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A Casa de Bragança Brasileira e os caminhos do Leilão do Paço Imperial: 1889-1890

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Academic year: 2021

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A Casa de Bragança Brasileira e os Caminhos do Leilão do

Paço Imperial -

1889-1890

Dissertação de Mestrado em Ciências da Cultura

Nancy Corrêa Plonczynski

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II

A Casa de Bragança Brasileira e os caminhos do Leilão do

Paço Imperial -

1889-1890

Dissertação de Mestrado em Ciências da Cultura

Nancy Corrêa Plonczynski

Orientador: Prof. Dr. Fernando Alberto Torres Moreira

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III

Aos meus antepassados, até onde as lembranças possam tornar presente o que eu nunca poderei retribuir no que me proporcionaram, ofereço o êxito dos meus estudos.

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IV

"Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que haviam se zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um outro lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade."

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V sucedidas e aquisição da fé em concluir este curso.

Ao meu orientador, Professor Doutor Fernando Moreira, por ter aceitado participar de tão desafiante empreitada, concedendo-me orientação com paciência, tolerância e experiente sabedoria. Do mesmo modo, estendo meu agradecimento ao apoio da Professora Doutora Orquídea Ribeiro, bem como aos demais professores do mestrado em Ciências da Cultura da UTAD pelo profissionalismo demonstrado.

Externo ainda o mesmo sentimento à Universidade Trás os Montes e Alto Douro por oportunizar nesta visão coerente com as novas formas educacionais, a acessibilidade ao multiculturalismo, principalmente, luso-brasileiro. Acresço meus agradecimentos ao numismata Dr. António Trigueiros, ao heraldista Dr. Jorge Fialho e ao historiador, tataraneto da Princesa Leopoldina, filha de D. Pedro II, Dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança, por compartilharem seus profundos conhecimentos no meu processo de investigação.

À minha turma do curso, agradeço os momentos que partilhamos os em parcerias de sentimentos e atividades permitindo conhecer mais e melhor os Brasis do Brasil. Os impedimentos, incertezas e desestímulos ao longo da elaboração desta dissertação não poderiam ser superados sem as contribuições e a amizade da colega Márcia Toscan e a presença participativa da amiga Josenira Monteiro que muito me incentivaram na trajetória deste trabalho.

Com cada funcionário da Universidade Trás- os- Montes e Alto Douro divido as possibilidades da realização deste trabalho, mesmo ao lado dos percalços que porventura surgiram.

Ao Diretor da Fundação Museu Mariano Procópio e seus profissionais, que prontamente me atenderam na valorosa disponibilização imagética do acervo, fica a minha gratidão.

Aos meus amigos, que aqui não foram citados, mas lembrados em meu coração porquê de alguma forma acolheram e possibilitaram chegar ao bom termo o trabalho dissertativo, entre os quais ressalto o empenho do livreiro monarquista Jean Menezes e da literata Andréa Veloso, minha gratidão pelas horas de conversa sobre as minhas pesquisas.

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VI

Este trabalho dissertativo incide sobre o patrimônio cultural construído pela Casa de Bragança no Brasil, e os caminhos que determinaram por fim neste patrimônio por meio de um Leilão no Paço Imperial, em finais do século XIX. É um estudo reconduzido por trilhas e confronto da trajetória das práticas culturais de legitimação pela sociedade e políticas públicas. Permeia as tradições forjadas pelo Rei e Imperadores por expressões da representação do poder para além da hereditariedade, somados ao vínculo familiar que influenciaram a expansão dos bens, revelando, no contexto político, as vicissitudes no processo de construção da nação brasileira, bem como na deposição do regime monárquico, culminando no desmembramento dos bens públicos e privados do último Imperador e de sua família. No âmbito específico da reflexão cultural, o processo investigativo engendrou a discussão nos novos aportes dos “lugares de memória” e do patrimônio formado pelo Imperador D. Pedro II, no segundo e último reinado da Monarquia no Brasil.

Palavras-chave: Casa de Bragança; Dom João VI; D. Pedro I; D. Pedro II; Leilão do

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VII

This dissertation work focuses on cultural heritage built by the House of Bragança in Brazil, and the paths that led to end this heritage through an auction at the Imperial Palace in the late nineteenth century. The study is extended for trails and confrontation of the trajectory of the cultural practices of legitimation by society and public policy. It permeates the traditions forged by King and Emperors by expressions of the representation of power in addition to heredity, added to the family ties which influenced the property expansion, revealing in the political context, the vicissitudes in the construction process of the Brazilian nation, as well as the deposition the monarchy regime, culminating in the splitting up public and private goods of the last Emperor and his family. In the specific context of cultural reflection, the investigative process engendered discussion on new contributions of “places of memory” and patrimony made by Emperor D. Pedro II, in the second and final Reigned of the monarchy in Brazil.

Keywords: House of Bragança, Dom João VI, D. Pedro I; D. Pedro II; Auction in the

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VIII

INTRODUÇÃO ... 12

CAPÍTULO I - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA... 16

CAPÍTULO II- OS CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO ... 23

CAPÍTULO III - MAIS QUE UM REI: A CASA DE BRAGANÇA E O OLHAR AOS TRÓPICOS ... 26

III.1. A Dinastia Portuguesa e o Império Brasileiro: Símbolos e Ritos ... 27

III.1.1. O Estrato Social e os Símbolos Pátrios ... 36

III.2. A Influência Eurocêntrica e as Relações Externas do Brasil ... 43

CAPÍTULO IV - O CENÁRIO CULTURAL DO SÉC. XIX ... 50

IV.1. O Patrimônio Público e Privado ... 55

IV.2. O Colecionismo e Musealização ... 58

CAPÍTULO V - A REPÚBLICA E A MEMÓRIA SILENCIADA ... 62

VI. 1 - Antecedentes do leilão ... 71

VI. 2 - As residências ... 72

VI. 3 - Formação e acumulação do patrimônio: ... 73

VI. 4 - O grande leilão em processo e ingerências: ... 75

VI. 5 - Configurações do patrimônio imperial leiloado: ... 77

CAPÍTULO VII - O PROCESSO DE CIVILIDADE ... 82

VII.1. Brasil de D. Pedro II: O Sonho de Ser 'A França da América do Sul' ... 88

DISCURSO CONCLUSIVO ... 95

Considerações Gerais ... 95

Conclusão ... 96

Referências bibliográficas... 98

ANEXOS ... 108

Anexo 1- A Monarquia no Brasil: D. João VI, D. Pedro I e D. Pedro II………..109

Anexo 2- Sereníssima Casa de Bragança ... 110

Anexo 3- Os governantes dos séculos XVIII e XIX ... 111

Anexo 4-Antigas ordens portuguesas ... 112

Anexo 5-Ordens régias e imperiais ... 113

Anexo 6 – Arrolamento dos leilões ... 114

Anexo 7- Casa de Bragança de Portugal e Brasil ... 117

Anexo 8- A linhagem do D. Pedro II ... 118

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IX

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X

INDICE DE FIGURAS

Figura 1 - Cidades e Vilas Brasileiras ... 30

Figura 2 – Brasão da Casa de Bragança ... 41

Figura 3 - O Dragão na Casa de Bragança ... 42

Figura 4 - Mesa em Estilo Boulle ... 45

Figura 5 - Fragmento da Declaração de Bens de D. Pedro I ... 47

Figura 6 - Fragmento da carta de D. Pedro de Alcântara depois da abdicação com recolha e doação de bens ... 61

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XI

QUADROS E TABELA

Quadro 1 - O Governo Provisório ... 64/65 Quadro 2 - Patrimônio material no Leilão do Paço ... 78

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INTRODUÇÃO

Assim, do mesmo modo que uma pessoa pode ter a sua identidade definida pela posse de determinados bens, uma "nação" define-se a partir da posse de seus "bens culturais".

(Gonçalves 2007: 122)

Este trabalho dissertativo intitulado A Casa de Bragança e os caminhos do Leilão do Paço Imperial decorre da exigência de conclusão do curso de Mestrado em Ciências da Cultura. Para além dos estudos pertinentes direcionados a este trabalho, cabe mencionar que há excertos das especializações em História do Brasil e Docência Superior concluídos por esta mestranda, nos quais compreende a continuidade do processo investigativo no universo da comunicação abrangendo cultura, identidade, memória e patrimônio, entendendo assim que a perspectiva atual no domínio da História respalda a participação de outros documentos como arcabouço de novas configurações e possibilidades interpretativas.

Dentro deste contexto elegeu-se o período fulcral de 1889 a 1890, correspondente à ótica do poder político e da família Imperial, como fio condutor da pesquisa sobre o patrimônio cultural, público e privado, produzido e acumulado pela dinastia da Casa de Bragança no decorrer do século XIX. É um período histórico marcado por diversificadas turbulências nos fatores precípuos de mudanças, presente até hoje por memórias e vestígios, aquele que enseja esta saga performática dissertativa envolvendo os três principais atores sociais: D. João VI, como Príncipe Regente e Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves; D. Pedro I, Imperador do Brasil e IV como Rei em Portugal, Regente e Duque de Bragança; e D. Pedro II como Imperador do Brasil.

No Brasil, o advento da República em 1889 produziu, naquele momento, capciosa estratégia para derrubar o regime monárquico e implantar suas verdades ideológicas sobre realizações mais ousadas, democráticas e progressistas, ideais trabalhados até hoje, e, entretanto, interpretados distintamente a cada governante quanto à relevância do passado, presente e futuro.

Com acuidade observa-se, na preservação cultural deste patrimônio, que ocorre a incoerência nas informações conhecidas, oriundas da República no processo de sua

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consolidação, sobretudo na deposição da Monarquia pelo que, para além da família, o ultimato republicano envolveu a retirada dos bens e respectivos leilão, resultando na dispersão desses mesmos bens por transferência a outros possuidores.

Assim, as veredas são diversas na realização do estudo correspondente a este tema. São muitos os meandros para a realização do projeto, e neste, foi preciso refazer as perguntas no viés várias vezes para se poder prosseguir. Era de se esperar, já que era sabido que o enredo supunha um desafio enorme para o limitado prazo disponível. Os redutos da investigação e os próprios documentos só poderiam ser encontrados para além de o próprio olhar, no olhar do outro ao longo do tempo: o enigmático interesse pela conservação do bem público. Então, só a perseverança e obstinação permitiram adentrar nos territórios e "asilos de memórias".

Temas como este, envolvendo o Patrimônio Cultural, permitem abordagens com diversas reconstruções e interpretações ao longo do tempo, como a que enseja esta linha de pesquisa sobre a dilapidação dos bens da Família Imperial Brasileira.

As interpretações advindas das visões que até então foram produzidas ofereceram o discurso historiográfico oficial, que não mais autorizam completa credibilidade à memória coletiva, e são questões estudadas como valores e simbolismos forjados no alvorecer da República em processo de consolidação.

No campo hipotético, a partir da literatura e dos dados recolhidos apreende-se que os bens confiscados pelo governo, patrimônio hereditário e acumulado pelo Imperador tornou-se à mercê da coletividade. A saída do monarca e a realização do leilão finalizaram a trajetória de ritos e costumes socioculturais implantados ao gosto da Monarquia, principalmente, na Província do Rio de Janeiro onde estava sediada a Corte. Em perspectiva maior deste campo historiográfico, é pelos registros literários que se pressupõe o poder republicano sem interesse a qualquer coisa que se referisse ou lembrasse o poder monárquico. O ato de banimento da família imperial e os meios utilizados para esquecimento deste fato levam a crer que o afogadilho de silenciar a memória obscureceu e equivocou referenciais da história até nossos dias.

Seguindo esta linha de raciocínio formulam-se as seguintes questões: Qual o sentido de Cultura no decorrer da consolidação do regime republicano? Em quê contribuiu o desfecho dado pela República aos bens da Monarquia? No aspecto de patrimônio privado e público, o que representou o Leilão do Paço Imperial? Qual o destino dos objetos arrematados?

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Os problemas formulados têm como objetivo principal desta dissertação a formação de novos instrumentos ao processo dialógico historiográfico do Patrimônio Cultural relativos à Casa Imperial Brasileira, de modo que possa oferecer como objetivo específico uma abordagem que vise aprofundar, esclarecer elementos conhecidos desta temática, ou trazer à baila elementos novos que possam influir numa reflexão passível de contribuir na preservação deste patrimônio, correspondente à consolidação do Brasil enquanto Estado-Nação.

Ao trazer como eixo central da dissertação o desmantelamento do patrimônio cultural do regime monárquico estabelecido em capítulos, insinua-se em cada um deles a dinâmica possível da produção cultural proveniente das relações do homem com o seu mundo. Assim, o trabalho de pesquisa discorre sobre os fenômenos apresentados em sete capítulos, a saber:

No primeiro capítulo, o tema Fundamentação Teórica traz as premissas conceituais do entendimento, implícitas nas diversas formas de expressões e produção material; o segundo capítulo Os Caminhos da Investigação explica a formação e realização das estratégias da investigação e da narrativa, para além de apontar as variáveis suscitadas; o terceiro capítulo, Mais que um rei: A Casa de Bragança e o Olhar aos Trópicos caracteriza a formação dinástica, com o anterior interesse da monarquia portuguesa pela colônia brasileira, a elevação do Brasil a Reino Unido, a construção da ritualística do poder culminando com a dominação dinástica bragantina, e seu vínculo com a Europa; o quarto capítulo, O Cenário Cultural do Séc. XIX dá uma sumária panorâmica das transformações socioculturais em nível internacional e nacional, bem como se insere à produção material do patrimônio público e privado, como desenvolvimento do cientificismo e acervos institucionalizados; o quinto capítulo A República e a Memória Silenciada, trata do golpe político republicano, seus enredos deformação e desconstrução da imagem monárquica, com análise endógena e exógena do patrimônio monárquico provocado pela realização do Leilão dos bens Imperiais; e o sexto capítulo, trata, então, do leilão propriamente dito; entendendo que o acúmulo de objetos leiloados foi constituído pela herança, pela funcionalidade no cotidiano, pela contemplação e também pelo progresso científico; o sétimo capítulo, O Processo de Civilidade, desenvolve a temática sobre a implantação das regras de convívio, sociabilidade, higiene e educação confrontando as atitudes do governo republicano para com a Família Imperial. Ao final, o Discurso Conclusivo traz além das respostas aos

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problemas formulados, a narrativa permitida sobre os dias atuais pelas políticas públicas em direção às novas expressões e atitudes identitárias.

Enriquece o trabalho a apresentação, na íntegra, da única listagem que se conhece, por enquanto, do que foi leiloado no decorrer de 1890, publicado no Jornal do Commércio da época como pregões e, depois, em 1940, nos Anais do Museu Imperial. Para além da relevância dos pontos elencados, pensar o que teria sido a preservação deste patrimônio para a comunidade justifica-se por ser importante ao conhecimento de um período significativo do século XIX, enquanto promotor da identidade e construtor da nação, atenuando as distorções, equívocos na formação educacional e na expansão dos valores a preservar no decorrer do tempo. O viés subjacente desta história trouxe ao povo brasileiro, no presente, apenas o imaginário monárquico na época de festividades e eventos populares.

Admite-se, hoje, que as políticas culturais e preservacionistas em práticas no Brasil, de modo geral, vislumbram o cidadão excluído do seu patrimônio cultural também como sujeito histórico e elemento importante na democratização do Patrimônio Cultural Brasileiro, de maneira que o governo visa promover a sua inclusão por meio de ações multi e interculturais, imbricadas ao universo lusófono da nossa conjuntura historiográfica, de projeção local, regional, nacional e internacional.

Convém ressaltar ainda, que a constituição desta dissertação postula a forma implícita dos fenômenos sociais do direito patrimonial para chegar à resposta precípua da investigação sobre o desmembramento dos bens do regime político decaído. Os fatos foram apontados e obtiveram ênfase conforme o contexto, com foco na fragilidade humana, no homem comum e ontologicamente detentor dos seus direitos, interesses e conquistas.

Assim, não se espera aqui construir uma narrativa de "ponto final", mas de continuidade da investigação e das novas interpretações no devir.

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CAPÍTULO I - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Buscar responder ao problema é revisitar a história passada e debruçar-se nas entrelinhas dos atores sociais e sujeitos históricos. Segundo Le Goff o documento é testemunho no tempo como “resultado de montagem consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido, a ser manipulado, ainda que pelo silêncio" (Le Goff 1984: 104). Mesmo engavetado o documento fazia parte de um propósito, talvez fosse esquecido pelo tempo e assim desaparecer.

Neste contexto, como ancoragem biográfica foram consultadas principalmente as obras dos seguintes autores: Schwartz (1998); Carvalho (2007); Gomes (2010); Wilcken (2005); Guimarães (2011); Barra (2008); Chartier (2009); Farina (1979); Costa (1995); Vianna (1974); Barman (2010); Rangel (1969); Sousa (1972); e Góes (2008).

Somam-se, ao contexto, os estudos relevantes da visão de mundo do tempo passado que se apresentam regulado pelos instrumentos do presente, pelos estudos de antropólogos, sociólogos, historiadores, filósofos e pensadores da nova história cultural. Sobretudo no domínio das discussões científicas, aproximam-se por estudos semelhantes ao trabalho como “memória” autores como Bourdieu (1999) em reprodução do capital simbólico, Halbwachs (1990) em memória individual e coletiva, Pollack (1989) em memória, esquecimento, silêncio e identidade, Hobsbawm (1996) em tradições e transformações sociais, Nora (2009) em identidade e memória cunhando a expressão “lugares de memória”' e Le Goff (1985) com reflexões sobre a memória.

A observância das informações contidas nos documentos investigados teve como aporte o pensamento de Munslow (2009), quanto à "desconstrução", termo cunhado por Jacques Derrida (1930-2004) e diferente do que literalmente possa sugerir a destruição; o termo refere-se à compreensão do texto por meio de uma leitura subjacente à sua originalidade, alvo de discussões filosóficas quanto à inexistência da verdade absoluta, e da existência de conhecimentos ressignificados.

Assim, observa-se que as literaturas de estudos interdisciplinares formam um campo comum pelos estudiosos de patrimônio, que aqui se apresentam em recortes precípuos para compor os suportes teóricos norteadores da discussão.

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É pensando em avaliar o passado da história brasileira que se reforça o termo reflexão, da palavra latina reflectere, cujo sentido é voltar atrás, o que seria semelhante a repensar analisando este passado associando a outros atores sociais com seus relatos, “opiniões aos conhecimentos científicos e técnicos, interrogando-os sobre o seu significado”, conforme Simões (2000: 13).

Compreende-se ainda no mesmo autor, que ideologia

É um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (idéias e valores) e de normas e regras (de conduta) (...), cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes (Simões 2000: 23).

Em Acquaviva (1993) recolhem-se os conceitos gerais sobre monarquia e república para perceber a narrativa da temática dentro do contexto como fenômenos resultantes de forma de governo, cujo sentido da monarquia é o caráter vitalício e hereditário, diferentemente da república, que é temporária e depende do eleitorado. Para mais do que isto, na monarquia, o modelo paradigmático da família é fundamentado na consanguinidade e parentescos trazendo a previsibilidade da cabeça a ser coroada e a imagem do vínculo estável e leal.

Em Silva (1998) entende-se que a preservação apresenta várias conotações no emprego do termo referente à recuperação em patrimônio, cuja palavra expressa significado mais amplo e equivocadamente compreendido, como sinônimo de restauração, que para além externa uma dimensão de preceitos a serem convencionados por procedimentos distintos de atitude, na ordem da ética, filosofia e conceitos políticos.

Scheiner traz o sentido de que memória

É um processo de associações mentais que se origina de um sistema de relações entre nossa percepção e imagem, fatos, fenômenos e/ou experiências vividas. Este processo é fortemente vinculado presente (o indivíduo percebe o passado do presente); permanente e contíguo (a cada momento retemos na memória imagens e impressões que serão, um dia, utilizadas) e inconsciente, ainda que nem sempre involuntário (Scheiner 2001: 1).

O olhar desta museóloga e doutora em Comunicação inspira, nos dias atuais, os estudos sobre memória dominante e preservação patrimonial, em que assinala:

O trabalho da memória é, portanto, ao mesmo tempo um trabalho de esquecimento e de reconstrução – delicado mecanismo onde a noção de valor é o parâmetro que define a ação. Nesta dinâmica, é sob a forma de uma memória dominante – ponto de vista a partir do qual se faz a síntese simbólica das

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recordações – e de uma memória dominada, reduzida a fragmentação do passado. Um trabalho de legitimação das lembranças pela sua duração no tempo permite avaliar o que é importante para o grupo, como base das memórias dominantes. (...) Nesta trajetória, os objetos vêm desempenhando um papel fundamental, em todos os tempos e em todas as sociedades, enquanto elementos de memória – representações de uma percepção específica de mundo, cada um deles, imagem, signo ou símbolo de diferentes formas de ser no mundo (...). O objeto, 'ancestral compensatório', cuja presença camufla a ausência e impede o esquecimento, está como os ancestrais, sempre entre nós e constitui poderoso elemento de representação da memória (Scheiner 2001: 4-5).

E, também, entende-se, em Scheiner, que a preservação dos objetos em coleções, depende do olhar especial de quem contempla o objeto, numa relação entre o homem e seu objeto de estímulo, porque:

(...) se todo objeto tem uma característica de ‘domesticidade’, que o ato da coleta tende a enfatizar, ao ser incorporado como ‘objeto de coleção’ estará irremediavelmente sujeito à vontade do colecionador, passando a representar não mais a realidade daquele mundo de onde foi recolhido, mas apenas as imagens desejadas por seu possuidor (Scheiner 1998: 45).

Na autora, ainda seleciona-se, no que tange à questão do empoderamento social do que vem a ser um museu, no sentido strictu e as vicissitudes da sua interculturalidade, afirmando que:

(...) o único museu possível é aquele que se instaurou na sociedade ocidental, mas precisamente na Europa do séc. XVIII, e que tem como antecedentes o templo das musas, o gabinete de curiosidades. Expressão simbólica da cultura racionalista/iluminista; este museu usa como referente o homem europeu e se organiza. À sua imagem e semelhança, reatrializando-se no tempo e no espaço para servir, sempre, aquele homem que o criou. Transformando em modelo e implantado em outros territórios – pela via colonialista ou simplesmente por imitação (mas sempre como resultado da dominação cultural) – este museu apresenta, muito logicamente, problemas de adaptação (...). Está num meio termo entre dois mundos, ou entre diversos mundos, e mostra uma fase distorcida, onde nenhuma cultura se reconhece (Scheiner 2001: 6).

Entende-se que o termo “cultura”, conforme se assinala em Burke (2003: 16-17) tem “um sentido razoavelmente amplo de forma a incluir atitudes, mentalidades e valores e suas expressões, concretizações ou simbolizações em artefatos, práticas e representações”. Mas, é preciso perceber que os tempos e os valores são mutáveis e os sentimentos dos homens são permanentes, como assinala o sociólogo De Masi (2000: 271) para quem “a sociedade dá vida a sistemas sempre diversos, apesar de constituídos por sujeitos que se alimentam de sentimentos eternos como o amor, o ódio, a esperança e o mal estar”.

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O olhar de Meneses (1992) sobre o pensamento de Baudrillard vincula-se ao processo de entendimento sobre a representação emblemática do objeto antigo, que traz do passado o expoente cultural, social, econômico, tecnológico, dentre outros, como imaginário de representação do saber pretérito capaz de sobreviver na atualidade.

É deste presente o fio condutor da temporalidade nas reflexões sobre identidade e patrimônio, selecionado do antropólogo cultural Gonçalves, que sublinha:

Transformar objetos, estruturas arquitetônicas, estruturas urbanísticas, em patrimônio cultural significa atribuir-lhes uma função de “representação” que funda a memória e a identidade. O diálogo e as lutas separados em torno do que seja o verdadeiro patrimônio são lutas pela guarda de fronteiras, do que pode ou não pode receber o nome de “patrimônio”, uma metáfora que sugere sempre unidade no espaço e continuidade no tempo no que se refere à identidade e à memória de um indivíduo ou de um grupo (Gonçalves 2007: 155).

Prantner (1997: 23) traz ao projeto de dissertação, o perfil da Imperatriz Leopoldina, como promotora do conhecimento científico e cultural, contributos à formação do Museu de História Natural em Munique, cuja relevância do acervo sobre a flora e a fauna brasileira prevalece até hoje.

Para além, Santos alude ao colecionamento e gosto erudito do Imperador D. Pedro II, seu filho:

Ainda jovem, ele herdara de sua mãe, a imperatriz Leopoldina (1797-1826), um gabinete com coleções de minerais e um herbário – seleção de plantas variadas para estudos. Com o passar dos anos, seu interesse natural pelas ciências fez o acervo crescer. Os objetos vinham das mais diversas procedências e culturas. Muitos eram presentes oferecidos pelos representantes de países que vinham visitá-lo. Outros foram comprados pelo próprio imperador durante viagens pelo Brasil e ao exterior. Homem de grande erudição mantinha-se informado sobre os mais variados temas de sua época, trocando correspondência com artistas e pensadores, como o filósofo Friedrich Nietzsche, o escritor Victor Hugo e o pai da psicanálise, Sigmund Freud. Nos diários de viagens, não escondia sua predileção: os museus (Santos 1940: 155-160).

De acordo com Sodré, primeiro diretor do Museu Imperial, observa-se e pontua-se em pontua-seu texto, o olhar do momento historiográfico, que

(...) a partir da década de 1930, passou a criticar a história dos grandes heróis ou dos grandes feitos do passado, em prol de análises que considerassem as transformações econômicas, políticas e sociais. (...) As principais diretrizes encontradas no Museu Imperial estão relacionadas à homenagem a D. Pedro II e à Monarquia. Procura-se retratar o que foi o Império. (...) (Sodré 1950: 18)

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Destaca-se em Horta (2003), ex-diretora do Museu Imperial, uma lembrança assinalada nos Anais a respeito da relevância da coleção imperial no museu, como dimensão simbólica do patrimônio da Família Imperial colhida na terceira direção do Museu Imperial (1954-1967) por Francisco Marques dos Santos, no qual se apreende que mais do que o interesse político, social e dos profissionais do universo das artes, o objeto configura outra dimensão, no que diz respeito aos aspectos afetivos relacionados às personalidades da história passada, configurando este patrimônio nesse acervo de valor intrínseco.

Ainda em Horta, seleciona-se o marco da institucionalização do Patrimônio Nacional a partir de 1930, discurso que constituirá a concepção da cultura nacionalista daquele momento:

(...) modernistas e conservadores ocuparam cargos importantes em toda a estrutura institucional e imprimiram suas marcas na política cultural desenvolvida pelo Estado. Por outro lado, havia os defensores do movimento modernista, que tentavam reelaborar o passado de forma a construir um perfil autônomo, crítico e libertário para a nação. (...). Os conservadores defendiam o culto aos elementos emblemáticos da nacionalidade, que deveriam ser definidos por meio da emoção ou dos sentidos, pois a formação de uma cultura nacional dependia apenas do reconhecimento intuitivo da consciência que os brasileiros tinham de si próprios (Horta 2003: 114-115).

Assim, na efervescência dos discursos e certezas, as distorções ideológicas possibilitam à historiografia diversas interpretações do mundo construído, buscando outras realidades, como no entender de Foucault, “cuja história não registra a verdade do passado, mas revela a verdade do presente” (Foucaultapud Strathern 2003: 16).

A mudança do olhar historiográfico foi selecionada no historiador Barra, que alude a narrativa do cronista e jornalista republicano, Luiz Edmundo, por influência da Geração de 70 portuguesa, cujo estilo era a crônica crítica, levando-o a uma narrativa sobre D. João VI, capciosa e distanciada da contemporaneidade:

(...) a imagem pela qual ficariam conhecidas até hoje personagens da Família Real como D. Maria I (a rainha louca), D. Carlota Joaquina (a esposa adúltera) e D. Pedro (o príncipe mulherengo). Mas é principalmente a imagem de D. João, (...) que os historiadores vêm tentando, desde pelo menos a última década, desfazer com mais afinco. (...) seria antes de mais nada sujo, feio, desleixado. Os frangos inteiros metidos nos bolsos como resultado de seus hábitos glutões (...) (Barra 2008: 62-63).

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Para a escrita da história depende a visão que o autor tem no tempo presente e de sua perspectiva como ofício, de modo que a memória individualizada no ponto de vista, sujeito ao olhar de onde se está, será sempre seletiva e reinterpretativa do passado, a compor uma recordação, semelhante à memória oficial produzida, forjada como meio de construção do poder, porque:

(...) o problema de toda memória oficial é o de sua credibilidade, de sua aceitação e também de sua organização. Para que emerja nos discursos políticos um fundo comum de referências que possam constituir uma memória nacional, um intenso trabalho de organização é indispensável para superar a simples “montagem” ideológica, por definição precária e frágil. (...) Estudar as memórias coletivas fortemente constituídas, como a memória nacional, implica preliminarmente a análise de sua função. A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, se integra como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de pertencimentos e fronteiras sociais entre coletividades (...) (Pollack 1989: 9).

Bruschini, no aspecto sociológico, elege a noção de família como:

(...) a família é um grupo aparentado, responsável, principalmente, pela socialização de suas crianças e pela satisfação de necessidades básicas. Ela consiste em um aglomerado de pessoas relacionadas entre si pelo sangue, casamento, aliança ou adoção, vivendo juntas, em geral, em uma mesma casa por um período de tempo indefinido. Ela é considerada uma unidade social básica e universal por ser encontrada em todas as sociedades humanas, de uma forma ou de outra (apud Cayres 2000: [8]).

Visando complementar a reflexão sobre a investigação do tempo presente neste contexto, em Halbwachs sublinha-se que “a memória, não é sonho, é trabalho” (Halbwachs apud Bosi 1994: 55). Dela, exige o esforço de recordar e esta recordação certamente não é íntegra na forma de cada olhar. Assim, nas reflexões de Nora configura-se o entendimento sobre os lugares de memória:

Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não naturais. É por isso a defesa pelas minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados e enciumadamente guardados nada mais faz do que levar à incandescência a verdade de todos os lugares de memória. Sem vigilância comemorativa, a história depressa as varreria. São bastiões sobre os quais se escora. Mas se o que eles defendem não estivesse ameaçado, não se teria, tampouco, a necessidade de constituí-los. Se vivêssemos verdadeiramente as lembranças que elas envolvem, eles seriam inúteis. E se, em compensação, a história não se apoderasse deles para deformá-los, transformá-los, sová-los e petrificá-los eles não se tornariam lugares de memória (Nora 1993: 13).

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Juntamente com Halbwachs, se trabalha a noção dos termos pensados por similitude de outros estudiosos que levam a perceber a memória individualizada e seletiva dos grupos majoritários e minoritários enquanto no poder ou em tempos de disputas das manifestações de recordações; é assim que no tema dissertativo verifica-se a presença dos fenômenos de temporalidade, dominação silenciosa, esquecimento, construção das memórias.

Desta maneira infere-se no argumento sobre a educação e o conhecimento, do filósofo e sociólogo Pedro Demo (1995), que ambos necessitam de política e de base sistêmica mais do que qualidade de “aprendizagem e domesticação” para atingirem processos produtivos, e que a clientela necessita de “construção histórica” para “aperfeiçoamento da cidadania”. Com base nesses conceitos assim elencados desenvolveu-se a investida no campo do conhecimento em diversos seguimentos do discurso dissertativo a se discorrer nos capítulos seguintes.

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CAPÍTULO II - OS CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO

Os caminhos da dissertação foram inspirados em três teóricos franceses; a) nos antropólogos e sociólogos, Bourdieu e Passeron, já citados na Introdução, que como críticos do sistema de educação francesa escreveram a obra A Reprodução (1970) que deixaram como paradigma à reflexão, uma análise conceitual sobre o sistema de ensino francês como instrumento de hierarquização e dominação da sociedade, tornando os indivíduos efetivos legitimadores da reprodução simbólica por discursos e ideologias dominantes; b) no historiador Pierre Nora (2009) busca-se o respaldo para a construção de instrumentos analíticos, na concepção e formação de questionamentos sobre os 'lugares de memória' e identidade, em que se compreende a relevância do passado por meio de um conjunto documental do nosso caráter identitário, isto é, outorgado de forma bilateral, pelo Estado e por comprovantes de individualidade, como a certidão de nascimento, registro geral, passaporte, dentre outros.

Para além, em razão da velocidade das transformações atuais, o passado apresenta perda na perspectiva temporal e, por isso, deve ser trabalhado no presente, porque este presente é a linha tênue entre o passado e o futuro. A verdade, que a sociedade conhece do passado, deixa lacunas e apresenta soldaduras que equivoca os valores atuais e a memória coletiva, no seu imaginário e nas lembranças, porque também desconhece o tempo histórico.

Porém, se se desconhece o passado, como formar os lugares de memória? Como lembrar o que se desconhece? Como imaginar ou buscar o que não se sabe? Se não temos lembranças, então não temos o que recordar. Donde, por isso, a constituição dos quadros analíticos como arcabouço do processo investigativo.

A base dos procedimentos assentou-se em obediência de acesso aos documentos, em conformidade aos preceitos das instituições públicas que conservam este patrimônio. Cabe aqui, registrar os principais percalços circunstanciais na trajetória da investigação que se constituíram em entraves para elaboração da dissertação: acidentes naturais, procedimentos de contato prévio on-line “fora de serviço”, burocracias protocolares de acesso interdito, suspensão pública de acessibilidade a documentos por tratamentos conservativos. Embora as instituições apresentem consultas à documentação geral, os acervos específicos requerem manuseio e investigação qualificada.

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Francisco Marques dos Santos, colecionador e diretor do Museu Imperial, apresentou em 1940, nos Anais do Museu Imperial, uma detalhada descrição sobre o leilão, publicando, em anexos, os anúncios no jornal já citado. Constituiu-se na formação do instrumento básico de referência -um catálogo - que contribuiu para a investigação, sobretudo quanto aos bens de interiores das edificações e, assim, suscitar o enredo da dissertação.

Assim, os documentos de análise e desdobradores das fontes envolvidas na historiografia nacional focam instituições públicas, como arquivos, museus e bibliotecas, de modo que os acervos foram visitados e/ou consultados via on-line ou in loco, em Portugal e no Brasil, distinguindo-se as seguintes instituições, a saber: Biblioteca Nacional de Portugal, Fundação Casa de Rui Barbosa, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Arquivo Nacional no Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, referencial protocolar da Monarquia Brasileira, Biblioteca e Arquivo do Museu Imperial.

Desta maneira, a metodologia empregada no desempenho da investigação ateve-se à pesquisa exploratória com formação de quadros, tabelas e figuras, variáveis dependentes e independentes a partir do conjunto de dados encontrados nos documentos privados e públicos, que respaldaram a linearidade histórica quanto a compreensão referencial de personagens, datas, instituições públicas, crônicas, periódicos, diários, relatos em geral, bem como manuscritos, epistolares, materiais gráficos, bens integrados, literaturas gerais e especializadas.

No que tange a estudos comprovativos de fatos, estes foram imbricados à produção de conhecimentos protagonizados por contemporâneos envolvidos com o cenário da história em processo, acrescentando-se estudos específicos da atualidade, postos como artigos, dissertações ou teses, acessados por revistas, domínio público e eventos científicos disponibilizados on-line ou em outras publicações impressas.

A análise do patrimônio investigado adquiriu como arcabouço a complexidade das expressões sígnicas do patrimônio privado e público da Monarquia, deixados com a implantação da República como capital simbólico ressignificados.

Dentre a intensidade das narrativas polifônicas e dos diversos registros de acontecimentos prevaleceram aqueles que versam com notas complementares sobre os pontos de interesse à escrita deste trabalho científico. Destarte, a fonte investigativa perpassa por um rol de personagens, intermediários, leiloeiros e arrematantes deste

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patrimônio, que compareceram aos dezoito pregões por interesses diversos, impulsionando-os a possuírem alguns desses bens.

A partir dos dados coletados em material digitalizado e manuscritos, constituiu-se a pesquisa exploratória descritiva, por confronto, atendendo às constituiu-seguintes etapas:

− Seleção, leitura, recolha de dados por documentos e obras de referenciais biográficos, bibliográficos, atinentes ao contexto;

− Constituição dos quadros analíticos e indicativos documentais; − Definição dos conceitos e elucidação das evidências;

− Identificação dos possíveis conflitos de conteúdo e redundâncias de informações;

− Exame e reflexão das conjecturas em que se encontravam apoiados os elementos que ensejaram o projeto;

− Fichamento-resumo das ideias que responderam às questões formuladas do acervo;

− Registro em forma de textos e imagens ilustrativas do contexto;

− Trabalho de redação com citações, paráfrases, comentários e indicações que conduziram ao conhecimento da narrativa, respondendo aos problemas propostos e finalizados dentro dos preceitos dirimidos.

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CAPÍTULO III - MAIS QUE UM REI: A CASA DE BRAGANÇA E

O OLHAR AOS TRÓPICOS

"Moro/ Num país tropical /Abençoado

por Deus /E bonito por natureza (...)." Intérprete: Wilson Simonal (1969)

Distanciando-se das implicações da música no transposto fragmento acima, o

ufanismo da letra traduz a benfazeja panorâmica do Rio de Janeiro nos aspectos natural e cultural, moldada ao longo do tempo, sobretudo a partir de 1763 com a transferência da capital administrativa do Brasil, de Salvador para o Rio de Janeiro, assumindo relevância como capital do vice-reino do Brasil de 1763 a 1808; depois, como capital do Império Português de 1808 a 1815 e segunda capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves de 1815 a 1821.

A cidade retratada por contemporâneos e pesquisadores registra um desenho geográfico aprazível, apesar de não muito acolhedora por conter mangues, pântanos, quatro morros (Castelo, Conceição, São Bento e Santo António) na região central da cidade, para além de uma atmosfera de elevada temperatura e molestantes insetos. No século XVIII, os habitantes da colônia brasileira tinham os ânimos refreados pelas denominadas “Pragmáticas” ou “Lei do Luxo”, leis portuguesas, promulgadas por D. JoãoV, que detiveram as vontades, coibiram a exibição de joias, roupas, móveis, casas suntuosas e qualquer ostentação, que naquele momento era estimulada pela produção aurífera; excluída das sanções, estava a pequena elite, os que detinham cargos de relevância e os que estavam de passagem.

Ademais, entre as proibições emanadas da metrópole, o destaque ia para uma lei do reinado de D. Maria I de 5 de janeiro de 1785, que proibia empreendimentos industriais, justificada com o desvio da mão de obra necessária ao pacto com os senhores da monocultura. E decerto, a transferência da Monarquia Portuguesa para o vice-reino com todo o seu aparato administrativo tornava a Colônia, como diz a música, “país tropical abençoado por Deus”, pois a perspectiva do cenário mudou.

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A tríade bragantina processou, então, no Brasil, o domínio territorial almejando a formação de um Império cuja trajetória ficou registrada na cultura nacional e constituição da nação, como uma ousadia para mais que um rei, um Imperador (Ver Fig 1 e Anexo 7).

No plano político, com a Independência do Brasil, o Rio de Janeiro tornou-se a capital do Império de 1822 a 1889 com dois reinados e entremeio regencial. Abrigou também a representatividade da Monarquia Constitucional Portuguesa com a permanência da rainha D. Maria II de 16 de outubro de 1829 a 7 de abril de 1831, no palacete que foi da Marquesa de Santos e referenciado então como “Palácio da Rainha”1 tendo seu pai D. Pedro I como regente, já que ainda não obtivera maioridade.

Assim, D. João chegando como Príncipe Regente em 1808 trouxe também o peso e o respeito construído pelos seus ascendentes bragantinos, vindo com ele sua família e o aparelho administrativo da Metrópole Real, cuja trajetória no Brasil foi impulsionadora da construção e do desfazimento da Monarquia Brasileira no mesmo século.

O tempo e o cotidiano tornam difícil imaginar nos dias de hoje, que já houve um Brasil governado por um rei e que ocorreu uma época com cenários paramentados com capas, espadas, cheios de condecorações na casaca e transitando em carruagem toda ornamentada, puxada por imponentes quatro ou seis cavalos pelo Rio de Janeiro, ou ainda, portando uma coroa e debaixo de um pálio2. Certamente, só se fosse um imaginário de manifestação popular como carnaval, folia de reis, cavalhada ou congado, que têm como personagens emblemáticas, o rei e a rainha.

Em termos de argumento ao contexto dissertativo torna-se necessário para entender sumariamente o poder da Casa de Bragança em Portugal e o que oportunizou como produção cultural esta Casa ao Brasil com a política implantada, tendo como viés a visão eurocêntrica.

III.1. A Dinastia Portuguesa e o Império Brasileiro: Símbolos e Ritos

¹Este palacete denominado “Palacete do Caminho Novo“ foi comprado da Marquesa de Santos por D. Pedro I que anteriormente a presenteara; na época da ex-proprietária era conhecida também como a “Casa Amarela”.

² Palio: Dossel ou sobrecéu portátil, refere-se a véu suspenso por meio de varas, nos preceitos religiosos e monárquicos.

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No primeiro decênio do século XXI, por ocasião das sucessivas celebrações do período de D. João VI e do seu filho, D. Pedro I, IV em Portugal, e Duque de Bragança, retomaram-se as discussões historiográficas compondo as personagens com um perfil menos piegas e com ênfase à construção da Nação.

Por outro lado, sintetiza-se em Cunha (1990) e Pestana (1988) que a Casa de Bragança tinha florescido pela perspicácia e tenacidade de seus princípios oriundos pelo domínio e pelo poder, cuja origem remonta a 1401, data do casamento de D. Afonso, filho ilegítimo de D. João I, com D. Beatriz, filha única do condestável do reino, Nuno Álvares Pereira, que dado ao fato foram presenteados com muitas terras.

A partir de 1442, por acumulação e formação de extenso território3 tornou-se uma poderosa Casa Ducal com enriquecido patrimônio e força equivalente ao governo luso, fruto de privilégios e negociações estatais, devido a crises internas em que ambos foram parceiros no enfretamento destas.

Foi a linhagem mais poderosa em Portugal, segundo o historiador e bibliotecário do Palácio Ducal de Vila Viçosa, Pestana, considerada “Estado dentro do Estado” tal era seu poder. Assim, em suas adversidades de coexistência entre rei e duque, renasceu esta Casa Senhorial, depois de confiscados os bens por ordem do rei D. João II e execução do Duque D. Fernando II, e reconduzida em seus direitos pelo rei D. Manuel I, ao estatuto de honra como Sereníssima, título de nobreza utilizado por reis e infantes. (Ver Anexo 2)

O fortalecimento do patrimônio ducal está associado aos interesses políticos, às relações de união por casamentos (com fidalgos e realeza), aos acordos, reconhecimentos e cumplicidades familiares, acrescidos dos bens patrimoniais oriundos de heranças, doações e morgados4, e ainda, no aspecto econômico, aos empreendimentos industriais e exploração de minerais; para além, a Casa conquistou autonomia patrimonial legitimada dentro dos princípios régios, assegurados ao assumir a Coroa pela herança dos bens indivisíveis.

A autoridade do monarca com seus ministros dependia da estrutura da organização do reino, bem como a formação da estrutura do poder para execução das

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A acumulação territorial compunha-se em 1442, de extensos territórios denominados 'condados', de Barcelos, Neiva, Ourém e Arraiolos, conforme Pestana (1988: 2).

4 Morgado: Bem inalienável vinculado à posse de um título de nobreza e que era transmitido, com este, ao

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práticas religiosas, da administração pública ou execução da justiça. Por meio dos seus poderes, o rei determinava pessoas ou instituições, na promoção, sustentação e propaganda da ordem emanada por ele, cuja construção cultural se fazia entorno da configuração do reino, da sua atuação e sustentação junto às redes de sociabilidade, conforme interesses e expansão do domínio territorial.

Não se pode esquecer que Portugal, no século XVIII, foi um reino ibérico de poderio socioeconômico, com objetivos em outros continentes de caráter exploratório, comercial, defensivo, com implicações de diversas políticas inclusive econômicas, razões pelas quais enfraqueceu o seu poderio. E, sobretudo, foi refém dos interesses econômicos da Inglaterra, uma das nações dominantes do período, tornando-se seu Estado-cliente. No aspecto político, Portugal estava fragilizado e mantinha-se como nação, segundo Fernandes (1976: 28), de “rígida estratificação interna, elites dominadas por mitos de grandezas antigas, sem capacidade de adaptação; um conservadorismo obscurantista anedótico, progressiva deterioração da capacidade tecnológica e do espírito de inovação”. (Ver Anexo 3).

A transferência da corte portuguesa para o Brasil não foi uma ideia inusitada, pois em tempos de crise, como na Restauração de Portugal no séc. XVII e do terremoto de 1755, já havia sido pensada; conforme sublinha Góes (2008: 19), em outro momento, o de “1762, quando a capital se vê ameaçada de invasão espanhola, dá à luz e chega aos preparativos do plano de fazer vir para o Brasil o Rei D. José I e toda a Família Real para o Brasil”. Por razões semelhantes, a política napoleônica instaurada de fato conduziria rei e duque no modo de olhar além mar à sua tórrida Colônia no Novo Mundo; o Príncipe Regente D. João sairia em debandada de Portugal afora pelo rio Tejo, segundo Viana (2008), em 23 navios de guerra, fragatas, brigues, escunas e 31 embarcações mercantes, transferindo-se da metrópole à América Portuguesa, possivelmente pleno de expectativas quanto às futuras medidas a tomar e do seu êxito em várias vertentes. Ao Brasil, o fato trouxe benefícios e uma virada feliz no destino enquanto Colônia de Portugal.

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Figura 1 - Cidades e Vilas Brasileiras

Fonte: Aguiar, Pinto de (1960): A abertura dos portos no Brasil: Cairu e os ingleses.

Com a instalação da Corte Portuguesa, o povoamento cresceu interiorizando-se e criando novos comportamentos estruturais na sociedade. Em 1808, a abertura dos portos e a entrada de estrangeiros, até então proibida na colônia, promoveram o desenvolvimento do comércio, além das fronteiras costeiras e as práticas comerciais no território. No entanto, cabia ao rei saber controlar os rumos da construção do seu poder, por meio da política e distribuição de privilégios, conforme seus interesses e regime protocolar adotado, uma maneira do mesmo rei e posteriormente dos imperadores garantirem sua base de fidelidade política.

Portanto, no século XIX, os impactos trazidos pela transferência da Corte portuguesa para a América resultaram no processo de perspectivas e politização das identidades, por transformações que se passaram no mundo português na Europa, resultando na permanência de D. João por 13 anos no Brasil, em que se promoveram condições concretas, simbólicas e irreversíveis em direção à Independência, marco privilegiado em relação à construção do espírito nacional, materializado nos projetos, expressões, comportamentos e identidades coletivas que foram se formando.

Em Lacombe (1940), Malerba (2000) e Genovez (2002) apreende-se o aspecto administrativo público e privado reinol, aquando o príncipe-regente D. João veio para o Rio de Janeiro, estruturando de imediato a rede de gestão lusa dando importância para a organização, funcionamento, fortalecimento político da monarquia, com ênfase nas finanças e saneamento; também uma vida com menos aparato de serviçais em sua Corte, adequada pelos dogmas monárquicos da hierarquia e titulação, regulando a constituição do quadro de funções, de acordo com a necessidade e servindo de paradigma depois na formação do corpo de serviçais do Império Brasileiro.

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A administração financeira do cotidiano monárquico ficava na responsabilidade do mordomo5 para sustentação da vida domiciliar e encargos do rei e de sua família, conforme os quesitos que foram adaptados pela monarquia no Brasil. A historiografia econômica aponta a política desempenhada por D. João VI, monarca absolutista, como introdutor de alguns fatores de cunho liberal da corrente iluminista, tais como o mecanismo de livre comércio, promovendo, assim, a sua expansão.

Posteriormente, seu filho D. Pedro I, IV em Portugal, de modo inverso, utilizou uma política liberal, de visão constitucional, porém, com atitudes conflitantes no seio político e, sobretudo, marcada por suas tendências absolutistas na construção da memória oficial da nação que ora surgia, tendo como paradigma alguns ritos de tradição do poder português, e reações opositoras à livre imprensa promulgada na Constituição do Império, para além de uso do poder moderador, instituído em sua pessoa, para coibir situações de contragosto. Corroborou, então, atitudes tais como o beija-mão, a presença no teatro como imagem de confirmação do sagrado diante da opinião pública, as vestes representativas, os cenários das celebrações, a representação pictórica, condecorativas e escultóricas, e ainda a construção do perfil espelhado em Napoleão I; assim se tornou sua marca registrada o uso da bota militar, reforçando D. Pedro IV a alcunha de “O Rei Soldado”.

Desta forma, D. João VI construiu a memória simbólica do poder seguida do seu filho aquando imperador. Em 1818, depois da morte de sua mãe, D. Maria I, foi D. João aclamado rei no Rio de Janeiro, como soberano do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815-1822), e depois, com título de jure, a dizer, de direito, como Imperador do Brasil (1825-1826).

Ainda em 1808, o Regente do Reino Unido determinou a invasão, ao norte do Brasil, da Guiana - sede administrativa colonial francesa - Caiena - em direção à conquista de Caiena, com apoio dos ingleses e breve posse dos portugueses, aproveitando-se para introduzir o território conquistado nas negociações de paz entre os dois países.

5 Mordomo: função trazida de Portugal com D. João, e pelo Império mantida e ampliada pela

Constituição em seus poderes, para oficiar a administração suprema dos oficiais proporcionada por magistrado que com antecedida consulta ao Soberano regulava as nomeações de cargos nas residências, bem como o registro em livro de filhamento e a concessão do título de fidalgo obrigando-o a adquirir um brasão d'armas. A importância de seu cargo como Mordomo o posicionava nos rituais ao lado do Soberano. (Lacombe 1940: 62-68).

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D. João iniciou, assim, a construção silenciada da soberania nos trópicos com dubiedade mediante aos conflitos políticos desenrolados em Portugal e na Europa, com atitudes ora perfilando-o como um rei, ora como o supremo da Casa de Bragança, na construção da imagem política do poder, como assinala Barra:

O pintor de história Jean-Baptiste Debret (1768-1848) além de participar na ornamentação das ruas por onde passariam os cortejos, juntamente com o arquiteto Grandjean de Montigny (1776-1850), com a construção de elementos de arquitetura efêmera (templos, obeliscos e arcos do triunfo feitos de materiais como papelão e madeira), reproduzirá em pinturas os cerimoniais da corte presenciadas durante o tempo em que permaneceu no Brasil. Assim tornando-se o grande responsável pela construção da memória pictórica do reinado de D. João VI no Rio de Janeiro [...] execução de retratos dos membros da família real portuguesa [...] e pela atuação como cenarista do Real Teatro São João(Barra 2008: 54).

Os feitos de D. João VI no Brasil são vistos com desconfiança por estudiosos do tema devido às benfeitorias além do necessário à sua efêmera estada. Entre as atitudes estava o decreto de 25 de novembro de 1808, que concedia sesmarias a estrangeiros residentes no Brasil estimulando a imigração, inicialmente vindo alemães, os chineses para plantação do chá no Rio de Janeiro, e a instalação de suíços no interior da província do Rio de Janeiro, em Nova Friburgo, por pedido do governo suíço, em decorrência do assolamento da Europa pelas guerras napoleônicas que resultaram na fome e na pobreza da população, chegando ao ponto crítico com o impacto ambiental provocado pelo vulcão Pinatubo na Indonésia, que além da mortandade causada pela carbonização e asfixia segundo Nunes (2008), refletiu na atmosfera da Europa baixando três graus de temperatura prejudicando ainda mais a agricultura.

No entanto, o ultimato de Portugal ao retorno do rei e a pressão do povo brasileiro em 26 de fevereiro de 1821, exigindo juramento prévio à Constituição, fez com que D. João VI decidisse seguir para Portugal em oposição aos planos de enviar D. Pedro como regente. D. João pensava em dominação como todo rei com pensamento semelhante; ao deixar o Brasil despediu-se de seu filho, conforme recordou mais tarde D. Pedro em epístola ao pai: “Pedro, se o Brasil vier a separar-se de Portugal, põe a Coroa sobre tua cabeça, que hás de me respeitar, antes que algum aventureiro lance mão dela”, segundo Fiorin (2009: 116).

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Esta decisão marcou o processo de Independência do Brasil, bem como demonstrou os sucessivos documentos que sinalizam a cumplicidade de pai e filho, somados à efervescência da disputa política no Brasil até à sua separação de Portugal.

Como assinala Costa (1996), nas sucessivas epístolas sobre o agravamento da situação, e particularmente na carta de 21 de maio de 1821, como regente, D. Pedro prenunciou:

(...) Já declarei a V. M. que trato dos brasileiros não somente como filhos, como V. M. me recomendou, mas também como amigos, por que tratando-os como filhos, eu não sou seu pai, e, tratando-os como amigos, eu sou o melhor dos seus amigos. Direi mais agora V. M.: trato-os como filhos queridos, trato-os como amigos íntimos, por que eles são perfeitamente dignos disso. [...] O Brasil deve ter cortes; já o disse a V. M.: Não posso recusar este pedido do Brasil por que é justo, funda-se no direito das gentes, é conforme aos sentimentos constitucionais, oferece, enfim, mais um meio para manter a união, que de outro modo breve cessará inteiramente (...) (Costa 1996: 19-37).

A memória que revela o que se quer recordar é admitida nas atitudes de D. Pedro I que nunca esqueceu as recomendações do pai, cujas como atestam as correspondências intensas trocadas entre ambos durante as tensões políticas com Portugal. A influência destas tensões culminou na decisão do regente D. Pedro quanto a ficar no Brasil e promover a Independência em 1822; depois de três anos de negociações, foi legitimado em 1825 o reconhecimento pelo reino português tramitado pela Inglaterra, um período de tempo durante o qual as correspondências de D. Pedro com o pai prosseguiram pondo-o a par das decisões no Brasil.

Segundo Costa (1996: 24), nas cartas em 4 de outubro de 1821, D. Pedro advertiu ao pai de que “(...) a Independência tem-se querido cobrir comigo e com a tropa (...)”; em 14 dezembro de 1821, informava-o dos boatos sobre sua ida para Portugal: “(...) Havendo de fazer um termo para o príncipe não sair, sob pena de ficar responsável pela perda do Brasil para Portugal (...)” e, mais adiante, assevera sobre os novos decretos: “Vou ver se posso, como devo, cumprir tão sagrada ordem (...)”; e a 15 de dezembro de 1821, segundo Costa, alerta-o sobre a opinião corrente, sobre a sua ida; em 9 de janeiro, descreve a solenidade do Fico, chegando a remeter o ato feito pela Câmara com todos os pormenores da cerimônia (Costa 1996: 24).

No ano da Independência, em 23 de Janeiro de 1822, o futuro imperador levou a conhecimento do rei D. João VI a escolha de José Bonifácio para o Ministério e assinalava conforme apresenta Costa (1996: 24) “com todas as forças a declaração da

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Independência já por alguns bem desejados e que será a seu ver (...) inevitável, a não serem bem tomadas em consideração às representações das províncias”.

Ainda em Costa (1996: 24), em 15 de fevereiro de 1822, remete-se à fala da deputação das Minas Gerais exigindo a mesma fórmula de governo de São Paulo e participa que “Minas sempre se oporá a que eu regresse a Portugal, custe-lhe o que custar”; na epístola a seguir (1996: 24), a 16 de fevereiro de 1822, D. Pedro diz que, ouvindo as representações do Brasil, resolveu criar um Conselho de Estado; a 14 de março de 1822, anuncia possibilidade da separação no dia 9, com a esquadra portuguesa no Rio de Janeiro:

Se desembarcasse a tropa, imediatamente o Brasil se desunia de Portugal, e a Independência me faria aparecer bem contra a minha vontade por ver a separação. [...] a obediência dos comandantes fez com que os laços que uniam o Brasil e Portugal, que eram de fios de retrós podre, se reforçassem com o amor cordial à mãe pátria, que tão ingrata tem sido a um filho de quem ela tem tirado as riquezas que possui. (Costa 1996: 24).

D. Pedro, em carta de 11 junho de 1822, lembrava a El-Rei as suas recomendações e acrescentava: “(...) Foi chegado o momento da quase separação e, estribado eu nas eloqüentes e singelas palavras expressas por Vossa Majestade, tenho marchado adiante do Brasil6, que tanto me tem honrado” (Costa 1996: 24).

A carta de 19 de junho de 1822 acusa a franqueza e lealdade:

Portugal é, hoje em dia, um Estado de quarta ordem e necessitado, por conseqüência, dependente; o Brasil é de primeira, e independente atqui que a união sempre é procurada pelos necessitados e dependentes, ergo a união dos dois hemisférios deve ser (para poder durar) de Portugal com o Brasil, e não deste com aquele, que é necessidade e dependente. Uma vez que o Brasil todo está persuadido desta verdade eterna, a separação do Brasil é inevitável, se Portugal não buscar por todos os meios de se conciliar com ele por todas as formas (Costa 1996: 24).

Para além dos conflitos gerados pela Corte Portuguesa impugnando os atos do

regente D. Pedro, a influência maçônica e a recém elite política em formação no Brasil promoveram, mediante a situação instalada, a atitude decisória de rompimento como Reino Unido, em favor do Brasil, e o domínio da Casa de Bragança reverberado em todos os meios e aguardou um desfecho afortunado, conforme se apreende no noticiário

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da Gazeta do Rio,144 de 30 de novembro de 1822, Edital da Commarca (sic.) de Porto Seguro, Bahia, agraciando o Imperador:

(...) e para maior solemnidade mandou este mesmo Senado na mesma ocasião celebrar huma Festa na Matriz desta Villa em acção de Graças à Mesma Acclamação com assistência, e geral contentamento de todo este Povo, e que tudo se concluio com alegres Vivas ao Nosso Imperador Constitucional do Brasil o Senhor D. Pedro I (...).

É oportuna a ênfase das citações supracitadas, em que se demonstra a tensão política do momento, no que diz respeito à posição de constrangimento de D. Pedro relativa à questão da Independência do Brasil e, com isto, à criação de um ramo da dinastia de Bragança.

Destarte, é pensado que o sucessor dinástico deva ter uma formação cultural ampla e consistente que o assegure no poder. Recorda-se que a Revolução Francesa derrubara o Antigo Regime, mas permaneceram os preceitos criados no Absolutismo, sobretudo quanto ao investimento na imagem pública cuja prática se deu naquele momento por meio da produção de signos emblemáticos que manteriam a memória oficial do poder instalado, tais como títulos, medalhas, pinturas, retratos e privilégios, que assim consagraram o poder contribuindo para cultuar e ampliar a consolidação do perfil hierárquico, coligindo o respeito de seus vassalos.

No caso brasileiro, é possível assinalar que a pedra tinha sido lançada para o projeto de implantação política e social e que, desde a chegada de D. João, suas medidas vinham servindo como instrumento na formação de apresentação diplomática internacional, comercial e cultural, influindo na imagem da nação que surgia enquanto construtora da memória oficial e condutora das tensões do poder, impelindo ao processo de emancipação política do Brasil e pertença à Casa de Bragança.

Portanto, o discurso das representações, da chegada de D. João VI até à abdicação de D. Pedro I - 1808 a 1831 -, traduziu-se em símbolos de como o poder português queria ser lembrado no país e no mundo. Assim, a criação do Império Brasileiro leva à revisão de alguns dados sobre o poder de sustentação política, neste caso, na produção do capital simbólico, conforme em Bourdieu:

(...) É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e conhecimento que os ‘sistemas simbólicos’ cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para

Imagem

Figura 1 -  Cidades e Vilas Brasileiras
Figura 3  - O Dragão na Casa de Bragança  Fonte: imagens cedida pelo heraldista Fernando Fialho
Figura 4 - Mesa em Estilo Boulle
Figura 5 - Fragmento da Declaração de Bens de D. Pedro I  Fonte: Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
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