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Respeito e Humilhação

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Academic year: 2021

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Respeito

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São Paulo | 2020

Respeito

e Humilhação

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SUMÁRIO

Apresentação 5

Introdução 11

1. Respeito, humilhação e Educação em Direitos Humanos 12 2. Democracia e respeito 15

3. Respeito e ações educativas 17

Bullying e humilhação entre alunos 20

Outras situações de humilhação frequentes na escola 24

Cuidados e limites 29

A humilhação no meio dos adultos 31

4. Intervenções no cotidiano 33

Atenção aos sinais silenciosos 34

Mediação das situações de humilhação 34

Atividades com os alunos 36

Sugestões para a reflexão dos educadores 37

Proposta de vivência e dramatização 38

Bibliografia 40

Este material tem autorização para franca multiplicação, desde que respeitados os direitos autorais e citadas adequadamente as fontes.

Instituto Vladimir Herzog Direção executiva

Rogério Sottili

Vlado Educação

Direção educacional

Ana Rosa Abreu

Coordenação educacional

Neide Nogueira

Coordenação executiva

Hamilton Harley

Equipe educacional

Ana Lucia Catão Celinha Nascimento Crislei Custódio Maria da Paz Castro Rogê Carnaval

Gestão de conteúdo do portal

Carol Baggio

Colaboração

Fermin Damirdjian Francisco Eduardo Bodião Maria Paula Zurawski

Consultoria

Flávia Schilling

Maria Victoria Benevides

Educadoras e educadores da Rede Municipal de En-sino de São Paulo que contribuíram com pareceres para esta edição

Assistência editorial e revisão de texto

Jandira Queiroz

Projeto gráfico

S,M&A Design | Samuel Ribeiro Jr.

Ilustrações

Lúcia Brandão

R434

Respeito e humilhação / Maria da Paz Castro, Ana Lucia Catão (autoria); Maria Paula Zurawski, Fermin Damirdjian, Francisco Eduardo Bodião (colabora-ção); Neide Nogueira (coordena(colabora-ção); Ana Rosa Abreu (dire(colabora-ção); Lúcia Brandão (ilustrações) – 4.ed. – São Paulo, SP: Vlado Educação, 2020.

44 p. il.: Color. 20 x 20 cm (Série “Educação em Direitos Humanos”) ISBN 978-65-86248-05-0

Contém bibliografia.

Caderno integrante da série “Educação em Direitos Humanos”, do Projeto Respeitar é Preciso!, composto de sete volumes, compartilhando orientações, subsídios e sugestões para implementação da cultura da Educação em Direitos Humanos (EDH) nas escolas brasileiras.

1. Direitos humanos. 2. Respeito (ética). 3. Educação em Direitos Huma-nos. I. Título. II. Castro, Maria da Paz. III. Catão, Ana Lucia. IV. Zurawski, Maria Paula.V. Darmirdjian, Fermin. VI. Bodião, Francisco Eduardo. VII. Brandão, Lúcia.

Bibliotecário Jônatas Souza de Abreu, Me. CBR 15-179 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

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Caras educadoras e caros educadores,

material do Projeto Respeitar é Preciso! começou a ser elaborado em 2014 num processo participativo com educadores da rede pú-blica paulistana (ver histórico no caderno Respeito na Escola). E, de 2015 a 2019, foi utilizado em ações de formação na Rede Mu-nicipal de Educação de São Paulo, o que trouxe possibilidades de adequação editorial e novos conteúdos. Agora, pela primeira vez, o Projeto Respeitar é Preciso! se amplia com esta edição nacional, visando que os princípios da Educação em Direitos Humanos (EDH) possam se difundir e reverberar em todo o país, por diversas cidades, colaborando na disseminação da cultura de paz, do respeito mútuo e da busca pela cidadania plena, capaz de nos ajudar a construir uma sociedade menos desigual e mais justa.

Intitulado Respeito e Humilhação, este caderno, é uma edição revista que compõe o conjunto de publicações do Projeto Respeitar é Preciso! na sua versão nacional, cuja finalidade é, essencialmente, compartilhar orientações, subsídios e sugestões para im-plementar a cultura da Educação em Direitos Humanos nas escolas brasileiras. Além de ações de formação, esse projeto conta com sete cadernos (Respeito na Escola,

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nos meios escolares. Colocar os outros em situação de inferioridade por meio de uma prática humilhante, intencionalmente ou não, fere a dignidade dos sujeitos e pode configurar uma situação de abuso de poder. Vale lembrar que, nesse conceito de “abuso de poder”, se incluem os poderes construídos nas relações entre iguais (entre estudantes, entre educadores), e não apenas aqueles poderes institucionalmente re-ferendados. Entre colegas, o abuso acontece quando a vítima não tem como sair ou evitar uma situação da qual não quer participar (fazer ou não fazer algo) e se sente obrigada a isso por medo, por insegurança ou por qualquer outro motivo.

Neste caderno, o tema é tratado do ponto de vista das relações interpessoais, das práticas no cotidiano escolar e das consequências negativas, não apenas para cada indivíduo humilhado, mas para a escola. A escola perde com o isolamento e o pos-sível ressentimento das vítimas, que podem desistir da participação no coletivo, e também perde quando o ambiente fica pesado ou insensível diante da recorrência de casos penosos. Contudo, há maneiras eficazes e respeitosas para o enfrentamento desses problemas.

Os materiais do Projeto, outros textos, notícias, dicas de leitura e indicação de filmes estão disponíveis no portal respeitarepreciso.org.br, espaço virtual em que uma gran-de quantidagran-de gran-de ferramentas e documentos está à disposição gran-de todas e todos. O portal é um espaço de informação, interação e construção conjunta deste projeto. Por isso, convidamos a todas e todos para conhecer o Projeto Respeitar é Preciso! Boa leitura e bom trabalho!

Vlado Educação/Instituto Vladimir Herzog

EDH para Todas as Idades, Sujeitos de Direito, Democracia na Escola, Diversidade e Discriminação, Respeito e Humilhação e Mediação de Conflitos), todos atualizados,

revistos e repensados à luz dos acontecimentos e dos debates mais recentes, que demandam o nosso permanente posicionamento, as nossas reflexões e as nossas ações como educadoras e educadores, sempre tendo como pilar fundamental a Edu-cação em Direitos Humanos.

Sem a pretensão de esgotar os assuntos e os desafios da EDH nos diferentes contex-tos, houve, nesta edição, uma ampliação das questões tratadas, buscando atender à heterogeneidade das redes de ensino, das escolas e da população brasileira. Em seu conjunto, as reflexões apresentadas nos sete cadernos que compõem esta edição abarcam pontos cruciais para que as práticas educacionais promovam um clima de respeito mútuo nas escolas, no sentido de afastar as possíveis violências psicoló-gicas, institucionais, simbólicas e físicas do cotidiano escolar e, assim, propiciar a construção de um ambiente potente de aprendizagem para todas e todos.

O caderno Respeito na Escola dialoga com os adultos da escola, todos considerados educadores, para a reflexão, o planejamento e o desenvolvimento de ações nas es-colas, sejam elas de adequação de rotinas, planos de aula, atividades com os alunos, com os pais, entre outras. O caderno EDH para Todas as Idades traz reflexões, orienta-ções e sugestões de atividades para o trabalho educativo com crianças e adolescentes nos contextos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental.

Os demais cadernos são temáticos e tratam de questões importantes que perpassam todo o Projeto Respeitar é Preciso! e o trabalho nas escolas. Um tema e outro se entre-laçam, mas a organização em cadernos faz com que seja possível “colocar uma lente” em aspectos diferentes para uma reflexão mais focada: Sujeitos de Direito, Democracia

na Escola, Diversidade e Discriminação, Respeito e Humilhação e Mediação de Conflitos.

A ideia de humilhação está intimamente relacionada a todo e qualquer tipo de exclu-são e discriminação e se opõe à ideia de respeito, o que justifica uma reflexão constante

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I N S T I T U T O V L A D I M I R H E R Z O G

A Educação em Direitos Humanos tem por escopo

principal uma formação ética, crítica e política. A

primeira se refere à formação de atitudes orientadas

por valores humanizadores, como a dignidade da

pessoa, a liberdade, a igualdade, a justiça, a paz,

a reciprocidade entre povos e culturas, servindo de

parâmetro ético-político para a reflexão dos modos

de ser e agir individual, coletivo e institucional.

A formação crítica diz respeito ao exercício de

juí-zos reflexivos sobre as relações entre os contextos

sociais, culturais, econômicos e políticos, promovendo

práticas institucionais coerentes com os Direitos

Humanos. A formação política deve estar pautada

numa perspectiva emancipatória e transformadora

dos sujeitos de direitos. ”

Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos

Humanos, Ministério da Educação

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n

Respeito e Humilhação

um país marcado pela desigualdade como o Brasil, a falta de con-cretização dos Direitos Humanos configura situações humilhantes, como nos contextos sociais em que há miséria, fome, abandono pelo poder público, violência, falta de moradia, de trabalho e de condições mínimas de vida e de justiça. Uma criança sem escola, uma família desabrigada, uma situação de fome, uma doença não tratada são evidências flagrantes de humilhação grave e passíveis de indignação. E aqui é bom lembrar que não basta uma vaga na escola para que seja garantido o direito à educação, as crianças precisam também encontrar na escola um ambiente propício para aprender e se desenvolver. Do ponto de vista educativo, a questão central é o fato de que, muitas vezes, as rela-ções desrespeitosas entre as pessoas reproduzem, reafirmam ou exacerbam situarela-ções injustas e indignas, humilhantes. Felizmente, hoje podemos contar com as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, do Ministério da Educação, que orientam uma prática educativa voltada para o enfrentamento dessas situações.

INTRODUÇÃO

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Humilhar, do latim humilio, remete à ideia de abaixar/abater e pode ser definido

como ato ou atitude de diminuir alguém, afetando o seu sentido de humanidade, a sua dignidade. Pode-se dizer da humilhação como um constrangimento ou uma discrimi-nação que reproduz desigualdades e estabelece uma lógica de superioridade/inferiori-dade, colocando o sujeito humilhado em condição inferior e de sofrimento psíquico. Como contraponto, respeitar, do latim respectus, significa “olhar de novo”. Podemos

definir respeito como o ato de reconhecer no outro um igual quanto à sua huma-nidade, um sujeito de direito (ver texto de apoio “Respeito mútuo” nos cadernos

Respeito na Escola e Sujeitos de Direito), condição de todo e qualquer ser humano,

independentemente de suas características pessoais, das marcas sociais que carrega e que direcionam o olhar do outro e independentemente do que quer que tenha feito, preservando, assim, a sua dignidade.

Agredir (moral ou fisicamente), insultar, expor fragilidades, ridicularizar, pressionar, constranger... São muitas e muito diferentes as formas como as situações de humi-lhação acontecem e também são muitos os contextos que as geram. Intencional ou não, e até mesmo sob a forma de “brincadeira”, o que se pode dizer, de forma geral, é que a humilhação pode ser experimentada em situações marcadas por sentimentos de inferioridade em relação a um outro ou a um grupo social. Sentimentos esses cujas motivações são socialmente construídas. Por exemplo, quando a pessoa se vê exposta por sentir a sua inadequação aos modos/hábitos de um grupo ou aos rituais de uma situação à qual “deveria” se adequar (como não saber se portar à mesa e utilizar os talheres), pela naturalização de um sentido de inferioridade em função da origem, da situação social ou familiar, pela impotência diante de uma situação de sofrimen-to imposta por outros (privação de afesofrimen-to, assédio moral ou sexual, espancamensofrimen-to, tortura), pela sensação de incompetência diante de uma tarefa que tem de executar (escrever, fazer conta etc.).

A rigor, qualquer pessoa pode se tornar alvo de humilhação. No entanto, algumas são mais suscetíveis de serem constrangidas e experienciar situações de humilhação. Seja Apoiada nessas diretrizes, a proposta do Projeto Respeitar é Preciso! tem o respeito

mútuo como eixo do trabalho educativo voltado à legitimação dos valores dos

Direi-tos Humanos nas práticas cotidianas da escola.

1. RESPEITO, HUMILHAÇÃO E EDUCAÇÃO EM DIREITOS

HUMANOS

A reflexão acerca da humilhação remete às ideias de respeito mútuo e desrespeito. As discussões sobre esse tema serão sempre mais ricas e consistentes se considerarem as relações que se pode estabelecer entre elas.

No texto de apoio “Respeito mútuo” do caderno Respeito na Escola, propomos uma primeira abordagem da ideia de respeito:

• respeito significa olhar novamente para o outro, re-conhecer o outro como sujeito de direito;

• o respeito, na prática, segue a regra da reciprocidade: “Eu respeito quem me respeita”, mas o adulto, o educador, na sua ação educativa, precisa sempre res-peitar, mesmo que se considere desrespeitado;

• respeitar não se confunde com obedecer;

• trabalhar com a ideia do respeito significa trabalhar com autorrespeito e com respeito mútuo;

• respeitar se opõe a humilhar.

Neste caderno, retomaremos algumas dessas ideias, procurando entender como

respeito e humilhação se configuram na escola na perspectiva da Educação em

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pessoas. Se a humilhação for pública e, pior, exercida por quem está na situação de cuidador, é ainda mais grave.

Como em toda situação de violência, quem define se houve ou não humilhação é aquele que a sofre. Portanto, é possível que, mesmo sem intenção, a violência acon-teça. A exceção à regra é quando o sujeito humilhado naturaliza a humilhação ou não consegue perceber que quem o humilha age de forma abusiva. Por exemplo, a empregada doméstica que considera natural comer sentada no banquinho enquanto seus patrões se sentam à mesa, ou a criança submetida a castigos que, mesmo so-frendo, acha que merece ser tratada dessa forma.

Quando olhamos para situações de humilhação e de respeito, somos convocados a olhar para relações de poder. De opressão e inferiorização do outro ou de reconheci-mento do outro como igual em dignidade e direito.

Na perspectiva da Educação em Direitos Humanos, o reconhecimento do sujeito im-plica formação e desnaturalização do olhar para essas marcas sociais sobre os corpos, de modo a reconhecê-los como sujeitos de direito, enunciadores de discurso. Respei-to é um valor (e uma atitude) que se aprende.

2. DEMOCRACIA E RESPEITO

O desafio de uma sociedade justa é garantir relações democráticas em que haja es-cuta e participação por meio de mecanismos de consulta e transparência e em que haja clareza e apropriação dos direitos de todos, para que possam se defender e reivindicar tratamento justo e igualitário em quaisquer situações. É nesse contexto e por meio dessas práticas que a autoridade se legitima verdadeiramente (ver caderno

Democracia na Escola), passando a cumprir as funções de organização e orientação.

Foco de maior interesse nesse projeto, a escola é composta por uma extensa e com-plexa rede de relações e tem sua organização marcada por uma estrutura hierárquica. por pertencer a grupos discriminados ou pouco representados nas esferas decisórias

político-econômicas (como LGBTQ+, negros, mulheres, algumas crenças religiosas, condição social ou de classe e identidade cultural pouco comum), seja por apresentar alguma característica que as coloca em situação de desvantagem (como deficiência física ou déficit intelectual).

Na escola, são frequentes as situações de humilhação dirigidas àqueles alunos reconhe-cidos como pertencentes a algum desses grupos sociais. Ser negro, gordo, tomar menos banho, ser menino e ter atitudes convencionalmente atribuídas a meninas (e vice-versa), ostentar religiosidade não hegemônica, não possuir aparelho de telefone celular, viver em um local estigmatizado são exemplos de situações que podem disparar atos de hu-milhação por parte dos alunos que, de alguma maneira, afirmam sua identidade ou seu lugar social deslegitimando/inferiorizando os lugares sociais ou identidade dos demais. De fato, no sistema educacional, isso pode acontecer nas relações interpessoais entre crianças, entre adultos, entre adultos e adolescentes, entre adultos e crianças, inclusive com crianças bem pequenas.

Deixar um bebê com as fraldas sujas durante mui-to tempo, colocar apelidos pejorativos em crianças por conta de alguma de suas características, gritar ou castigar sem explicação e sem dialogar sobre o que fizeram, expor o mau desempenho de uma criança ou um adolescente na frente de outros são exemplos de humilhação perpetrados por adultos que ainda hoje ocorrem no âmbito da escola e que ferem a dignidade humana.

A humilhação pode abalar o autorrespeito, afetar o reconhecimento e a construção de si como su-jeito e dificultar a construção do respeito entre as

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tácita, em muitas de nossas escolas e tende a naturalizar a possibilidade do trata-mento desdenhoso aos que estão em posição de inferioridade, seja pelo repertório sociocultural ou pelas funções que exercem, seja quando damos maior importância à opinião da diretora, em detrimento do que pensam merendeiras, porteiros ou auxilia-res da limpeza, seja quando acreditamos ser dispensável apreender o que pensam os estudantes, simplesmente porque são “apenas” estudantes.

Não à toa, muitos educadores repetem que antigamente os alunos respeitavam os professores, e hoje se insurgem, não obedecem. Esses professores, na maioria das vezes, confundem a atitude de respeito com o sentimento de temor.

As tensões que surgem no exercício da autoridade precisam ter espaço de expressão. É necessário que os conflitos decorrentes dessa tensão possam ser objeto de diálogo e elaboração coletiva, de modo que sejam pactuadas formas de trabalho conjunto. Assim, se expressa a possibilidade do exercício de uma autoridade democrática. O espaço escolar é um lugar privilegiado no sentido de servir como cenário para a transformação voltada para a legitimação e a valorização dos Direitos Humanos em todas as relações, instâncias e atividades. Também se presta a nos oferecer elementos que permitem tanto uma análise proposital dos preceitos éticos quanto o cultivo de um ambiente em que a humilhação não encontra espaço.

3. RESPEITO E AÇÕES EDUCATIVAS

As manifestações concretas da humilhação revelam-se também no poder de julga-mento dos adultos ao avaliar os alunos, no tratajulga-mento pejorativo, em agressões verbais e na exposição ao ridículo pelos colegas diante da comunidade escolar. No caso da Educação Infantil, e mesmo de todo o Ensino Fundamental, a grande dependência das crianças em relação aos cuidados e às orientações dos adultos as colocam em uma situação vulnerável, pois estão inaugurando sua vida em grupo Se aí acontecem situações de humilhação, também é um espaço privilegiado para a

socialização, a promoção da cidadania, a formação de atitudes, opiniões e o desen-volvimento pessoal na perspectiva da Educação em Direitos Humanos. É importante mencionar aqui que a relação entre crianças e adultos, tanto na escola quanto fora dela, é sempre marcada por uma assimetria. Na escola, essa assimetria está ligada, principalmente, ao papel de mediador entre os alunos e o conhecimento, pelo qual o educador é responsável. Portanto, é função dos educadores cuidar dessa relação, transformando-a à medida que as crianças crescem e se tornam mais autônomas e que diminui a assimetria entre adultos e crianças.

Aqui fica clara a definição de respeito com a qual trabalhamos. Não se trata de “respeito-obediência” a uma autoridade, que se estabelece pela mera investidura de um cargo ou uma função. No campo educacional, essa autoridade formal, por si só, não encontra mais ressonância nos tempos atuais.

Até mesmo quando há investidura de cargo no sentido de instaurar uma superioridade hierárquica (como é o caso do diretor ou do professor em relação aos alunos), essa au-toridade formal precisa se confirmar na relação, ser legitimada por aquele que a ela se submete e conquistada por quem a detém. O sentimento que faz com que alguém se sub-meta a uma autoridade é o respeito: “respeito-reconhecimento”, “respeito-admiração”. O exercício da autoridade sem a contrapartida dessa legitimação e, portanto, pelo uso da força (que mobiliza o sentimento de temor) passa a configurar autoritarismo, na medida em que há uma imposição, a despeito da vontade ou do reconhecimento. Aqui se configuram as situações de humilhação no exercício do poder instituído, em que a autoridade não reconhece no outro um sujeito, mas, sim, um objeto do seu poder (a necessidade de gritar para ser escutado, de punir, o xingamento como forma de intimidação, o dedo em riste são estratégias clássicas da autoridade autoritária). Nossa tradição escravocrata e de servilismo, que se configura pela distinção clara entre os que mandam e os que obedecem, continua presente, ainda que de maneira

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se o cuidado e o respeito para com o outro não forem valores realmente vivenciados e observados por elas no cotidiano. Desculpas e agradecimentos, ainda que sejam importantes em muitos contextos, podem se tornar expressões verbais vazias de sen-tido se utilizadas apenas formalmente.

Se o exercício da violência psicológica ocorre de forma reiterada e com razoável fre-quência nas instituições escolares, é importante evitar uma interpretação simplista dessas situações, atribuindo-as a um ou dois alunos “vilões” com o intuito de puni--los. Mais produtivo é olhar para a complexidade da situação, para o clima escolar e para os valores que estão sendo praticados pela

escola e reproduzidos pelos alunos, evidenciados em muitos contextos: nas escolhas curriculares e na forma de apresentá-las; nos instrumentos de avaliação; na maneira como os adultos se dirigem aos alunos; nos cuidados que crianças e adoles-centes demandam, tanto do ponto de vista da aprendizagem quanto no que se refere às relações interpessoais.

Vale refletir também (e rever) sobre a maneira como é vista e considerada a pluralidade de cul-turas, formações e contextos familiares, religiões, etnias etc. É importante que todas as marcas e características sejam contempladas e valorizadas, não só no discurso dos adultos, mas também nas escolhas curriculares, na apresentação de histó-rias e narrativas para todas as faixas etáhistó-rias, nas comemorações culturais, nas aulas de História etc. É preciso refletir sobre as práticas educativas tendo em vista o contexto em que acontecem as e aprendendo a argumentar e reagir, em pleno processo de formação e construção

desses recursos. Por isso, os professores, bem como todos os adultos educadores que atuam na Educação Infantil e nos Ensinos Fundamental e Médio, devem considerar a importância de suas atitudes de cuidado, intervenção em conflitos e a organização dos ambientes de convivência das crianças. Quando a criança é atendida, ouvida e acolhida, ela acaba tendo apreço pelo outro e confiando nele. Vivendo a experiência de serem bem cuidadas e tratadas com interesse, as crianças aprenderão a importân-cia de serem valorizadas como sujeitos, e não como objetos.

De modo geral, tudo o que se faz e o que se diz em uma escola deve ser reconhecido como ações educativas que promovem valores, o que justifica e responsabiliza a es-cola como espaço de formação de pessoas e de consolidação de um coletivo moldado pelo respeito mútuo.

Atualmente, diversos tipos de agressão e violência que têm na humilhação a sua forma de expressão ganham visibilidade (inclusive na mídia) e ocupam um lugar significativo nas pautas de discussão e nas preocupações sobre o convívio escolar. Isso aponta a urgência de uma atuação constante, que não se limite à pura e simples coibição e punição desse tipo de atitude (o que já se mostrou ineficaz), mas instaure na escola, gradativamente, uma nova cultura permeada pelo respeito.

A proposição de formas respeitosas de convívio deve, obviamente, escapar a uma cartilha de boas maneiras, procurando a fundamentação ética que se deseja que permeie as relações entre os diversos setores (pedagógico, gestor, de serviços) e entre todas as pessoas que compõem o corpo escolar (adultos responsáveis, alunos). Assim, propiciar um ambiente saudável, para além de uma proposição generalista da prática de bons tratos, significa incorporar em todos os âmbitos um olhar atento para a ocorrência de situações de humilhação e nelas intervir.

O risco das orientações superficiais, como exigir que as crianças peçam desculpas automaticamente depois de algum conflito, pode cristalizar práticas estereotipadas

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se tornarem vítimas. Esses aprendizados são sociais e, portanto, precisam aconte-cer na relação com o outro, no exercício da convivência.

Contudo, muitos trabalhos referentes ao bullying que se limitam a tratar das dores numa perspectiva individualizante e de punição do agressor ou dos agressores, tomando a questão como um jogo de forças, atuando apenas sobre os indivíduos e perdendo a dimensão efetivamente coletiva do fenômeno.

Em boa parte dessas abordagens, o foco está na fragilidade emocional de todos os envolvidos (inclusive o agressor) e na necessária sanção do agressor, dando lugar a ações de cuidado (muitas vezes medicamentosas) e de repressão (com frequência criminalizantes). Infelizmente, a judicialização e a medicalização, ou até mesmo a psicologização, são as soluções encontradas para o encaminhamento de grande parte dessas situações de bullying.

O que escapa a muitas dessas abor-dagens é o contexto em que as situa-ções ocorreram. No espaço educativo, é preciso saber o que de fato aconte-ce, compreender, intervir, se respon-sabilizar por violências desse tipo na perspectiva de educar. No mais das vezes, o bullying ocorre nas escolas também como efeito das práticas edu-cativas adotadas.

Por esse motivo, para marcar a dife-rença de abordagem, preferimos con-siderar esses acontecimentos como si-tuações de humilhação e compreender o bullying como uma de suas formas. ações de humilhação e as situações que privam os alunos de condições para que se

desenvolvam com autoconfiança e autonomia.

Bullying e humilhação entre alunos

Atualmente, no meio educacional e nas mídias, a prática do bullying tem sido muito comentada e analisada como demonstração de hostilidade moral e/ou física entre alunos. O bullying se refere a atitudes repetidas de opressão, agressão e dominação de pessoas ou grupos sobre outras pessoas ou grupos, por meio de posturas “valen-tes”, ameaças e atribuição de apelidos pejorativos, que amedrontam e trazem sofri-mento, assim como ignorar e rejeitar colegas, ameaçar, furtar, ofender, discriminar, intimidar, chantagear e achacar, definindo um modo específico de humilhação. Mesmo sendo uma situação entre alunos e, portanto, em princípio, entre iguais, existe uma relação explícita de poder abusivo num contexto de humilhação: quem humilha sempre exerce uma força sobre o outro, que, por algum motivo, se sente atingido, constrangido e não consegue se defender, assumindo, assim, o lugar do fraco, ainda que se saiba que quem precisa humilhar também carrega um alto grau de fragilidade. Esse lugar se consolida com a repetição. Nessas cenas, cos-tuma ficar bastante clara a presença de outros alunos, que, de alguma forma, são convocados a participar das agressões, ainda que essa participação se limite a rir e debochar do aluno que é alvo do bullying ou apenas observar sem intervir na situação. Trata-se de um apoio “involuntário”, por assim dizer. E, nesse contexto, todos precisam de cuidado.

Os objetivos de quem trabalha seriamente com questões relacionadas ao bullying são: que crianças e adolescentes que se sentem intimidados e que ocupam o lu-gar de vítima tenham a oportunidade de sair desse papel sem precisar se tornar agressores; que crianças e adolescentes que agridem possam encontrar modos não violentos de expressão e afirmação no coletivo; que crianças e adolescentes que se omitem aprendam a se colocar diante da violência que presenciam, sem medo de Palavra de origem inglesa,

o bullying chega ao Brasil e traz uma concepção à qual devemos estar

aten-tos. O Projeto Respeitar é Preciso! adota o termo “humilhação” para se referir a esse fenômeno e apresenta uma

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acaba por ofuscar a potência das práticas pedagógicas e a potência dos sujeitos para se apresentarem na sua multiplicidade (se mostrando para além dos estigmas). Já a medicalização é uma abordagem médico-farmacológica baseada em parâmetros biologicistas de fenômenos socialmente multideterminados. A medicalização acom-panha a psicologização e atua tratando o sujeito pela via medicamentosa, deixando em último plano a complexidade da situação e os aspectos social e educacional. Em todos esses casos, o sujeito-aluno arca sozinho com as consequências de um ato coletivamente produzido, e a escola, desresponsabilizada, se desapropria de suas ferramentas de ação.

O QUE SIGNIFICA TRABALHAR NUMA PERSPECTIVA EFETIVAMENTE EDUCACIONAL?

Quando propomos que as situações de bullying sejam abordadas por outras vias que não as da judicialização, da psicologização ou da medicalização, não significa que não reconhecemos que situações como essas gerem sofrimento psíquico ou que não devam levar a ações de cuidado e repreensão.

Muito pelo contrário, essas situações costumeiramente chamadas de bullying são um modo específico de humilhação e, portanto, sinônimo de violência. Quando acontecem no contexto escolar, merecem uma abordagem educacional que passa pela mediação da situação, pela identificação dos preconceitos e das discrimi-nações que permeiam a prática e que precisam ser tematizados, pela identificação de práticas da escola que favorecem ou alimentam esse modo violento de socialização,

bem como pelo recurso à Rede de Proteção quando houver situação de

vulnerabili-dade social e/ou psicológica envolvida.

A abordagem dessas situações precisa levar os educadores a pensar sobre o contexto em que elas ocorrem, a olhar para os que agridem e para os que são agredidos, a compreender o que está motivando esses comportamentos, a assumir seu papel como

O QUE HÁ DE ERRADO NA CRIMINALIZAÇÃO DOS FENÔMENOS DA EDUCAÇÃO? E O QUE HÁ DE ERRADO NA SUA MEDICALIZAÇÃO E PSICOLOGIZAÇÃO?

A criminalização, a medicalização e a psicologização dos fenômenos da educadas são faces da mesma moeda e revelam a colonização das práticas e dos saberes edu-cacionais pelos saberes e pelas práticas do direito, da medicina e da psicologia. São caminhos adotados na perspectiva do controle, e não na perspectiva educativa. A criminalização passa pela tipificação de uma conduta. Na melhor das hipóteses, para um ato típico (como foi caracterizado o bullying), atribui-se a previsão de uma pena, um castigo. Na pior das hipóteses, atribui-se a um agressor o título de criminoso. Nos dois casos, a forma judicial (procedimento de acusação e defesa, tra-dução de uma situação vivida em um discurso jurídico, definição clara de agressor e vítima, produção de provas documentais e testemunhais,

jul-gamento e apenamento) retira os alunos de sua experiência educacional, ou seja, retira do campo da atuação educativa uma situação vivida na escola por estudantes. Sem mediação, eles passam a ocupar e vivenciar o que deveria ser o último recurso da sociedade na formação do sentido de cidadania: a submissão ao poder estatal de punir, como se a escola não fosse responsável pelo que lá acontece e não estivesse sob sua responsabilidade encontrar formas educativas de atuar diante de uma violência vivenciada no âmbito escolar. A psicologização pode ser considerada uma supervalorização dos saberes psicológicos combinada a uma inconsistência dos fazeres pedagógicos. Por meio dela, toma-se a subjetividade do aluno como algo interior e se atribuem a ele problemas

psicológicos, fazendo com que suas atitudes sejam vistas

como uma espécie de defeito que ele possui ou adquiriu por conta de uma vida social e familiar atribulada. Essa crença

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Por essência, a avaliação potencializa uma visão comparativa que pode colocar o aluno malsucedido em situação de constrangimento, levando-o a ser ironizado pe-los colegas e, não raro, consolidando essa imagem até mesmo entre os professores e os demais adultos.

Antes de mais nada, a avaliação deve ser um instrumento de análise e reflexão tanto para professores quanto para alunos, potencializando um processo de autorregulação que vai lhes mostrar aquilo que já sabem e o que ainda é preciso aprender. Os princi-pais aspectos apontados pelas notas são a competência para lidar com os conteúdos, o desempenho dos alunos em sala de aula, a pertinência da prática e da metodologia utilizadas pelo professor. No entanto, não são raras as situações em que a nota baixa de um aluno é o reflexo da imagem que o professor atribui a ele, o que o aprisiona num lugar consolidado de incapacidade. Essa imagem justifica, para o próprio edu-cador, a atitude de não apoiá-lo, pois afinal acredita que ele “é assim mesmo”. Isso acontece mesmo que o professor não tenha intenção nem consciência do que está ocorrendo. Ainda que o aluno demonstre grande dificuldade para se apropriar dos conteúdos e organizar a sua vida escolar, sempre existem intervenções para ajudá-lo a avançar.

Em geral, a dificuldade desses alunos é ocasionada por alguma situação que enfren-tam e que pode ter diferentes origens: condições precárias de vida, contexto social ou familiar desfavorável, sofrimento psíquico, entre outras. Embora tudo isso possa nos ajudar a compreender, não deve afastar o professor do seu compromisso edu-cativo com esses alunos e não justifica os fracassos deles. Esses são justamente os alunos que precisam ser considerados com mais cuidado, maior proximidade e mais atenção por parte do professor.

Muitas vezes, atitudes de discriminação que podem configurar humilhação são ob-servadas já na Educação Infantil. Isso pode acontecer quando, por exemplo, se de-termina que um comportamento desagradável de uma criança, mesmo que ainda bem educadores e responsáveis e, principalmente, a pensar sobre as possibilidades de

inter-venção no ambiente escolar.

De fato, a mediação de qualquer situação de conflito na escola requer esse olhar múl-tiplo, de modo que a situação alimente uma reflexão sobre as práticas da escola, para que tanto os sujeitos quanto a relação entre eles sejam cuidados e para que todos aprendam outras formas de conviver e se responsabilizem pelo respeito mútuo. Trata--se de considerar a complexidade dessas situações e trazer à tona a prática do respeito mútuo, fazendo com que todas as relações entre os sujeitos da escola a considerem condição de convívio. (Ver caderno Mediação de Conflitos.)

Outras situações de humilhação frequentes na escola

A reflexão sobre humilhação implica também um olhar atento para a autoridade e as relações de poder que existem, mas nem sempre são explícitas na escola. A prática da avaliação é um exemplo. Recurso importante para regular as aprendizagens e poten-cializar a prática do professor, a avaliação também pode dar lugar a algumas situações

de humilhação que impedem o desenvolvimento saudável e o bem-estar dos alunos no ambiente escolar.

Muitas vezes, as notas alcançadas nas provas, nos trabalhos e em outras situações de avaliação são vistas pelos alunos (e também pelo professor) como um “retrato” da posição do aluno dentro e fora da classe e, principalmente, em relação aos cole-gas, atribuindo rapidamente uma imagem, que pode ser de “bom” ou “mau” aluno. Uma nota baixa, uma atitude inadequada, um período prolongado de ausência nas aulas podem ser o bastante para determinar o perfil de um aluno, ou até mesmo o fracasso do seu processo de escolaridade. O aluno que “vai mal” é estigmatizado como incapaz, incompetente, folgado, “burro” e, portanto, fracassado, o que o leva a realmente se sentir assim. (Ver o item “O individual e o coletivo: o caso emblemá-tico do aluno-problema” no caderno Mediação de Conflitos.)

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de um professor (que cumpre também um papel de modelo), pode, com muita facilidade, fragilizar a autoestima desse aluno e autorizar outros alunos a agir da mesma forma.

Na Educação Infantil, etapa da vida escolar em que as crianças estão mais fragili-zadas diante do adulto, as situações de humilhação merecem uma reflexão ainda mais cuidadosa. A demonstração, mesmo não intencional, de irritação porque a criança derruba a comida no chão ou faz xixi na calça é um dos exemplos de como se comunica que elas são incapazes. Outras situações de humilhação são geradas por uma longa espera entre uma atividade e outra, além da exigência de que as crianças fiquem “quietinhas”, desconsiderando a predominância do movimento e da expressividade na primeira infância. Infelizmente, ainda são comuns situações de pouca atenção, ou mesmo de desrespeito, aos desejos e às necessidades individuais das crianças, obrigando-as a fazer a mesma coisa, do mesmo jeito, ao mesmo tempo. Quem não se lembra de pelo menos um caso de crianças que fizeram xixi na calça porque a professora não deixou ir ao banheiro? Ou de crianças que, por terem feito esse mesmo xixi na calça, são obrigadas a permanecer molhadas por não terem ido ao banheiro “na hora certa”?

Hoje, em geral, as escolas avançaram muito na escuta da criança e na transformação de práticas tradicionalmente autoritárias em situações nas quais as crianças são conside-radas e respeitadas como sujeitos. De fato, o professor e outros adultos da instituição escolar são autoridades e devem se manter nesse lugar. Entretanto, é importante re-fletir sobre como essa autoridade, esse poder e essa influência repercutem nos alunos e em suas vidas.

Outro segmento da escolaridade que merece especial atenção no que diz respeito à humilhação é a Educação de Jovens e Adultos (EJA). O fato de percorrer os anos iniciais da escolaridade em idade adulta já é, em si, uma situação que pode suscitar diferentes interpretações a respeito do aluno: “É burro”, “Tem deficiência intelectual”, “Foi pre-guiçoso na hora de estudar” etc.

pequena, esteja relacionado ao entorno em que ela vive ou a alguma característica considerada reprovável de sua família. Assim, a criança é facilmente colocada num lugar do qual, por sua pouca idade e fragilidade, não pode se dar conta, nem mui-to menos sair. Situações de discriminação, comuns entre crianças pequenas (como quando não querem brincar com um coleguinha por conta de alguma característica física), devem ser olhadas com atenção e requerem a intervenção do adulto sensível e cuidadoso, cuja postura respeitosa e carinhosa para com todas as crianças pode evitar que atitudes como essas se intensifiquem e se tornem fatalmente “naturais”.

Para alguns, o fato de os alunos estarem na escola para apren-der “autoriza”, de alguma forma, os professores e os adultos a se dirigirem a eles com o poder de, muitas vezes, humilhá-los “com a intenção de educar”. Como ilustração, pode se pensar numa situação em que, no intuito de chamar a atenção do aluno para o pouco comprometimento que vem demonstrando nos estudos, nas tarefas e na participação durante as aulas ou diante de mais uma atividade não realizada, o professor diz: “Eu tinha certeza de que você não faria”, “Pra variar, não fez a lição de casa” ou apenas “Que novidade!”. Infelizmente, isso também se verifica mesmo quando as crianças são bem pequenas e os comentários se referem às suas famílias, muitas vezes proferidos na frente das próprias crianças, naturalizan-do, desde os primeiros anos, atitudes de desrespeito e humi-lhação que se perpetuam por toda a escolaridade.

Essas e outras situações, que podem ser uma expressão sutil ou um olhar, além de expor o aluno diante de seus colegas, podem vir a cristalizar uma condição que po-deria ser transformada.

É importante ter a clareza de que nenhum tipo de humilhação tem poten-cial educativo. Antes, pelo contrário: a humilhação dirigida a um aluno, vinda

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para compreender como essa situação parece ser, para eles

,

fonte de um sentimento de humilhação. Em outros casos, é o contraste entre o banheiro destinado aos professores e aqueles utilizados pelos alunos que parece emergir como fonte do sentimento de injustiça e humilhação: porta, espelho, papel higiênico...

Cuidados e limites

Atualmente, é comum o discurso de que a relação entre professores e alunos é permea-da pela falta de limites e de que os alunos não obedecem nem respeitam os professores. No entanto, essa ideia não pode pairar sobre a escola como uma nuvem escura que não tem como ser dispersada. É hora de pensar o que está acontecendo e dissipar a barreira entre educadores e alunos. E essa atitude tem que partir da escola. Vale lembrar que o papel do educador é reafirmado e respeitado pelos alunos por meio do reconhecimento da legitimidade do papel do adulto que educa, acolhe e que utiliza sua autoridade como modelo.

Libertar a escola da humilhação é instaurar, gradativamente, um processo de trans-formação das práticas escolares. A ideia ou a certeza de que o “professor determina” e o “aluno obedece” precisa ser desenraizada das práticas educativas. A escola regida pelo modelo tradicional, com a administração da classe centralizada nas mãos do professor, tendo os alunos em posição simplesmente de obediência não serve à fina-lidade de formar pessoas para atuar como cidadãos numa democracia. Nem por isso a hierarquia e a autoridade devem estar menos presentes, mas, sim, ser vistas como condição para o acolhimento dos alunos e para uma relação mais respeitosa para todas e todos, como tratado no caderno Democracia na Escola. Os educadores também precisam de segurança para trabalhar e cabe a eles administrar e evitar situações constrangedoras e desagradáveis para todos.

Entretanto, essas transformações implicam novas definições de disciplina, que serão construídas com base em práticas como: lidar com a fala e o turno da palavra de modo que todos possam se manifestar e sejam ouvidos; intervir em sala propondo Na verdade, na grande maioria das vezes, os cursos de EJA são alternativas para retomar

um processo de escolaridade interrompido por outros motivos: necessidade de trabalhar para contribuir com a renda familiar, ausência de condições das escolas para acolher e se encarregar da educação e da aprendizagem de alunos que requerem maior atenção e maior disponibilidade dos professores para ensiná-los, ou mesmo a falta de vagas nas escolas próximas às suas casas. É preciso que esses alunos sejam apoiados para que tenham clareza de que essa situação é, antes de tudo, resultado de um sistema escolar e de uma sociedade que não foram capazes de os acolher no período regular. Portanto, cursar a EJA não é uma condição que os diminui em relação aos outros.

As práticas educativas expressam uma concepção do que é educar e de como educar. Por outro lado, a escola carrega, historicamente, a cultura do autoritarismo (o que é diferente de autoridade), em que a punição, a repreensão e a reprovação são os recursos utilizados com maior frequência para ensinar. Mesmo entre os educadores que pensam de forma diferente, em muitos casos, a crença nesses recursos está im-pregnada nas suas práticas e influencia as suas atitudes.

Assim, é importante considerar que a sua atuação é movida muito mais pelas cren-ças construídas no decorrer de anos do que pelo que ele discute nas ações de forma-ção e adota racionalmente. As ações de formaforma-ção, por sua vez, precisam mobilizar atitudes, crenças, concepções, e não apenas o pensamento sobre os fatos educacionais. Portanto, é de grande relevância a reflexão sobre quais são as atuais “palmatórias” utilizadas mesmo sem consciência.

Outro aspecto que merece atenção são as condições físicas das esco-las. No Brasil, ainda há muitos estabelecimentos de ensino que não usufruem de condições satisfatórias de saneamento e tratamento de água. Na prática, isso significa que muitas professoras e muitos pro-fessores, bem como suas alunas e seus alunos, frequentam e perma-necem horas em escolas que não dispõem de banheiros em condições adequadas de uso e higiene. Ora, basta dialogar com esses sujeitos

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de suas potencialidades e conferindo a eles responsabilidades que são capazes de assumir nessa etapa da vida. Contudo, é importante ressaltar que essas garantias não são afirma-das para tirar a autoridade dos educadores, nem para afastar dos adultos a responsabilida-de responsabilida-de intervir responsabilida-de forma educativa na vida responsabilida-de crianças e adolescentes, como muitas vezes são vistas. Antes, pelo contrário, são parâmetros que os cercam de segurança e apontam aos adultos as possibilidades de atuação, considerando as características inerentes ao processo de desenvolvimento que estão vivendo em cada etapa da vida.

Assim, não é só possível, mas necessário, educar protegendo. O cuidado faz parte da prática educativa, não só das crianças da Educação Infantil, mas de todas que estão sob responsabilidade dos adultos ao longo da Educação Básica. Quando isso não acontece, além de favorecer a baixa autoestima em alguns, já mais fragilizados, pode colocá-los frequentemente na posição de alvo de violência e humilhação.

A humilhação no meio dos adultos

Tão nociva e prejudicial para a construção de um ambiente permeado pelo respeito é a humilhação dirigida de um adulto para outro. Nenhuma atitude, erro, postura inadequada, posição, cargo ou falha de um adulto que faz parte da rede de relações da escola justifica uma resposta humilhante, ainda que no contexto de uma estru-tura hierárquica. Nenhum nível de hierarquia pressupõe tratamento desigual para um ou para outro sujeito. Nenhuma hierarquia significa ausência de responsabili-dade. Todos são importantes e desenvolvem um trabalho profissional indispensável para a vida escolar e, portanto, para a educação dos alunos.

A instituição escolar é formada por uma rede que tem como base o grupo de adultos, todos eles educadores, responsáveis por sua sustentação funcional, educacional, pe-dagógica e ética. A complexa dinâmica de funcionamento da escola depende de uma engrenagem alimentada por todos os setores, dependentes uns dos outros. Conhecer o valor e o papel de cada um deles, trabalhando de forma cooperativa, é condição para oferecer aos alunos a educação de qualidade da qual são dignos. Também nesse

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conversas que levem os alunos a refletir a respeito dos conflitos ocorridos; dis-cernir a irreverência, comum principalmente nos adolescentes, de uma afronta à autoridade, assim como a mera rebeldia da justa manifestação. Cada julgamento desses vai trazer respostas e encaminhamentos diferentes.

Assim, a “indisciplina” não é apenas desordem, mas também pode expressar um movimento inerente ao processo de construção de conhecimento e desenvolvimen-to, que, por si só, provoca falas, movimendesenvolvimen-to, oposição, inquietação e busca de respostas. São atitudes de quem está se desenvolvendo, e, por vezes, as supostas “agressões” ou a falta de respeito não se dirigem à pessoa do professor, mas ao lugar de autoridade que o adulto ocupa na situação, o que costuma desafiar os alunos, sobretudo na fase da adolescência.

Se, num primeiro momento, essa “agitação” pode causar certo desconforto aos professores, por outro lado, pode contribuir com a afirmação da sua autoridade quando trata dessas situações com ponderação e acolhimento. Em outras palavras, estamos falando da importância de crianças e adolescentes terem limites claros e de os educadores fazerem intervenções de modo firme, e também claro, respeitoso e compreensível para manter esses limites, dialogando com os alunos para que compreendam o sentido dos limites, pautados em razões objetivas e em regras já estabelecidas de modo compartilhado.

O trabalho que muitas escolas já realizam no sentido de construir as regras de convivência com a participação dos alunos (e dos demais integrantes da escola), por meio do debate sobre as razões que as fazem necessárias, sobre o sentido do que estão decidindo e os resultados que esperam obter com elas, cria um contexto bastante favorável, respeitoso e democrático para a manutenção de limites. Hoje, as crianças e os adolescentes podem contar com um importante dispositivo de proteção e justiça, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que lhes confere direitos e atribui a eles o papel de cidadãos em formação, garantindo o desenvolvimento

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promovendo conversas e debates, mas fazendo o uso educativo de todas as situações que possam surgir na rotina da escola, e até fora dela, trazendo-as à luz e abrindo espaço para que todos possam se colocar, opinar e compartilhar dúvidas. Nesses momentos, não se pode deixar de abordar os diversos tipos de humilhação: tanto aqueles que se manifestam de forma clara no dia a dia da escola (ofensas, agres-sões, constrangimentos) quanto a humilhação proveniente de contextos de injustiça social. Não se trata apenas de responder à humilhação de maneira construtiva, mas de construir, no ambiente escolar, uma cultura sensível e de indignação diante da humilhação de seus pares.

4. INTERVENÇÕES NO COTIDIANO

A Educação Básica tem como função a educação de crianças e adolescentes, o que vai além de garantir a aprendizagem de conteúdos curriculares, pois inclui valores e ati-tudes. Uma das mais importantes funções do educador é investir em conhecimentos e na formação de valores, para além do trabalho com as disciplinas exigidas para a formação acadêmica, elegendo conteúdos ou situações didáticas que exemplifiquem e possibilitem o debate sobre opressão e violência.

É inquestionável o caráter inaceitável de toda e qual-quer situação de humilhação, e esse princípio precisa ser claramente comunicado a todas e todos na escola, desde os primeiros anos de vida escolar, por meio das atitudes e, sobretudo, da indignação dos educadores. A discussão, a escuta e o diálogo são boas estra-tégias nesses casos, assim como a retomada de si-tuações vivenciadas na escola. A frequência dessas ocorrências no espaço escolar é uma medida que apontará a pertinência das intervenções realizadas e a necessidade de estendê-las ao longo do tempo.

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caso, a hierarquia de cargos e funções precisa estar a serviço da construção de um espaço democrático, que tenha suas decisões tomadas de forma transparente, evitan-do entraves burocráticos sempre que possível.

A ausência de um porteiro ou responsável pela coleta de lixo, por exemplo, é tão prejudicial ao funcionamento da escola quanto a de um professor ou do diretor. Os alunos, por sua vez, tratam os funcionários da escola com base no modelo adulto que é oferecido a eles, lançando mão de formas respeitosas de tratamento, como chamar as pessoas pelo nome, cumprimentando a todos com os quais se depararem e reconhecendo o trabalho de cada um deles. Referir-se a alguém como “tia da limpeza” ou “tio do portão” é uma desconsideração que define esses profissionais apenas pela função que exercem (no mais das vezes, desvalorizada), e não pelos sujeitos que são.

Essa mesma situação pode ser observada em relação aos familiares e responsáveis pe-los alunos, que também devem ser chamados por seus nomes, evitando os impessoais “mãe” e “pai”, que os deixam sem identidade própria. Outra questão importante a ser considerada é o julgamento que se faz, muitas vezes, de um pai, uma mãe ou res-ponsável com base no comportamento de seu filho. Um filho que enfrenta na escola questões relacionadas à disciplina ou à aprendizagem não implica, obrigatoriamente, uma mãe ou um pai ausente, assim como uma criança que tem dificuldades para aprender a ler não é necessariamente filha de uma “família ignorante”. Da mesma forma, o fato de um pai ser reconhecido na comunidade como alcoólatra não autoriza julgamentos negativos em relação à criança. Na verdade, esses são os alunos e as famílias que mais necessitam de cuidado, apoio e interlocução por parte dos educa-dores que formam o corpo da escola.

Considerando os objetivos do Projeto Respeitar é Preciso! (fazer presente e de forma permanente a ideia do respeito mútuo e da soberania da dignidade humana como mediadoras das relações no ambiente escolar), torna-se evidente, e até mesmo indis-cutível, a necessidade de colocar a questão da humilhação na “ordem do dia”, não só

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Assim, merece especial atenção dos educadores o tratamento dispensado a algumas situações de humilhação consideradas corriqueiras e “naturais”. Falas como: “Isso sempre foi assim”, “Não podemos fazer nada”, “Ele/Ela não se importa” ou “Isso vem de casa”, que surgem com muita frequência, vindas tanto das crianças e dos adoles-centes quanto dos adultos, podem colocar em risco todo o trabalho de formação e afirmação da dignidade humana que a equipe esteja desenvolvendo. Muitas vezes, essas situações são incorporadas à prática cotidiana escolar, contribuindo para a sua banalização ou legitimação como mecanismo de resolução de conflitos. Antes de tudo, preciso formar os alunos com a ideia de que nenhum tipo de humilhação é aceitável e toda situação pode e deve ser transformada. Insistindo: nenhuma humilhação pode ser considerada “brincadeira inocente”, sem a intenção de ferir alguém. Isso acaba por naturalizar situações de desrespeito, que, sem dúvida, auto-rizam a prática da humilhação.

Atenção aos sinais silenciosos

Existem muitas crianças que não se sentem à vontade nem “autorizadas”, por assim dizer, a explicitar seu incômodo para os adultos quando são submetidas a situações humilhantes pelos colegas, recolhendo-se, muitas vezes, de forma silenciosa e distante do olhar daqueles que podem vir em seu socorro. Nesses casos, faz-se necessária uma atenção especial àquelas que, de modo bastante sutil, sinalizam seu sofrimento, não se mostrando à vontade entre os colegas, isolando-se e calando-se. Às vezes, uma con-versa reservada é o bastante para que elas consigam pedir a ajuda de um adulto, o que não será possível sem uma aproximação e sem o olhar interessado do adulto.

Mediação das situações de humilhação

Outro papel importante a ser desempenhado pelos adultos é o de mediadores das situações que presenciam e que são trazidas pelos alunos. Ouvir as duas partes pode ser um bom ponto de partida nessas ocasiões. Cada situação é única, e não é possível ter uma regra de como agir. Um bom caminho é apostar no diálogo e na escuta,

levando os próprios alunos a perceber e rever suas atitudes. O educador precisa deixar clara a sua posição em relação ao que aconteceu, e, embora tenha um impacto educa-tivo bastante posieduca-tivo, a sua indignação precisa estar sempre voltada para uma atitude, e não para o aluno que a colocou em prática, e jamais humilhar quem humilhou. Outra orientação importante é conversar mais pessoalmente e de forma reservada com as partes envolvidas direta e indiretamente em cada situação, evitando expor a discussão para não gerar ainda mais constrangimentos e sofrimento, tendo sem-pre em mente que, se houve humilhação pública, será necessário, nessa mediação, pensar numa reparação pública. Na mediação desses acontecimentos, posicionar-se e proteger o aluno que sofreu uma humilhação não significa tomar a sua voz nem representá-lo na discussão. Ele deve contar com o apoio incondicional do educador, sendo sempre encorajado a se colocar, pois é preciso fortalecê-lo, para que não se torne alvo constante de humilhação. (Ver caderno Mediação de Conflitos.)

Se, de um lado, é função do adulto se aproximar e proteger o aluno que foi humilhado, de outro, o seu afastamento também pode ser bastante fortalecedor, o que não significa deixá--lo à própria sorte, mas, sim, ajudádeixá--lo a perceber as suas potencialidades e a se colocar com gradativa autonomia. A mediação também deve considerar aqueles que humilharam como sujeitos que merecem compreensão, não no sentido de ser condescendente com as suas atitudes, mas para entender os motivos que os levam a isso e intervir para que possam superá-los, pois eles também possuem fragilidades e devem ser escutados e cuidados. A prática dos educadores no dia a dia, a forma como se comunicam com as crianças e com os outros adultos e a postura que assumem diante das situações apresentadas aqui são fatores determinantes para a formação ética almejada, cumprindo uma função ainda mais importante que as conversas e as discussões, uma vez que as crianças estão sempre muito atentas à coerência entre as atitudes e o discurso proferido pelos adultos.

Evitar situações de humilhação na escola requer, por fim, a (re)construção coletiva do olhar dos educadores para o ambiente escolar, considerando a soberania da

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dignidade de cada um como ponto de partida e condição para se educar para a paz, a solidariedade, a justiça e a igualdade.

Atividades com os alunos

Além das fundamentais intervenções em situações que acontecem no convívio na escola, é importante trazer o tema para ser discutido por todos, dentro ou fora da sala de aula, o que pode encorajar os alunos a expressarem o seu mal-estar. Isso pode acontecer por meio da leitura de uma notícia de jornal em sala de aula, da exposição de um caso de humilhação que ganhou espaço na mídia e, sobretudo, das ocorrências no entorno da escola. Essas são boas atividades por não se referirem a indivíduos específicos que todos conhecem e com eles têm envolvimentos diversos, mas por possibilitar um olhar mais distanciado, criando condições para um debate mais profundo e neutro, que ajude a construir os valores que são transferidos para atitudes do dia a dia.

É importante garantir aos alunos um espaço de conforto e acolhimento para que essas questões possam vir à tona sem nenhum tipo de julgamento. Trata-se de um processo de construção de atitudes e valores, e não de transmissão de regras de conduta apropriadas.

O currículo também exerce uma função crucial nesse processo, ampliando a com-preensão dos alunos em relação ao contexto social em que estão inseridos. Nesse sentido, é possível escolher temas curriculares nos quais a consideração das neces-sidades do outro e a indignação com ações de opressão estejam presentes e possam ser discutidas.

As exposições e as discussões acerca de temas que afligem a humanidade cotidia-namente e as suas possíveis repercussões no desenvolvimento das crianças e dos adolescentes também devem ocupar espaço na sala de aula. Abordar no currículo pe-ríodos históricos como os anos de regime autoritário e ditadura civil-militar vividos

recentemente no Brasil, ressaltando o caráter humilhante das prisões, torturas e vio-lências dirigidas à população, assim como a imposição de leis que instituíam desres-peito aos Direitos Humanos de forma flagrante, como o exílio, a cassação de direitos e de trabalho, a repressão à livre expressão, a tortura e a nomeação dos governantes por meio de decreto, contribuirá para a formação ética e política dos alunos. A questão da devastação das terras indígenas e da expulsão desses povos dos terri-tórios que são seus por direito também configura um exemplo claro de exercício de poder permeado por práticas de humilhação e desrespeito, assim como a escravidão e o patriarcado abusivo.

O valor dessas ações educativas, mais que as informações prestadas aos alunos (que são, sem dúvida, bastante importantes), está na possibilidade de todos se colocarem sem serem julgados, compartilhando e ressignificando as suas ideias e as suas posições.

Sugestões para a reflexão dos educadores

Em algum momento da vida, todas as pessoas presenciaram ou viveram uma si-tuação em que se sentiram humilhadas. Uma boa maneira de disparar uma conversa ou uma reflexão acerca desse assunto é compartilhar essas situações com colegas, relatando-as e comentando as que forem apresentadas.

Uma vez que todos viveram também uma parte da vida como alunos, seria interes-sante lembrar coletivamente as humilhações que enfrentaram ou que presenciaram ao longo da vida escolar, dando destaque às intervenções dos adultos que mediaram a situação e aos sentimentos que surgiram no momento.

Esses momentos revelam para todos o quanto e há quanto tempo a humilhação está presente nas escolas, contribuindo para a busca de estratégias e encaminhamentos que podem se mostrar potentes. Sendo esse um tema bastante complexo e delicado, a reflexão, o trabalho coletivo, a escuta e a possibilidade de expor dúvidas e

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confortos são condições para a construção de um espaço coletivo em que o respeito permeia as relações de todos.

Aos poucos, as situações vividas recentemente com os alunos na escola passam tam-bém a ocupar um espaço importante nas conversas, sendo tematizadas e levando ao grupo a possibilidade de construir um repertório de experiências (bem e malsucedi-das), que, registradas de alguma forma, podem se tornar subsídios para analisar situa-ções que envolvem tomadas de decisão. Trata-se de um material precioso, que pode ser feito de forma virtual, em um documento compartilhado com todos os interessa-dos. Levar para a apreciação coletiva artigos de jornais, livros, sites e biografias que abordam essas situações também contribui com o processo, sustentando a discussão. O mural da escola pode prestar grande ajuda ao apresentar, pelo menos, uma notí-cia ou nota que aborde o tema da humilhação. A sala dos professores, ou os outros espaços de grande circulação de adultos, pode conter em um de seus “cantinhos” um pequeno caderno, ao qual toda a comunidade de adultos tem acesso e no qual podem ser registrados casos de sucesso, “pedidos de socorro”, desfechos de casos que foram expostos etc. O importante é que o tema esteja presente na vida da escola e seja “encarado de frente” pelos adultos, o que, inevitavelmente, levará os alunos a assumir uma posição nesse sentido.

Proposta de vivência e dramatização

A dinâmica apresentada aqui tem como objetivo levar os educadores a compartilhar e vivenciar experiências vividas na escola quando eram alunos para se aproximarem dos estudantes com os quais convivem hoje.

1. Organizados em uma grande roda, os participantes são convidados a comparti-lhar com o grupo situações vividas na escola que os marcaram positiva e negati-vamente. Nenhum participante será obrigado a falar, deixando essa tarefa apenas para aqueles que se sentirem à vontade para isso.

2. Depois de algumas exposições, o grupo escolhe um dos relatos para ser dramati-zado pelos que se colocarem como voluntários.

3. Alguns “atores” farão o papel de protagonistas e outros farão o papel daqueles que presenciaram o ocorrido. Este segundo grupo tem uma função importante: provocar a discussão sobre o papel daqueles que, assistindo a uma cena, se po-sicionam ou não e sobre como isso reverbera em quem está na situação. Todos devem se preparar pensando no que sentiram, em como se sentiram, em seus motivos. Quanto mais complexa e contraditória for a situação escolhida, melhor. 4. A cena é dramatizada, contando com a atenção e o respeito dos que assistem. 5. Depois de encerrada a cena, os participantes voltam a se organizar em uma

grande roda, em que discutirão e compartilharão os seus sentimentos e as suas reflexões. É importante que os “atores” (inclusive os que atuaram como testemu-nhas) possam se colocar antes de a palavra ser oferecida ao coletivo.

6. No fim da dinâmica de discussão, ou mesmo ao longo dela, o coordenador da atividade retoma com o grupo a necessidade de considerar o que foi discutido no contexto dos alunos que atualmente estão na escola, identificando com o grupo as possibilidades de intervenção do educador.

Observação: A atividade de dramatização é interessante, pois permite aos partici-pantes olhar uma situação da perspectiva do outro e analisar o fato de vários lados. Provavelmente, a maioria das situações relatadas como negativas terá relação com o sentimento de humilhação, o que pode ocorrer sem que a pessoa que causou essa situação tenha consciência, sendo uma temática importante para analisar o dia a dia da escola. É possível observar também que uma mesma atitude gera humilhação ou não, dependendo de como as pessoas se relacionam com e na situação. Enfim, é possível abordar o tema com todas essas variáveis.

Referências

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