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Estrutura e função do direito na teoria da sociedade

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Academic year: 2021

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DANIELA RIBEIRO MENDES NICOLA

ESTRUTURA E FUNÇÃO DO DIREITO

NA TEORIA DA SOCIEDADE

Dissertação apresentada ao Curso de Pós- Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do títu lo de Mestre.

Orientador: Prof.Dr.Leonel Severo Rocha Co-orientador: Prof.Dr.Raffaele De Giorgi

FLORIANÓPOLIS 1994

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A dissertação

"e s t r u t u r a e f u n c á o d o d ir e it o n a t e o r ia d a

SOCIEDADE", elaborada por Daniela Ribeiro Mendes Nicola e aprovada por todos os membros da Banca examinadora, foi julgada adequada à

obtenção do título de Mestre em Direito.

Florianópolis, 20 de setembro de 1994

Banca Examinadora:

Prof.Dr.Leonel Severo Rocha Universidade Federal de Santa Catarina

Prof.Dr.Raffaele De Giorgi 8 Università Degli Studi di Lecce

Profa.Msc.Vera Karam de Chueiri Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Prof.Dr. Leonel Severo Rocha

Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC e Orientador da presente dissertação.

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AGRADECIMENTOS

Neste momento, em que cumprimos a etapa inicial de um percurso que apenas está começando, é imprescindível agradecer a todos que contribuíram para a

realização deste trabalho:

a Marco, pela sua compreensão e apoio incondicionais;

a Yelda, Ernani e Gabriela, pela certeza de um "porto sempre seguro";

a Juliana e Ricardo, pela amizade profunda destes "quase-irmãos";

a Leilane, Cristiano, Samantha e Aires, por todo o apoio concedido;

aos professores da graduação Rui Rosado de Aguiar e João Luís de Barros, pelo exemplo de dignidade e humildade dos grandes mestres e amigos;

a todos os colegas e amigos do Curso de Pós-Graduação em Direito, pela possibilidade de compartilhar idéias e aspirações;

aos amigos italianos, e em especial ao pessoal do Centro di Studi Sul Rischio, por todo o apoio concedido;

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professor Leonel Severo Rocha, pela orientação e estímulo concedidos durante todo o período do Mestrado;

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O OVO SAPIENS Mário Quintana

O homem não pode pensar os longos pensamentos

esparsos e dispersos das árvores rumorejando, das árvores criando inumeravelmente as fólhas,

o homem não pode distendê-los irresponsáveis e

belos como as nuvens cardadas pelo vento,

o homem pensa para dentro, e disto orgulha-se,

porque na sua cabeça cabe o universo

como num ovo.

Na sua cabeça está o universo

-aprisionado-tal como estava dentro da mão de Deus antes que seus dedos se abrissem na infinita

distensibilidade da Criação. O homem tem a pobre, a estreita cabeça fechada...

(Porém não para sempre, meu Deus...Não para

(6)

SUMÁRIO

RESUMO... 01

SOM MARIO... 02

INTRODUÇÃO... 03

CAPÍTULO I A TEORIA DO DIREITO E A PERSPECTIVA DA TEORIA DA SOCIEDADE... ...07

CAPÍTULO II O SISTEMA SOCIAL DA SOCIEDADE... 20

2.1. A distinção sistema/ambiente como forma da observação da teoria da sociedade...22

2.2. Fechamento operacional dos sistemas... 27

2.3. Complexidade estruturalmente organizada... 32

2.4. A sociedade como sistema global da comunicação...39

CAPÍTULO III FORMAS DA DIFERENCIAÇÃO E MEIOS DA COMUNICAÇÃO GENERALIZADOS SOBRE BASE SIMBÓLICA...47

3.1. Formas da diferenciação... 47

3.2. Diferenciação funcional...57

3.3. Meios da comunicação generalizados sobre base simbólica...63

(7)

CAPÍTULO IV

O SISTEMA SOCIAL DO DIREITO... 80

4.1. Diferenciação do direito...82

4.2. A auto-reprodução do direito... 97

4.3. Função do direito...109

4.4. O direito como medium da comunicação... ... . 118

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 123

(8)

RESUMO

O presente trabalho pretende apresentar de um modo sistemático, mas conciso e acessível, o aparato conceituai que está à base da Teoria delia Società. tal como foi elaborada por Niklas LUHMANN e Raffaele DE GIORGI. A nossa reconstrução objetiva determinar os pressupostos teóricos necessários para uma análise funcional e estrutural do direito positivo da sociedade moderna. Diante da incerteza do panorama constituído pelas teorias e sociologias do direito, da complexidade da análise sistêmica do direito e do conhecimento, nem sempre adequado, dos pressupostos epistemológicos da observação sociológica do direito, a dissertação aquii apresentada pretende contribuir com uma tentativa de análise clara e precisa, indicando o espaço dentro do qual são produzidos os conceitos necessários para a observação do direito. A reconstrução da teoria da sociedade, na sua matriz sistêmica, nos permite determinar o conceito de sociedade como sistema, descrever as formas da diferenciação social e precisar a função dos meios da comunicação simbolicamente generalizados. Por fim, este instrumental teórico possibilita-nos descrever a estrutura e a função do direito positivo como improvável aquisição evolutiva da sociedade moderna.

(9)

SOMMARIO

II lavoro intende presentare in modo sistemático, ma conciso e accessibile, 1’apparato concettuale che sta alia base delia Teoria delia Società cosi come è stata elaborata da Niklas LUHMANN e Raffaele DE GIORGI. La ricostruzione è finalizzata a determinare i pressuposti teorici necessari per una analisi funzionale e strutturale dei diritto positivo delia società moderna. Di fronte alia incerteza dei panorama delle teorie e sociologie del diritto, di fronte alia complessità dell'analisi sistêmica dei diritto e alla conoscenza non sempfe adeguata dei pressuposti epistemologici dell'osservazione sociologica dei dirittôy> il lavoro svolto con questa dissertazione pretende di fornire un contributo di chiarezza e di precisazione e pretende di indicare lo spazio entro il quale si producono necessari per I'osservazione dei diritto. La ricostruzione delia teoria delia società nella sua matrice sistêmica ci permette di determinare il concetto di società come sistema, di analizzare le forme delia differenziazione sociale e di precisare la funzione dei media delia comunicazione simbolicamente generalizzati. Da ultimo, questi strumenti teorici ci permettono di descrivere la struttura e la funzione dei diritto positivo come improbabile acquisizione evolutiva delia società moderna.

(10)

INTRODUÇÃO

Este é o maior mandamento de toda ciência: não aceitar restrições na capacidade de aprender. Nem mesmo se estas restrições têm a form a de verdades.

Niklas Luhmann

As grandes matrizes epistemológicas do pensamento jurídico que conhecemos1 , centradas nas perspectivas sintática, semântica ou pragmática de análise do fenômeno jurídico, não conseguiram fornecer respostas satisfatórias aos problemas que parecem constituir o cerne da reflexão sobre o direito. Qual é a função social do direito? Em que consiste a especificidade da normatividade jurídica? Como o direito se relaciona com a moral, e com as demais esferas da ação social?

A busca de respostas plausíveis a estas questões recorrentes constitui o ponto de partida do presente trabalho. Tal postura justifica a nossa opção pela Teoria delia società2 elaborada por Niklas LUHMANN e Raffaele DE GIORGI, como marco teórico que nos permite (re)pensar o direito como sistema da sociedade.

A teoria da sociedade, na sua matriz sistêmica, procura trabalhar com uma pluralidade de perspectivas auto-referenciais, reunindo-as em um contexto teórico coerente. Trata-se de uma abordagem interdisciplinar, na qual são

11 Nos referimos à denominação proposta por ROCHA, L. Da teoria do direito à teoria da sociedade. In: Teoria do direito e do estado. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1994. pp.65-80. O autor "aglutina as principais teorias jurídicas contemporâneas, segundo o campo de racionalidade no qual se inserem", utilizando para tanto a divisão semiótica de CARNAP nos níveis da sintaxe (filosofia analítica), da semântica (hermenêutica) e da pragmática (teoria sistêmica).

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abordadas questões atinentes à teoria dos sistemas, à teoria da evolução e à teoria da comunicação3.

O instrumental teórico necessário para esta tarefa é complexo, e o percurso da argumentação não é linear, mas labiríntico.

Nosso objetivo é reconstruir este percurso teórico com vistas a alcançar uma conceitualidade capaz de permitir a descrição do sistema social do direito. Para tanto, objeto privilegiado de nosso estudo será a obra Teoria delia società. de LUHMANN e DE GIORGI. Dada à amplitude e complexidade do tema, este estudo será complementado através da consulta a outras obras de matriz sistêmica, com especial relevo às pesquisas desenvolvidas por LUHMANN na análise do sistema jurídico.

De início, no breve capítulo introdutório, haveremos de contextuaiizar esta perspectiva teórica no panorama da ciência jurídica, a fim de demonstrar as limitações das descrições realizadas até agora pela tradição do pensamento jurídico. Veremos que a observação sociológica possibilita-nos tematizar, de maneira diversa, as questões que indicamos no começo desta introdução, permitindo-nos encontrar soluções substancialmente diferentes.

No capítulo II, procederemos à determinação do conceito de sociedade, como sistema global da comunicação. Partiremos da teoria geral dos sistemas auto-referentes para chegarmos à delimitação do conceito de sistemas sociais, constituídos em base às comunicações. Trata-se de um problema crucial, já que, tanto a sociedade, quanto o direito, constituem sistemas sociais.

No capítulo III, continuaremos nossa análise da Teoria delia società. focalizando o problema das formas da diferenciação social. Veremos que a primazia de uma determinada forma da diferenciação determina o potencial dos

3 Segundo LUHMANN,N. Systems theory, evolutionary theory, and communication theory. In: The differentiation of societv. Tradução por Stephen Holmes e Charles Larmore. Nova Iorque: Columbia University Press, 1982. pp. 255-270.

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sistemas de lidar com a crescente complexidade do mundo. Tratar-se-á de uma análise dinâmica, visto que o predomínio de uma forma modifica-se com a evolução social. Abordaremos, ainda, o problema da improbabilidade da comunicação, e como se diferenciam específicos meios para superar tal improbabilidade. Privilegiaremos a estrutura e a função dos meios da comunicação generalizados sobre base simbólica, que especializam-se em tornar "expectável" a aceitação de uma comunicação como pressuposto do comportamento posterior.

Por fim, no capítulo IV, procuraremos utilizar todo este aparato teórico para descrevermos o sistema social do direito. Veremos como o direito positivo se diferencia segundo a orientação a uma função, no interior do sistema social da sociedade moderna. Relacionaremos a evolução da sociedade à evolução do direito, pois somente assim é possível compreendermos a amplitude desta improvável aquisição evolutiva constituída pelo direito positivo. Por fim, através da descrição de como se realiza a auto-reprodução do direito, que possui a forma de programa condicional, e que opera segundo uma específica codificação binária, abordaremos o problema do direito como meio da comunicação simbolicamente generalizado.

O método que utilizamos no trabalho foi o indutivo. Partimos de premissas contidas na teoria sistêmica, especialmente aquelas contidas na Teoria delia società. para alcançarmos um novo modelo teórico capaz de proporcionar uma arquitetura conceituai que nos permita observar o direito de um modo completamente diverso.

Finalmente, gostaríamos de salientar que são inúmeras as dificuldades que marcaram a realização de nossa pesquisa. Basicamente, elas dizem respeito ao fato de que se trata de um contexto teórico de todo novo e surpreendente, que modifica profundamente todas as concepções sobre o

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direito sedimentadas por séculos de reflexão jurídica. O fascínio da teoria reside na precisão de seu aparato analítico, capaz de ir ao encontro de uma realidade social por demais complexa, e na sua imensa capacidade de aprender, já que tem como única pretensão aquela de produzir verdades contingentes (não- necessárias).

(14)

CAPÍTULO I

A TEORIA DO DIREITO E A PERSPECTIVA DA TEORIA DA SOCIEDADE

Como fundamento da pesquisa aqui apresentada, existe uma questão para a qual, até agora, não foi encontrada uma solução satisfatória na ciência jurídica. Trata-se da problemática acerca da possibilidade da descrição do direito moderno como aquisição evolutiva da sociedade moderna: em outros termos, da possibilidade de consideração do direito moderno como improvável resultado de si mesmo e, ao mesmo tempo, como pressuposto da modernidade da sociedade moderna e resultado da diferenciação desta.

O direito é pressuposto da sociedade moderna por que o processo de positivação do direito permite regular juridicamente âmbitos do agir social que antes eram excluídos; tal processo permite adequar a complexidade do direito à crescente complexidade de uma sociedade que se diferencia em um modo diverso daquele estratificatório, presente nas sociedades medievais. Por último, a positivação do direito amplia a autonomia da política em relação à religião, contribuindo à estabilização da moderna organização da política, qual seja, o Estado1.

Porém, o direito é, ao mesmo tempo, resultado da específica diferenciação que caracteriza a sociedade moderna, por que apenas nesta sociedade realizam-se as condições estruturais para uma autonomização das organizações estatais em relação àquelas religiosas e de castas; por que somente nesta sociedade realizam-se os pressupostos da ação social racional, orientada aos fins e, portanto, passível de regulamentação jurídica generalizada

1 Sobre o tema, consultar LUHMANN.N. The State of the political system. In: Essavs on self-reference. New York: Columbia University Press, 1990. pp.165-174.

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e abstrata.

Todavia, é mister ressaltarmos que, no marco teórico sistêmico por nós adotado, estas considerações pretendem indicar o fato de que o direito é resultado de si mesmo; isto significa que o direito é sempre produzido por outro direito, conectando-se sempre a outro direito.

A questão nos parece de grande relevância. O direito moderno apresenta características que aparecem nos diversos sistemas jurídicos, e, ao mesmo tempo, entre tais sistemas é possível observar consideráveis diferenças evolutivas. Ao universalismo de determinadas diferenças, em particular aquela entre economia e direito, corresponde, por exemplo, o particularismo de certos acoplamentos2, como aquele entre direito e política, ou entre direito e moral. Ainda no interior de tais ordenamentos é possível encontrarmos diferenças evolutivas entre setores do direito. Particularmente, a questão que colocamos interessa a ordenamentos jurídicos de sociedades que, mesmo apresentando formas da diferenciação altamente evoluídas, demonstram, no seu interior, a existência de consideráveis obstáculos ao pleno desenvolvimento da diferenciação funcional3.

Nestas sociedades, é possível constatarmos como as relações entre direito, política, economia e outras esferas funcionais, estão estruturadas de modo que os códigos de funcionamento destes âmbitos da experiência social apresentam características particulares. Veremos, especialmente no capítulo IV,

2

Esta é a tradução literal do termo accoppiamento [strutturale] utilizado na teoria da sociedade de LUHMANN e DE GIORGI, que será objeto de análise nos capítulos sucessivos. Optamos pela tradução fiel dos termos empregados na teoria, mesmo que não existam correspondentes na língua portuguesa.

3

Marcelo NEVES definiu tais sociedades como "periferias da modernidade", indicando o Brasil como uma destas periferias. Conforme NEVES,M. Verfassuna und Positivitat das Rechts in der peripheren Moderne: eine teoretische Betrachtuna und eine Interpretation des Falis Brasilien. Berlim: Duncker und Humblot, 1992. O conhecimento da temática da obra deveu-se a uma conferência proferida pelo autor no Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC, no ano de 1993.

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que os códigos são dispositivos que permitem aos sistemas sociais singulares produzirem sua autonomia através de cada operação que realizam. Estes códigos se excluem reciprocamente, no sentido de que a utilização de um deles exclui a possibilidade da utilização contemporânea dos demais.

Contrariamente, nas sociedades que acabamos de mencionar, verifica-se esta interferência de um código com relação a outro. É o caso, por exemplo, em que é possível obtermos justiça através do dinheiro. As teorias tradicionais referem- se à corrupção de pessoas, enquanto que a teoria da sociedade4 refere-se à corrupção dos códigos. Como conseqüência disto, de uma parte se registram fortes pressões evolutivas, e de outra parte é possível registrarmos consideráveis tendências inerciais que freiam os processos evolutivos. É possível observarmos, ainda, nestas sociedades, o fato de que se estabilizam redes de relações que atravessam os diversos sistemas sociais, "corrompem" os códigos, e se "carregam" de uma força normativa mais eficaz do que o direito5.

Buscarmos uma resposta plausível à questão que colocamos justifica, então, procurarmos modalidades de observação do direito que tornem acessíveis tanto a modernidade do direito moderno, como as diferenças evolutivas que caracterizam determinados ordenamentos jurídicos. Justifica, também, buscarmos uma matriz teórica capaz de descrever o direito como sistema particular de absorção das incertezas e não, como se pensava, como estrutura das certezas. Justifica, ainda, descrevermos o direito considerando sua função como vínculo do futuro.

4 Sempre que fizermos menção à teoria da sociedade, queremos indicar aquela elaborada por LUHMANN e DE GiORGI.

5 Trata-se de uma questão que não será enfrentada diretamente neste trabalho, pois precisamos, primeiramente, dispor de um instrumental teórico que nos possibilite descrever a estrutura e a função do direito, para posteriores pesquisas sobre a forma da diferenciação do direito nestas sociedades "periféricas".

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O conhecimento sobre o direito de que dispomos não apenas não fornece soluções para estes problemas, como é constituído em base a pressuposições que impedem a problematização das questões que mencionamos. Por exemplo, impede-nos de perguntar se a função do direito no Brasil é a mesma nas metrópoles e nas favelas, e, eventualmente, quais sejam as diferenças porventura existentes; ou mesmo, se a função do direito é distinta da função do dinheiro, ou da arte, ou do amor.

Que o direito seja qualquer coisa de diverso, é um fato banalmente verdadeiro. O problema consiste em descrever como se realiza comunicação através do direito, visto que é improvável, como veremos no capítulo IV, que uma pessoa faça algo que não gostaria de fazer; assim como é improvável que uma pessoa aceite como verdade uma afirmação produzida por outra.

As disciplinas fundamentais da ciência jurídica6 não conseguem fornecer tais respostas. Estas observam o direito a partir de outras perspectivas, as quais refletem apenas o modo no qual o direito observa a si mesmo. Elas representam pontos de vista da reflexão7, não sendo capazes de observar a sua observação do direito8.

c

As considerações que seguem, referentes à divisão das disciplinas tradicionais que compõem a ciência do direito, sâo amplamente analisadas por DE GIORGI.R. Materiali per una teoria socioloaica dei diritto. Bologna: Facoltà di Giurisprudenza, 1981. pp.23-50.

7 Sobre o problema da reflexão, como um tipo de auto-referência que utiliza a especifica distinção entre sistema e ambiente, consultar LUHMANN,N. Autoriferimento e razionalità. In: Sistemi sociali. Tradução por Alberto Febbrajo e Reinhard Schmidt. Bologna: II Mulino, 1990. pp.673-675.

Q

O aspecto fundamental deste capítulo introdutório consiste em demonstrar os limites da auto-reflexão do sistema jurídico, de modo a justificar a assunção de um nível de observação superior (observação de observações, observar como o direito observa a si mesmo), que é o da teoria da sociedade de LUHMANN e DE GIORGI. Sobre o problema específico da auto- reflexão do sistema jurídico, LUHMANN,N. L'autorifiessione dei sistema giuridico: la teoria dei diritto nella prospettíva delia teoria delia società. In: La differenziazione dei diritto. Tradução por Raffaele De Giorgi e Michele Sibernagl. Bologna: II Mulino, 1990. pp.363-397.

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Para a teoria da sociedade, a reflexão é produto da auto-observação dos sistemas, que desenvolvem uma teoria sobre si mesmos. Tal modalidade da auto-referência exige uma concentração dos processos de elaboração das informações sobre determinados problemas centrais, mediante os quais o sistema se identifica. Trata-se, então, de uma teoria do sistema no sistema9.

Observar significa praticar uma distinção10 Quando uma teoria afirma: "o direito é...", ela pratica a distinção entre direito e sociedade, que constitui, por assim dizer, a distinção diretriz da observação. A teoria se ocupa de uma parte da distinção, deixando indeterminada a outra parte, tratando, assim, o seu objeto como se existisse independentemente da distinção da qual é, ao invés disso, apenas uma parte. Esta pressuposição permite, por sua vez, considerarmos o objeto como aquilo a que a teoria se aplica. É assim que se pretende conhecer cientificamente o objeto em base à teoria. Isto significa que a teoria não pode observar a unidade da distinção da qual o direito constitui apenas uma parte. Visto que não pode fazer isto, a teoria do direito, qualquer teoria do direito, não pode fornecer respostas às questões que acabamos de colocar. Se estas considerações são factíveis, é necessário refletirmos sobre suas implicações.

As teorias do direito, como pontos de vista da observação interna, consideram-no como um objeto do conhecimento, construindo-o como ordenamento do comportamento humano, como sistema de normas que possuem características especiais que as distinguem de outros sistemas normativos, ou mesmo como um simples agregado lingüístico, objeto de interpretação e capaz de ser representado através dos esquemas fornecidos pela lógica clássica ou por qualquer lógica especificamente jurídica. Tais

g

Segundo LUHMANN.N. L'autoriflessione dei sistema guiridico. pp.365-368.

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teorias consideram a função do direito como tutela de determinados interesses e criticam a seletividade dos interesses por ele garantidos; consideram fundamental para o ordenamento jurídico o problema da validade, e buscam descrever o problema da normatividade com referência exclusiva a este aspecto; tratam o direito como dever ser e assumem a distinção diretriz entre ser e dever ser, a qual conduz a distinções ulteriores, como àquela entre norma e fato, ou entre fato e valor. Trata-se de modalidades da reflexão através das quais o direito esconde de si mesmo os paradoxos do seu operar, que impediriam o seu funcionamento se fossem visíveis. Façamos alguns exemplos: o direito é construído e opera em base a princípios fundamentais. Estes princípios, na realidade, são diferenças, e cada vez que são utilizados, através das operações de decisão, produzem novas diferenças. Pensemos no princípio de que todos são iguais perante a lei. Porém, necessitaríamos complementar: todos aqueles a quem a lei trata como iguais. Isto significa que no direito existe igualdade por que existe desigualdade11. Cada vez que o princípio é aplicado, reproduz a diferença12.

Outra questão que devemos enfrentar refere-se ao problema do âmbito da normatividade do direito: o direito existe, assim como as normas existem. Mas as normas constituem o dever ser. Podemos, então, afirmar que o dever ser existe? Na perspectiva da teoria da sociedade ocorre uma profunda modificação no que tange à separação tradicional entre os âmbitos do ser e do dever ser, da faticidade e da normatividade. Procuraremos responder a tal

11 Esta é a análise realizada por DE GIORGI.R. Modelli giuridicl deirugualianza e dell’equità. In: Disuauaalianze ed eauità. Bari: Laterza, 1993. p.359-378.

12 Esta é uma concepção de base da Teoria delia società de LUHMANN e DE GIORGI, que retomaremos no capitulo

seguinte, que trata do sistema social da sociedade, quando abordaremos o conceito de forma, que nos permite observar a constituição paradoxal da sociedade e, pois, do direito e da teoria.

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indagação no capítulo sobre o sistema social do direito, ao analisarmos a concepção luhmanniana da estrutura e função do direito.

No marco teórico por nós adotado, o direito, no seu operar, observa a si mesmo como norma, como valor, como dever ser, e, desta forma, oculta a si mesmo os próprios paradoxos, ao mesmo tempo em que os utiliza de modo criativo. A introdução, no sistema jurídico, da diferença entre decisões programantes (legislação) e decisões programadas (adjudicação)13 constitui-se numa estratégia de desparadoxização do sistema, que propicia a operatividade do mesmo, mediante a utilização criativa do paradoxo constituinte do sistema.

É nosso objetivo, neste momento, justificar a nossa opção pela teoria da sociedade, tendo em vista que as teorias jurídicas se mostram como pontos de vista parciais da auto-observação. Elas postulam a sua diferença em relação ao seu objeto e depois reconstróem o objeto de modo a respeitar os critérios de cientificidade fixados pela respectiva teoria. Este processo de separação e reunificação, através do qual o direito aparece como o direito da teoria, e a teoria aparece como teoria do direito, sobre a base da distinção diretriz entre direito e sociedade, caracteriza qualquer teoria do direito.

Entre as diversas orientações teóricas existem, evidentemente, diferenças. Nexte contexto, utilizamos a expressão "teoria" sem ulteriores especificações, na maneira como ela é utilizada por LUHMANN14, poir que nos referimos às teorias como teorias da reflexão, ou seja, como esquemas através dos quais o direito descreve a si mesmo. Na perspectiva da teoria dos sistemas, a um nível superior de observação, as diferenças entre as teorias aparecem como ligadas à parcialidade ou à limitação da forma da observação que é utilizada. Assim,

13

Abordaremos esta "divisão de trabalho" quando tratarmos do sistema do direito, no capitulo IV. 14

LUHMANN,N. El enfoque sociológico de la teoria y práctica dei derecho. Anales de la Cátedra F. Suârez. n.25, p.87-103, 1985.

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por exemplo, as análises de tipo lingüístico limitam a auto-descrição ao texto; aquelas de tipo semântico limitam a auto-descrição ao significado; aquelas de tipo pragmático, ao uso. O caráter limitado destas descrições torna-se manifesto quando consideramos a síntese que se realiza na comunicação15; porém, para tanto é necessário observar o direito a um nível superior, no qual os elementos que compõem o sistema não são apenas normas escritas, ou simples significados impessoais, ou somente uso, mas sim, operações de comunicação.

Por volta do início da década de 70, desenvolveu-se na Europa um amplo debate sobre as chamadas disciplinas fundamentais da ciência jurídica16. Fixou- se um catálogo de disciplinas que deveriam corresponder a uma artificiosa autonomia do direito. Praticou-se, fundamentalmente, um tipo de divisão racional do trabalho referente ao direito, com interesses específicos atribuídos à teoria, à filosofia e à sociologia do direito.

O direito, como sistema de normas, era objeto da teoria. Esta, por sua vez, encontrava sustentação numa teoria da ciência. Em linhas gerais, eram as seguintes as idéias propugnadas, e que encontram ressonância até os dias atuais: a teoria do direito ocupa-se dos problemas relacionados ao conhecimento de direito, sendo, portanto, análise da linguagem jurídica, lógica, hermenêutica, teoria da interpretação..., segundo orientações e ramificações que tendem a autonomizar-se e a afirmar a prioridade exclusiva de um tipo de pesquisa sobre as demais. Trata-se de um conjunto de indicações úteis para as operações do direito, de instrumentos que facilitam as decisões jurídicas, de repertórios de métodos úteis à disposição ordenada do material jurídico. Se aceitamos a hipótese de que o direito é resultado de decisões, não é possível visualizarmos como é possível haver conhecimento de uma decisão no sentido

^ ® Sobre o tema, consultar o capitulo III deste trabalho.

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no qual se utiliza este termo, quando se fala de teoria do conhecimento. É possível pensarmos em complexos instrumentos conceituais que permitem ordenar o material jurídico segundo pontos de vista pré-determinados. Temos, assim, delineado o campo de atuação da dogmática jurídica.

Como sistema normativo, o direito é esquema de valoração da realidade; ele atribui valores, seleções sobre a base de valores sendo, em substância, um catálogo de valores. Como se diz, não descreve, mas prescreve, em virtude de uma referência aos valores. A tarefa de fornecer fundamento aos valores, de encontrar o valor do valor, é trabalho atribuído à filosofia do direito. Aqui também toma-se difícil compreendermos como é possível uma filosofia do direito positivo. E, de fato, ou se trata da velha ontologia, da velha metafísica do direito, as quais encontravam suas condições de possibilidade nos fundamentos do direito natural, e mais tarde na diferença entre direito natural e direito positivo, ou então não vemos como é possível uma filosofia do direito positivo, se não no sentido do positivismo do início do século passado.

Provavelmente diferente é a hipótese na qual se considera como tema da filosofia do direito a normatividade do direito; neste caso, porém, não nos referimos ao valor do valor, mas sim ao problema referente a seguinte situação: como acontece que alguns sujeitos se comportam de forma diversa de como se comportariam se não existisse o direito? Em outros termos, como ocorre que, aquilo que seria improvável que fosse aceito, tome-se objeto de expectativas, pelo que a negação requer uma motivação? Deste problema ocupar-nos-emos quando abordarmos o problema dos meios da comunicação simbolicamente generalizados, e veremos que não se trata tanto de encontrar uma fundação filosófica do problema, que não é exclusivo do direito, mas se trata, sim, de descrever como tudo isto ocorre na comunicação social, e de descrever como o direito se diferencia da verdade , da arte ou do amor, dado que também estes

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dispositivos funcionam como o direito, mesmo que não tenham o que fazer com o direito, por que não são válidos, não são resultado de decisões, e deles não se pode dizer se são justos ou injustos. Trata-se de problemas que, ao menos a partir de PARSONS17, são objeto de estudo da teoria dos meios da comunicação e, conseqüentemente, da teoria da sociedade.

Por fim, já que o direito é, como se costuma dizer, um fenômeno social, a sociologia do direito tem a tarefa de descrever os modos segundo os quais o direito se produz na sociedade, ou, então, de descrever as transformações que se produzem na sociedade devido ao direito. Segundo uma fórmula que é própria da tradição, afirma-se que a sociologia do direito se ocupa da eficácia das normas. Ora, é sem dúvida verdadeiro que as normas são produzidas com a intenção de que sejam seguidas. De outra parte, porém, é também verdadeiro que a conformidade do comportamento não explica a eficácia da norma que o prevê; ao menos, não sempre e, então, não necessariamente. O comportamento conforme é o resultado de complexos processos de seleção e de imputação, e não pode ser explicado em virtude da mera referência à norma. Estas considerações induzem-nos a pensar que a sociologia do direito possa assumir outras tarefas mais coerentes com a sua função, e menos distantes da realidade do direito.

O que causa certo estupor, ao considerarmos este amplo debate dos anos 70, é o fato de que a ocultação dos paradoxos em base aos quais o direito opera venha, por sua vez, escondida por um pensamento linear do tipo sujeito/objeto, causa/efeito, o qual, se teve algum significado na invenção de determinadas semânticas, não obteve nenhuma capacidade explicativa, e tampouco dispôs de qualquer potencial de conhecimento da realidade do

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direito.

A ciência jurídica tradicional, com todas as suas articulações disciplinárias, não responde à questão por nós colocada no início deste capítulo. Ela representa a auto-reflexão do direito sobre si mesmo, mas não é capaz de descrever o sistema do direito, a sua função, a sua estrutura. Em outros termos, ela não pode descrever a si mesma como um modo da auto-observação do direito.

Para cumprir tal operação é necessário assumirmos um nível de observação de ordem superior, que é aquele fornecido pela teoria da sociedade de LUHMANN e DE GIORGI. É mister realizarmos outras distinções que não aquelas operadas pela ciência, e pelas disciplinas nas quais ela se organiza. O problema não consiste em elaborar uma teoria diversa, capaz de desacreditar as demais, mas sim assumir um nível de observação que seja capaz de descrever o direito como aquisição evolutiva da sociedade moderna, capaz de descrever por que o direito reflete segundo determinadas modalidades. É possível observarmos as diversas modalidades de reflexão do direito, que variam segundo a forma da diferenciação social preponderante. Neste contexto, podemos relacionar as teorias jusnaturalistas com a forma da estratificação social, que desenvolve semânticas que tendem a distribuições hierárquicas. Ou, ainda, podemos compreender por que nas sociedades segmentárias não existe uma reflexão específica do direito, pois que todo subsistema encontra no seu ambiente a própria identidade como aquilo que é igual.

Neste nível, é possível descobrirmos os paradoxos que o direito, no seu operar, esconde de si mesmo, bem como qual é a função das teorias e das operações que eles tornam possíveis. Podemos ver por que o direito se concebe através da distinção entre ser e dever ser, e como se diferencia, na sociedade, uma normatividade de tipo especificamente jurídico; como se

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constitui o valor do valor, qual é a sua estrutura, a sua função, a diferença em relação a outros dispositivos da comunicação social. Neste nível superior de observação é possível ver como se constitui a diferença entre sujeito e objeto e, ao mesmo tempo, como se constitui o pensamento milenar no âmbito de uma semântica da razão moderna que torna-se precária e incerta quando deve se ocupar do futuro e da contingência do agir.

A reflexão dos sistemas parciais precisa ser guiada por uma teoria da sociedade18, a qual possibilita a descrição do direito como sistema parcial da sociedade moderna. Esta teoria utiliza uma lógica particular que permite a colocação da questão da unidade das distinções e, então, permite a descrição das formas da diferenciação social. Uma tal teoria contém, no seu interior, uma teoria dos meios de comunicação simbolicamente generalizados, que permite a descrição do sistema do direito como uma aquisição evolutiva da sociedade moderna. Ela, portanto, satisfaz as condições que colocamos quando formulamos a nossa questão fundamental. Uma tal teoria é suficientemente complexa para descrever a complexidade da sociedade moderna por que é autológica19, isto é, considera a si mesma como parte do seu objeto. Ela, portanto, dispõe dos requisitos necessários para tornar-se, ela mesma, objeto da evolução. Por fim, esta teoria é teoria dos sistemas auto-referentes, sendo, por isso, capaz de descrever não apenas as modalidades evolutivas do fechamento dos sistemas, mas também a forma das suas reflexões. Ela, então, pode observar as modalidades de constituição das teorias através das quais estes sistemas refletem os seus fechamentos.

Face a estes motivos pensamos que, a fim de tratar coerentemente a nossa questão, é necessário reconstruirmos a inteira arquitetura conceituai da

1 ft

Segundo LUHMANN.N. L'autoriflessione dei sistema oiuridico. p.388.

Este termo é utilizado por LUHMANN e DE GIORGI, Teoria delia società. p.396.

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teoria da sociedade, evidenciando as conexões, as implicações, a universalidade das pretensões desta construção teórica. Apenas após um longo percurso será possível enfrentarmos o problema do direito, a sua função, a sua diferenciação, a sua estrutura, a sua base simbólica. Apenas assim será possível entendermos por que, no lugar da distinção direito/sociedade, assume- se a diferença sistema/ambiente, a qual permite observar o direito como direito da sociedade.

Diante da complexidade e da novidade da obra acima delineada, podemos apenas cumprir o esforço de reconstruir um percurso argumentativo que, em um modo simplificado, mas analiticamente preciso e possivelmente completo, nos permita descrever a estrutura e a função do direito moderno. Tal descrição teve que recolher um material de grandes proporções e de particular complexidade.

Nosso objetivo será alcançado se formos capazes de tornar acessível um aparato conceituai que pode ser particularmente útil para trabalhos futuros. Pensamos em trabalhos que descrevam a estrutura do sistema jurídico no Brasil, onde as condições da diferenciação da sociedade apresentam características particulares que podem ser descritas apenas sobre a base de uma teoria da sociedade que permita tematizar os problemas específicos de uma complexa periferia da modernidade.

(27)

CAPÍTULO II

O SISTEMA SOCIAL DA SOCIEDADE

Nos primórdios da idade moderna, a tradição iluminista européia descreveu a sociedade partindo do pressuposto de que a razão era uma propriedade intrínseca dos homens. Estes, exatamente por isto, ocupavam um lugar privilegiado no universo, e constituíam a sociedade. De tal pensamento, surgiram inúmeras conseqüências. Pensava-se que a razão regulasse as ações, que podiam ser orientadas a fins justos. Acreditava-se que a razão pudesse distinguir entre bem e mal, justo e injusto, racional e irracional, transcendente e imanente. Em particular, pensava-se que o direito se originasse da razão e que, portanto, através do direito, era possível a realização de condições justas da sociedade, ou, de qualquer forma, superiores às existentes.

Esta idéia de razão e as conseqüências que dela derivam, forneciam apoio à concepção de que somente a razão pudesse se observar; que somente a razão fosse reflexiva, que somente ela pudesse se auto-implicar, no sentido de que apenas a razão fosse racional.

As descrições da sociedade, assim como as teorias do conhecimento e as teorias da ciência , que constituíam seu fundamento , exprimiam aquele convencimento: a razão está à frente do tempo e se auto-implica; a razão é racional. De outra parte, existia o objeto, a natureza, a sociedade. O pensamento era linear, ou seja, movia-se do sujeito ao objeto.

A teoria da sociedade considera exaurida a função exercida por este projeto de razão; considera já consumado o patrimônio de idéias que se sedimentou em torno daquela imagem. Esta teoria parte da premissa de que a produção de teoria seja produção de sociedade e que, portanto, a teoria seja

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parte do objeto do qual se ocupa; esta é a idéia da auto-implicação da teoria1, que mencionamos no capítulo anterior, quando falamos da reflexão como modalidade da auto-observação dos sistemas.

A observação científica, tal como é tratada por LUHMANN e DE GIORGI, é a realizada segundo os critérios organizados pelo sistema da ciência para a (auto)descrição da sociedade, e se manifesta, portanto, como auto-prestação da sociedade, que descreve a si mesma. A auto-descrição procura fixar o que se comunica quando na sociedade se comunica sobre a sociedade. A teoria da sociedade oferece uma descrição da sociedade na sociedade.

Se estas considerações são plausíveis, isto significa que a teoria não pode fazer nenhuma afirmação sobre o seu objeto que não esteja disposta a tolerar como enunciado sobre si mesma. Em outras palavras: a pesquisa sobre o sistema da sociedade constitui também um sistema, e está portanto, sujeito à evolução.

As teorias epistemológicas tradicionais consideravam esta espécie de raciocínio circular (ou seja, o fato da teoria estar contida no seu objeto) como indício de arbitrariedade, como ideologia. Como fica o postulado da avaloratividade da ciência, no sentido da necessária distância mantida pelo pesquisador em relação ao objeto, a fim de garantir a objetividade dos resultados obtidos? Podemos responder, com LUHMANN, a essa crítica, afirmando que "a sua limitação, que assim justifica o título de teoria, reside nesta não arbitrariedade de conceder-se à auto-referência"2. Trata-se de uma teoria

^ Sobre esta concepção da auto-implicação da teoria, que intenta a superação dos modelos epistemológicos tradicionais, como o empirismo e o idealismo, ambos centrados na relação linear entre sujeito e objeto do conhecimento, consultar LUHMANN,N. e DE GIORGI,R. Teoria delia società. pp.9-16 e 396-400, bem como LUHMANN, N. Conseguenze per la teoria delia conoscenza. In: Sistemi sociali. p.727-743.

22

Segundo Niklas LUHMANN, Sistemi sociali. p.60. Cumpre mencionarmos que todas as citações incluídas no presente trabalho foram objeto de nossa livre tradução.

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com pretensão de universalidade, no sentido de que leva em consideração todo social (e apenas o que é social) e não apenas fragmentos dele. No âmbito das teorias universalísticas, a pesquisa dedicada a um objeto específico implica em pesquisa sobre si mesma.

Esta concepção desorganiza todos os pressupostos do pensamento clássico da sociedade moderna e, ao mesmo tempo, mostra a paradoxalidade das distinções mediante as quais aquele pensamento descrevia a sociedade: pensemos na diferença que contrapõe sociedade e direito; como é possível existir um direito fora da sociedade? Uma vez que tenha sido manifestada esta paradoxalidade, torna-se necessário individualizar novas distinções que possam ser utilizadas, assegurando o pressuposto da auto-implicação da teoria. É deste tema que passamos a nos ocupar.

2.1. A distinção sistema/ambiente como forma da observação da teoria da sociedade

Parece pertencer à esfera do "common sense" o fato de que a teoria dos sistemas - e aqui estamos no nível da teoria geral dos sistemas autopoiéticos3 - tem como conceito-guia aquele de sistema. Podemos dizer que tal assertiva é parcialmente correta. LUHMANN e DE GIORGI baseiam sua teoria não sobre princípios apriorísticos fundamentais, mas sobre uma diferença-guia, que se decompõe em ulteriores distinções, possibilitando, assim, a aquisição de informações4 É a diferença entre sistema e ambiente que organiza toda a

3

A análise da formação dos sistemas sociais pode se dar, segundo LUHMANN, em três níveis distintos. Dado o objeto do presente trabalho, importa-nos ressaltar a existência de uma teoria geral dos sistemas autopoiéticos; num segundo plano, temos a teoria dos sistemas sociais, constituídos em base à comunicação; e, por último, distinguimos, como espécies de sistemas sociais as organizações, as interações e a sociedade. Esta diferenciação é indicada por LUHMANN na Introdução â obra Sistemi sociali. p.66. Abordaremos o conceito de autopoiesis a seguir.

4

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observação e descrição da teoria. É fundamental determo-nos com mais vagar nesta premissa, pois dela surgem conseqüências de vastas dimensões para o âmbito de toda a construção teórica.

Na esteira da lógica de Spencer Brown5, LUHMANN e DE GIORGI observam que existem formas de distinções, limites que assinalam uma diferença e que constringem a determinar qual a parte da forma é indicada. Indicar e distinguir são operações simultâneas; por isso que cada parte da forma só pode ser a outra parte da outra parte. A forma se atualiza no tempo através da indicação de uma de suas partes; neste sentido, a forma é auto- referência desenvolvida no tempo6. Tomemos a diferença sistema/ambiente: são duas partes de uma forma, isto é, podem existir separadamente, porém sempre contemporaneamente. Para atravessar o limite que as separa é necessário tempo. A teoria da sociedade utiliza esta distinção como forma de suas observações.

A observação é um tipo específico de operação que utiliza uma distinção para indicar um lado ou o outro lado da própria distinção, isto é, toda a vez que um sistema opera mediante distinções, realiza observação7. Cada operação de observação utiliza uma específica distinção inicial, a qual permite a aquisição de informação sobre o que é observado; a partir dela, é possível proceder-se a ulteriores distinções. É evidente, então que a diferença inicial delimita o campo possível da observação.

Faremos breve aceno ao tema neste capítulo, e retomaremos este conceito com mais vagar no capitulo III, quando tratarmos dos meios da comunicação.

® Segundo George SPENCER BROWN, Laws of form. 2.ed. New York, 1972, apud LUHMANN, N. e DE GIORGI,R. Teoria delia società. p. 17-24.

6 Segundo LUHMANN,N. e DE GIORGI,R. Teoria delia società. p.17.

7 Sobre os conceitos de observação e descrição, compreendidas a auto-observação e auto-descrição, consultar LUHMANN e DE GIORGI, Teoria delia società. p.340-400

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Questão interessante, e que ocupa um lugar central na teoria da sociedade, é a que se refere ao paradoxo8 da observação, que surge quando tentamos aplicar o esquema da observação a si mesmo. Em outras palavras: no âmbito do sistema jurídico, como podemos lícita ou ilicitamente diferenciar o lícito do ilícito? Ou, em se tratando do sistema da ciência, que opera mediante o código verdadeiro/falso, como é possível observarmos se esta distinção é verdadeira ou falsa ela mesma9? Nenhuma distinção pode ser aplicada a si mesma de forma unívoca, daí surgindo os paradoxos. Os sistemas elaboram técnicas de desparadoxização, a fim de evitar o bloqueio de suas operações. No decorrer deste trabalho, procuraremos apontar os diversos intrumentos utilizados com este propósito pelos sistemas sociais, em particular pelo sistema jurídico.

Voltemos ao problema inicialmente colocado, que é o "fio condutor" de nossa exposição: já que não existe sistema sem ambiente ( e vice-versa ), como se dá a relação entre eles? Tal questão deve ser enfrentada no âmbito concernente à mudança de base da teoria luhmanniana10, passando de uma concepção centrada na abertura do sistema, para a idéia, originada na pesquisa biológica de Maturana e Varela11, de autopoiesis sistêmica.

8 Surgem paradoxos quando as condições de possibilidade de uma operação são, ao mesmo tempo, condições de sua impossibilidade. Não se trata de uma contradição em sentido lógico: A = não A. O paradoxo poderia ser expresso da seguinte forma: "A por causa do não A", onde as condições da afirmação são, ao mesmo tempo, condições da negação. Sobreo problema dos paradoxos, ver LUHMANN, N. Taudtology and paradox in the self-description of modern society. In: Essavs on self-reference. p. 123-143.

q

A respeito dos sistemas funcionalmente diferenciados, e de sua operacionalidade mediante a codificação binária, consultar o capitulo III, no ponto referente à diferenciação funcional.

^ Em relação às diferenças existentes entre as concepções do "primeiro" e do "segundo" Luhmann, consultar FEBBRAJO, A. Introduzione all'edizione italiana. Sistemi sociali. p.9-56.

^ ^ Sobre o tema, consultar MATURANA, H. e VARELA, F. Autopoiesis and coonition: the realization of the living. Dordrecht: Reidel, 1980, apud LUHMANN,N. The autopoiesis of the social systems. In: Essavs on self-reference. p.17.

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O termo autopoiesis foi originariamente utilizado como uma definição de vida, como uma tentativa de dar uma definição da organização dos organismos viventes. Um sistema autopoiético é caracterizado pela sua própria capacidade de produzir e reproduzir os elementos de que é composto. Os elementos são produzidos pelo sistema, no interior do sistema, e não por processos externos.

A teoria dos sistemas sociais adota este conceito. Isto não conduz à afirmação de que os sistemas sociais são sistemas viventes. Abstraindo de conotações biológicas, LUHMANN defini a autopoiesis como uma forma geral de constituição dos sistemas através do fechamento operacional ( ou auto- referencial) destes12.

Isto significa que a nível da constituição de seus elementos o sistema opera exclusivamente em auto-contato, no sentido de que operações sucessivas são produzidas na rede de operações anteriores.

Existem princípios gerais de organização autopoiética que se materializam como vida (nos organismos viventes), mas também como sentido, e, neste último caso, devemos distinguir entre sistemas que utilizam a consciência (sistema psíquicos) ou a comunicação (sistemas sociais) como meios de reprodução do sentido13.

A noção de autopoiesis diz respeito não apenas à organização estrutural14 do sistema, mas à própria constituição de seus elementos, entendendo-se estes como componentes últimos que são, ao menos paira o próprio sistema , indecomponíveis. O sistema é capaz de produzir os elementos dos quais se

12

Seguimos, em linhas gerais, as colocações de LUHMANN que indicamos na nota anterior. 13

Para um esclarecimento das diferentes perspectivas de observação das distintas formações sistêmicas, consultar LUHMANN,N. Introduzione: um cambiamento di paradigma nella teoria dei sistemi. In: Sistemi sociali. p.66-79.

14

A análise do conceito e da função das estruturas será feita neste capitulo, quando abordarmos o problema da complexidade estruturada.

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compõe, definindo desta maneira sua unidade - ou, em outra palavras, sua diferença em relação ao ambiente. Tudo aquilo que é utilizado como unidade pelo sistema é produzido por ele mesmo como unidade15.

O fechamento operacional16 do sistema significa que a produção de novos elementos depende das operações precedentes do próprio sistema, e constitui o pressuposto para as operações seguintes. Isto quer dizer que o sistema é operativamente autônomo, mas não autárquico. Ele decide, soberanamente, sobre a constituição de identidades e de diferenças. Trata-se de determinar que tipo de operações possibilita a autopoiesis sistêmica. Esta repousa unicamente em informações produzidas pelo sistema, que é capaz de distinguir necessidades internas daquilo que é visto como problema ambiental.

A rede de operações autopoiéticas do sistema, destinada a produzir e a reproduzir os elementos, processos e estruturas que compõem o próprio sistema, coloca a alternativa de uma escolha binária: ou o sistema se conserva, ou desaparece. Nâo há terceiras possibilidades.

Os sistemas sociais operam em modo auto-referencial. No âmbito da teoria da sociedade, referência significa uma operação que designa qualquer coisa no contexto de uma distinção de outra coisa17. Esta operação de referência torna-se observação no momento em que a distinção é utilizada para a aquisição de informação sobre aquilo que é designado.

A operação da auto-referência é realizada, então, quando a operação da referência resulta incluída naquilo que designa. Ou seja: ela designa qualquer

15 Na perspectiva do sistema juridico, consultar LUHMANN.N. The unity of the legal system. Autopoietic law: a new approach to law and societv. New York: de Gruyter, 1987.

1R

Retomaremos este conceito mais adiante, a fim de delimitá-lo e extrair dele as conseqüências relevantes para o esclarecimento do conceito da sociedade como sistema autopoiético global da comunicação.

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coisa da qual faz parte, com a qual se identifica.

Para a teoria aqui exposta, o "sujeito" do mundo tranforma-se no sistema auto-referente. De acordo com o tipo de distinção utilizada na operação referencial, podem existir três modos de auto-referencialidade: auto-referência de base, reflexividade (processualidade) e reflexão.

No primeiro caso, é utilizada a distinção entre elemento e relação. O "auto" que se identifica é um elemento; no caso dos sistemas sociais, a comunicação.

Na segunda hipótese, é utilizada a forma primeiro/depois, através da qual o "auto" que se refere a si mesmo não é um fator da distinção, mas o processo constituído por tal distinção. Pensemos, por exemplo, no processo de comunicar sobre a comunicação.

Por último, através da reflexão, utilizando a distinção entre sistema e ambiente, realiza-se uma operação na qual o sistema designa a si mesmo como diferente do próprio ambiente.

As considerações expostas até agora permitem-nos afirmar que os sistemas formados mediante a auto-referência de base, que assim constituem sua unidade sistêmica - estamos a falar dos sistemas autopoiéticos - são sempre sistemas fechados. É deste conceito e de suas conseqüências no âmbito da teoria que passamos a nos ocupar.

2.2. Fechamento operacional dos sistemas

Este conceito não pretende designar sistemas que existem (quase) sem ambiente, sendo capazes de determinar (quase) totalmente a si mesmos.

Através deste conceito a teoria da sociedade quer indicar a autonomia do sistema em produzir como unidade tudo aquilo que emprega como unidade, utilizando recursivamente a unidade já constituída dentro do sistema, através da auto-referência de base.

(35)

Como podemos conceber este fenômeno, em se tratando de sistemas sociais, baseados sobre o sentido? Como compreender a noção de que o fechamento do sistema deve ser visto como a organização recursivamente fechada de um sistema aberto? Para responder a esta intrincada questão, voltemo-nos novamente à distinção entre sistema e ambiente. A unidade desta form a é fornecida pelo conceito de mundo, como horizonte total de toda a experiência dotada de sentido18. Torna-se, então, imprescindível o esclarecimento do significado do conceito de sentido.

Tradicionalmente, tem-se buscado definir o sentido mediante o recurso à intenção do sujeito. Nos moldes da teoria da sociedade, é pertinente a análise da função19 do sentido.

Mediante o recurso à lógica das formas, temos como diferença constitutiva da forma sentido aquela entre atualização e potencialização20. Em todas as experiências dotadas de sentido, está presente uma distinção entre aquilo que é dado atualmente e outras coisas que são possíveis a partir do que é dado, inclusive a re-atualização do que é dado - eis a auto-referência inerente a cada intenção de sentido. Outra "presença constante" em toda experiência dotada de sentido é a universalização operada, pois cada sentido envia a possibilidades infinitas dentro do horizonte dado pelo mundo, incluídas todas as possibilidades

18 Conforme BARALDI, C. Mondo. In: BARALDI, CORSI e ESPOSITO. Glossário dei termini della teoria dei sistemi di Niklas Luhmann. Urbino: Montefeltro, 1989. p.118.

19

A análise funcional, como metodologia, pode ser aplicada a todos os problemas, incluindo os referentes a paradoxos, circularidade..., objetivando mostrar como improváveis as conquistas evolutivas, bem como apontando para soluções funcionalmente equivalentes. Para a critica do estrutural-funcionalismo parsoniano, e a adoção do funcional-estruturalismo , consultar LUHMANN, N. Método funcional y teoria de sistemas. In: llustración sociológica. Tradução por H.A.Murena. Buenos Aires: Editorial Sur, 1973. p.48-91.

20

Sobre o problema do sentido consultar LUHMANN, Niklas. Meaning as sociology's basic concept. In: Essays on self­ reference. p.21-79.

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de negação. O conceito de horizonte, como forma de agregação das possibilidades simboliza, de um lado, o caráter infinito das alternativas que podem ser atualizadas; de outro lado, a inutilidade de pretender-se atualizar tal infinidade, visto não ser possível superar o horizonte.

Não existe experiência alguma "sem sentido". Todo o "non-sense" tem sentido. O problema de integrar a atualização da experiência com a transcendência de outras possibilidades é inevitável em toda a ação e experiência humanas21.

Esta situação de constituição de um mundo de potencialidades não atualizadas, repousa na capacidade humana de negação. Como, então, esta contribui para a constituição do sentido? E em quais atributos reside este seu primado funcional?

A especial capacidade da negação tem origem na sua específica combinação de reflexividade e generalização. No primeiro caso, temos que o processo pode ser aplicado sobre si mesmo, e esta possibilidade de "negar a negação" é indispensável em qualquer experiência de sentido. Isto significa que, apenas o tempo, e não a negação (que permanece irremediavelmente provisória), elimina possibilidades definitivamente.

A generalização designa o tratamento de uma pluralidade de referências como unidade. Somente assim é possível atualizar certas experiências dentro de uma multiplicitude de possibilidades, através de condensações de sentido ( normas, valores, expectativas, etc ), que podem ser utilizadas em outras situações, em momentos diversos e com outros parceiros.

Permanece um problema: como mover-se nesta situação aberta, de possibilidades infinitas? O possível é localizado em algo que permanece

21 Analisaremos a distinção entre ação e experiência interior quando tratarmos dos meios da comunicação generalizados

(37)

idêntico; o sentido aparece como a identidade de um complexo de possibilidades passíveis de serem negadas, nas distintas dimensões de experiência que constituem o mundo (material, social e temporal).

Materialmente, o sentido constitui-se em ser alguma coisa e não outra: o tema da comunicação ê a teoria sistêmica, e não aquela da ação comunicativa. Na dimensão social, Ego confronta-se com um Alter Ego, o qual é percebido como um portador de suas próprias visões de mundo: Ego pode aprender a atualizar as perspectivas de Alter, a experimentar suas experiências. Elas são transferíveis por que encontram suporte na identidade de sentido de um objeto. O tempo transforma-se em dimensão autônoma capaz de interpretar a realidade recorrendo à diferença entre passado e futuro, entendendo-se o presente como o intervalo temporal entre eles, no qual se realiza a irreversibilidade das mudanças.

A generalização pode ser ativada em todas estas dimensões: é possível generalizar-se uma identidade ( dimensão material ) sobre uma base de consenso ( dimensão social ), pressupondo para isto uma certa duração ( dimensão temporal )22.

Entretanto, a diferenciação destas dimensões é produto da evolução sócio-cultural, cuja análise indica uma maior separação entre elas, com a atenuação de suas implicações recíprocas; as negações internas em uma dimensão não conduzem, necessariamente, a negações nas outras.

Feito este breve "excursus", voltemos ao nosso problema inicial: nos sistemas sociais, que são constituídos com base no sentido, como se dá o fechamento operacional?

A resposta a esta pergunta encontra-se na "abertura" do sistema operada

22

Para a descrição do mecanismo da generalização congruente das expectativas, e a distinção entre expectativas cognitivas e normativas, consultar o capitulo IV, sobre a função do direito.

(38)

pela codificação23 lingüística, entendendo-se por abertura a duplicação de todas as possíveis proposições graças a uma diferença entre sim e não.

O sistema cria uma versão suplementar negativa de cada proposta de sentido, para a qual não existe nenhuma correspondência no ambiente. Esta codificação binária estrutura todas as operações do sistema como escolha entre um sim e um não, independentemente do conteúdo delas. Em outras palavras: "cada escolha implica na negação da possibilidade oposta"24. Esta escolha é, todavia, passível de ser condicionada. Disto decorre o caráter fechado e aberto do sistema.

"O fechamento de um sistema fundado com base no sentido pode ser entendido, desta maneira, como controle das próprias possibilidades de negação no momento da produção dos próprios elementos'125.

Isto significa que, em se tratando de sistemas sociais (e é relevante mencionar que a sociedade é uma espécie de sistema social), o seu fechamento pode ser condicionado mediante o controle das comunicações que se conectam, na rede recursiva de sua autopoiesis. A comunicação resulta codificada como uma proposta de sentido, que pode ser compreendida ou não, aceita ou não.

O sistema da sociedade, como todo sistema autopoiético, não mantém nenhum contato direto com o ambiente. Voltamos sempre à mesma questão: como este sistema configura suas relações com o ambiente, já que a possibilidade real da comunicação possui numerosos pressupostos factuais, que o sistema não pode nem produzir, nem garantir?

23

Para a análise da função da codificação binária, consultar o capitulo III, na parte referente â especificação funcional dos sistemas.

2^ Conforme LUHMANN.N. Sistemi Sociali. p.679. 25 Idem, p.680.

(39)

A resposta pode ser dada no âmbito do conceito de acoplamento estrutural26. Os sistemas autopoiéticos operam de modo determinado pela estrutura. Isto significa que dados existentes no ambiente não podem especificar, de acordo com suas próprias estruturas, aquilo que acontece no sistema27. Para os sistemas sociais, isto implica em que toda a comunicação é estruturalmente acoplada à consciência28. A consciência só pode pensar, enquanto que apenas a comunicação pode comunicar ( diversamente, não se trataria de elementos organizadores da autopoiesis dos respectivos sistemas fechados ). Através do acoplamento estrutural, um sistema pode ser relacionado com sistemas altamente complexos presentes no seu ambiente, sem que deva alcançar ou reconstruir a complexidade deles.

Isto significa que sistema e ambiente permanecem intransparentes um para o outro. Este entendimento é conseqüência do fato de que os sistemas operam de modo auto-referencial, em auto-contato, na rede recursiva de sua autopoiesis.

O que significa, então, a idéia de que os sistemas acoplados estruturalmente colocam à disposição um do outro a própria complexidade organizada? Para responder a esta pergunta, focalizaremos, agora, os problemas da complexidade, da interpenetração e da contingência.

2.3. Complexidade estruturalmente organizada

O primeiro aspecto que importa-nos relevar diz respeito ao fato de que a complexidade não é uma operação que um sistema efetua, tampouco uma

26 Sobre o tema, consultar LUHMANN.N. e DE GIORGI.R. Teoria delia società. p.30-39. 27 Idem, p.33.

Este tipo especifico de acoplamento estrutural entre sistema psíquico e social recebe o nome de interpenetração. Retomaremos esta questão mais adiante, quando tratarmos da dupla contingência.

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operação que nele se verifica; a complexidade é um conceito da observação e da descrição29. Como já mencionamos, no contexto da teoria da sociedade, a observação implica na atuação de um observador - que pode ser o próprio sistema, e assim teremos auto-observação - que, mediante um esquema de distinção, tem como objetivo a aquisição de informação a respeito de uma das partes da forma que é indicada.

A diferença entre sistema e ambiente revela um desnível de complexidade existente entre eles. A forma complexidade é constituída paradoxalmente como uma unidade que indica uma multiplicidade. O paradoxo é visível na medida em que um estado de fato é expresso em duas versões: como unidade e como multiplicidade30. A fim de tornar operativa esta forma, precisamos fazer uma distinção de segunda ordem: temos, então, a diferença entre elemento e relação. A complexidade indica a impossibilidade da conexão contemporânea de todos os elementos do sistema entre si. É necessário condicionar - limitar - as possibilidades de relação entre os elementos. Complexidade implica, então, em necessidade de seleção.

O número de relações abstratamente possível entre os elementos de um sistema aumenta em progressão geométrica com relação ao aumento da quantidade dos próprios elementos. Como conseqüência desta complexidade "desorganizada", o sistema não consegue mais controlar o número de relações possíveis entre os elementos.

Por isso, os sistemas desenvolvidos evolutivamente devem limitar drasticamente a capacidade de coligação entre os seus elementos. Em outras palavras: complexidade indica a necessidade de manutenção de uma coligação seletiva (e não total) dos elementos.

Sobre o tema consultar LUHMANN.N. e DE GIORGI.R. Teoria delia società. p.40-45. 30 Idem, p.41.

Referências

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