos, das questões de ilegitimidade dos batizandos e, finalmente, sobre a condição social dos padrinhos e madrinhas dos cativos.

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6. Referências Bibliográficas

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