• Nenhum resultado encontrado

Adaptações corporais de dançarinos em contexto de Cias profissionais com coreógrafos não residentes

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Adaptações corporais de dançarinos em contexto de Cias profissionais com coreógrafos não residentes"

Copied!
121
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM DANÇA

JUSSARA BRAGA BASTOS

Adaptações corporais de dançarinos

em contexto de Cias profissionais com coreógrafos

não residentes

Salvador 2014

(2)

Adaptações corporais de dançarinos

em contexto de Cias profissionais com coreógrafos

não residentes

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Dança da Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Dança.

Orientadora: Clélia Ferraz Pereira de Queiroz

Salvador 2014

(3)

Sistema de Bibliotecas da UFBA

Bastos, Jussara Braga.

Adaptações corporais de dançarinos em contexto de Cias profissionais com coreógrafos não residentes / Jussara Braga Bastos. - 2014.

120 f.

Inclui anexos.

Orientadora: Profª. Drª. Clélia Ferraz Pereira de Queiroz.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Escola de Dança, Salvador, 2014.

1. Dança. 2. Cognição. 3. Dançarinos. 4. Companhias de dança. I. Queiroz, Clélia Ferraz Pereira de. II. Universidade Federal da Bahia. Escola de Dança. III. Título.

CDD - 792.8

CDU - 793.3

(4)

Adaptações corporais de dançarinos

em contexto de Cias profissionais com coreógrafos não

residentes

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre em Dança, Programa de Pós-Graduação em Dança, Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia.

Aprovada em 03 de Junho de 2014.

Banca Examinadora

______________________________________________________________ Clélia Ferraz Pereira de Queiroz – Orientadora

Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Universidade Federal da Bahia

______________________________________________________________ Gilsamara Moura Robert Pires – Membro interno

Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Universidade Federal da Bahia

______________________________________________________________ Ana Cristina Echevenguá Teixeira – Membro externo

Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

(5)

“Boas vibrações prá vocês que me ajudam a seguir meu caminho. Obrigado aos amigos da terra e do céu, ninguém faz nada sozinho.” Fábio Jr.

(6)

Agradeço...

A Deus, por este feito. À minha companheira de trajeto e orientadora, Lela, por me guiar nas minhas dúvidas, abraçar minhas propostas e me

fornecer aprendizados únicos. Às professoras do PPGDança – UFBA pelos aprendizados. A Gilsa e Ana, por colaborarem para o crescimento e

elaboração desse trabalho de maneira tão generosa, obrigada! Aos amigos e companheiros de jornada: Paty, Edu, Joyce, Carol, Denise e

Thiago, o caminho ficou mais colorido ao lado de vocês!

Dedico...

Aos meus pais e minha irmã, Toninho, Beatriz e Rosana, pela confiança em acreditarem que eu conseguiria, mesmo quando eu não acreditava. Sem vocês seria impossível! Ao Felipe, grande amigo e companheiro com

que a Bahia e todos os santos me presentearem: pelo apoio

incondicional, paciência desmedida e confiança depositada em mim. Aos amigos de perto pelo conforto e encorajamento. À minha família e amigos que, mesmo estando longe, estiveram sempre perto em ótimas palavras e

(7)

(Mestrado) – Programa de Pós Graduação em Dança, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014.

RESUMO

Em um ambiente profissional de uma Cia de dança contemporânea que trabalha com coreógrafos não residentes, o contato com diferentes características de movimento e propostas em dança é bastante comum. Os dançarinos que atuam neste ambiente profissional necessitam se relacionar com diferentes qualidades de movimentos a cada trabalho coreográfico. Buscamos investigar questões pertinentes ao processo de negociação e adaptação corporal entre os hábitos de movimento de dançarinos profissionais e movimentações ainda não habituais, as quais esses profissionais precisam se relacionar a cada composição coreográfica. Buscamos também, averiguar e tecer relações entre o preparo corporal diário da Cia e seu fazer cênico, no intuito de investigar as estratégias utilizadas para lidarem com diferentes propostas coreográficas. Assim, tornou-se pertinente averiguar qual é o entendimento de corpo e de técnica em dança que habita esses ambientes profissionais, problematizando questões emergentes ao se pensar a técnica na dança contemporânea. Para travarmos discussões sobre como o corpo aprende e se relaciona com novos aprendizados, nos valemos do fenômeno

embodiment, que nos explica que a cognição acontece no e pelo corpo e que o

movimento é condição primeira para o processo cognitivo. Nos apoiamos na Teoria Geral dos Sistemas, segundo VIEIRA, 2008, BITTENCOURT, 2007, PRIGOGINE, 1996, para situarmos a dança enquanto processual, sistêmica e dinâmica, sob uma visão evolutiva de corpo enquanto corpoambiente, onde o mesmo é entendido como resultante processual co-evolutiva com o ambiente (QUEIROZ, 2009, BRITTO, 2008). Também nos valemos da Teoria Corpomídia, que nos apresenta o corpo e suas relações enquanto processos comunicacionais e entende que o corpo é mídia de si mesmo, apresentando mídia como o processo corporal seletivo das informações que vão construindo o corpo de maneira evolutiva (KATZ e GREINER, 2005). Defendemos que o corpo vive em estado de constante fluxo de informações com o meio e, assim, se modifica e modifica seu entorno. Fomos a campo através de três Cias de dança que trabalham com coreógrafos não residentes: Grupo Êxtase de Dança, de Viçosa- MG, Balé Teatro Guaíra, de Curitiba-PR e Cia de Danças de Diadema, de Diadema-SP, direcionando a pesquisa para as três principais vertentes da nossa discussão: o dançarino profissional, o diretor da Cia e o coreógrafo não-residente. Pudemos averiguar que as Cias possuem a técnica clássica como principal direcionamento do trabalho corporal diário dos dançarinos, mesmo não sendo essa a linguagem trabalhada cenicamente por elas. Entre as dificuldades enfrentadas, o tempo de montagem coreográfica parece agravar o processo de adaptação corporal dos profissionais, que, por sua vez, buscam estratégias conjuntas e individuais para superarem dificuldades e possíveis obstáculos de adaptação corporal em seu cotidiano de trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: dança contemporânea, processos cognitivos, corporalização/embodiment, técnica em dança, Cias de dança.

(8)

Graduate Program in Dance, Federal University of Bahia, Salvador, 2014. ABSTRACT

In a professional environment in a contemporary dance Cia working with non-resident choreographers, contact with different motion characteristics and proposals in dance is quite common. Dancers who work in this professional environment need to relate to different qualities of movement for each choreographic work. We seek to investigate relevant to the negotiation and accommodation between body movement patterns of professional dancers and not usual drives, which these professionals need to relate to each choreography process issues. We also seek, investigating and establishing relations between the daily preparation of the body and its scenic do, in order to investigate the strategies used to deal with different choreographic proposals. Thus, it became relevant question which is the understanding of body and technique in dance that inhabits these professional environments, discussing emerging issues when considering the technique in contemporary dance. To discuss about how the body learns and relates new learning, we make use of the embodiment phenomenon, which explains that cognition happens in and through the body and the movement is the first condition for the cognitive process. We support the General Systems Theory, according to VIEIRA, 2008 BITTENCOURT, 2007 PRIGOGINE, 1996 to situate dance as procedural, systemic and dynamic, from an evolutionary view of the body as corpoambiente, where it is understood as resulting procedural co -evolution with the environment (QUEIROZ, 2009 BRITTO, 2008). We also relied on Corpomídia Theory, which presents us with the body and their relationship as communication processes and understands that the body is the media itself, with media as the bodily process of selective information that will build the body of evolutionary manner (Katz and GREINER , 2005). We argue that the body lives in a state of constant flow of information with the environment and thus changes and modifies its surroundings. We went to the field through three dance company working with non-resident choreographers: Ecstasy Dance Group, Viçosa-MG, Ballet Teatro Guaira in Curitiba-PR and Dances Company of Diadema, Diadema, SP, directing research to the three main strands of our discussion: professional dancer, the director of the company and the non-resident choreographer. We were able to ascertain that company show the classical technique as the main direction of the daily work of the dancers body, although not this language theatrically crafted by them. Among the difficulties, time choreographic assembly seems to aggravate the process of adapting the professional body, which, in turn, seek joint and individual strategies to overcome difficulties and obstacles of body adaptation possible in their daily work.

KEYWORDS: contemporary dance, cognitive processes,

(9)

1. CAP 1 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS...22

1.1 Contextualizando o entendimento tradicional de técnica em dança...22

1.2 O entendimento de corpo frente ao advento das ciências cognitivas...27

1.3 Corporalização/embodiment...32

1.4 O movimento é a alma do negócio...39

2. CAP 2 – INDO A CAMPO...42

2.1 Companhias brasileiras de dança com coreógrafos não residentes...42

2.1.1 Grupo Êxtase de Dança (GED) ...44

2.1.2 Companhia de Danças de Diadema (CDD)...45

2.1.3 Balé Teatro Guaíra (BTG)...46

2.2 Adaptação entre os trabalhos dos coreógrafos Mário Nascimento e Alex Neoral...49

2.3 Metodologia de pesquisa...53

2.3.1 Análise de dados coletados...56

2.3.1.1 Questionário aplicado aos dançarinos...57

2.3.1.2 Questionário aplicado aos diretores...61

2.3.1.3 Análise da entrevista com os dançarinos do GED...63

2.3.1.3.1 Dificuldades e estratégias de trabalho...63

2.3.1.3.2 Lidando com frustrações...67

2.3.1.3.3 Contribuições e aspectos positivos...68

2.3.2 Análise da entrevista realizada com o dançarino e coreógrafo Alex Neoral...69

3. CAP 3 – POSSIBILIDADES PARA O FAZER PROFISSIONAL DIÁRIO DE DANÇARINOS...76

3.1 Como olhar a técnica frente a novos fazeres em dança?...76

3.2 Maior abrangência das técnicas em dança...77

3.3 A entropia como possível aliada ao processo adaptativo de dançarinos à novas propostas coreográficas...81

3.4 A antitécnica de Klauss Vianna como busca de aberturas corporais...87

CONSIDERAÇÕES...92

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...98

(10)

INTRODUÇÃO

“[...] Processos de pesquisa não são, afinal, radicalmente distintos dos modos de ser de outros fenômenos vivos.São complexos e imprevisíveis” (GREINER, 2007. p. 80).

Falar de dança é, sob um ponto de vista particular, necessariamente falar de corpo.

É necessário compreender que o corpo não é isolado do meio em que se encontra, e que este somente o é por suas relações inesgotáveis com o ambiente, estando “[...] Corpo e ambiente sempre em constante transformação, uma vez que o fluxo de informações entre ambos não estanca.” (QUEIROZ, 2009, p. 21). Recentemente, as ciências cognitivas se ativeram ao corpo e seus processos, assumindo-os complexos e dinâmicos.

Assim, assumimos como embasamento para essa pesquisa o fenômeno

embodiment, bastante estudado por diferentes vertentes do conhecimento

como a filosofia, as ciências cognitivas e a dança, entre outros. Nos valemos desse fenômeno partindo do entendimento de que a cognição se dá corporalmente, via fluxo sensório-motor, entendendo que essa se caracteriza como uma ação processual onde rotinas cognitivas se auto-organizam e ganham complexidade através desse processo. Portanto, é no e pelo corpo em suas inúmeras relações e contato com o mundo que se dá a cognição, não sendo possível separar mente e corpo (QUEIROZ, 2009). Autores como George Lakoff e Mark Johson (1999), António Damásio (2011), Helena Katz (2005), Christine Greiner (2005, 2010), Alva Nöe (2004), Lela Queiroz (2009, 2011, 2013), entre outros, apresentam em suas obras diversos apontamentos sobre diferentes aspectos de se entender a cognição por esse viés. Buscamos através desses autores conceituações que nos ajudem a afirmar o corpo enquanto resultante processual de suas experiências e ações no mundo para discutirmos o corpo do dançarino profissional enquanto autônomo e enquanto potência no processo coreográfico.

A professora Doutora em Comunicação e Semiótica da Universidade Federal da Bahia, Lela Queiroz, traduz o termo embodiment para corporalização, sob a justificativa de que

(11)

Nossa escolha ao traduzir „embodiment‟ por „corporalização‟, procura manter a abrangência da acepção que a designação originária recebe na língua inglesa a partir do termo „embody‟ como descrito no dicionário Merriam Webster. (QUEIROZ, 2011, p. 168).

A escolha por traduzir desta maneira implica o não comprometimento de uma maneira de entender o corpo e seus processos, como apresentado mais adiante, no primeiro capítulo.

Através da obra de Lela Queiroz (2009), o movimento é apresentado como construtor de processos cognitivos no corpo, o que nos faz perceber que o conceito de movimento aqui trabalhado vai além do tradicional entendimento de deslocamento, de uma ação que tem começo, meio e fim. Trata-se do movimento em um sentido mais amplo, envolvendo também movimentos intrínsecos do organismo e não somente o que é visto ou percebido conscientemente e a olho nu.

Travar novas questões sobre o corpo e suas relações com a dança à luz de novas descobertas nos permite elaborar a seguinte questão: Como o dançarino profissional em contexto de companhias com coreógrafos não residentes se prepara para acessar corporalmente diferentes propostas em dança?

Ao pensarmos no dançarino que está inserido em companhias profissionais de dança contemporânea no Brasil podemos perceber diferentes modos desse profissional integrá-las, entre eles:

1) onde o dançarino integra uma companhia em que coreógrafos diferentes são convidados a cada novo trabalho;

2) onde o dançarino exercita certa rotatividade, integrando duas ou mais companhias ao longo de sua carreira;

3) onde dançarino integra uma mesma companhia que possui um coreógrafo residente durante toda a sua carreira.

Assim, situamos como campo de atuação dessa pesquisa, tendo em foco a atuação dos dançarinos, companhias profissionais de dança contemporânea que não possuem coreógrafos residentes e convidam a cada novo trabalho um novo coreógrafo, diversificando assim as características de movimento que os dançarinos acessarão a cada trabalho coreográfico.

(12)

Nos dois primeiros casos citados acima, esse profissional irá se deparar com uma gama maior de variedades de movimentação por se relacionar corporalmente com diferentes propostas em dança trabalhadas a cada fazer coreográfico. O corpo do dançarino necessitará de uma maior negociação corporal a cada novo fazer, buscando adaptar-se corporalmente à nova proposta coreográfica, estando constantemente a cada novo trabalho em um rearranjo entre seus hábitos de movimento e seu repertório corporal. Um rearranjo entre a corporalização/embodiment atual do dançarino e o que ainda não lhe é familiar na movimentação proposta.

No entanto, não é atribuída uma maior atenção a esse processo cognitivo por parte dos dirigentes das Cias ou mesmo do coreógrafo, que visam alcançar uma configuração em dança em um curto tempo de trabalho. Consequentemente, o dançarino profissional é restringido a trabalhar sob a lógica de instrução e comando, buscando executar o que lhe foi solicitado.

Não tendo condições favoráveis para procurar estratégias para se aproximar do que lhe foi instruído, como pouco tempo e falta de conhecimento corporal, a depender da situação enfrentada, o dançarino acaba por ser substituído por outro dançarino por não apresentar uma solução satisfatória ao movimento no momento requisitado. O dançarino acaba tendo que ceder a movimentação para outro, podendo gerar frustrações e o sentimento de incapacidade nesse profissional. Por outro lado, dentro de um prisma maior, o próprio resultado buscado artisticamente pode falhar.

Coreógrafos não residentes costumam chegar com uma coreografia ou proposta coreográfica previamente elaborada. Nesse contexto, a busca pelo movimento requisitado pelo coreógrafo é de um movimento específico, pronto, com uma forma previamente estabelecida e cabe ao dançarino executá-lo.

A descrição comum e tradicional de movimento ligada ao deslocamento no espaço-tempo, que possui uma localização inicial e final dentro de uma trajetória, lidando com os corpos dos dançarinos como instrumentos, que passam a operar ainda mais mecanicamente dentro desta perspectiva.

Ambos, dançarinos e coreógrafos, operam muitas vezes pela lógica de execução de movimento, em que o movimento é entendido e trabalhado por muitos coreógrafos como ação puramente mecânica, onde é necessário que se

(13)

execute os comandos coreográficos, sejam eles quais forem, em um curto espaço de tempo.

Esse modo de trabalhar, que vê como única finalidade do processo a configuração final coreográfica, automatiza o fazer profissional do dançarino e negligencia seus processos de negociação e adaptação de movimento. A negligência desses processos pode obstacularizar a prática profissional do bailarino, forçando-o a lidar com questões que, se bem investigadas corporalmente e estudadas em um tempo mais dilatado e de forma propícia para suas negociações corporais, provavelmente nem emergissem.

Assim sendo, em Cias com coreógrafos não residentes, os dançarinos necessitarão de uma maior negociação corporal a cada novo fazer, buscando adaptarem-se corporalmente às novas propostas coreográficas, estando a cada novo trabalho em um rearranjo entre seus hábitos de movimento e as movimentações solicitadas pelo coreógrafo. Um rearranjo entre a corporalização atual do dançarino e o que ainda não lhe é familiar na movimentação proposta.

Assim, buscamos nesta pesquisa analisar e investigar esse processo de negociação/adaptação corporal frente às novas descobertas e considerações sobre o corpo pelas ciências cognitivas. Pelo viés de entendimento das ciências cognitivas, processos cognitivos acontecem pelo movimento e ocorrem, portanto, também junto à técnica em dança. Apontamos aqui um entendimento bastante formal de olhar os dançarinos como profissionais prontos a atender demandas distintas em dança, aptos a diferentes linguagens em dança sob a lógica de comando e resposta, que se choca com as reais condições de trabalho enfrentadas em uma Cia com coreógrafo não residente, onde são encontrados problemas, como: 1) falta de trabalhos corporais que condizentes que contribuam com o fazer artístico da Cia, 2) falta de formação continuada, 3) falta de tempo de apropriação a novos trabalhos coreográficos, 4) negligência do processo adaptativo corporal dos dançarinos, 5) não adequação de esforços corporais e risco frequente de lesões por repetições mecânicas de movimentos. Questionamos também como trabalhar a técnica em dança frente à diversidade de fazeres tão ampla encontrada nesse contexto de atuação profissional e na dança contemporânea, de modo geral. Buscamos entender como se dá a formação e o trabalho corporal diário do dançarino no

(14)

campo profissional da companhia em que ele está inserido e em que medida estes contribuem para que o trabalho coreográfico a ser configurado esteja sendo trabalhado de modo facilitado.

Estamos entendendo nesta pesquisa que, apesar de grande parte dos dançarinos profissionais já apresentarem uma formação em dança muitas vezes permeada pela técnica mesmo antes de se profissionalizarem, o trabalho diário realizado nas companhias se configura como uma formação diária e continuada de seus profissionais. As atividades exercidas diariamente pelos dançarinos em seus ambientes de trabalho, como aulas de dança, condicionamento físico, preparo vocal, ou atividades de qualquer outra natureza, são entendidas aqui como aspectos formativos diários para esses profissionais.

O cenário profissional brasileiro em dança contemporânea nos apresenta configurações em dança muito diversas entre si. Os processos coreográficos não possuem determinações prévias para serem configurados, possibilitando ao criador “n” possibilidades de composição para sua obra, bem como a possibilidade de uma hibridização de fazeres ou até a elaboração de um novo fazer.

Por outro lado, dançarinos que trabalham e dançam propostas coreográficas de um mesmo coreógrafo acabam se familiarizando às características dos processos coreográficos, como características de movimento, modos de composição e escolhas estéticas e, mesmo que haja um esforço consciente para que estas sejam diferentes a cada novo fazer, algumas características no modo de se trabalhar dificilmente sofrerão grandes modificações por se tratar do mesmo coreógrafo e da longa permanência junto à Cia. Logicamente acreditamos que essas mudanças podem se dar, mas entendemos que se dão com maior intensidade e mais significativamente quando a companhia lida com diferentes coreógrafos a cada novo trabalho.

Sobretudo, falar em dança contemporânea é assumir um campo diverso e múltiplo que carrega em si variadas técnicas e procedimentos. Ela comporta pesquisa de diversas linguagens e também a criação a partir do corpo, se destacando por diálogos não lineares e multidimensionais em suas configurações com outras artes.

(15)

Cecília Almeida Salles, professora doutora em Linguística aplicada e Estudos de Línguas, ressalta que, por ser múltipla e variada em seus fazeres e configurações, a dança contemporânea e outras vertentes artísticas da contemporaneidade fizeram emergir uma grande necessidade de utilização de termos compostos para discutir e contextualizar suas obras.

Na expansão dessas fronteiras há, naturalmente, invasões de outros territórios, gerando modificações em ambos. Ao mesmo tempo, há uma grande diversidade de artistas que atuam em mais de uma mídia, e em espetáculos multimídia. É interessante observar que, provavelmente, como reflexo disso, vemos o uso de termos, como “expandido”, “contaminado”, “convergência”, “hibridização” e “entre-imagens” pela crítica. Há também a necessidade de recorrer a palavras compostas, como arte-postal, vídeo-instalação, palestra-espetáculo, vídeo-dança, livro-reportagem, slide-show etc., na tentativa de definir essas obras que acontecem na relação entre diferentes meios [...] (2010, p. 221).

Para a autora essa “[...] indefinição de fronteiras, no que diz respeito a mídias e gêneros (p. 221)” pode ser considerada como sendo um dos traços das explorações artísticas da contemporaneidade. Sobre esse não limite e uma indefinição exata de fronteiras entre as artes e os conceitos que as permeiam, Greiner (2003) nos conta que os limiares de conceitos/idéias que flutuam no caldo da dança contemporânea e, mais especificamente, nas relações entre o artista e seu fazer, se borram e se misturam sendo necessário, portanto, “[...] tomar cuidado com as armadilhas das oposições simplórias [...]” (GREINER, 2003, p. 2)

[...] Mas a crise, que não é apenas temática, fere e perverte a materialidade do sistema onde se encontra, exigindo alguma configuração lógica distinta para ser observada. Os limites são de uma plasticidade intolerável.

Não há, por exemplo, dualidades onde cada instância permaneça em seu devido lugar preservada, como é típico das classificações sujeito e objeto, universo real e universo simbólico, corpo e corporalidade [...] (GREINER, 2003, p. 2)

Ainda, Gilberto Icle, professor Doutor em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, afirma que

O corpo foi pensado, ao menos no âmbito do senso comum ainda o é, como abrigo de alguma coisa, de alguma forma separada, que lhe serve de amparo. Separação e fenda aberta pelo discurso de uma racionalidade há muito constituída em nós. Uma concepção

(16)

substantivamente diferente dessa tem emergido nas práticas em dança desde o século XX e tem colocado questões sobre o alargamento dos limites do corpo. Limites antes ditos como estáveis, circunscritos e constituintes de identidades fixas (ICLE, 2012, p.15).

Fica cada vez mais latente na dança atual a “[...] possibilidade de pensar o corpo para além de conceitos fechados e, sobretudo, evitando pensá-lo como receptáculo, como substância, como dualidade (ICLE, 2012, p.15).”

Vemos, portanto a necessidade de uma expansão nas relações entre termos/conceitos na contemporaneidade que resultam na expansão e na formação de novos diálogos nas artes. Um conceito/termo/idéia, ao estar relacionado com outro, vai além do que abordava seu entendimento inicial, porém não se projeta somente para o entendimento do termo relacionado. Ao buscar sentido unindo-se dois termos/idéias, elabora-se uma terceira possibilidade de entendimento que só é possível pela relação entre ambos. Daí a afirmação de necessidade de uma expansão de diálogo para buscar discutir dança na contemporaneidade.

Assim, para olhar/analisar/fruir uma configuração em dança contemporânea é necessário entender que se trata da emergência de um processo maior e mais complexo que somente a configuração analisada isoladamente. Esse processo é permeado de relações únicas de seus constituintes e suas relações com seu entorno. Emergência resultante de relações entre seus próprios componentes, a qual não poderia emergir de forma diferente dentro da realidade processual em que se deu. Essa é uma visão sistêmica em dança contemporânea que nos permite perceber a complexidade de seus processos, uma vez que suas questões se concentram no corpo, em investigações e indagações corporais em dança e, portanto, muito plurais e contextuais a cada obra coreográfica. Todo o sistema coreográfico assumido aqui como dinâmico, único em suas relações e processual.

Relativo à realidade de trabalho que é campo de atuação desta pesquisa, onde o dançarino integra uma companhia em que coreógrafos diferentes são convidados a cada novo trabalho, cada processo coreográfico possui particularidades inerentes ao próprio processo, que irá se consolidar em opções, preferências e alternativas que somente o sistema ali criado

(17)

(coreógrafo, dançarinos, proposta coreográfica, espaço, tempo, estrutura da companhia, possibilidades anatômicas e fisiológicas dos dançarinos, etc.) pode fazer com que elas emirjam, reafirmando ainda mais o caráter único de cada processo coreográfico. Dessa forma, entendemos que até uma ação bastante comum nesse ambiente profissional de substituição de algum dançarino por outro, seja por quaisquer motivos, irá gerar modificações em todo o sistema (processo coreográfico), pois, uma vez entendendo que cada corpo/indivíduo é em si resultante processual de diferentes vivências, cada indivíduo irá se relacionar com seu entorno e com a proposta coreográfica de modo único.

Ao analisarmos as movimentações dos corpos na cena contemporânea, em alguns casos não podemos ter certeza de quais práticas corporais e técnicas eles se valeram ou até mesmo se utilizaram alguma técnica tradicional em dança para a configuração analisada.

Podemos exemplificar essa questão com a Mímulus Cia de dança, de Belo Horizonte - MG, que se baseia nas técnicas da dança de salão para criar seus trabalhos, onde vemos configuradas em cena criações em dança contemporânea que não caberiam somente dentro da classificação dança de salão. Em casos como o apresentado, acreditamos que os dançarinos se valeram das técnicas de dança de salão para a criação apresentada, porém não como único meio de investigação e composição coreográfica, mas como mais uma prática aliada a seus fazeres. Suas configurações em dança, então, se apresentam híbridas, o que nos permite concluir que outras práticas, além de técnicas específicas de dança de salão, auxiliaram as construções coreográficas em cena.

Outra companhia de dança que também é exemplo de utilização de técnicas não como o único recurso para a cena, mas como uma forma entre outras investigadas corporalmente, é a Cia Instrumento de Ver, de Brasília – DF, que tem inspiração em técnicas circenses e apresenta suas configurações como uma resultante entre circo, teatro e dança contemporânea, se autodenominando como um coletivo de artistas com foco em dança, circo-teatro e acrobacias aéreas. O Grupo Cena 11, de Florianópolis – SC, que possui um fazer em dança bastante particular, também se caracteriza como um grupo que apresenta configurações híbridas em cena e denomina seu fazer profissional como uma busca de implementar diferentes pensamentos no corpo

(18)

em forma de dança. O Cena 11 se baseia em pesquisas teóricas e práticas para sua formação e processos coreográficos, tendo em seu elenco artistas de formações variadas compondo sua base de produção, não possibilitando ao espectador suspeitar de quais treinamentos e técnicas se valem para a formação diária dos dançarinos. Esses exemplos apresentados levam para a cena configurações em dança que não apresentam uma linearidade em seus diálogos, afirmando a diversidade de fazeres em dança contemporânea.

Nos valendo desses exemplos, achamos importante lembrar aqui que, para travarmos discussões sobre o corpo situado no campo da dança, adotamos o entendimento de que a dança não é algo imaterial, que ela “[...] não existe fora da materialidade de um corpo, a sua materialidade diz respeito a como ela ocorre no corpo.” (DOMENICI, 2007, p.1). Essa é uma questão bastante discutida atualmente por estudiosos da área e, para esse trabalho, nos interessa olhar para a dança como algo que se materializa e se configura no corpo.

Passa a não fazer sentido a forçosa tarefa de atribuir uma narrativa ou significado à dança, no intuito de verbalizar algo que a “faça ter sentido”. Greiner (2010, p.26) ainda aponta que “Nunca foi da natureza da dança apresentar movimentos significativos, com léxico claro, traduzível [...]” e que, graças ao balé clássico, considerado por muitos estudiosos como uma linguagem universal e às metáforas que se repetem de forma semelhante em diferentes culturas, essa falsa impressão de tradução da dança se fortaleceu como “[...] algo que não nasce como movimento mas sim como o seu significado” (GREINER, 2010, p.26). Também a construção de narrativas traduzíveis pelos movimentos vindos do balé clássico, contribui para esse entendimento.

Nesse sentido, com a incidência de inúmeros profissionais da área que pensam e trabalham a técnica de maneira tradicional, esse entendimento de técnica em dança e principalmente da técnica do balé clássico, se disseminou de tal maneira que passou a se tornar uma forma bastante comum de trabalhar o corpo, que apresenta problemas. Sua utilização como carro-chefe para o treinamento corporal de dançarinos é, ainda hoje, comumente encontrada em companhias profissionais em todo o país, se apresentando, muitas vezes, como uma realidade de trabalho incontornável para o dançarino profissional.

(19)

Essa forma tradicional de ensinar dança se mostra bastante prática, rápida e eficaz por abranger diversos corpos simultaneamente com as mesmas instruções, não sendo nosso objetivo aqui contestar sua utilidade, mas, em contrapartida, apresenta possíveis problemas e negligencia questões que, ao buscarmos olhar para a dança como um vasto mercado de trabalho e como uma área de conhecimento que precisam ser mais bem entendidos e devidamente valorizados, não nos é interessante continuar reforçando a utilização técnica tradicional em dança.

Durante muito tempo acreditou-se que o balé clássico seria uma técnica base para qualquer fazer em dança e ainda hoje é comum encontrar companhias e escolas de dança que se apóiam nesse pensamento para treinarem seus alunos e profissionais.

[...] muitos ainda divulgam erroneamente o balé como a base para

tudo. Todavia, o fato de ele permitir uma aplicabilidade ampla – isto é,

conectar-se bem a várias estéticas, além da sua própria -, não significa que facilite todas as estéticas (KATZ, 2005, p.166).

Um corpo trabalhado somente pela técnica clássica ou por qualquer outro fazer em dança, terá sua coleção própria de informações (grifo de Aguiar, 2007, p.3) para agir dentro das questões corporais pertencentes a ele.

O corpo fala com menos sotaque as línguas familiares à sua língua

natal. Quem treina ginástica olímpica desde pequeno carrega esse

traço inscrito nos seus gestos. O mesmo para quem faz balé ou dança do ventre. A informação técnica que negociar a do primeiro treinamento (desde que ele tenha sido extenso e permanente), à princípio, não se livrará de seu traço [...] (KATZ, 2005, p. 166-167).

Inúmeros fazeres em danças foram elaborados com o intuito de trabalharem e organizarem corporalmente certos códigos de movimento. Ou seja, a técnica se estrutura conjuntamente a uma estética, para solucionar problemas e organizar corpos para esse fim e deixa seus traços. A esse respeito, pesquisadora, doutora em Comunicação e Semiótica e professora do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da Universidade Federal da Bahia, Eloisa Domenici, comenta que essa problemática entre técnica e estética se dá para o coreógrafo desde o momento em que este decide compartilhar seu processo de criação com outras pessoas, com outros corpos. Entendendo que

(20)

pensamento é movimento1, a autora afirma também que ao experimentar um movimento, o profissional já está experimentando também um pensamento estético.

Assim, mesmo que aparentemente criadas em tempos distintos, a técnica sempre emerge conjuntamente com um pensamento estético. Mesmo quando uma obra de dança é criada a partir da experimentação de movimentos, quando o indivíduo está experimentando o movimento em seu corpo, ele já está mobilizando um pensamento. Quando o dançarino está experimentando uma determinada organização de movimentos, ele está experimentando um pensamento estético (DOMENICI, 2007, p.2).

Domenici nos explica que essa afirmação se dá evolutivamente pela íntima relação de processos entre pensamento e movimento, afirmando que ambos estão firmemente estabelecidos ao longo do processo evolutivo da espécie e que o cérebro humano precisou se desenvolver para dar conta de resolver o problema do aumento da complexidade dos movimentos.

Em meio à dança contemporânea alguns coreógrafos passam a olhar para os corpos dos dançarinos através dos movimentos que realizam, como possibilidades participativas em suas obras, como potências a serem trabalhadas, como corpos autônomos que têm o que mover, o que comunicar em suas particularidades, sob uma lógica sistêmica de corpo.

Rosa Antuña e Mário Nascimento, que trabalham juntos como coreógrafos e preparadores corporais na Cia. Mário Nascimento, de Belo Horizonte - MG, Alex Neoral, bailarino e coreógrafo da Cia Focus de dança, do Rio de Janeiro - RJ, Colleen Thomas e Bill Young, ela diretora artística da Colleen Thomas Dance e ambos co-diretores da Bill Young/Colleen Thomas & Co. em Nova Iorque e Rui Moreira e Bete Arenque, coreógrafos e bailarinos da SeráQ Cia de dança, também de Belo Horizonte - MG, são alguns nomes que pude acompanhar pessoalmente e que fazem parte de uma geração de coreógrafos que lidam com os corpos dos dançarinos por uma gama mais abrangente do repertório corporal individual de cada dançarino, se valendo das disponibilidades e afinidades corporais dos profissionais permitindo que suas

1

Ver mais em DOMENICI, Eloisa. Diálogo com o texto “Dança contemporânea – o dançarino pode ser apto para tudo?”, de Daniela de Aguiar. IV Reunião de Científica de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes cênicas, 2007, e em KATZ, Helena. Um, dois, três: a dança é o pensamento do corpo. Belo Horizonte: Helena Katz 2005.

(21)

vivências corporais tenham espaço e sejam valorizadas no processo de criação coreográfica.

Existem muitas práticas corporais, não necessariamente de técnicas de dança, que permitem que o corpo seja trabalhado de diversas maneiras, como o pilates, a educação somática em suas várias formas, as artes marciais, entre outras, que podem ser aliadas na busca de uma formação mais ampla e/ou conscientizada, o que não costuma ocorrer quando se está a serviço de um único modelo técnico de fazer em dança. Além dessas possibilidades, propomos nesta pesquisa maneiras de se trabalhar o corpo tecnicamente, entendendo que a técnica não precisa estar enrijecida em moldes e ideais estéticos e pode ser utilizada de maneira individual, respeitando as especificidades de cada corpo, revisitando-a para ser aliada ao fazer profissional de dançarinos de dança contemporânea.

Queremos alertar que olhar para além dos treinamentos técnicos pode ser uma estratégia bastante interessante, seja para um processo coreográfico ou como formação corporal diária, principalmente em um contexto de companhias com coreógrafos não residentes, por possibilitar ao dançarino o contato com artefatos cognitivos de outras naturezas, podendo enriquecer a sua prática e facilitar seu fazer dentro desta realidade profissional.

Nesse sentido, quando a dança é trabalhada de maneira processual e sistêmica, a técnica tradicional perde lugar de destaque no treinamento corporal diário e cede espaço a outros tipos de treinamentos corporais, nos quais as técnicas ainda podem ser utilizadas não mais como o único meio de formação, mas como mais um entre os recursos corporais utilizados.

Para pesquisarmos melhor essas questões, selecionamos 3 companhias de dança contemporânea que trabalham com coreógrafos não residentes e realizamos um questionário semi-estruturado aos dançarinos e diretores. As companhias selecionadas foram o Grupo Êxtase de Dança, de Viçosa – MG, o Balé do Teatro Guaíra, de Curitiba – PR e a Cia de Danças de Diadema, de Diadema – SP. O questionário desenvolvido para os dançarinos teve o intuito de coletar informação sobre aspectos profissionais individuais do trabalho realizado por eles, tendo como foco questões sobre as negociações/adaptações corporais enfrentadas a cada novo fazer. Foi subdividido em 3 segmentos afim de melhor organizar as informações a serem

(22)

coletadas, sendo 1) dados pessoais, 2) estrutura de trabalho e 3) experiência e envolvimento com a dança, totalizando 28 perguntas, onde 27 apresentam múltipla escolha, sempre com opção de complementação por extenso e 1 questão dissertativa. Já o questionário desenvolvido para os diretores apresenta 11 questões dissertativas que têm o intuito de investigar como esses profissionais entendem seus fazeres frente às companhias e como lidam com as questões referentes ao preparo e formação corporal de seus dançarinos, afim de averiguar como eles percebem as necessidades gerais da companhia frente à diversidade de propostas coreográficas enfrentada.

(23)

CAPÍTULO 1 - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

1.1 Contextualizando o entendimento tradicional de técnica em dança

Sabemos que o estudo acerca da técnica é bastante amplo e discutido no ambiente da dança. Para essa pesquisa nos interessa olhar para o entendimento tradicional ocidental de técnica para iniciarmos nossa discussão.

Tradicionalmente, técnicas têm sido vistas como apartadas do pensamento e da elaboração de conhecimento. O sociólogo Richard Sennett mostra como esse posicionamento data da distinção, nas sociedades, do trabalho manual do artífice em relação ao trabalho intelectual. Profissional antes valorizado socialmente, perde status e sua prática passa a ser vista como habilidade manual que não exige capacidade de conceituação e não elabora pensamento. (NEVES, 2010, p.4)

Essa noção assume uma separação entre o fazer e o pensar e carrega consigo as noções de repetição mecânica, codificação e universalidade (KATZ, 2009; NEVES, 2010; QUEIROZ, 2011). A técnica é tradicionalmente considerada pela sociedade ocidental como um fazer puramente prático. Esse entendimento segmenta a teoria da prática e faz com que o fazer técnico perca sua valorização quando comparado ao fazer teórico/intelectual.

Em diversos momentos da história ocidental, a atividade prática foi menosprezada, divorciada de ocupações supostamente mais elevadas. A habilidade técnica foi desvinculada da imaginação, a realidade tangível, posta em dúvida pela religião, o orgulho pelo próprio trabalho, tratado como luxo. (SENNET, 2009, p.31 apud KATZ, 2009, p. 26)

Segundo a crítica Helena Katz (2009), um fator que reforça esse entendimento tradicional de técnica é a forte crença social em uma distinção entre atividades que são entendidas como sendo do corpo (produzir artesanatos, praticar esportes, dançar) e atividades que são entendidas como sendo da mente (filosofar, estudar matemática, lecionar).

Por outro viés de se pensar a técnica, o filósofo italiano Nicola Abbangnano (1901 – 1990) afirma em seu Dicionário de Filosofia (2007, p.939) que “o sentido geral desse termo (técnica) coincide com o sentido geral de arte (v.): compreende qualquer conjunto de regras aptas a dirigir eficazmente uma

(24)

atividade qualquer [...]”. Para o sociólogo e antropólogo francês Marcel Mauss (1872 – 1950), técnica é “[...] um ato tradicional e eficaz [...]. É preciso que ele seja tradicional e eficaz. Não há técnica e não há tradição se não há transmissão [...]”2

.

Entendemos que a eficácia se dá pelo fato de uma técnica tradicional poder ser ensinada a uma ou mais pessoas simultaneamente e facilmente disseminada. O conjunto de instruções e regras que compõe uma técnica tradicional faz com que a técnica se perpetue facilmente, sendo uma estratégia bastante eficaz de continuidade e permanência de um saber técnico.

É como no sábio ditado popular: “quem conta um conto aumenta um ponto”. Não há como não ser assim, pois ao utilizarmos um conhecimento já estamos propondo modificações, sendo que essa modificação pode ser inclusive a reiteração daquele artefato como ele é, posto que o tempo é irreversível. Por isso, existir significa mudar; no exercício de continuar existindo uma informação está sempre se modificando (DOMENICI, 2007, p.1).

Ao ser transmitido, o saber se atualiza e, desta forma, permanece social e culturalmente, se consolidando como uma tradição ao longo do tempo.

A idéia de “eficácia de algo” nos remete aos resultados de uma ação, entendendo que há um limiar a ser alcançado para que algo seja considerado como eficaz ou não. Assim, entendemos que a noção de corpo situada nesse entendimento de técnica é de corpo-máquina, afeito por automatismos decorrentes de sua experiência com movimentos.

O corpo, que nos últimos dois séculos foi, sobretudo, entendido pelo mecanicismo e tratado como uma máquina humana dentro da cultura ocidental pelo cartesianismo sofre ainda hoje fortes influências desse modo de se pensar sobre ele.

Atualmente na sociedade pós-industrial do consumo no mundo contemporâneo, a ideologia corpo-máquina, uma vez mais potencializa o uso da força bruta, do controle, da mecanização do movimento por sua atividade motora [...]. Corpo-máquina é um instrumento de dominação mantendo valores afeitos ao mecanicismo e ao dualismo cartesiano.

[...] De fato, a partir das condições iniciais repete-se mecanicamente um determinado número de exercícios aplicados ao corpo durante determinado tempo com o objetivo de obter determinado resultado. [...] (QUEIROZ, 2011, p. 124).

2

(25)

Esse entendimento de corpo está atrelado a diversas relações e conceitos tradicionais que ainda hoje permeiam e embasam muitas áreas de conhecimento. São relações dualistas como causa e efeito, ação e reação, onde se acredita que fornecendo as condições concretas como ponto de partida, calcadas em ideais, certamente se alcançará determinado objetivo mais adiante, assumindo um determinado controle sobre a situação e, acima de tudo, sobre o corpo. São relações pautadas no determinismo, onde há o entendimento e aceitação de que os acontecimentos ocorrem de modo linear. Esses conceitos estão atrelados ao mecanicismo, que afirma que tudo pode ser programado e moldado para se alcançar determinado fim e isso pode ser verificado em diversas técnicas tradicionais, nas dança e fora dela.

Assim nós seríamos equivocadamente entendidos como uma tabula

rasa3, que defende que nascemos como uma página em branco pronta para ser preenchida por novas informações ao longo da vida ou como o fantasma na

máquina4, que afirma a separação dualista entre corpo e mente tão fortemente

adotada ao longo dos anos até os dias atuais. Estamos falando aqui de um corpo instrumento, objeto, recipiente, que não corresponde à noção de corpo defendido nessa pesquisa.

Esses entendimentos dão base a um pensamento hegemônico ocidental que norteia o modo como as pessoas se relacionam com o mundo em diferentes aspectos.

Nessa realidade, o aprimoramento da técnica em dança se apresenta muitas vezes através da repetição puramente mecânica dos movimentos como uma trajetória a ser trilhada pelo dançarino, que vai dos passos menos complexos aos mais complexos, sob um entendimento que o aprendizado vai se acumulando no corpo. Estamos falando aqui de um corpo tido como instrumento para esse fim.

Na dança, o balé clássico é comumente ensinado buscando sua eficácia máxima, se caracterizando como um fazer em dança codificado e estruturado de tal modo que é ensinado em diversas partes do mundo. Ele é apresentado nesta pesquisa como um exemplo de técnica tradicional e eficaz quando ensinado sob estes aspectos.

3

Termo defendido pelo filósofo John Locke em sua obra Ensaio acerca do entendimento humano (1690).

(26)

Contudo, há profissionais de dança que utilizam o balé, bem como outras técnicas codificadas de dança, como uma prática corporal para a formação de seus alunos, aproveitando os ensinamentos corporais específicos da técnica, não deixando seus fazeres a serviço somente de sua finalidade estética. Klauss Vianna exercia essa reformulação do fazer técnico, não vinculando suas configurações em dança aos fazeres estéticos das técnicas trabalhadas em sala de aula.

Estamos diferenciando, portanto, um determinado fazer em dança trabalhado como uma técnica tradicional, sem considerar questões individuais dos corpos que a executam de uma prática/técnica corporal, que se interroga às negociações e adaptações corporais individuais do praticante, onde o dançarino e/ou coreógrafo utilizam seu fazer específico como recursos corporais e não se limitam a estarem a serviço de modelos estéticos previamente estabelecidos.

A verdade é que as pessoas no Brasil têm a mania de dizer que o clássico é uma técnica antianatômica, e não é assim: é a coisa mais anatômica que já foi criada na arte ocidental, é a rotação da musculatura no sentido máximo que ela pode atingir (VIANNA, 2005, p.30).

Klauss tratava assim de explicitar a noção de limite anatômico, indicando a necessidade de respeitar o limite de cada rotação, cada articulação, de cada parte do corpo e de cada pessoa respeitar o seu limite. Exemplifica como uma técnica em dança bastante codificada e estruturada em passos e posições do corpo como o balé clássico pode ser trabalhada de forma mais anatômica, respeitando as características naturais de cada corpo. Pensar em uma rotação máxima para uma musculatura implica em usar de suas possibilidades de movimentação e não ultrapassá-las para se alcançar formas e ideais estéticos criados na técnica. Basicamente podemos dizer que aí está a diferença: respeitar e conhecer limites e possibilidades do corpo para não ir além do suportável para suas estruturas apresentadas no momento e buscar seguir formas e ideais estéticos previamente elaborados a despeito das possibilidades e limitações do dançarino.

A perspectiva mecanicista de corpo que ainda se perpetua no ocidente, no ensino em geral e, mais especificamente, na aprendizagem em balé

(27)

clássico focado em repetição mecânica, alcance de ideais estéticos de corpo e execução de movimentos codificados, perpetua-se também sob outras linguagens de movimento em dança através de características condicionantes de corpo, uma vez que os movimentos são repetidos inúmeras vezes como meio para se aprimorar a técnica e alcançar a eficácia do movimento.

Atualmente as várias linguagens de dança são ensinadas sob variadas vertentes de ensino e de entendimentos de corpo. Vale ressaltar aqui que, quando retratada como uma técnica tradicional, queremos trazer das técnicas em dança problemas que emergem de vertentes rígidas e estruturadas de ensino, fechadas em formas corporais e ideais estéticos, a despeito do tipo de dança à qual ela esteja situada. Nesse contexto de ensino rígido, codificado e padronizado, estão presentes as relações dualistas calcadas em causa e efeito, ação e reação, segmentando corpo e mente e instrumentalizando o corpo, onde se entende que, fornecendo as instruções necessárias como ponto de partida e executá-las mecanicamente repetidas vezes, certamente se alcançará determinado objetivo corporal ideal mais adiante, numa relação linear, condicionante e acumulativa de informações no corpo.

A repetição se trata de uma estratégia corporal e coreográfica que, quando elaborada de modo proposital e atentamente considerada, pode gerar contribuições importantes ao trabalho realizado. “[...] É repetindo obsessivamente que o movimento perde sua significação social. Torna-se instável o seu sentido, dando margem para as mais variadas leituras [...] (LIMA, 2013, p.4). Segundo o filósofo Gilles Deleuze (2006 apud LIMA, 2013), a repetição se apresenta sob duas perspectivas: a repetição do mesmo e a repetição que compreende a diferença. O primeiro tipo está relacionado à repetição para afirmar uma identidade e “O segundo tipo de repetição é quando ela afirma a diferença. Repetir para causar movimento, promover alterações a cada execução (LIMA, 2013, p. 4)”.

O repetir exaustivamente leva o dançarino ao cansaço físico. Ele repete não mais um mesmo movimento, mas o altera fisicamente. A cada repetição o movimento diferencia-se, progressivamente, do anterior em qualidade física. A repetição de um movimento, cada vez mais diferente, resulta numa dinamização intensa de esvaziamento/preenchimento de significados (LIMA, 2013, p. 4).

(28)

Entretanto, quando realizada mecanicamente como estratégia para adestrar os corpos a movimentos previamente codificados se valendo da técnica de maneira tradicional, submete o dançarino a uma negligência de si mesmo podendo apresentar “multiplicador comum” que pode se tornar parte do cotidiano profissional de dançarinos: as lesões.

As questões corporais anatômicas apresentadas pela técnica, como a rotação coxofemural, o ângulo de alinhamento dos pés nas diferentes posições e a hiperextensão dos joelhos na técnica clássica, entre outros, são exemplos que podem causar implicações sérias para o corpo ao longo do tempo, como desgastes, inflamações e dores. Ainda nesta realidade, o dançarino nega possíveis características naturais de sua anatomia corporal para atender aos quesitos corporais exigidos, podendo, por exemplo, rotacionar articulações e musculaturas além do suportável para sua estrutura corporal, seja uma rotação externa (en dehors) ou interna (en dedans). Nessa postura excessiva para seu corpo, repete de forma mecânica diariamente os mesmos exercícios, provocando lesões em variadas escalas, tipos e lugares no corpo, causando uma condição dolorosa de trabalho, podendo passar a lidar com lesões irreversíveis e dores crônicas.

Vemos exercida, portando, uma cisão no corpo do dançarino uma vez que ele necessita somente executar em seu corpo as movimentações codificadas da técnica, separando o que lhe é pessoal e seu fazer em dança, como se o corpo executasse funções como uma máquina, sob a lógica de comando e resposta e suas experiências pudessem não interferir nesse processo.

Entretanto, essa noção de execução mecânica de movimentos e de corpo-máquina sustentada durante muito tempo, apesar de ainda encontrar forte respaldo, passa a ser recentemente questionada pela dança e por outras áreas do conhecimento.

1.2 O entendimento de corpo frente ao advento das ciências cognitivas

Por vermos certezas antes inabaláveis e praticadas por muito tempo sendo contestadas atualmente em diversas áreas do conhecimento, passamos a entender e tratar os fenômenos como dinâmicos, em contínua mudança.

(29)

Faz muito tempo que o homem deseja entender o que tem à sua volta. Faz pouco tempo, percebeu o quanto está implicado no que está observando, aparentemente lá fora. Uma perspectiva tão nova, que inaugurou um outro Renascimento. Estamos inscritos num fluxo de transformações que altera o mundo e a nós mesmos. Somos corpos que se deslocam num Cosmos que não estaciona. (KATZ, 2005, p. 7).

Assim, recentemente, para entender melhor os fenômenos que envolviam o corpo, este passou a ser estudado como processual e dinâmico por um conjunto de saberes, formando as ciências cognitivas5. Desde o seu surgimento em meados do século XX, as ciências cognitivas vieram se atendo ao corpo e aos seus processos cognitivos de maneira bastante complexa sob um entendimento processual, no qual o corpo não é tido como matéria estanque, mas como emergência processual de suas experiências. Nesta perspectiva não temos um corpo nem o habitamos: o somos, com todas as questões que isso pode implicar (QUEIROZ, 2009).

Juntamente com a filosofia, a comunicação, entre outras áreas de conhecimento, a dança vem direcionando estudos nessa direção, reformulando epistemologias vigentes com bases teóricas de conhecimento ainda tidas como verdades incontestáveis:

Durante muito tempo, a ciência ocidental entendeu o mundo como autômato. Uma racionalidade universal garantia a certeza e a completude do conhecimento. Foi a enorme complexidade com a qual nos defrontamos hoje, e que foi descoberta na própria natureza, que produziu um outro entendimento de mundo físico. Nossa inclusão nele mudou: de observadores de fora, passamos à posição de nele implicados. A extraterritorialidade se inviabilizou. O velho Universo foi redesenhado para hospedar um homem capaz de perceber que fazia parte do que observava. Para compreender que não olhava para o mundo como se existisse uma janela o separando dele. O mundo da ordem, da causalidade, da organização, se ampliou para abrigar a espontaneidade, a probabilidade, a degradação, o acaso. Antigos opostos estabeleceram uma nova aliança (KATZ, 2005. p. 41-42).

A psicologia cognitiva, a filosofia, a biologia evolutiva, a neurologia, a linguística, a neurociência, entre outras ciências humanas compõem as ciências cognitivas, que buscam estudar como o ser humano lida com as informações de modo geral, revisitando noções que permeiam os processos de

5

Ciência interdisciplinar de meados do século XX que estuda a mente, os processos cognitivos humanos e as bases biológicas das funções cerebrais.

(30)

aprendizagem, percepção, memória, processos linguísticos, processos de comunicação, entre outros.

Os estudos tradicionais acerca da cognição humana consideravam o cérebro de modo isolado ao corpo e o funcionamento da mente vinculado a algo extracorpóreo, não permitindo, portanto, que os processos cognitivos fossem entendidos como integrantes de um sistema onde todo o corpo está, necessariamente, presente e ativo (QUEIROZ, 2009). Descobertas bastante significativas no modo como o corpo aprende, percebe e se relaciona, abandonam a idéia de que conhecimento e novos aprendizados acontecem somente no cérebro.

Os estudos que valorizam e afirmam o corpo como resultante de suas experiências, explicam-nos melhor que este conhece e aprende novas informações através da percepção, da experiência, da ação. É, portanto, no e pelo corpo que se dá o conhecimento.

Cognitivo, então, vai muito além do velho parâmetro lógico-dedutivo de conhecimento e raciocínio como categorias estritamente mentais. Os processos de conhecimento estão espalhados pelo corpo, inclusive os não conscientes (QUEIROZ, 2009, p. 55).

Uma vez que se assume que o corpo é uma resultante dinâmica e processual do fluxo de informações que circulam nele e em seu entorno, é corpoambiente, podemos entender também que

O corpo é o ambiente da dança, no sentido de que seu design delineia possibilidade para interagirem as múltiplas formações inatas e adquiridas que nele transitam. Toda dança resulta de um modo particular de um corpo organizar, com movimentos, o seu conjunto de referências informativas (biológicas e culturais). Do mesmo modo, o contexto cultural corresponde ao ambiente do corpo, no sentido de que o conjunto de informações que caracterizam os modos de pensar e operar vigentes na sociedade em que está inserido delineiam seu campo particular de possibilidades interativas. Os ambientes interferem na configuração das estruturas, ao mesmo tempo em que tais estruturas, geradas sob as condições dos ambientes, interferem na sua reconfiguração. Sistemas e sub-sistemas diversificam-se uns aos outro, ininterruptamente (BRITTO, 2008, p.72).

Assim, pensar no corpo como corpoambiente, (assim, escrito junto) traz implicado alguns entendimentos como o ambiente estar em constante movimento, a inclompletude dos sistemas vivos, a co-evolução entre os

(31)

sistemas corpo e ambiente e o entendimento de corpo enquanto resultante processual (KATZ 2005; GREINER, 2005; QUEIROZ, 2009). Ao olharmos para a história, para a nossa própria história de vida, por exemplo, podemos perceber claramente que o ambiente que nos rodeia nunca é estático tanto nas relações sociais e culturais quanto na própria relação com a natureza.

Em Maurice Merleau Ponty (1908-1961) essa relação entre sujeito e ambiente já se fazia presente. Para ele, estamos em um mundo onde ao mesmo tempo em que ele parece nos anteceder, é inseparável de nós e, justamente por estarmos nele, é nele que nos conhecemos. Merleau Ponty afirmava que o indivíduo é foco central na discussão sobre o conhecimento, que esse se dá em seu corpo.

[...] nesta abertura entre o eu e o mundo, entre o interno e o externo, inaugura um pensamento que percorre o entre-dois. Estrutura física é estrutura vivida ao mesmo tempo.

Para o filósofo francês (Merleau Ponty) o corpo é abertura ao mundo e um centro de ação. E como o homem está no mundo, é no mundo que ele se conhece, é a partir desta inserção que a percepção será entendida. (SANTOS, 2012, p.124).

Ainda segundo as pensadoras Helena Katz e Christine Greiner (2001, p.82) “[...]Em Merleau-Ponty a carne significa uma interligação de estruturas e forças que interagem sem dominância entre elas e sem existência de um centro controlador”, que a cultura ocidental entende e assume como sendo o cérebro.

Para pesquisadores e artistas contemporâneos que trabalham com a dança contemporânea, a performance e com outras vertentes das artes cênicas de um modo geral, é facilmente perceptível a influência de sistemas e sub-sistemas diversificados. (KATZ e GREINER 2005, QUEIROZ 2009, BASTOS, 2011). Percebemos e trocamos informações com o ambiente incessantemente.

[...] Capturadas pelo nosso processo perceptivo, que as reconstrói com as perdas habituais a qualquer processo de transmissão, tais informações passam a fazer parte do corpo de uma maneira bastante singular: são transformadas em corpo. Algumas informações do mundo são selecionadas para se organizarem na forma de corpo – processo sempre condicionado pelo entendimento de que o corpo não é um recipiente, mas sim aquilo que se apronta nesse processo

(32)

co-evolutivo de trocas com o ambiente [...] (KATZ e GREINER, 2005, p.130).

Conforme posto, quando transformadas em corpo, corporalizam de uma maneira singular, ou seja, tomam um jeito próprio (QUEIROZ, 2004). Esse processo de troca de informações se dá incessantemente no momento dançado. O ambiente compõe conjuntamente o fazer artístico, modificando o corpo. Modificam-se as informações do meio, modifica-se a relação corpo-ambiente e, portanto, modifica-se o fazer.

Corporalizar novas informações, portanto se trata de uma negociação das informações que chegam com informações ali já transformadas em corpo anteriormente e assim, “[...] O que fica corporalizado [...] vive como informação em trânsito dentro-fora, fora-dentro, no ambiente em incessante transformação.” (QUEIROZ, 2013, [s.p.]).

Cleide Martins (1999), doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontífica Universidade Católica de São Paulo, nos afirma que o corpo é uma resultante cultural-biológico-evolutiva de todos os corpos que já nos precederam.

Não é à toa que Richard Dawkins em sua obra “O rio que saía do Éden” (1996) vai dizer que cada um dos nossos corpos carrega não apenas a história cultural, biológica, familiar, mas a história de todos os corpos que nos precederam, de toda a história evolutiva do homem [...]. Porque se trata de um processo de co-evolução, a troca de informações é permanente, e todas as informações que já foram trocadas antes interferem no modo constituição dessa informação que é o corpo (MARTINS, 1999, p. 30).

Como uma função memória o corpo carrega em si informações selecionadas em nosso passado ancestral. Por se tratar de um processo co-evolutivo, todas as informações anteriormente corporalizadas/embodied se tornam condição seletiva de novas trocas de informações com o meio. O corpo se apresenta como resultante parcial desse processo, dando continuidade ao mesmo numa relação indissociável e ininterrupta entre passado, presente e futuro, refletindo uma dimensão histórica (QUEIROZ 2009, BRITTO 2008).

Em uma tentativa de nos fazer compreender como isso se dá na dança, Cleide Martins nos afirma o seguinte:

(33)

[...] O sistema dança troca com o meio ambiente. Qual é o meio ambiente? Todo o mundo. As informações que estão internalizadas no sistema dança e o sistema dança devolvem para o mundo informações que vão modificando-o, num processo de mão dupla permanente. Não se pensa em um sem o outro, pois a dança depende de um corpo e esse corpo existe por processos de relacionamento com o mundo chamados de co-evolutivos.

Ou seja, dentro de um sistema dança o corpo que dança recebe essas informações do sistema dança, que já está carregado de informações do mundo, informações essas que passam a ser internalizadas pelo corpo que dança. Esse corpo que dança manda informações para o sistema dança, que as manda para o mundo. Todo o tempo as trocas são permanentes entre o interno e o externo e é a isso que se chama de co-evolução. (MARTINS, 1999, p. 29)

Este parece ser o ponto central deste estudo: tratar de entender como o dançarino profissional lida com as informações que vêm dos coreógrafos, com seu corpo treinado por técnicas de dança, a atender a demanda de distintos objetivos. Ponto de fricção entre o que o corpo aprendeu e traz consigo e as informações que nele não residem ainda. Ponto de interrogação sobre os modos vigentes de relações entre as companhias, seus coreógrafos e os dançarinos a fim de compreendermos os processo porque que passam.

Este levantamento das companhias Grupo Êxtase de Dança, Balé Teatro Guaíra e Companhia de Dança de Diadema, visa expor como tratamos co-evolutivamente essa questão e visamos considerar o que se dá no trânsito, no “entre” sistemas, no fluxo entre as corporalizações do dançarino e seu ambiente profissional.

1.3 Corporalização/embodiment

O termo corporalização/embodiment foi introduzido pelo professor e filósofo Thomas Hanna, pioneiro na somática. A corporalização/embodiment, conforme apresentado por Lela Queiroz (2009), tem como base para seu entendimento a cognição via corpo, via aparato sensório-motor, se dando através do movimento, no e pelo corpo.

Ao entrar em contato com o corpo, cada informação que chega renegocia e readapta com as informações ali já estabelecidas, corporalizadas/embodied.

A escolha pela tradução de embodiment para corporalização se justifica no sentido de alcançar uma maior aproximação ao amplo entendimento original

Referências

Documentos relacionados

Local de realização da avaliação: Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação - EAPE , endereço : SGAS 907 - Brasília/DF. Estamos à disposição

De seguida, vamos adaptar a nossa demonstrac¸ ˜ao da f ´ormula de M ¨untz, partindo de outras transformadas aritm ´eticas diferentes da transformada de M ¨obius, para dedu-

Assim, com a unificação do crime de estupro e do atentado violento ao pudor em um único tipo penal, os condenados que tiveram suas penas aumentadas em razão do

O TBC surge como uma das muitas alternativas pensadas para as populações locais, se constituindo como uma atividade econômica solidária que concatena a comunidade com os

xii) número de alunos matriculados classificados de acordo com a renda per capita familiar. b) encaminhem à Setec/MEC, até o dia 31 de janeiro de cada exercício, para a alimentação de

Dessa maneira, os resultados desta tese são uma síntese que propõe o uso de índices não convencionais de conforto térmico, utilizando o Índice de Temperatura de Globo Negro e

Um tempo em que, compartilhar a vida, brincar e narrar são modos não lineares de viver o tempo na escola e aprender (BARBOSA, 2013). O interessante é que as crianças

Informações tais como: percentual estatístico das especialidades médicas e doenças, taxas de ocupação dos principais recursos, tempos de permanência de internação, escores