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Vivência integrada na comunidade: implicações de um internato longitudinal na formação médica

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WALESKA DE BRITO NUNES

VIVÊNCIA INTEGRADA NA COMUNIDADE: IMPLICAÇÕES DE UM

INTERNATO LONGITUDINAL NA FORMAÇÃO MÉDICA

SANTA CRUZ-RN 2019

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WALESKA DE BRITO NUNES

VIVÊNCIA INTEGRADA NA COMUNIDADE: IMPLICAÇÕES DE UM

INTERNATO LONGITUDINAL NA FORMAÇÃO MÉDICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para obtenção do título de Mestra em Saúde Coletiva.

Orientadora: Prof.ª Drª. Ana Luiza de Oliveira e Oliveira

SANTA CRUZ-RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi - FACISA

Nunes, Waleska de Brito.

Vivência integrada na comunidade: implicações de um internato longitudinal na formação médica / Waleska de Brito Nunes. - 2019. 82f.: il.

Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Santa Cruz, RN, 2019.

Orientador: Ana Luiza de Oliveira Oliveira.

1. Currículo - Dissertação. 2. Educação médica - Dissertação. 3. Diretrizes Curriculares Nacionais - Dissertação. I. Oliveira, Ana Luiza de Oliveira. II. Título.

RN/UF/FACISA CDU 37.013

Elaborado por José Gláucio Brito Tavares de Oliveira - CRB-15/321

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi - FACISA

Nunes, Waleska de Brito.

Vivência integrada na comunidade: implicações de um internato longitudinal na formação médica / Waleska de Brito Nunes. - 2019. 82f.: il.

Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Santa Cruz, RN, 2019. Orientador: Ana Luiza de Oliveira Oliveira.

1. Currículo - Dissertação. 2. Educação médica - Dissertação. 3. Diretrizes Curriculares Nacionais - Dissertação. I. Oliveira, Ana Luiza de Oliveira. II. Título.

RN/UF/FACISA CDU 37.013 Elaborado por José Gláucio Brito Tavares de Oliveira - CRB-15/321

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Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para obtenção do título de Mestra em Saúde Coletiva.

________________________________________ Waleska de Brito Nunes

Data de aprovação, Santa Cruz RN: _____/______/______

Banca Examinadora

________________________________________ Profa. Dra. Ana Luiza de Oliveira Oliveira

Orientadora (UFRN)

________________________________________ Prof. Dr. Lucas Pereira de Melo

Membro externo (USP)

________________________________________ Profa. Dra. Cristiane Spadacio

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Dedico esse trabalho à Deus que sempre me deu motivos para não desistir diante das minhas fraquezas, aos meus filhos e também meu companheiro Matias. Enfim, a todos que contribuíram para esse momento de vitória, muitíssimo obrigado.

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Tantos passos trilhados, mas sozinha não teria chegado até aqui. Agradeço a minha querida orientadora Ana Luiza de Oliveira e Oliveira por ter sido sempre muito tranquila e além dos conhecimentos compartilhados, ter tentado sempre me transmitir sua tranquilidade com conselhos de que tudo daria certo no final, sempre acreditando que conseguiríamos elaborar, desenvolver e finalizar essa pesquisa.

Agradeço aos estudantes Helysson, Bárbara e Luana que em muitos momentos mediaram meu contato com os potenciais participantes dessa pesquisa, sendo sempre muito prestativos e atenciosos com minhas solicitações, assim como a minha querida prima Yasmin Souto, estudante de medicina, que me ajudou com referências sobre a história da profissão.

Agradeço aos participantes desse estudo, que foram unânimes em respeito e atenção a minha proposta, concedendo seu tempo para acrescentar aos resultados aqui apresentados.

Agradeço à Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi da Universidade Federal do Rio Grande do Norte FACISA-UFRN, a qual sedia o mestrado em Saúde Coletiva ao qual sou vinculada, por ter sido instrumento de inclusão e possibilitado a tantos acadêmicos da região, a oportunidade de terem uma pós-graduação mais próxima de seus lares.

Agradeço a todos os professores do mestrado, por terem proporcionado uma troca de saberes durante o curso das disciplinas que foram fundamentais para o meu amadurecimento acadêmico.

Agradeço aos meus colegas de turma do mestrado, com os quais pude vivenciar os anseios e também a satisfação por termos alcançado nosso objetivo de nos tornarmos mestres.

Agradeço aos meus colegas de trabalho da Universidade Federal de Campina Grande, por sempre me estimularem a prosseguir na minha qualificação profissional, me escutando e me mostrando que não seria fácil, mas seria essencial esse projeto de vida.

Agradeço também, aos membros da minha Banca examinadora, os quais, com suas experiências riquíssimas, deram suas contribuições no intuito de se alcançar o maior aperfeiçoamento desse trabalho.

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“Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas.

As pessoas mudam o mundo. ”

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Introdução: O modelo de ensino superior ofertado na área saúde, em especial a do profissional médico, vem apontando a formação como insuficiente ou incapaz de alcançar uma assistência à saúde que seja resolutiva e em consonância com Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse sentido, políticas públicas nos campos da saúde e educação vêm estimulando mudanças fundamentais pelas quais as instituições de ensino superior caminham reestruturando seus Projetos Pedagógicos Curriculares, suas propostas metodológicas e na inserção precoce dos estudantes em cenários de prática no SUS. A Escola Multicampi Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EMCM/UFRN), alicerça o processo ensino aprendizagem em metodologias ativas e com a inserção longitudinal dos estudantes de medicina na rede de saúde pública de municípios do interior do RN – Caicó, Currais Novos e Santa Cruz através dos módulos Vivência Integrada na Comunidade (VIC). Objetivo: Compreender a percepção dos estudantes do 1o ao 8o período do curso de medicina

da EMCM acerca do papel formativo das VIC e como tal estratégia pode impactar sua futura prática profissional. Método: Trata-se de estudo descritivo, exploratório de abordagem qualitativa. A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas individualmente com 25 estudantes do curso de medicina matriculados em um dos sete módulos VIC e que realizassem suas atividades no município de Santa Cruz. Para análise dos dados foi utilizada a Análise de Conteúdo de Bardin, da qual emergiram cinco categorias, a saber: i) A formação Baseada na Comunidade inseridas nas Redes de Atenção à Saúde como mudança de paradigmas; ii) A diferença em aprender pela teoria e pela prática na realidade; iii) O trabalho interprofissional na formação médica; iv) a preceptoria médica nos serviços de saúde e v)busca pela especialidade como sequelas de uma cultura biomédica Resultados: Foi elencado que os estudantes reconhecem as VIC enquanto experiências práticas que proporcionam o contato com os serviços de saúde, valorizando a Atenção Primária à Saúde. Nesta imersão, os(as) estudantes experimentam o trabalho interprofissional e passam a compreender o sentido de Rede de Atenção à Saúde. Apesar dos benefícios educacionais, foi apontado fragilidades do SUS no município e entraves na articulação entre serviços, preceptores, gestão e a instituição de ensino. Conclusões: Fica explicito que a inserção precoce dos estudantes nos cenários de prática do SUS é percebida como fundamental na formação, para que a prática médica futura seja condizente com as necessidades de saúde local. Persistem problemáticas herdadas do modelo biologicista de atenção à saúde que se relacionam tanto com a idealização da prática profissional dos estudantes quanto com a postura de preceptores médicos que atuam de acordo com o modelo biomédico culminando em dificuldades de atuação que lide com o conceito ampliado de saúde. A EMCM tem um potencial transformador e estudos sobre a implementação de sua proposta de ensino devem ser realizados afim de avaliar o processo evolutivo de suas metas.

Palavras- chaves: Currículo. Educação médica. Diretrizes Curriculares Nacionais. Programa Mais Médicos. Internato longitudinal.

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that of the medical professional, has been pointing to insufficient training or incapacity to achieve health care that is resolvable and in harmony with the Unified Health System (SUS). In this sense, public policies in the areas of health and education have been stimulating fundamental changes. To meet this demand, higher education institutions are restructuring their pedagogical projects and curricula betting on methodological proposals and the early insertion of students in the medical practice environments of SUS. The Multicampi Medical Sciences School of the Federal University of Rio Grande do Norte (EMCM / UFRN), bases the process teaching learning in active methodologies and with the longitudinal insertion of medical students in the public health network of municipalities of the interior of the RN - Caicó, Currais Novos and Santa Cruz - through the longitudinal internship modules Integrated Community Experience (VIC). Objective: To understand students' perceptions of the 1st to 8th period of the EMCM medical course about the formative role of VIC and how this strategy can impact their future professional practice. Method: This is a descriptive, exploratory study with a qualitative approach. The data collection was done through semi-structured interviews conducted individually with 25 medical students who carry out the VIC modules in the municipality of Santa Cruz. To analyze the data, we used the Bardin Content Analysis, from which five categories emerged: i) Community Based Training in Health Care Networks as a paradigm shift; ii) The difference in learning from theory and practice in reality; (iii) interprofessional work in medical training; and iv) The pursuit of specialty as sequels of a biomedical culture? Results: It was mentioned that the students recognize the VIC as practical experiences that previously provide the contact with the health services, valuing the Primary Health Care in the implementation of the Family Health Strategy; experience the interprofessional work and begin to understand the sense of Network of attention to Health. It was also pointed out the recognition of the potentialities and fragilities of the SUS, and obstacles in the articulation between services, preceptors and the teaching institution. Conclusions: It was made explicit that the early insertion of the students in the SUS practice scenarios with FHP appreciation is perceived as fundamental in the formation, so that the future medical practice is consistent with the reality of the people to be assisted and with the SUS, but they persist problems inherited from the biological model of health care that are related both to the idealization of the professional practice of students and to the posture of medical preceptors who act according to the biomedical model culminating in difficulties of broad performance in the FHS. The EMCM has a transformative potential and studies on the implementation of its teaching proposal must be carried out in order to evaluate the evolutionary process of its goals.

Keywords: Curriculum. Medical education. National Curricular Directives. More Doctors Program. Internship longitudinal.

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ABC- Aprendizado Baseado na Comunidade APS - Atenção Primária à Saúde

CAPS- Centro de Atenção Psicossocial

CAPSAD- Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas CNS - Conselho Nacional de Saúde

CONEP - Conselho Nacional de Saúde DCN - Diretrizes Curriculares Nacionais

EMCM - Escola Multicampi de ciências médicas ESF – Estratégia Saúde da Família

FACISA - Faculdade de Ciências da Saúde

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LASSSO -

LDB - Lei de Diretrizes e Bases MEC - Ministério da Educação

NASF- Núcleo de Apoio à Saúde da Família NOB - Norma Operacional Básica

OPAS - Organização Pan-Americana de Saúde PB – Paraíba

PBL- Aprendizado Baseado em Problemas PDI - Plano de desenvolvimento Institucional PMM - Programa Mais Médicos

PPP - Projeto Político Pedagógico RAS - Redes de Atenção à Saúde

REUNI - Reestruturação e Expansão das Universidades Federais RN - Rio Grande do Norte

SAMU - Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SESU - Secretaria de Ensino Superior

SIGAA - Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas TBL- Aprendizado Baseado em Times

TCLE - Termo de Consentimento Livre e esclarecido UBS – Unidade Básica de Saúde

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MINHA IMPLICAÇÃO COM A PESQUISA ... 13

INTRODUÇÂO ... 16

1 O PERCURSO DA FORMAÇÂO MÉDICA ATRAVÉS DO TEMPO ... 22

1.1 FORMAÇÃO MÉDICA NO CENÁRIO NACIONAL ... 29

1.2 A Escola Multicampi de Ciências Médicas como equipamento tensionador de mudanças ... 36

2 METODOLOGIA ... 43

2.1 Tipologia e abordagem do estudo ... 43

2.2 Cenário e sujeitos ... 44

2.3 A coleta de dados ... 45

2.4 Métodos de análise ... 46

2.5 Considerações éticas da pesquisa ... 48

3 O PAPEL DAS VIC NA FORMAÇÃO DO ESTUDANTE DE MEDICINA E NA FUTURA PRÁTICA MÉDICA ... 50

3.1 “Não é só estar na unidade de saúde por estar, é estar lá com a comunidade”: A formação Baseada na Comunidade nas Redes de Atenção à Saúde como mudança de paradigmas ... 51

3.2 “Quando a gente vem para realidade, lidamos com as coisas como elas realmente são”: A diferença em aprender pela teoria e pela prática na realidade . 55 3.3 “Hoje consigo compreender a importância da interação com toda equipe”: o trabalho interprofissional na formação médica ... 57

3.4 “Passei por 3 preceptores médicos durante minhas VIC e um deles era residente da EMCM, só com ele foi que realmente uma experiência acadêmica”: A preceptoria médica nos serviços de saúde ... 60

3.5“Acho que existem coisas mais importantes para a prática do médico, mas por causa da VIC não temos tempo para estudar”: A busca pela especialidade como sequelas de uma cultura biomédica? ... 63

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MINHA IMPLICAÇÃO COM A PESQUISA

Vive-se uma época de incoerências em todos os aspectos da vida, passa-se uma ideia de todo, quando se vive uma parte, passa-se a ideia de uma bondade, quando se vive uma maldade, maldade para com a vida, para com o outro, com os recursos naturais, enfim cada vez mais a individualidade e superficialidade se agregam às pessoas.

Enquanto educadora da área da saúde, me pergunto constantemente sobre que profissionais ajudo a formar, que aspectos práticos, teóricos e valores ajudo a construir enquanto figura de pessoa que contribui numa estruturação profissional dos educandos. Por vezes não encontro respostas, pois é tudo muito relativo, tudo tem um ponto de vista a ser definido e percebido diante de fatos que se apresentam.

A certeza “temporária” que tenho, é de que meus atos, minhas falas e meu posicionamento enquanto formadora, repercute em algum momento na prática dos estudantes que comigo alicerçam sua base de conhecimento profissional. Eu mesma, por vezes argumentei que, um dia sendo professora, não me proporia a ter posicionamentos semelhantes aos de “docentes inadequados” ou “preceptores inadequados” mediante análises pessoais da estudante que era àquela época de graduação.

Fui graduada em uma Instituição Federal, fruto da interiorização do ensino superior. Lembro que na ocasião, apresentava-se para mim, a possibilidade de realizar um dos maiores sonhos de juventude de qualquer pessoa, o de ter um curso superior, de modo a se esperançar maiores chances de emprego e mudança de vida, já que na região onde vivia e ainda vivo (Curimataú paraibano), essa era a oportunidade exclusiva de poucos filhos de famílias com melhores condições econômicas.

Lembro que a mobilização social para a criação do campus universitário, era imensa, muitos representantes políticos e civis recolhiam assinaturas para fortalecer a justificativa da demanda de criação daquele campus que viria a se tornar local de transformação de vidas, centenas de vidas diretamente e muitas tantas indiretamente. Hoje já não se imagina como seria se aquela então proposta, não tivesse se consolidado, pois para aquelas pessoas, nas quais me incluo, posso dizer metaforicamente que o mandacaru floresceu com as chuvas de bênçãos. Agricultores com seus filhos na universidade, perto de casa, sem terem de abrir mão de seus

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sonhos por impossibilidades de estudar na cidade grande. Assim como eu, filhas de domésticas, cursando uma graduação gratuita e podendo concluí-la mediante ajuda de políticas públicas que garantiram a finalização de seu curso.

Por ter vivenciado políticas públicas sociais que me possibilitaram o acesso à educação de nível superior, pude passar por uma transformação de vida que influenciou diretamente a construção do que sou e da visão de mundo que possuo. Vejo e reflito, permanentemente, sobre os aspectos sociais, culturais e econômicos que cercam a região onde vivo, ou vivem meus familiares e amigos. Percebo que, sem sombra de dúvidas, o âmbito da saúde pública vem apresentando lacunas, passando pela a estrutura física até ao perfil de profissionais que não atentam para as reais necessidades da população, e dessa forma, não se alcança a eficácia esperada dos serviços.

Além da observação pessoal sobre o que relatei, tive a oportunidade ou sorte, como alguns podem assim dizer, de pouco tempo depois do diploma emitido, voltar àquele campus como docente do curso que me formou, e de fato, como eu preanunciava na graduação, tentar fazer diferente dos (as) que eu julguei inadequados (as) e me espelhar nos (as) que admirei enquanto docentes e preceptores.

Um dos componentes curriculares que estão sob minha responsabilidade, é do estágio supervisionado em enfermagem na Atenção Primária à Saúde, venho por cinco anos escutando os relatos das experiências vividas pelos (as) estudantes nesse cenário de prática e dividindo com eles as angustias e alegrias quando confrontamos a teoria apresentada nas aulas e a realidade dada na prática. Refletimos juntos sobre o que nos apresenta nessa realidade e sobre quais os papeis que cada um de nós temos para reafirmar ou mudar o que acontece no dia a dia dos serviços de saúde, e inúmeras vezes a figura do médico cerca algumas problemáticas discutidas nos diálogos, hora enquanto peças fundamentais para as soluções dos entraves, hora como sendo eles próprios, ou melhor, algumas de suas posturas, os geradores de problemáticas.

No mestrado, me deparei com a possibilidade de estudar a formação do médico em um cenário parecido com o que me apresentara a tempo de graduação. Um novo curso que se estrutura enquanto instrumento de transformação social na sua proposta. Pioneiro na região onde fica localizado e que carrega um vasto significado para as pessoas que vivem próximo a região onde está localizado, lugar historicamente

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marcado pela dificuldade de acesso a serviços de saúde e pela indisponibilidade de profissionais médicos para atender as demandas locais.

Diante da possibilidade, fiz a observação, de que, neste cenário, de saúde pública fragilizada, as profissões da saúde têm importante papel para promover mudanças que resultem na melhoria da qualidade da assistência às comunidades, em especial as mais carentes. O médico por ser tido como figura de forte poder decisório nas instâncias de cuidado à saúde, influenciando consideravelmente nos rumos da assistência, merece ser alvo de incitações a reflexão.

Diante disso, assumo por conta em risco, como enfermeira e docente na formação de profissionais da saúde, que estudar aspectos de um curso de graduação em medicina é uma possibilidade de, ao adentrar em território alheio, compreender como a Universidade pode influenciar o perfil de estudantes a partir de seu projeto pedagógico curricular. Essa compreensão é importante para compreendermos como os (as) estudantes percebem sua formação e o impacto dela em seu futuro papel social, do (a) médico (a). Assim, permearei em área profissional diferente da minha formação primeira, mas com semelhanças, creio eu, nos objetivos finais: proporcionar melhores condições de saúde às pessoas no interior do Brasil, especificamente na região nordeste.

Explorar esse terreno, tem um propósito que transpõe a investigação acerca da formação médica, indo ao desejo de que, em um futuro próximo, as evidências de um perfil profissional médico descomprometido com as fragilidades sociais das comunidades, sejam revertidas em uma nova prática onde predomine a figura de médicos com responsabilidade social. Espero que tenhamos médicos que coloquem os pés na terra árida do sertão, subam pelos morros das favelas, adentrem na floresta amazônica, da mesma forma que os mesmos estacionam seus carros nas vagas reservadas em frente aos consultórios privados ou de grandes centros hospitalares.

Nesse sentido, esta dissertação almeja evidenciar um processo inovador da implantação de uma escola de medicina no sertão potiguar que carrega em sua missão a necessidade de fixar os filhos da terra neste chão. Que tenta, a partir de propostas educacionais inovadoras, desenvolver a responsabilidade social dos estudantes e que, em última instância, pode ser responsável pela remodelagem ou reorientação de uma formação profissional mais comprometida com o povo.

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INTRODUÇÂO

Frente ao emergir de problemáticas reveladoras do cuidado ao ser humano para além de uma doença, o olhar voltado ao modelo de formação ofertado na área saúde, em especial a do profissional médico, vem apontando a formação como insuficiente ou incapaz de alcançar uma assistência à saúde que seja resolutiva e em consonância com Sistema Único de Saúde (SUS) (DIAS, LIMA e TEIXEIRA, 2013).

Nesse sentido, os diferentes sistemas de saúde, ao sofrerem mudanças estruturais, motivam mudanças, também, no modo de formação dos profissionais e vice-versa. Constata-se, portanto, que é essencial formar profissionais que atuem em busca de resultados positivos no que se refere as melhorias da saúde pública das populações para que possam influenciar os sistemas nacionais de saúde em que estão inseridos.

O papel influenciador da formação sobre um modo de ser profissional, é um aspecto trabalhado com relativa frequência na profissão médica. Costa (2007) coloca o fato de a literatura referir-se com insistência à

[...]necessidade de formar um médico capaz de conduzir, de forma autônoma, seu processo de aprendizagem ao longo da vida profissional, de adaptar-se e participar das mudanças, com aptidão para raciocinar criticamente, para analisar sistemática e logicamente os problemas e tomar decisões fundamentadas em sua própria avaliação. Os documentos apregoam a necessidade da formação geral e humanística, da responsabilidade do médico perante a sociedade, da valorização da relação médico-paciente e do dever ético da profissão. (COSTA, 2007, pp.22)

Ao se almejar um perfil profissional ideal, as instituições devem formular estratégias que viabilizem a cada estudante, a possibilidade de se tornar o egresso desejado frente aos objetivos da instituição formadora. Assim, os documentos estruturantes de um curso de graduação, tais como o Projeto Pedagógico Curricular (PPC) e o currículo devem apresentar uma missão e um modus operandi que coincida com o perfil de egresso e com o projeto de sociedade desejado. Nesse arranjo, Tomáz (2018) afirma que, “o PPC compreende as propostas e programas de ações planejadas, para serem executadas e avaliadas em função dos princípios e diretrizes educativas” (Tomáz, 2018, p.3).

Juntamente com o PPC, tem-se a figura do currículo que, tal como o estilo de pensamento, não pode ser separado da totalidade do social, sendo necessário para

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isso, uma construção histórica e culturalmente orientada (CUTTOLO, 1999). Para que tais objetivos sejam alcançados, há de se construir e planejar estratégias que sejam compartilhadas entre as esferas decisórias do país em total consonância com o local onde o currículo será materializado na prática educacional. A existência de políticas públicas educacionais que fomente o desenvolvimento de práticas educacionais comprometidas com a realidade deve apresentar PPC e currículo relacionados à finalidade da instituição de ensino, orientando as políticas escolares de modo que a instituição possa realizar sua função social.

Desse modo, a trama estabelecida entre elementos constituintes da Universidade como instituição, se embaralha, nunca de forma neutra, na disputa pelo modelo de sociedade desejado. Assim, é pertinente afirmar que não existe neutralidade no PPC, no currículo e na instituição de ensino no qual ambos são desenvolvidos, uma vez que:

“o currículo nunca é um conjunto neutro de conhecimentos, ele é parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo (...) e reflete-se na sociedade em que vivemos, é a imagem que reflete-se forma e que reflete-se projeta do espelho, sem distorções, de uma sociedade capitalista, onde cultura, poder e ideologia estão intimamente ligadas ao currículo”. (Apple apud Richter, Lopes e Freitas, 2006).

No modelo da formação médica no Brasil, podemos apontar a influência de uma nova ordem social no sistema das profissões, a partir dos anos 2011, a qual fez-se reverberar nos PPC e nos currículos de algumas Universidades. Influenciadas pela necessidade de formação de médicos com perfil que pudesse atender as demandas sociais, principalmente, do interior do país, propostas de criação de cursos de medicina foram apontadas no âmbito do Programa Mais Médicos para o Brasil (PMM). Nesse contexto, a defesa da necessidade da construção de PPC como sendo o plano institucional global configurado em um instrumento teórico-metodológico de orientação, intervenção e mudança da realidade, foi pensada de modo a gerar um produto compatível com as necessidades da área em que fosse implementado.

Apesar de ter exercido uma influência na estruturação de alguns cursos de formação médica, é importante evidenciar o caráter temporário do PMM enquanto sendo um Programa, que não tem caráter de permanência e consequentemente, poderá deixar de existir enquanto impulsionador de modificações curriculares. Nesse sentido, entende-se que as DCN para o curso de medicina, orientam as estruturações

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dos cursos de medicina, o PMM, por sua vez vem contribuindo para implementação de mudanças, no entanto, enquanto documentos a serem criados por agentes secundários (gestores educacionais, professores, entre outros), o PPC e os currículo são quem mais se aproximam da real mudança ou conservação de parâmetros formativos para os diferentes cursos.

Tomando como entendimento o cenário político como estruturante de nosso pensamento, acredita-se numa forte influência que a implementação do que está posto no PPC e no currículo, representa na construção de um estilo ou modelo de atuar profissional singular. Assim, diante de uma oportunidade política que carregou a compreensão da importância do currículo e do PPC na constituição da identidade profissional do médico, no ano de 2014 a Escola Multicampi de Ciências Médicas (EMCM) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) foi criada.

Visualiza-se a EMCM como instituição com distinto modelo pedagógico, orientado por um currículo baseado em competências, por componentes teóricos e práticos que valorizam o cenário da Atenção Primária à Saúde (APS), em favor de uma formação generalista ancorada em aspectos técnicos, éticos e humanista da profissão médica. Sua sede física encontra-se no município de Caicó, capital do Seridó potiguar. Sua estrutura real, entretanto, é multicampi pois desenvolve atividades acadêmicas em mais dois municípios do Rio Grande do Norte: Currais Novos e Santa Cruz. Tal opção foi estratégica para que os estudantes fossem inseridos nas redes municipais de saúde de três municípios, Caicó, Currais Novos e Santa Cruz como forma de produzir vínculos entre os estudantes e um dos três municípios para aumentar a possibilidade de fixação profissional futura.

A fim de valorizar o acesso à Universidade considerando as especificidades locais e a permanência do(a) estudante na região, além de sua estrutura multicampi, a EMCM apresenta um sistema de ingresso mediante políticas afirmativas regionais denominado Argumento de Inclusão regional (AIR). Tal argumento busca oportunizar a formação de médicos da e na região, no intuito de que os mesmos possam se fixar na sua região de origem na tentativa de, futuramente, amenizar a situação de escassez do profissional médico na região.

A partir desta concepção e decorrente do cenário político estabelecido nacionalmente em favor da abertura de novas escolas médicas em regiões subservidas do profissional médico, a EMCM torna-se uma aposta da UFRN. Com função estratégica para impulsionar o campo da educação e da saúde no interior do

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Rio Grande do Norte, a EMCM nasce orientada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para cursos de medicina (DCN, 2014).

A dinâmica de trabalho na Instituição, utiliza no processo ensino-aprendizagem metodologias ativas como: Aprendizado Baseado na Comunidade (ABC), Aprendizado Baseado em Problemas (PBL), Aprendizado Baseado em Times (TBL), Aprendizado Baseado em Projetos (ABP), dentre outras. Todas estas metodologias se cadenciam em um modelo pedagógico orientado pela centralidade do estudante em seu processo de aprendizagem com vistas à responsabilidade social inserida na prática profissional.

Este modelo curricular tem como principal objetivo desenvolver no (a) estudante elementos que constituem um objetivo de aprendizado em três dimensões, a saber: 1) o saber e seus aspectos cognitivos, 2) o saber fazer e seus aspectos psicomotores e, 3) o saber ser e seus elementos atitudinais e éticos. Quando estas dimensões se materializam na motivação do(a) estudante em resolver um problema oriundo da realidade em que ele(a) se insere, o currículo produziu seu objetivo com responsabilidade social.

Respeitando as metodologias ativas enquanto construtoras de saberes e práticas, a figura do (a) estudante em interação perene com o SUS, pode fortalecer o processo de integração ensino-serviço-comunidade além de gerar aprendizagem para todos os envolvidos. Uma das formas de alcançar este objetivo curricular são os módulos Vivência Integrada na Comunidade (VIC), oferecidos do 2º ao 8º período do curso de medicina da EMCM, em um modelo de Internato Longitudinal.

O modelo de Longitudinal Integrated Clerkship (LIC) apresenta benefícios para a formação do estudante, o desenvolvimento docente e o sistema de saúde loco-regional. Dessa forma, cada módulo VIC possui carga horária de 120 horas e duração de quatro semanas. Os (as) estudantes são distribuídos, nos três municípios que compõe o eixo multicampi, permanecendo na mesma Unidade Básica de Saúde (UBS) ao longo das 7 VICs realizadas durante sua formação. Em cada VIC o número de cenários de prática aumenta de acordo com o nível de atenção e os equipamentos de saúde disponíveis em cada realidade.

As experiências dos estudantes durante as 4 semanas em que cursam cada VIC, desencadeiam de forma potente elementos que devem ser observados e analisados. Compreender a percepção que os estudantes têm acerca do papel formativo dos

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módulos VIC e de seu impacto futuro na prática médica é, portanto, o objetivo desta pesquisa.

Acreditarmos que ouvir e analisar os sentidos atribuídos pelo corpo discente sobre este componente curricular é relevante para identificar as fortalezas e as fragilidades do mesmo para que, em última instância, possamos problematizar a formação médica e a integração ensino-serviço-comunidade em favor da saúde pública e da melhoria da qualidade de assistência à saúde das comunidades locais.

Essa dissertação é composta por 3 capítulos, além desta introdução, para melhor apresentar os dados ao leitor. O capítulo 1 apresenta uma breve revisão da literatura englobando a constituição da formação médica e do emergir medicina enquanto prática profissional situando o leitor em momentos específicos, destacando os principais aspectos da medicina em cada período histórico indo ao caminhar da formação médica no Brasil, abordando algumas políticas e programas que se articularam até a construção das DCN de 2014. Aqui, também, apresentaremos a EMCM, descrevendo aspectos gerais da instituição e suas metodologias de ensino. O capítulo 2 tem por objetivo a apresentação de nosso percurso e referencial metodológico para a construção desta pesquisa. A apresentação e discussão dos dados serão postas no capítulo 3, pelo qual elencaremos os resultados que serão analisados a partir das categorias temáticas oriundas das entrevistas semiestruturadas. Por último são dadas as considerações finais da pesquisa.

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“A educação qualquer que seja ela, é sempre uma teoria do conhecimento posta em prática”

(FREIRE, 1983, p. 40) _______________________________________________________CAPÍTULO 1

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1 O PERCURSO DA FORMAÇÂO MÉDICA ATRAVÉS DO TEMPO

Esse capítulo tem como objetivo apresentar, brevemente, ao leitor, aspectos gerais da prática médica em diferentes momentos a fim de situar a história presente e descrever como a medicina foi se constituindo em sua posição de poder historicamente. Apesar de nosso objetivo não ser um estudo historiográfico da constituição da medicina como profissão, este capítulo se faz relevante por apresentar em que medida o modelo de educação médica atual é influenciado por necessidades históricas da medicina.

A palavra medicina é de origem latina e surge representando a "arte de curar" (FELDMAN, 2015). A definição do dicionário Aurélio (2004) para o termo, afirma ser "a arte e ciência de evitar ou curar doença, ou de paliar seu (s) efeito (s)" (FERREIRA, 2004, p. 1877). No dicionário Houaiss (2007), temos que se trata do "conjunto de conhecimentos relativos à manutenção da saúde bem como a prevenção, tratamento e cura das doenças, traumatismos e afecções, sendo considerada por alguns, uma técnica e por outros, uma ciência" (HOUAIS e VILLAR, 2007, p. 1299). Diante dos sentidos apresentados, tem-se que a prática médica, vem se relacionando com distintas abordagens, as quais vieram se estruturando, em decorrência da própria evolução histórica da profissão quanto da compreensão do processo saúde-doença de maneira ampliada.

Podemos iniciar esta história, na perspectiva ocidental, tendo como origem da medicina Asclépios e suas filhas, Panaceia e Higeia, contextualizando que na Grécia antiga saúde era concebida como resultante da harmonia entre o homem e o ambiente com seus elementos (terra, fogo, agua e ar). A terapêutica foi pensada em decorrência de sua necessidade social e sistematizadas por Hipócrates (SCLIAR, ALMEIDA FILHO e MEDRONHO, 2014).

Hipócrates (460-377 a.C.), prático em medicina, vem sendo considerado o pai da Medicina. Postulou em seus escritos, uma racionalidade para explicar o processo saúde doença e consequentemente em como o “médico” deveria orientar sua prática. Em seu tratado “Ares, Águas e Lugares”, Hipócrates especulou as relações existentes entre as patologias e o clima, a água, o solo e os ventos predominantes (PEREIRA e NÉLIO, 2014).

A medicina grega foi adotada pelos romanos e dentre os primeiros “médicos” de Roma, formados através da prática ou oficio mediante a relação mestre-discípulo,

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destaca-se a figura de Galeno (129?-126?) que sustentou e ampliou a teoria humoral de Hipócrates, estabelecendo uma relação entre humores e temperamentos. Galeno criou o conceito de faculdades referentes ao funcionamento do corpo, originário da expressão “faculdades mentais”. (SCLIAR, ALMEIDA FILHO e MEDRONHO, 2014)

Do período da Antiguidade para o Medievo, houve uma considerável mudança de paradigma da medicina hipocrática baseada na relação entre homem e natureza passando a ser, o conhecimento médico, direcionado apenas por contemplação e teoria. O ensino era conduzido por leitura de textos, discussões e avaliação dos conhecimentos com métodos essencialmente baseados na memorização. Nesta perspectiva de ensino, na história da medicina medieval apontam-se duas grandes etapas: Baixa Idade Média (dos séculos V aos XIV) e Alta Idade Média (dos séculos XI aos XV).

O saber médico na Baixa Idade Média tinha sua base nos ensinamentos da ciência grega e romana de que se dispunha integrados na nova mentalidade cristã que ia se conformando em consequência das invasões bárbaras. Não havia a concentração e monopólio do conhecimento em sua magnitude, entretanto foi neste momento que as instituições católicas fundam os mosteiros. Diferente do que era assumido como pratica médica na Antiguidade em seu caráter mágico-religiosas, a medicina passou a ser uma forma de controle dos corpos e da relação do homem com a sua alma. (SOUSA e COSTA, 2005).

Neste período histórico também tornou-se cada vez mais visível a distinção social por classes econômicas. Para os pobres, a prática médica era exercida pelos religiosos em forma de caridade ou por leigos, barbeiros, boticários e cirurgiões, já ações coletivas em saúde eram apenas exercidas em situações muito críticas, como em epidemias e pragas o que deu início às estratégias de Saúde Pública como forma de manter a ordem social. Entretanto, para a aristocracia, havia um médico particular para cada família, que em muitos casos era um cortesão especialista também na arte de matar por envenenamento. (SCLIAR, ALMEIDA FILHO e MEDRONHO, 2014)

Do século XI ao XV, na Alta Idade Média, o saber médico árabe entra no Ocidente. A essa fase denominou-se a medicina de “quase técnica”, e também se falava de uma “medicina monástica”. (SILVA, 1997). A formação médica passava, paulatinamente, de uma prática de oficio para o ensino formal abrigada nos mosteiros sendo os manuscritos sobre as ciências médicas, em sua grande parte, preservados

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pelas ordens religiosas. Importante lembrar que além do clérigo, alguns médicos práticos atuavam paralelamente pela Europa (REZENDE, 2009).

De acordo com Rezende (2009), a Escola de Salerno foi a instituição promoveu mudanças decisivas dentro da ciência médica, principalmente para a processo de transformação da medicina em profissão. A existência de ensino formal e institucionalizado, tomando como decisivo para o conceito de profissão coloca a Escola de Salerno como pioneira pois oferecia o curso médico com exigências de estudos preparatórios e mais cinco anos, sendo o último, equivalente ao atual internato. Após cumprido este modelo, os aprovados recebiam uma licença para exercer a medicina (REZENDE, 2009). Essa Escola adquiriu seu reconhecimento depois das traduções da medicina árabe ao latim, tornando acessível o conhecimento para todo o ocidente. As faculdades de Medicina das universidades europeias do século XIII foram as encarregadas de retomar a herança da Escola de Salerno (SILVA, 1997).

O legado da formalização do ensino médico na Idade Média pode ser visto através da criação das primeiras Universidades. Entre as primeiras universidades com o curso de medicina tem-se: Bolonha, Montpellier, Paris, Oxford, Cambridge e Pádua (REZENDE, 2009). Assim, a transição do século XIII até o Renascimento entre meados do século XIV e o fim do século XVI, trouxe elementos de ensino através da prática e não apenas em escrituras. Nesta direção, o Humanismo retomou os valores da cultura greco-romana e o Homem foi percebido como centro de todas as coisas e alvo para descobertas científicas em áreas como a astronomia, física, matemática, geografia e também na medicina. É nesse período, em 1543, que Andreas Versalius publica “De Humani Corporis Fabrica” (Da Organização do Corpo Humano), um dos mais influentes livros científicos sobre anatomia humana, área bastante estudada no período renascentista (CREMESP, 2010).

Ainda no período renascentista, outros desenvolvimentos também contribuíram para a modernização da pesquisa e do ensino em medicina, a exemplo dos livros impressos que permitiram uma disseminação das ideias médicas e diagramas anatômicos e a diminuição da influência da Igreja sobre os ensinamentos da profissão médica e das universidades. Some-se a isso, a criação do microscópio no século XVII trazendo avanços na ciência e consequentemente para as profissões que utilizavam as disciplinas cientificas em sua prática profissional, como a medicina.

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Entendendo que a doença era algo externo ao organismo, a medicina passou ser tida como grande aliada contra as patologias e os remédios oriundos da composição química. Fundamental para a medicina moderna, a racionalização cada vez mais predominante, traça um novo paradigma para a profissão, tornando-a científica e inaugurando o biologicismo como o marco de transição do galenismo para o modelo biomédico. (BELESTRIN e BARROS, 2009; BARROS, 2002).

Diante desse cenário de descobertas, diz-se que o modelo biomédico ou mecanicista, tem suas raízes históricas articuladas ao contexto do Renascimento e da revolução artístico-cultural dessa época e ainda, ao projeto expansionista de Portugal e Espanha, o qual demandava o surgimento de instrumentos técnicos que viabilizassem as grandes navegações (astrolábio, bússolas, caravelas, avanços na cartografia, etc), na tentativa de reatar o intercâmbio comercial com as Índias, a partir da tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453. (BARROS, 2002; CRUZ,20?)

O modelo biomédico tem como opera de modo a explicar a doença de maneira binária e assim, observar o corpo como um conjunto de partes cada vez menores, reduzindo a saúde a um funcionamento mecânico emergindo então a percepção do homem como máquina, concomitante com o advento do capitalismo. Data também do Renascimento, a explicação das doenças relacionando-se às situações ambientais, de modo que a causa das doenças passava a ser vista num fator externo ao organismo, e o homem era o receptáculo da doença. Firmou-se então a teoria dos miasmas, que foi a primeira proposta de explicação, dentro dos parâmetros da ciência, da associação entre o surgimento de epidemias e as condições do ambiente (CRUZ, 20?).A partir do século XVIII, mediante as mudanças culturais vivenciadas pela sociedade europeia, surge a figura do médico, mais ou menos como a conhecemos hoje, cuja prática baseia-se em conhecimentos científicos (MELO, 1989; MARGOTTA, 1998 apud OLIVEIRA, 2007).

Acompanhando o avanço cientifico, a partir do século XIX e XX, “a medicina evoluiu cognitivamente mais do que em toda a história da humanidade” (REZENDE, 2009, pp 281). Além do progresso científico, emergiram conceitos relevantes no que tange a saúde, que passa a ser compreendida como um bem-estar físico, mental e social (OMS) e reconhecida como um direito fundamental da humanidade, cabendo ao Estado zelar pela mesma (REZENDE, 2009).

A partir do século XIX, um elemento fundamental para problematizar a profissão médica e seu modelo de socialização foi o estabelecimento do sistema

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capitalista. No contexto capitalista, o poder de mercado influencia consideravelmente os rumos da prática profissional médica fazendo com que se perceba uma lacuna existente entre a efetividade da atuação profissional para com a melhora do estado de saúde de uma população e os interesses pessoais e de rentabilidade envolvendo a profissão. Marcador importante para esta polaridade da prática medica, foi o avanço tecnológico que assume papel importante tanto para diagnósticos quanto para tratamentos de enfermidades.

Destaque se nesse período, em 1910, o estudo Medical Education in the United States and Canada: A Report to the Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching, popularmente conhecido como Relatório Flexner (Flexner Report). Documento tido como o grande responsável pela mais importante reforma das escolas médicas de todos os tempos nos Estados Unidos da América (EUA), resultou em profundas implicações para a formação médica e a medicina mundial (PAGLIOSA e ROS, 2008).

Se, por um lado – para o bem –, o trabalho de Flexner permitiu reorganizar e regulamentar o funcionamento das escolas médicas, por outro – para o mal –, desencadeou um processo terrível de extirpação de todas as propostas de atenção em saúde que não professassem o modelo proposto. O grande mérito – para o bem – da proposta de Flexner é a busca da excelência na preparação dos futuros médicos, introduzindo uma salutar racionalidade científica, para o contexto da época. Mas, ao focar toda a sua atenção neste aspecto, desconsiderou – para o mal – outros fatores que afetam profundamente os impactos da educação médica na prática profissional e na organização dos serviços de saúde. Ele assume implicitamente que a boa educação médica determina tanto a qualidade da prática médica como a distribuição da força de trabalho, o desempenho dos serviços de saúde e, eventualmente, o estado de saúde das pessoas. Esta visão ainda pode ser facilmente encontrada hoje. As necessidades de saúde são tomadas como o ponto de chegada e não como ponto de partida da educação médica (PAGLIOSA e ROS, 2008 pp. 495).

Analisando o modelo econômico vigente, pode-se dizer que o modelo biomédico de assistência à saúde, dito como mecanicista, favoreceu ao gradual processo de especialização das profissões em saúde na medida em que o acesso ao consumo foi convertido no objetivo principal para o desfrute de níveis satisfatórios de bem-estar, bons níveis de saúde passaram a ser vistos como sendo equivalentes ao acesso a tecnologias diagnóstico-terapêuticas que tem sua eficácia e efetividade confundidas com seu grau de sofisticação. Ainda, foi paralelo às influências do

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mecanicismo, o impacto sofrido com a medicalização a partir da Revolução Industrial no século XVIII, a qual transformou tudo em mercadoria, em princípio destinada a produzir lucros. Nesse cenário, se constituiu o 'complexo-médico-industrial' para a ampliação da mercantilização da medicina, com todos os malefícios imbuídos, especialmente no acesso não equânime e universal aos serviços médico-assistenciais, inclusive aos essenciais (BARROS, 2002).

O modelo biomédico de assistência à saúde tem até os dias atuais, influencia na formação e na prática médica e manutenção do sistema capitalista. Percebe-se que no contexto do capitalismo, produziram-se profundas mudanças nas relações homem-trabalho no processo de divisão social do trabalho e, consequente, fragmentação do saber (OLIVEIRA, 2007), mantendo resquícios de modelos construídos historicamente, pelos quais a visão biomédica prevalece mesmo frente a tantos esforços de mudanças desse paradigma e percepção do adoecimento. (CEBALLOS, 2015)

Diante da ampliação da compreensão sobre o processo saúde-doença, mudanças vêm sendo propostas para a organização dos sistemas de saúde e sua função formativa (ALMEIDA FILHO e BARRETO, 2014). Promover mudanças na dinâmica de assistência à saúde passa a ser parte, também, da função da Universidade em oferecer uma formação médica responsável com a realidade em que se insere o profissional. Tarefa desafiadora frente ao panorama global de transições demográficas, epidemiológicas, econômicas, políticas e paradigmáticas, a oferta da prática profissional orientada pelas necessidades sociais deve ser perene nos Projetos Pedagógicos Curriculares (PPC) em contraposição à lógica de mercado que impede, em certa medida, o desenvolvimento das profissões de saúde em favor da promoção da equidade e justiça social.

A Medicina atual se coloca, em grande parcela como parte de um mercado tecnológico e orientado pela capitalização da prática médica. Este movimento é mais eficaz nos grandes centros urbanos. Essa tendência, tecnologia-centros urbanos-mercado, influencia na assimetria entre a distribuição demográfica do profissional médico no país quando se compara a fixação destes profissionais nas capitais e o interior. No que tange os recursos humanos em saúde, a escassez de profissionais de saúde em áreas remotas e vulneráveis é um importante obstáculo para a universalização do acesso à saúde em diversos países (OLIVEIRA, VANNI, et al., 2015).

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De acordo com Scheffer.et al, (2015), observa-se, no caso particular do Brasil, o aumento expressivo da quantidade de médicos nas últimas décadas, com maior entrada do que saída, a cada ano, de profissionais no mercado de trabalho, devido a abertura de mais cursos de medicina. Em contraste, esse crescimento no número de profissionais ainda não foi acompanhado da melhora espontânea na distribuição e na redução das desigualdades de acesso da população a esses profissionais. O autor coloca que persistem os “desertos” médicos, o que na opinião do mesmo, é um paradoxo, frente a realidade de um país que investe cada vez mais recursos públicos no aumento do número de médicos, sem que se percebam repercussões em termos de melhoria da distribuição desses profissionais.

Outra realidade, é a de que o governo e alguns pesquisadores, apostam na proposta de que frente a disponibilização de mais profissionais formados em regiões estratégicas, a situação da má distribuição desse profissional, será alterada. Porém, é imprescindível atentar que as nuances que envolvem essa problemática, vão bem além de mudanças nos documentos que regem a educação superior. Permeiam nesse cenário, questões de cunho político, culturais, sociais, econômicas e também pessoais, que num emaranhado complexo, ainda não possibilitaram aos pesquisadores de diferentes áreas, chegarem numa resposta ideal para alcançar uma mudança de paradigma definitiva.

O quantitativo de profissional médico por habitantes é apenas uma das variáveis relacionadas com a qualidade da assistência à saúde das populações. Para elucidar o que pode ser transformado nesse cenário nos próximos anos podemos colocar os dados da demografia médica 2018 que expõe essa realidade em números ao revelar que quando se compara as porcentagens de médicos e de população por região (ou estado) com os números do conjunto do país, as desigualdades são mais visíveis. Por exemplo, na região Sudeste, onde moram 41,9% dos brasileiros, estão 54,1% dos médicos, ou mais da metade dos profissionais de todo o País. Na região Norte ocorre o oposto: ali moram 8,6% da população brasileira e estão 4,6% dos médicos. No Nordeste vivem 27,6% dos habitantes do País – mais de 1/4 de toda a população – e ali estão 17,8% do conjunto de médicos. Nas regiões Sul e Centro-Oeste, a porcentagem de habitantes é bastante próxima da parcela de médicos (SCHEFFER, CASSENOTE e BIANCARELLI, 2018).

Na atualidade, em contraste com o desenvolvimento científico e tecnológico alcançado, a biomedicina encontra limitações para atender às complexas

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necessidades de saúde do ser humano. A articulação entre biomedicina, ciência e atenção à saúde se dá na interseção de dois campos: o tecnocientífico e o ético. Visto que a colonização científica do cotidiano é uma tendência preponderante da contemporaneidade, o campo de práticas da área da saúde, e da prática médica em especial, não foge a esse imperativo. Desse modo, destaca-se a necessidade em promover uma formação que promova “mudança de olhar / mudança de atitude”, ao se considerar a existência de uma forte inter-relação entre o ver, o saber e o agir. (NOGUEIRA, 2014).

Dessa forma, o que devemos problematizar para tornar consciente a prática médica como profissão no cenário atual não diz respeito, apenas, ao mercado de trabalho orientado pela lógica capitalista, mas, também, a forma como o conhecimento médico vem sendo socializado nas Instituições de Ensino Superior como parte de uma escolha entre dois projetos de ensino médico: o especializado orientado, majoritariamente, pela lógica do mercado e o generalista orientado, majoritariamente, pela responsabilidade social. Acreditamos que a partir do modo em que as profissões são socializadas nos ambientes formais de ensino, arquiteta-se a forma como ela é praticada.

1.1 A FORMAÇÃO MÉDICA NO CENÁRIO NACIONAL

Acreditamos, de fato, que a partir do modo em que as profissões são socializadas nos ambientes formais de ensino, arquiteta-se a forma como ela é praticada. Desta maneira, ilustrar como a medicina era ensinada e qual foi o seu processo de profissionalização é importante para a compreensão do tema aqui investigado.

Aponta-se que o ensino formal das profissões de saúde, no Brasil, incluindo medicina, teve como marco histórico, a vinda da família real portuguesa, momento em que foram criadas duas escolas, uma no Rio de Janeiro e outra em Salvador, no ano de 1808. Até o Brasil República, prevaleceu a formação de práticos, de modo que a formação profissional em saúde era obtida pela prática em laboratórios ou em serviços onde se prestasse a assistência alvo da formação. O ensino era prático e aprendia-se com os mais experientes exercendo as atividades, frente a essa formação, alguns conseguiam o “Certificado de Aptidão” ou o “Registro de Fiscalização Profissional”. Até então, o currículo e o ensino eram autorregulados de forma distinta, separada. O ensino era disponibilizado em uma forma empírica respondendo a necessidade ou

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problemas reais. Parte desse elemento prático ou de ensino pelo trabalho é perdido quando o ensino formal, utilizando currículos ou diretrizes curriculares nacionais orientadas pelo modelo biomédico, passam a valorizar a teoria em detrimento da prática. (CAMPOS, BONFIM, et al., 2012).

O processo de profissionalização da Medicina pode ser analisado a partir criação da primeira escola médica em fevereiro de 1808: o Curso Médico Cirúrgico da Bahia. Após a constatação do cirurgião-mor da corte sobre a precariedade das condições sanitárias locais da cidade do Rio de Janeiro, instalou-se, em novembro de 1808, a segunda escola médica no Brasil. A partir destas duas Instituições a estruturação do curso superior no país é iniciada.

Ainda que existissem as escolas médicas no território nacional, havia grande distanciamento entre a prática médica do aprendizado médico. A fim de estabelecer como profissão, em 1832, com a reforma das duas escolas médicas existentes, foi aprovado legalmente o reconhecimento das atividades médicas, unificando as atividades de cirurgião, boticário e físico ficou marcado (Brasil, 1932). Este movimento político mudou o perfil do profissional médico pois, a partir de agora, apenas os práticos profissionais formados nas faculdades de Medicina, ou por elas legitimados, poderiam exercer legalmente a medicina. Mudam-se as condições de formação médica para mudar o perfil do médico na sociedade (LAPERT, 2002).

Tal constatação ficou mais evidente quando, assim como em todo mundo ocidental, o ensino médico no Brasil sofreu influência do relatório Flexner publicado em 1910. O referido relatório entra na história do ensino médico no mundo pois, a partir dele, torna-se

ímpossível discutir a educação médica, (...), sem referir Flexner e seu relatório. Isto se deve, em grande parte, à grande capacidade de Flexner como administrador e à sua habilidade em manipular as estruturas de poder, além de saber utilizar a autopromoção de forma muito eficaz. Na verdade, Flexner não teve idéias originais sobre o ensino médico. Quando fez sua investigação e elaborou seu relatório, as modificações na educação médica nos EUA já estavam em curso. Ele a fez avançar, por certo. O mesmo acontecia em outras partes do mundo, inclusive no Brasil. (PAGLIOSA; DA ROS, 2008, p. 1)

A partir deste documento a formação médica foi repensada e historicamente, transformada. Com a reorganização das escolas médicas nos Estados Unidos da América, houve um desencadeamento de um processo de extirpação de todas as propostas de atenção em saúde que não professassem o modelo proposto da

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racionalidade científica sem aproximação com as necessidades locais de saúde. Este modelo afetou profundamente a educação médica, a prática profissional e a organização dos serviços de saúde (PAGLIOSA; DA ROS, 2008).

Para nosso interesse, o que marcou o ensino médico no Brasil a partir de 1910 foi uma nova ordem para a reconstrução do modelo de ensino com sólidos princípios de que orientaram os currículos das escolas médicas que deveriam estar baseadas em programas educacionais com base científica pela qual deveria haver

um rigoroso controle de admissão; o currículo de quatro anos; divisão do currículo em um ciclo básico de dois anos, realizado no laboratório, seguido de um ciclo clínico de mais dois anos, realizado no hospital (...), pois ali se encontra o local privilegiado para estudar as doenças. (PAGLIOSA; DA ROS, 2008, pp. 3)

Não havia intenção das escolas médicas em formar profissionais socialmente comprometidos, não era dado ao estudante esta oportunidade formativa. Tal escolha educacional foi alvo, a partir dos anos 1960, de críticas recorrentes ao setor da saúde, pelo que se denominou a "crise da medicina", evidenciaram o descompromisso com a realidade e as necessidades da população (Nunes, 1983). Nogueira (2009) aponta que estudos e avaliações do ensino médico no Brasil contemporâneo revelavam que a maioria dos cursos de Medicina ainda estava organizada conforme as proposições do Relatório Flexner no final dos anos 1960. Assim, segundo a autora, na reforma universitária de 1968, o conteúdo curricular das escolas médicas ajustou-se ao modelo flexneriano, este, tornou obrigatório o ensino centrado no hospital e oficializando a separação entre ciclo básico e profissional. Por um lado, essa reformulação modernizou o ensino médico, ao propor uma formação com base científica, no entanto, impregnou na prática profissional médica, características mecanicistas, biologicistas e individualizantes.

Dessa forma, se estabeleceu um modelo formador que fragmenta o conhecimento por meio do estudo do corpo humano segundo órgãos e sistemas, o que estimula a especialização profissional e atendendo aos interesses do complexo médico-industrial orientando o pensamento para a direção de que a Universidade pública me ensina e o mercado privado me absorve. A absorção pelo mercado de trabalho é tão maior quanto mais especializado o profissional.

O processo de especialização teve um forte impacto sobre a organização da prática médica aos poucos, de modo que a prática do generalista foi desaparecendo

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e os especialistas passaram a ser a porta de entrada dos pacientes aos sistemas de saúde (público e privado) (FEUERWERKER, 2002). Ainda nessa perspectiva, Scheffer et al (2015) aponta que há uma tendência de privatização da atuação do médico. De maneira que existe uma maior participação de médicos no setor privado, sugerindo ainda que isso pode ser “reflexo também do desmonte SUS e do processo de privatização da saúde, que consiste na transferência das funções e responsabilidades do setor público, completamente ou em parte, para o setor privado”. Indicam serem muitos os desafios apontados pela literatura, no que concerne à formação médica, para transformar a realidade supracitada e que

“os currículos convencionais da graduação, a fragmentação em ciclos básico e clínico, associada à organização departamental e disciplinar promove uma seleção de conteúdos que requerem muita abstração, com baixa contextualização da aprendizagem” (LIMA, FEUERWERKER, et al., 2015).

A fim de contrapor-se à este cenário, inserido no bojo da redemocratização do país, durante o período repressivo do autoritarismo no Brasil do final dos anos 60 ao início dos 70, se iniciou a busca por uma nova abordagem dos problemas de saúde de maneira a se moldar a base teórica e ideológica de um pensamento médico-social. A construção da abordagem histórico-estrutural dos problemas de saúde partiu das próprias instituições formadoras, principalmente nos departamentos de medicina preventiva, mediante críticas à própria medicina preventiva e à sua base filosófica e social positivistas. (ESCOREL, 1999).

Percebe-se aqui uma alavanca para a implementação de mudanças na formação médica. Nesse período iniciou-se a percepção de que através do modelo de formação, poderiam se ter novas práticas de saúde, de modo a se propor um repensar dos objetivos finais de um curso de graduação na saúde. Dentre as mudanças realizadas, pode-se falar nos currículos integrados, atividades que envolvem a articulação ensino-trabalho e o debate e construção das Diretrizes Curriculares Nacionais. (CAMPOS, BONFIM, et al., 2012)

Ainda na década de 60 iniciou-se a formação das bases universitárias do movimento sanitário. Neste período, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) promoveu o estimulo a utilização das ciências sociais aplicadas à saúde na América Latina, e desta forma a formação passou a ser vista como um fenômeno social passível de análise, critica e transformações. No cenário político de concepção do

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SUS, a preocupação com a formação, se intensificou. Colocado pela Constituição Federal de 1988, a atribuição da saúde em ordenar a formação dos profissionais da área passa a ser elemento central já que, com a criação do SUS, seria natural formar profissionais aptos a trabalhar no sistema de saúde então proposto sinalizando a necessidade de modificação nas graduações e a importância da integração ensino-serviço. (DIAS, LIMA e TEIXEIRA, 2013)

Os princípios e diretrizes que fundam e orientam o desenvolvimento do SUS, fazem referência ao que se entende como processo saúde-doença, o objeto de ação e as bases para as políticas de formação de pessoal na área da saúde e a consolidação do SUS como ordenador da formação de recursos humanos na saúde somada a legitimação dos determinantes sociais para orientar as formulações e práticas de cuidado em saúde levantam novas tendências aos modelos de formação na área (AZEVEDO, FERIGATO, et al., 2013).

Diante do surgir do novo modelo de assistência à saúde, com foco na Atenção Primária a Saúde (APS), na prevenção de doenças e promoção da saúde, o que se aponta é a inadequação da formação médica às realidades do SUS e às necessidades de saúde do povo brasileiro. Essa realidade estimulou a proposição de medidas a serem implementadas na formação do profissional médico, por meio de novos cenários de prática na graduação. A tentativa seria a de se alcançar a constituição de egressos que atuem de acordo com os reais interesses da população emergentes pelo novo modelo brasileiro de atenção à saúde fundamentado na assistência com foco na APS. (MELO et al. 2017).

Foi nesta perspectiva que em 2001 foram criadas as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduação, na área da saúde (Brasil, 2001), e esse fato constituiu uma mudança paradigmática do processo de educação superior no campo da saúde, fazendo com que se buscassem as mudanças: de um modelo flexneriano, biomédico e curativo para um modelo orientado processo saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção, focando ações de promoção, recuperação e reabilitação da saúde, na perspectiva da integralidade da assistência. Foi neste momento que foi defendida a reformulação dos currículos rígidos, compostos por disciplinas cada vez mais fragmentadas, com priorização de atividades teóricas. A proposta era de substituição destes por currículos flexíveis, modulares, dirigidos para a aquisição de um perfil e respectivas competências profissionais, os quais exigem

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modernas metodologias de aprendizagem, habilidades e atitudes, além de múltiplos cenários de ensino. (STELLA e PUCCINI, 2008)

Com um amadurecimento maior, em 2006, instituições e atores sociais, como Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde, Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação (SES-ME), Fórum Nacional de Pró-reitores das Universidades Brasileiras, conselhos profissionais, associações de ensino, comissões de especialistas de ensino da SESu/MEC, produzem contribuições às DCN dos cursos da área da saúde. (RIBEIRO, RIBEIRO e SOARES, 2015).

Atualmente a formação médica é norteada pela DCN de 2014. Este documento reforça que o graduado em medicina deve ter formação generalista, com capacidade para atuar nos diferentes níveis de atenção à saúde, nos âmbitos individual e coletivo, a partir do desenvolvimento de ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde. Trazem em seu escopo muitas das definições já tratadas inicialmente, e buscaram aprofundar a discussão sobre o conceito de competência enquanto a capacidade de mobilizar conhecimentos, habilidades e atitudes, com utilização dos recursos disponíveis, e exprimindo-se em iniciativas e ações que traduzem desempenhos à prática profissional, em diferentes contextos do trabalho em saúde. Ainda, detalham as três áreas de competências Atenção à Saúde, Gestão em Saúde e Educação em Saúde, e respectivas subáreas, a serem desenvolvidas durante a formação, o que pode facilitar a estruturação ou mudança curricular nos mais diversos cursos. (VIEIRA, PIERANTONI, et al., 2018)

É relevante tocar no assunto do contexto político-social em que o Brasil estava em ocasião de se planejar as DCN de 2014, momento em que governo brasileiro passou a ser mais propositivo que contemplativo, de modo que políticas públicas ou programas específicos trouxeram acúmulos de forças para efetivar suas ideias. Exemplos como o Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares das Escolas Médicas (PROMED) em 200, Aprender-SUS em 2004, o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (PRO-SAÚDE) em 2005, o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET Saúde) em 2008 e o Programa Mais Médicos para o Brasil em 2014 passaram a induzir processos de mudança e apoiar as instituições de ensino superior brasileiras, na área de saúde, para fazerem as mudanças de adequação ao novo contexto do país.

Assim, integram uma busca por uma formação médica inclusiva, contextualizada e que esteja presente na defesa do SUS em seu papel formativo e assistencial. Nesta

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