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Processos de figuração e manutenção da ordem interaccional: estratégias de mitigação no quadro do sistema de delicadeza desenvolvido pelos participantes de programas de rádios específicos

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Almeida, Carla Aurélia de (2009) “Processos de figuração e

manutenção da ordem interaccional: estratégias de mitigação no

quadro do sistema de delicadeza desenvolvido pelos participantes

de programas de rádios específicos” in Fiéis, Alexandra; Coutinho,

Maria Antónia (2009) Textos seleccionados. XXIV Encontro

Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, Braga, 20-22

de Novembro de 2008, Lisboa, Colibri, pp. 43-60

; também

disponível em

http://www.apl.org.pt/docs/actas-24-encontro-apl-2008.pdf

Processos de figuração e manutenção da ordem interaccional:

estratégias de mitigação no quadro do sistema de delicadeza

desenvolvido pelos participantes de programas de rádio específicos

Carla Aurélia de Almeida

Departamento de Humanidades da Universidade Aberta

Versão pré-publicada

Abstract: Taking as reference an oral corpus consisting of verbal interactions

presented in Portuguese radio phone-in programmes, we proceed to the identification of the sequential dimensions of illocutionary acts and we study the selection, made by the participants, of the discourse strategies of politeness that avoid the threat of a Face Threatening Act (FTA) and reinforce a Face Flattering Act (FFA): opening pre-greetings or “getting closer strategies”; humorous strategies to build a discursive identity; praise and wishes; the anti-orientating role of laughter; justifications (accounts) and polite requests for permission; repairing exchanges (apologies); “softeners”, pre-sequences (preliminaries), “mitigation comments” and “repairing exchanges”.

Keywords: Interactional Pragmatics; Radio phone-in programmes; Politeness;

Conversational Mitigation; Footing; Discourse Strategies.

Palavras-chave: Pragmática Interaccional; Programas de conversas telefónicas na

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1. Introdução

Tendo por base um corpus1 constituído por interacções verbais presentes em cinco programas de rádio portugueses, realizados em período nocturno, com uma clara matriz dialogal, analisaremos o modo como as relações funcionais entre actos ilocutórios realizam o trabalho de “acomodação intersubjectiva” (Fonseca, 1996) através de

estratégias discursivas específicas.

Considerando a perspectiva semântico-pragmática de análise dos fenómenos linguísticos (Fonseca, 1996; Kerbrat-Orecchioni, 1992; Traverso, 1996; Gumperz, 1989), procederemos à análise dos dispositivos discursivos que permitem a manutenção da ordem interaccional (ou footing, Goffman, 19812) das trocas discursivas triádicas (Müller, 1995) na rádio. Neste contexto institucional, teremos em conta os papéis

interaccionais (Kerbrat-Orecchioni, 2004: 16) assumidos pelos participantes: o locutor

de rádio, no vértice do triângulo, condutor das trocas, contribuindo para a manutenção da coerência interdiscursiva das vezes de elocução (turn), os “ouvintes”/intervenientes que telefonam para as emissões radiofónicas e o auditório destes programas.

Demonstraremos que o espaço interaccional (Gumperz, 1989: 9), construído nestas interacções, é fortemente ritualizado apresentando sequências discursivas fortemente estereotipadas (Kerbrat-Orecchioni, 1992) com o desenvolvimento de um

dispositivo interlocutivo constituído por “actos rituais” (Kerbrat-Orecchioni, 2005), com

uma função essencialmente relacional (“os constrangimentos rituais”, no dizer de Goffman, 1987), que denotam um cuidado trabalho de figuração (“face work”, Goffman, 1973) com estratégias discursivas de delicadeza positiva e estratégias de

delicadeza negativa (Kerbrat-Orecchioni, 2002) ao serviço da manutenção do equilíbrio interaccional (Goffman, 1973: 65) entre as faces dos interlocutores.

Analisaremos os actos ameaçadores do discurso (“Face Threatening Act = FTAs”) e os actos que valorizam as faces do interlocutor (“Face Flattering Act = FFAs”) e as estratégias discursivas de mitigação (Fraser, 1980; Caffi, 2000) que fazem parte de uma

competência retórico-pragmática dos interlocutores (Kerbrat-Orecchioni, 1986) e que

visam “efeitos relacionais”.

É nosso objectivo o estudo dos atenuadores do valor ilocutório de actos de discurso (softeners ou adoucisseurs rituels, cf. Kerbrat-Orecchioni, 2005: 210), permitindo o enfraquecimento dos direitos e dos deveres associados ao valor ilocutório dos actos de discurso (“juridismo ilocutório”, segundo Ducrot, 1972), reduzindo as obrigações dos participantes e contribuindo para a realização de outros objectivos interaccionais, como a cortesia (Caffi, 2000: 92-93)3. Teremos como enfoque analítico

1 O corpus, recolhido e informatizado por nós, reúne participações de 479 “ouvintes” (Almeida, 2005). Os cinco programas em análise são os seguintes: Bancada Central (=BC) da TSF; Clube da Madrugada (=CM) da Antena 1; Boa Noite (=BN) da Rádio Renascença; Estação de Serviço (=ES) da Rádio Renascença e Tempo de Antena (=TA) da Antena 1.

2 Esta noção de Goffman “ordem interaccional” (tradução da expressão “interactional ‘footing’”) diz respeito aos diferentes “alinhamentos” ou diferentes “posicionamentos” que os participantes assumem uns em relação aos outros, permitindo a negociação das relações interpessoais e a constituição dos eventos comunicativos (Goffman, 1981).

3 Sobre as adaptações do sistema de delicadeza de Brown; Levinson (1978), cf. o trabalho realizado no âmbito da Análise Interaccional de Kerbrat-Orecchioni (1992, 2002, 2005). Cf. ainda as diferentes perspectivas de

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os seguintes dispositivos linguísticos: o uso do diminutivo (Pedro, 1993; Sifianou, 1992); as estratégias de minimização da força ilocutória dos actos de discurso; a construção de um discurso humorístico com a realização de risos, “sinais do jogo mimético” (André-Larochebouvy, 1984: 175), que constituem “estratégias de solidariedade” (Diamond, 1996: 74), frequentemente usadas para suavizar o peso de um acto ameaçador (FTA); a sequência de justificação como uma estratégia de comentário

de mitigação (Laver, 1981: 303); as estratégias de apelo ao consenso (Carreira, 1997:

183) como a produção da pergunta-tag que, segundo Bruce Fraser (1980), constitui um dispositivo que permite a mitigação da força ilocutória de actos de discurso específicos como a asserção (“um modo mais suave de produzir uma asserção”, segundo Fraser), possibilitando o equilíbrio ritual das faces dos interactantes.

2. Figuração e manutenção da ordem interaccional: os rituais verbais e a cortesia ao serviço de estratégias de “acomodação intersubjectiva” (Fonseca, 1996)

O trabalho de figuração (ou “face work”) surgiu com o trabalho pioneiro de E. Goffman (1973) e com a noção de ritualização das actividades discursivas que tem por base a clássica distinção entre “trocas confirmativas” e “trocas reparadoras”.

Num primeiro momento da sua teoria, e como afirma o estudo de Michel de Fornel (1989) sobre a obra analítica goffmaniana, Goffman restringiu as trocas confirmativas aos rituais de abertura e de fecho da conversação (Fornel, 1989: 187). E. Goffman salienta assim que os rituais de abertura são “actos de deferência” ou “rituais de acesso ou de ratificação” (Goffman, 1974), como por exemplo, as saudações e os elogios que têm como função pôr em contacto os indivíduos, constituindo “um sinal de ligação” (Fornel, 1989: 184-185) e refere como trocas confirmativas de fecho da conversação as saudações de despedida. Os primeiros trabalhos de Goffman inscrevem as trocas

reparadoras no desenvolvimento da interacção conversacional para posteriormente

verificar que trocas específicas da abertura e de fecho também surgiam no decorrer das interacções. Por isso, num momento subsequente da sua análise, privilegiou a teoria das trocas reparadoras, desenvolvendo-a de tal modo que as trocas confirmativas passariam a ser uma variante das trocas reparadoras: “O acto confirmativo é, neste sentido, uma forma de reparação em relação a uma ofensa virtual. Saudar, elogiar, convidar, oferecer constituem formas de reparação, porque não realizar estes actos poderia ofender gravemente aqueles que são beneficiários destes últimos” (Fornel, 1989 : 187 ; tradução nossa).

Deste modo, E. Goffman procura demonstrar que o encadeamento sequencial na conversação é não só regido por regras do sistema, mas também pelas exigências dos

constrangimentos rituais4 ou trabalho de figuração. Segundo este autor, “os

análise da cortesia no volume 14 (2) do Journal of Pragmatics de 1990, nomeadamente Fraser (1990); cf. ainda Manno (2002); cf. também estudos vários sobre a cortesia (Fonseca, 1996; Carreira, 1997, 2001; Rodrigues, 2003). Sobre a expressão da cortesia numa perspectiva intercultural, cf. Lakoff; Sachiko (2005). 4 Para F. Coulmas (1981), as rotinas conversacionais “(…) são instrumentos que os indivíduos utilizam para se relacionarem com os outros de uma forma apropriada” (Idem: 2; tradução nossa).

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constrangimentos rituais” dizem respeito “ao modo como cada indivíduo deve conduzir-se em relação a cada um dos outros de modo a não pôr em risco a sua própria pretensão tácita à respeitabilidade nem a dos outros a serem pessoas dotadas de valor social e que convém respeitar as diversas formas de territorialidade” (Goffman, 1973 : 22 ; tradução nossa).

Deste modo, Goffman desenvolve uma teoria que tem por base a confirmação da pertinência da troca: o trabalho interpretativo do interactante tem por base “(…) toda a disposição que nos incita a julgar os actos verbais de um indivíduo como não sendo uma manifestação de estranheza (…)” (Goffman, 1987 : 266; tradução nossa).

E. Goffman (1973: 73) refere que os falantes respeitam um certo número de regras e convenções com vista à construção de uma “ordem ritual” que nasce da gestão do próprio trabalho de figuração.

Por seu lado, e a propósito do conhecimento que os falantes apresentam do uso das “sequências ritualizadas e estereotipadas” que E. Goffman assinalou nos seus trabalhos, J. Gumperz (1989) propõe-se analisar este emprego e afirma que a ritualização das práticas discursivas constitui um saber que permite aquilo que denomina “uma política de uma conversação” (Idem: 128) que determina o que os interactantes dizem em função das situações de comunicação e destaca a importância da cortesia na gestão da relação de poder instituída na interacção: “Quando os interactantes não se conhecem, a ritualização traduz a necessidade de controlar, senão de neutralizar, pelas fórmulas de delicadeza, tudo o que releva das relações de poder e que continua presente, nem que seja de maneira indeterminada. Como o escreve Goffman (1967), estas trocas são ‘rituais breves, que um individuo realiza para o outro ou em função do outro; eles indicam aos destinatários que eles possuem um pequeno património de sacralidade’” (Gumperz, 1989: 124 ; tradução nossa).

C. Kerbrat-Orecchioni (1989), reportando-se ao trabalho analítico de E. Goffman, salienta que todo o acto de discurso, em certas circunstâncias e em graus diversos, tem na interacção um carácter intrinsecamente ameaçador, pois age sobre o alocutário e, na dinâmica interaccional, pode adquirir diferentes interpretações, pelo que a cortesia5 faz parte de um conjunto importante de estratégias discursivas que visam estabelecer o “equilíbrio interlocutivo” (Kerbrat-Orecchioni, 1989 : 160) : “Todo o acto de discurso pode então ser descrito como um FTA, um FFA, ou um complexo destas duas componentes” (Kerbrat-Orecchioni, 2002; tradução própria) ; os FTA podem ser suavizados e/ou atenuados através de dispositivos linguísticos como os atenuadores (« adoucisseurs rituels », segundo Kerbrat-Orecchioni, 2005 : 210; “softeners”, de acordo com Brown e Levinson, 1978; “mitigators”, segundo Fraser, 1980) e os FFA têm tendência a ser reforçados enquanto que os actos mistos, como a oferta e o convite (Almeida, 1998), podem ser suavizados e reforçados simultaneamente.

Reequacionando a universalidade do modelo de P. Brown e S. Levinson (1978), reconfigurando-a não só na análise dos autores que tiveram em consideração línguas diferentes e reanalisando as críticas a este modelo (Kasper, 1990, entre outros), fazendo

5 Para uma noção alargada da noção de “cortesia” que integra estratégias diversas como a deferência, cf. o trabalho de David Rodrigues (2003).

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uma análise circunstanciada de exemplos de sociedades com um ethos cultural diferente (ethos comunitário, hierárquico ou igualitário), Kerbrat-Orecchioni (2002: 272) refere que a conversação é uma permanente transacção de poder, uma negociação de lugares (interaccionais) o que torna os FTA assim como os FFA inerentes a toda a troca e demonstra a necessidade de os interactantes realizarem a gestão das faces ou trabalho de figuração com o objectivo de evitar a ameaça das faces dos interactantes (estratégias de delicadeza negativa) ou de as valorizar (estratégias de delicadeza positiva).

Deste modo, é neste quadro analítico que Kerbrat-Orecchioni (1992: 242) inscreve o funcionamento das estratégias de delicadeza, definindo “a cortesia” como “o carácter não ameaçador de toda a intervenção” (Idem; tradução própria) ou como trabalho de gestão das faces no quadro do trabalho de figuração (Idem): “A cortesia serve justamente para facilitar a interacção minimizando os conflitos e os confrontos potenciais” (Kerbrat-Orecchioni, 1992: 242).

3. Manifestações linguísticas de cortesia positiva e negativa na abertura, no desenvolvimento e no fecho de interacções verbais na rádio

Em Almeida (2005), procedemos ao levantamento das estratégias discursivas (Gumperz, 1982) que permitem o alargamento da estrutura prototípica característica das conversas telefónicas realizadas no estúdio de rádio. Fazem parte destas estratégias discursivas os dispositivos de “acomodação intersubjectiva” (Fonseca, 1996) que permitem ora reforçar FFA’s ora atenuar com “adoucisseurs” (Kerbrat-Orecchioni, 2002; 2005) os FTA. Assim, na abertura destas interacções, predominam estratégias discursivas que constituindo “mecanismos de validação interlocutória” (Conein, 1989) preparam a entrada no tema da emissão com o “equilíbrio entre as faces”: os processos de cortesia positiva são as pré-saudações de abertura ou “estratégias de aproximação”; as estratégias humorísticas de construção de uma identidade discursiva; os elogios e os votos e estratégias de enquadramento (asserções), bem como a realização de um auto-elogio (acto que é também ameaçador do alocutário, Kerbrat-Orecchioni, 2005) que co-ocorre com o uso de mitigadores como o diminutivo ao serviço do princípio da modéstia; entre as estratégias de cortesia negativa, de evitação de FTA, estão as estratégias de mitigação (justificações e pedidos de permissão cortês); as trocas reparadoras (rectificações e pedidos de desculpa) e as construções com o item lexical “pequeno” e com a expressão “ um pouco” que mitigam a ameaça de um FTA. No desenvolvimento e no fecho destas interacções ocorrem também estratégias de mitigação ao serviço da cortesia negativa, de evitação da ameaça das faces dos interlocutores como o uso de justificações, o pedido de desculpa, os minimizadores como “um pouco”, “uma pequena intervenção” e as pré-sequências que preparam o fecho com o equilíbrio da relação interlocutiva.

3.1. A negociação de lugares interaccionais: a cortesia positiva ao serviço do “equilíbrio interaccional”

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No corpus em análise, ocorrem estratégias humorísticas produzidas pelo ouvinte que permitem equilibrar a relação interlocutiva através da construção de um identidade discursiva (Antaki, 1998) que assinala a pertença a uma “comunidade de pensamento” (Gumperz, 1989), estabelecendo um espaço interaccional dominado pela partilha e pela solidariedade entre os participantes. Estas acções e estratégias discursivas constituem códigos e normas conhecidas pelos falantes que assinalam a “pertença ao grupo” (Diamond, 1996: 76): “Cada comunidade tem os seus próprios jogos rituais (ou normas) locais e específicos que podem ser explorados para objectivos sociais e interpessoais” (Idem: 77; tradução nossa).

Atentemos no seguinte exemplo: Programa: TA

Data: 17/11/01

Tema: “Portugal-Angola em futebol” Ouvinte nº. 369, masculino,

Abertura:

Locutor: [Conv.] «Temos mais um ouvinte em directo.» [Saud.] «Boa noite.»

Ouvinte: [Saud.] «Boa noite.»

→ [Asserção] «Sou a pantera.» Locutor: [Perg.] «Eu estou a falar com quem?» Ouvinte: [Resp.] «Sou o M..»

Locutor: [Riso + Saud. com T. End.] «(Riso) Boa noite M..» Ouvinte: [Saud. Int.] «Então tudo bem?»

Locutor: [Resp.] «Tudo bem.» [Ordem] «Chuta.»

Repare-se que o tom humorístico criado pela asserção do ouvinte estabelece a sua identidade discursiva e, de certo modo, incentiva o locutor a entrar no “jogo mimético” (André-Larochebouvy, 1984) aberto pelo ouvinte: a co-ocorrência do riso, elemento paralinguístico, com a realização do segmento de saudação seguido da indicação do nome próprio sem o apelido (forma familiar de saudar o interlocutor) faz parte de um quadro interaccional familiar.

Segundo, Julie Diamond (1996), o humor e os risos em contexto institucional são “estratégias de solidariedade” e a eficácia destas estratégias é reconhecida pelos outros intervenientes na interacção através dos risos dos participantes (Idem: 74).

Estas formas humorísticas de estabelecer a identidade discursiva, quando surgem nestes programas de rádio, constrangem os interlocutores a produzirem um maior número de saudações como uma forma de estabelecer, em termos emotivos, o contacto caloroso onde domina a boa disposição, como o riso do locutor evidencia, assinalando a “conivência e a cumplicidade entre os participantes” (André-Larochebouvy, 1984: 176) e a construção de um espaço interaccional colaborativo.

3.1.2. Elogios e votos: estratégias de cortesia positiva

Catherine Kerbrat-Orecchioni (1987) refere que a “densidade” de ocorrência de actos de elogio nas aberturas advém do facto de estes FFA constituírem “rituais

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confirmativos” que visam preparar, de forma equilibrada, a relação interlocutiva, uma vez que se tratam de actos de cortesia positiva para com a face positiva do alocutário destes actos: “(…) como os presentes, os elogios são procedimentos de ‘captatio benevolentiae’, e, como aqueles, devem ser oferecidos logo no início” (Idem : 10; tradução nossa).

São estratégias discursivas de delicadeza positiva para com a face positiva do locutor de rádio os votos de parabéns e o acto de elogio que, reiterados, ocorrem reforçados e permitem preparar a entrada no tema da emissão com o equilíbrio interlocutivo:

Programa: BN

Data: Outubro de 1998 Tema: “Regionalização”

Ouvinte nº. 141, masculino, Loulé

→Ouvinte: [Dar os parabéns + elogio] «Eh e antes de mais quero-lhe dar os meus sinceros parabéns pá por esse magnífico programa, de facto é uma é uma (...) esse programa, nem durmo de noite até às duas da manhã nunca durmo.»

[Asserção avaliativa/Elogio] «De facto é muito importante, pá, e desta vez em discutir esses assuntos isso é de facto muito importante.»

Não raro, na abertura destas interacções, o acto de elogio ao programa e ao locutor de rádio co-ocorre com um acto de pedido de desculpa no quadro de uma estratégia de delicadeza positiva para com a face positiva (Carreira, 1994: 108):

Programa: BN Data: Abril de 1998

Tema: “O relacionamento entre duas gerações” Ouvinte nº. 43, feminino, Alfragide, 49 anos

→[Dar os parabéns + Pedido de desculpa + Acto expressivo] «Antes do mais quero felicitá-la, desculpe, eu sou sua ouvinte há imenso tempo e doutros programas em que participou, tenho uma grande, como direi, portanto oiço, gosto imenso de a ouvir.»

[Acto expressivo] «Sou sua admiradora!»

Locutora: [Agradecimento Intensificado] «Muito obrigada.» Ouvinte: [Marcação de conclusão] «Pronto.»

→[Asserção/Justificações] «E então já por várias vezes tentei mas nunca fui muito persistente, mas já algumas vezes tentei e nunca consegui.»

Locutora: [Asserção] «Olhe hoje, num dia substancialmente complicado de chamadas conseguiu.»

Ouvinte: [Acordo] «É verdade, hoje tive sorte, tive sorte sim senhor.» Locutora: [Perg. sobre o tema] «E quanto ao tema de hoje?»

No seu estudo sobre pedido de desculpa em Português Europeu, Carreira (1994) refere que este acto de discurso se associa ora à delicadeza negativa (de evitação, “de carácter ‘compensatório’”), ora à delicadeza positiva, embora a desculpa ilustre “paradigmaticamente a delicadeza negativa, tal como o elogio ilustra a delicadeza positiva” (Idem: 108).

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Na abertura da interacção com o ouvinte nº. 43, este pedido de desculpa revela a “precaução ritual” (Idem) das aberturas de conversas telefónicas na rádio que apresentam um grande número de emissões (topos ou lugar comum frequente na abertura destas emissões da rádio) co-ocorrendo com um elogio implícito (“eu sou sua ouvinte há imenso tempo e doutros programas em que participou, tenho uma grande, como direi, portanto oiço, gosto imenso de a ouvir.”).

3.2. Estratégias de cortesia negativa

3.2.1. As pré-sequências («adoucisseurs rituels» ou atenuadores)

Helena Carreira (1995: 222) refere a necessidade de analisar a multiplicidade de manifestações linguísticas de cortesia, tendo em consideração um “eixo semântico conceptual” que tem por base duas zonas polares: /ATENUAÇÃO/ e /INTENSIFICAÇÃO/.

Atentemos então no conjunto dos processos verbais que atenuam (estratégia de delicadeza negativa) a potencial ameaça de um acto de discurso (FTA).

Programa: BN

Data: Novembro de 1998 Tema: “Autodidactas”

Ouvinte Feminino; Reformada; nº. 153

Abertura:

Locutora: [Convocatória] «M. J. S. na linha 2.» [Saud. + Saud. Int.] «Olá M. J., como está?»

→Ouvinte: [Pedido de desculpa + Acto expressivo + Justificação] «I., desculpe lá, eu sou uma fã do programa todos os dias, hoje era um programa que realmente, é porque nós muitas vezes não ligamos mais vezes porque tamos muito tempo à espera enquanto os outros falam, já viu.»

→ [Asserção] «Eu não gosto de empatar ninguém.» Locutora: [Minimização] «Não está a empatar ninguém.»

Ouvinte: [Justificação] «Não gosto é depois estar muito tempo a falar pra não pra dar acesso a outros ouvintes.»

[Asserção] «Acontece que o tema hoje, pronto, é sobre as pessoas que nunca aprenderam tiraram cursos de nada e sabem fazer e ajeitam-se a fazer certas coisas, não é?»

Locutora: [Ratificação] «Sim, pode ser.»

Neste excerto, verificamos a co-ocorrência de um acto de pedido de desculpa com um acto de elogio seguido de processos linguísticos como a pré-sequência “Eu não gosto de empatar ninguém”. Esta pré-sequência constitui uma estratégia de delicadeza negativa (de evitação) que ameniza ou atenua («adoucisseurs rituels») a ameaça da face negativa dos ouvintes com actos de discurso que poderão ser considerados pouco pertinentes pelos ouvintes que também desejarão entrar em linha. Este enunciado

preliminar (Kerbrat-Orecchioni, 1992: 215) constitui, assim, implicitamente um acto

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uma estratégia de mitigação ou atenuação deste acto de pedido específico (pedido de autorização) que constitui uma ameaça à face negativa do locutor e dos ouvintes.

Na abertura, ocorre também uma pré-sequência de pedido de permissão cortês que constitui um « adoucisseur rituel » (Kerbrat-Orecchioni, 2005):

Programa: BN Data: Abril de 1998 Tema: “Os livros”

Ouvinte Masculino; 39 anos; Modivo-G.; nº. 50

Abertura:

→Ouvinte: [Pedido de permissão c/ «adoucisseurs»] «Eh... eu não sei se será oportuno ou não, mas a senhora me dirá.»

Locutora: [Aceitação/ autorização] «Diga?»

3.2.2. “Estratégias de mitigação”: os risos e os segmentos de justificação

Kerbrat-Orecchioni refere que, em alguns contextos interaccionais, os risos constituem “marcadores não verbais de distanciação”, permitindo a atenuação ou mitigação da ameaça de um FTA e tendo, assim, um “papel anti-orientador” (Kerbrat-Orecchioni, 1987: 17):

Programa: BN

Tema: “O relacionamento entre duas gerações” Data: Abril de 1998

Ouvinte masculino, nº. 32, Póvoa de Varzim, 27 anos

Abertura:

Locutora – Vamos para a linha 3. Do outro lado está o J. M., da Póvoa de Varzim. O J. tem vinte e sete anos. Olá J.

Ouvinte – Olá, muito boa noite.

→Locutora – Isto hoje a idade é uma questão importante (risos). Ouvinte – É verdade.

Locutora – J., o relacionamento com os mais velhos, com a chamada terceira idade, é... é fácil pra si?

Neste exemplo, a asserção da locutora tem o valor ilocutório indirecto de justificação “Isto hoje a idade é uma questão importante” que co-ocorrendo com sinais de acompanhamento como os risos6 têm o objectivo de atenuar e/ou mitigar o valor dos actos supostamente ofensivos para a face dos interlocutores: o segmento de justificação atenua a invasão do território do ouvinte operada pelo facto de o acto de convocatória co-ocorrer com uma asserção com o conteúdo proposicional relativo à idade do ouvinte (“O J. tem vinte e sete anos”) e constitui uma estratégia discursiva de delicadeza negativa para com a face negativa do ouvinte.

Bruce Fraser (1980) assinala que a mitigação visa evitar efeitos não desejados de actos de discurso: “A mitigação é definida não como um tipo particular de acto de

6 Sobre a função lúdica provocada pelos risos e os diferentes contextos de ocorrência do «petit rire», cf. também André-Larochebouvy (1984: 175).

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discurso, mas como uma modificação de um acto de discurso: a redução de certos efeitos indesejados que um acto de discurso tem sobre o ouvinte” (Idem: 341; tradução nossa).

Os segmentos de justificação constituem, pois, estratégias discursivas de mitigação de efeitos não desejados na interacção e, na linha de J. Laver (1981), podemos assinalar que constituem comentários que possibilitam a mitigação dos valores ilocutórios mais ameaçadores das faces dos interlocutores. As justificações são, assim, “comentários de mitigação dirigidos para o aspecto da face negativa, frequentemente estabelecendo a razão para terminar o encontro através da indicação de um constrangimento externo ao falante” (Idem: 303; tradução nossa).

Atentemos então nos “comentários de mitigação” que preparam o fecho da interacção com a indicação de um factor externo ao locutor que o produz:

Programa: BN

Tema: “A adolescência” Data: Abril/1998

Ouvinte nº. 19, masculino, camionista

Fecho:

→ Locutora: [Asserção + Justificação] «Vou-me vou-me despedir de si porque tenho mais uma chamada em linha.»

Neste exemplo, a asserção metacomunicativa “Vou-me vou-me despedir de si” co-ocorre com um acto de justificação “porque tenho mais uma chamada em linha”, permitindo à locutora evitar (estratégia de delicadeza negativa) que o interlocutor se sinta ameaçado na sua face positiva com uma interrupção da conversa que constitui sempre uma ameaça no equilíbrio da relação interlocutiva.

Com efeito, de acordo com C. Kerbrat-Orecchioni (1988), o acto de justificação constitui um acto secundário, subordinado ao acto de pedido de desculpa e refere que a realização isolada da justificação implicita a reparação de uma ofensa, constituindo portanto “uma realização implícita da reparação” (Idem: 92).

3.2.3. Mitigadores: as diferentes funções do diminutivo, os minimizadores e a pergunta-tag

Para Emília Ribeiro Pedro (1993), os diminutivos desempenham funções ao nível do afecto, revelando o “envolvimento conversacional” dos participantes no jogo verbal, como podemos verificar no seguinte excerto:

Programa: ES

Data: Novembro de 2001 Tema: Livre

Ouvinte nº. 407, masculino, camionista

→Ouvinte - Pois, tem que ser. E depois a comer eh pá aquela massinha no caldo, aquele aquele aquele peixinho acabadinho d’apanhar ali fresquinho, eles a apanharem aquilo a fazerem aquela caldeiradazinha ali...

Locutor - Já percebi que está mesmo decidido a convencer-me a ir, não é?

Ouvinte - Eh pá eu tou a tentar, não é. (Riso de ambos) Queria ver se ia lá apanhar um enjoo, ou não. (Riso de ambos)

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Neste excerto, o ouvinte (nº. 407) tem o objectivo perlocutório de convencer o locutor de rádio a aceitar um acto de convite formulado anteriormente. A utilização de diminutivos, numa lista enumerativa com carácter descritivo e co-ocorrendo com os risos, tem valor afectivo e intensifica o valor alto da apreciação. Nestes casos, o diminutivo (cf. também as saudações “Olá, tá bonzinho?” ou “Um beijinho pra si”presentes no corpus) expressam uma relação de familiaridade, de “proximidade” entre os interactantes.

Noutros contextos, o diminutivo permite atenuar a precisão da referência, reduzindo as obrigações epistémicas para o locutor (Caffi, 2000: 96):

Programa: BN

Tema: “O relacionamento entre duas gerações” Data: Abril/1998

Ouvinte nº. 33, feminino, 63 anos

Fecho:

Locutora: [Termo de Endereçar + Agradecimento] «C. obrigado por ter trazido a sua opinião.»

Ouvinte: [Saudação] «Olhe um beijinho muito grande.»

→[Asserção+Justificação] «Agora vou tar uns tempos sem falar consigo, porque eu vou tomar conta de uma pessoa doente e agora vou tar uns tempinhos sem falar consigo, mas oiço-a sempre.»

Locutora: [Asserção Avaliativa] «Tá bem, é por uma boa causa»

O uso do diminutivo7 em “vou tar uns tempinhos” mitiga o valor epistémico do conteúdo proposicional (Caffi, 2000), tratando-se de uma “escolha mitigada” ao serviço da eficácia interaccional (Idem: 92-93) evitando a ameaça da face positiva do interlocutor, pois os interactantes devem sempre terminar as interacções projectando futuras interacções e minimizando os efeitos da separação (Kerbrat-Orecchioni, 2005: 276).

Atentemos neste outro excerto:

Programa: BN

Data: Novembro de 1998 Tema: “Autodidactas”

Ouvinte Feminino; Porto; nº. 161

Desenvolvimento:

Ouvinte - É, mas é qu’eu não conseguiam, sabia bordar eu sabia (...) aos dezasseis anos fiz o meu enxoval todo, fiz as roupas todinhas dos dos meus filhos, e fazia tudo assim com uma facilidade uma coisa impressionante.

Locutora - Olhe só o dinheirão que a senhora poupava. Ouvinte - É mas é verdade (riso).

(12)

Locutora - Sim senhora (riso).

→Ouvinte - Sem vaidade, eh eu orgulho-me pronto é um donzinho que Deus nos dá.

Kerbrat-Orecchioni refere que a valorização ou ameaça dos actos de discurso tem de ser definida em termos de grau e, não raro, a valorização positiva pode conjugar-se com estratégias de atenuação que, no quadro do princípio da modéstia, permitem atenuar a ameaça da face positiva do alocutário. Neste sentido, o diminutivo “donzinho” enquadra-se no quadro do princípio da modéstia que constrange o locutor de um acto de auto-elogio («auto-FFA») a não valorizar demasiado a sua face positiva (Kerbrat-Orecchioni, 1992; 2005): “Com efeito, se não é conveniente exaltar a sua própria face é porque um tal comportamento atinge indirectamente, por um movimento inverso de desvalorização implícita, a face do outro (…)”(Kerbrat-Orecchioni, 2005 : 202; tradução nossa).

Ainda como “acompanhantes” de FTA (Kerbrat-Orecchioni, 1992), temos a realização de minimizadores como a expressão “um pouco”, algumas espécies de diminutivos que ocorrem na realização de um acto de pedido (FTA) e a realização de perguntas-tag (“Tag Questions”) que constituem, em enunciados específicos, um modo mitigado de realizar uma asserção (Fraser, 1980: 349).

Observemos agora o uso de mitigadores que co-ocorrem com um FTA: Programa: BN

Data: 14/10/98

Tema: “Regionalização”

Ouvinte Masculino; Porto; nº. 130

→Locutora: [Asserção + Perg.-tag] «Ó F. parece-me que pensa duma forma um

bocadinho diferente, não é?»

A locutora que produz esta pergunta orientada tem já a expectativa do conteúdo da resposta e modaliza o carácter demasiado assertivo do enunciado com estratégias de mitigação: o uso da expressão verbal “parece-me que” atribui ao enunciado uma modalidade epistémica no eixo da incerteza e a expressão “um bocadinho” constitui um

minimizador. Este minimizador mitiga a precisão da referência, «un diminutif dans le

marqueur de flou (fuziness)» (Caffi, 2000), permitindo a redução das obrigações epistémicas para o locutor que produz a asserção e implicitando a minimização da gravidade dos problemas (Caffi, 2000: 96).

Por outro lado, a pergunta-tag “não é?” mitiga o valor da asserção (“a softer way of asserting”, segundo Fraser, 1980: 349). Carreira considera-a uma “pergunta de pedido de confirmação” (Carreira, 1997: 183), constituindo uma estratégia discursiva de “apelo ao consenso” (André-Larochebouvy, 1984: 101).

Deste modo, estes dispositivos linguísticos atenuam um FTA (um acto de asserção que revela o desacordo do ouvinte), evitando (estratégias de delicadeza negativa) a ameaça da face positiva dos ouvintes que entraram em linha anteriormente.

(13)

Atentemos nesta outra pergunta-tag que mitiga (Fraser, 1980: 349) o carácter ameaçador da face negativa que um acto não solicitado, como é o acto de conselho (acto directivo não impositivo), poderá suscitar:

Programa: ES Data: 12/11/01 Tema: Livre

Ouvinte nº. 397, masculino, Camionista

Pré-fecho:

Locutor: [Votos + Votos] «Desejo-lhes umas boa... uma... desejo-lhe uma boa semana de trabalho, uma... uma boa viagem.»

→ [Conselho + Int.-tag] «Cuidado aí é com o frio, não é?» Ouvinte: [Asserção] «A gente... acautela-se um bocado.»

Locutor: [Asserção Avaliativa + Int.-tag + Cont. da Asserção c/ minimizadores ou “softeners”/atenuadores/] «Já vai, já vai estando se calhar também um pouco... mais habituado, não é, a estas coisas.»

Este acto com o valor ilocutório de conselho apresenta como condição de sucesso do acto a seguinte condição essencial: a sua realização vale como assumir que o acto futuro C é de grande interesse para A (Searle, 1984: 89). A mitigação, neste caso, está ao serviço de uma estratégia de delicadeza negativa, de evitação da ameaça da face negativa do alocutário do acto. Co-ocorrem com este acto asserções mitigadas com

minimizadores como “um pouco” que reduzem a ameaça do FTA (Kerbrat-Orecchioni,

2005).

3.2.4. As trocas reparadoras: a “desculpa explícita”

Na dinâmica interaccional do programa sobre futebol do corpus constituído, verificamos que, na realização cortês de um FTA, co-ocorrem também FFA’s, demonstrando que o processo de cortesia negativa se conjuga, por vezes, com processos de cortesia positiva:

Programa: BC Data: 5/5/98

Tema: “A demissão de Vasco Pinto Leite da Presidência do Conselho Fiscal do Benfica”

Ouvinte nº. 294, masculino, Aveiro

Abertura:

Ouvinte: [Saud. no Superlativo ao Locutor e Alargada ao Auditório] «Muito boa noite senhor F.C., muito boa noite a todo o auditório na TSF.»

→ [Dar Felicitações + Elogio] «Começo por felicitá-lo pelo brilhante pela brilhante introdução que fez no programa, sobre a chamada de atenção do ouvinte d’ontem.»

[Asserção Avaliativa] «Penso que foi uma intervenção muito correcta da parte do senhor F.C. para chamar a atenção de certo tipo de afirmações neste programa.»

A anteposição do adjectivo em “pelo brilhante pela brilhante introdução” constitui um procedimento discursivo de intensificação (intensificadores, Carreira, 1997;

(14)

“extreme case formulations”, Edwards, 2000) que reforça um FFA. Por outro lado, este procedimento co-ocorre com um FTA de crítica a uma intervenção de um ouvinte do dia anterior, revelando as emoções presentes na interacção (Kerbrat-Orecchioni, 2000: 46).

Observemos ainda outros excertos com a realização de FTA’s (actos ameaçadores) que co-ocorrem com “trocas reparadoras”:

Programa: BC Data: 5/05/98

Tema: “A demissão de Vasco Pinto Leite da Presidência do Conselho Fiscal do Benfica”

Ouvinte nº. 295, masculino, Ermesinde Abertura

→Ouvinte - Antes do mais eh... eu gostaria de pedir desculpas ao meu amigo Fernando Correia, só única e simplesmente, não peço desculpas a mais ninguém. Assumo aquilo que disse e tomo a responsabilidade por isso. Agora peço imensa desculpa ao meu amigo Fernando Correia, porque é o responsável pelo programa e eventualmente terá a responsabilidade das pontas pelo programa e os ouvintes que que enfim vai tendo que aturar, não é. Prontos, peço-lhe mais uma vez desculpa ó meu amigo Fernando Correia, a mais ninguém, não peço desculpas a mais ninguém e assumo tudo aquilo que disse.

[…]

Muito boa noite senhor Fernando Correia, um abraço e peço-lhe mais uma vez imensa desculpa.

Locutor - Não, não tem que, não tem que pedir desculpa, bastava uma vez, não tem problema nenhum. Quando puder eh... fale comigo. Gostava muito de falar consigo, mas eh fora do programa.

Programa: BC

Tema: “O último jogo Benfica-Porto” Data: 4/05/98

Ouvinte nº. 285, masculino, Linda-a-Velha. Fecho:

→Ouvinte: [Pedido de Desculpa + Asserção Avaliativa] «e... peço desculpa isto tudo, mas o Porto não merece não merece nada porque são uns indisciplinados, uns insurrectos, e de facto não mereciam qu’alguém lhe servisse nada, do Porto até aqui a Lisboa, não mereciam qu’alguém lhe servisse nada, porque quando eles param é só pra destruir, e pra destruir é nós não precisamos de muita gente.»

→ [Pedido de Desculpa] «Peço desculpa.» Locutor: [Marcador de Concl.] «Pronto.»

[Saud. no Superlativo] «Muito boa noite.»

(15)

Como se vê, estes actos de pedido de desculpa surgem fortemente ritualizados, apresentando uma realização com o performativo explícito: “eu peço desculpa”.

Os exemplos acima apresentados ilustram uma “desculpa explícita” por oposição à “desculpa implícita” (Carreira 2001: 97). Neste caso, estamos perante expressões performativas que contêm o lexema PEDIR que, segundo Maria Helena Carreira (2001), constituem “(…) fórmulas lexicalmente explícitas de pedido de desculpa que podem ser reforçadas por quantificadores de valor axiológico (muito, imenso)” (Idem: 99) e refere como exemplo a expressão “Peço (muita/ imensa) desculpa”/ “O meu pedido de desculpa” (Idem: 98).

Estes actos de pedido de desculpa realizam um movimento retroactivo de “reparação retrospectiva” (Kerbrat-Orecchioni, 1988: 88) que ocorre quando um participante admite ter cometido uma ofensa.

Como forma de restabelecer o equilíbrio entre as faces dos interlocutores, os locutores de rádio reagem com estratégias de minimização da ofensa expressa no conteúdo proposicional do acto de pedido de desculpa. Estas intervenções iniciativas de pedido de desculpa visam reparar uma ofensa cometida e têm como intervenção reactiva uma reacção positiva que constitui a realização implícita da “(de)negação da ofensa” (Idem : 97; tradução nossa) que se produz com enunciados como “Pronto” (ouvinte nº. 285), “Não, não tem que, não tem que pedir desculpa, bastava uma vez, não tem problema nenhum” (ouvinte nº. 295).

Verificamos ainda que os FTA’s de crítica aos ouvintes anteriores co-ocorrem com estratégias de cortesia negativa, como o pedido de desculpa, e com estratégias de cortesia positiva de valorização da face positiva do locutor de rádio. Nestes programas de jogo mais agonal, onde predomina o confronto directo entre ouvintes que telefonam, os processos de cortesia positiva conjugam-se com processos de cortesia negativa e, não raro, os primeiros, quando dirigidos ao locutor de rádio, constituem, por um movimento inverso, uma ameaça à face positiva dos ouvintes visados nas críticas realizadas (cf. o acto de elogio do ouvinte nº. 294 que é dirigido ao locutor de rádio para implicitamente criticar a intervenção do ouvinte do dia anterior).

Conclusão:

O estudo das estratégias discursivas “locais” (Kerbrat-Orecchioni, 1999) que co-ocorrem com os FTA’s e os FFA’s (e do modo como eles se conjugam na interacção) revela o “envolvimento conversacional” (Tannen, 2001) e o funcionamento dos rituais verbais (e não verbais) que estão na origem da construção do “equilíbrio interaccional”.

Fazem parte da mitigação conversacional, os “comentários de mitigação”, os « adoucisseurs rituels » (Kerbrat-Orecchioni, 2005: 210) ou atenuadores (“softeners”) do valor ilocutório de actos de discurso que possibilitam o enfraquecimento da ameaça dos FTA’s e reduzem as obrigações dos participantes (Caffi, 2000: 92-93).

As escolhas linguísticas mitigadas têm como motivação fundamental o equilíbrio da relação interaccional e visam evitar a ameaça de uma das faces do interlocutor, reduzindo os efeitos indesejados de FTA’s (Fraser, 1980).

(16)

Deste modo, as estratégias discursivas de delicadeza permitem, por um lado, a eficácia interaccional, facilitando a realização dos objectivos ilocutórios e, por outro lado, visam efeitos relacionais (Caffi, 2000: 93).

Os processos de figuração destacam, assim, a estruturação da interacção, realçando a ordem ritual das sequências de actos de discurso que são produzidas por interactantes que realizam papéis interaccionais (baseados no script), específicos do quadro interaccional estabelecido pelos programas em análise, papéis interlocutivos (o estatuto dos interactantes) e discursivos (“jogo de influências mútuas” realizado através das acções discursivas). Todas estas categorias, que fazem parte do quadro participativo, são graduais, denotando diferentes graus de participação, de ratificação e de endereçar (Kerbrat-Orecchioni, 2004: 17).

Nas interacções dos programas de rádio em análise, verificamos, assim, a ocorrência de diversos FFA’s e de estratégias discursivas de reforço da valorização (cortesia positiva). Por outro lado, os FTA’s co-ocorrem com procedimentos discursivos de suavização/atenuação da ameaça (cortesia negativa).

Entre as estratégias de reforço da valorização (estratégias de cortesia positiva), encontramos os actos de elogio intensificados, os votos e as pré-saudações ou “estratégias de aproximação”, bem como a construção de uma identidade discursiva humorística que co-ocorre com os risos reveladores do “jogo mimético”. No que diz respeito aos processos verbais de cortesia negativa que atenuam/mitigam a potencial ameaça de um FTA, procedemos à análise do funcionamento das estratégias de mitigação: a justificação (“comentários de mitigação”), os risos como sinais não verbais anti-orientadores da ameaça, os « adoucisseurs rituels » como as pré-sequências (o pedido de permissão cortês/pedido de autorização), o emprego do diminutivo e de

minimizadores como “um pouquinho”, a pergunta-tag e o acto de pedido de desculpa. Referências

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Referências

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