532 S3C1T1 MINISTÉRIO DA FAZENDA
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS
TERCEIRA SEÇÃO DE JULGAMENTO Processo nº 10314.005782/200514 Recurso nº 502.532 Voluntário Acórdão nº 310100.570 – 1ª Câmara / 1ª Turma Ordinária Sessão de 08 de dezembro de 2010 Matéria Classificação Fiscal II/IPI Recorrente DRJSÃO PAULO/SP Recorrida MALLINCKRODT DO BRASIL LTDA. Assunto: Classificação de Mercadorias Período de apuração: 01/01/2001 a 31/12/2005 Ementa:CLASSIFICAÇÃO FISCAL – RETIFICAÇÃO DA DECLARAÇÃO DE IMPORTAÇÃO. POSSIBILIDADE. ÔNUS DA PROVA. – Ainda que possível a revisão aduaneira das importações realizadas pela contribuinte com a consequente exigência de diferença no recolhimento de tributos, cabe ao Fisco apresentar a prova da materialidade do erro na clssificação fiscal, ou seja, de que os produtos importados se enquadram em posição tarifária diversa da indicada nas Declarações de Importação. A elaboração de Laudo Técnico para subsidiar a exigência tornase indispensável à plena caracterização do produto objeto da revisão, sendo que a ausência implica incerteza quanto à materialidade da aplicação da norma tributária, o que configura cerceamento ao direito de ampla defesa e do contraditório. Recurso de Ofício a que se Nega Provimento Vistos, relatados e discutidos os presentes autos. ACORDAM os membros do Colegiado em, por unanimidade de votos, negar provimento ao Recurso de Ofício. Henrique Pinheiro Torres – Presidente Luiz Roberto Domingo – Relator
Participaram da sessão de julgamento os conselheiros: Tarásio Campelo Borges, Valdete Aparecida Marinheiro, Corintho Oliveira Machado, Vanessa Albuquerque Valente, Luiz Roberto Domingo e Henrique Pinheiro Torres..
Relatório
Por bem descrever os fatos, adoto o relatório exarado no Julgamento de primeira instância (fls. 512/513)
“O presente auto de infração é resultado de revisão aduaneira sobre declarações de importação da impugnante dos anos de 2000 a 2005.
Analisando tais declarações a fiscalização apontou a ocorrência de três irregularidades:
1. Mercadorias declaradas na NCM 9033.00.00 que segundo a fiscalização deveriam estar classificadas na NCM 9019.20.10. Suporta a reclassificação com base no extrato de ficha RADAR referente à Dl n° 04/11170168, desembaraçada no Aeroporto de Viracopos.
2. Mercadorias declaradas na NCM 9018.90.10, EX 002, descrevendo o produto "OPTISTAR LE — SISTEMA DIGITAL DE INJEÇÃO", não estariam cobertas pelo EX em questão. Sustenta sua descaracterização de EX tarifário no extrato de retificação da DI n°04/1061696O, fl. 199;
3. Mercadorias declaradas na NCM 9018.39.29, EX 001, não estariam acobertadas pelo EX tarifário pois seriam "sondas e cânulas endrotraquiais descartáveis". Suporta a descaracterização do EX tarifário no extrato de retificação da DI n°05/01174057, fl. 196.
Com base nas informações acima, foi lavrado o presente auto de infração para a cobrança das diferenças de imposto de importação, multa de ofício, juros, multa pela falta de LI e multa pelo erro de classificação fiscal.
Intimada do Auto de Infração em 01/07/2005 (fl. 209), a interessada apresentou impugnação e documentos em 29/07/2005, juntados às folhas 213 e seguintes, alegando em síntese:
1 Em relação à irregularidade 2 acima descrita, afirma que a fiscalização não verificou de fato qual mercadoria estava sendo importada nas declarações de importação listadas e tampouco atentou para qual EX tarifário estava vigente no momento de registro de tais declarações. Cita, declarações de importação que não descrevem o produto "OPTISTAR" e que sequer solicitam o EX 002. Cita ainda declarações registradas em datas nas quais sequer vigia o EX 002 citado.
2. Com relação à irregularidade 3 acima descrita, esclarece que as mercadorias importadas pelas declarações de importação listadas não descrevem apenas "sondas e cânulas endotraquiais descartáveis", mas sim "tubos endobronquiais, kits cânula (composta por tubo endobronqueal), tubos endotraqueais, sondas para gastrostomia e cateteres umbilicais). Logo, inaplicável a presunção da fiscalização para todas as importações utilizando a NCM 9018.39.29 e o EX 001.
3. Com relação à. irregularidade 1 acima descrita, a fiscalização anexa catálogos e descrições técnicas visando demonstrar que os produtos relacionados nas declarações de importação listadas pela fiscalização são passíveis de serem utilizados em vários tipos de maquinas, não sendo, nos termos das NESH, passíveis de serem classificadas com uma espécie determinada de máquina como procedeu a fiscalização ao impor a NCM 9019.20.10 (aparelho de oxigenoterapia). Alega que a fiscalização, partindo de urna única retificação específica, presumiu sem analisar que todas as demais importações feitas com a NCM 9033.00.00 estavam erradas.
4. Alega violação do Principio da Verdade Material, visto que a fiscalização não buscou a correta identificação e individualização de cada mercadoria importada em cada declaração de importação, partindo de três retificações isoladas e presumindo irregularidades para todas as demais.
5. Alega violação ao Princípio da Legalidade. Cita doutrina e jurisprudência administrativa.
6. Requer, por fim, que seja julgada improcedente a presente autuação.
A DRJSão Paulo/SP julgou improcedente o lançamento, conforme fundamentado na seguinte ementa:
ASSUNTO: CLASSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS Período de apuração: 01/0112001 a 31/12/2005
Ementa: CLASSIFICAÇÃO FISCAL. ÔNUS DA PROVA. O auto de infração deve ser instruído com todos os elementos de prova, porque o ônus da prova é da autoridade autuante. Improcede o reenquadramento de produto na NCM ou em EX tarifário, se desacompanhado de prova técnica que permita o conhecimento de suas características merceológicas.
Lançamento Improcedente
Por tratarse de crédito exonerado superior ao limite de alçada, o órgão julgador de primeira instância submeteu sua decisão a reexame necessário. É o relatório.
Voto
Conselheiro Luiz Roberto Domingo, Relator Conheço do Recurso de Ofício por atender pressupostos de admissibilidade. Andou bem a decisão recorrida ao considerar nulo o lançamento por ausência de prova para fundamentar questão de fato imprescindível para realização da subsunção da norma tributária.Como já me posicionei, anteriormente, a classificação fiscal é a aplicação de norma jurídica sobre determinado fato identificável no produto objeto da relação jurídica objetivada, pois se trata de fato hipoteticamente descrito que deve coincidir com o fato concretamente ocorrido no mundo. Tanto as Notas Explicativas do Sistema Harmonizado quanto a TIPI são instrumentos veiculados por leis, ou seja, o direito positivou seus textos de modo que passaram a integrar o sistema.
Notese que os textos das posições e as notas do Sistema Harmonizado veiculam normas que devem ser seguidas pelo intérprete a fim de corretamente fazer a subsunção. Têmse suportes fáticos (conceito de fato) cuja hipótese está descrita na norma. Isto é, as características intrínsecas e extrínsecas da mercadoria se traduzem no suporte fático que se subsumirá à hipótese de incidência. Essa característica é que faz uma determinada mercadoria classificarse numa posição e não em outra, pois a descrição da mercadoria deverá corresponder exatamente à hipótese prevista na norma, à descrição contida na tipi ou que se enquadre nos limites traçados pelas notas explicativas.
Aliás, esse é o conteúdo da primeira regra de interpretação. É uma regra pautada no princípio da tipicidade estrita, ou seja, aquela que informa que para uma mercadoria deveser aquela dada classificação e não outra.
Mas qual seria a importância dessa introdução no caso que se apresenta? Acredito que um produto não pode ser considerado igual a outro se intrínseca ou extrinsecamente apresente características diversas, ou ainda, não é possível determinarse qual a norma aplicável se ausente a prova da materialidade do produto.
O procedimento fiscal tendente a desconsiderar a classificação fiscal adotado pelo contribuinte necessita da prova técnica que explicite as características intrínsecas e extrínsecas do produto para boa definição de sua natureza. Para tanto é necessária a colheita de provas indispensáveis à identificação do fato jurisdicizado, de forma a conhecer da verdade material que se submeterá à norma. Alberto Xavier (in, Do lançamento teoria geral do ato do procedimento e do processo tributário. 2º ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998.) explica que o Direito Tributário é de natureza indisponível , ou seja, nem o Fisco pode deixar de aplicar a norma nem o contribuinte pode pagar tributo que não seja devido. E, ainda, que a Administração não pode prescindir das diligências probatórias previstas em lei para pleno conhecimento do objeto:
“Da natureza indisponível do Direito Tributário material, derivam naturalmente reflexos na natureza do procedimento, através do qual a Administração fiscal aplica o tributo. Porque o procedimento representa a disciplina da atividade de aplicação do Direito material, deve entenderse que também ele se encontra subtraído a livre disposição das partes – Administração e contribuinte – de tal modo que são de excluir, em Direito Fiscal, as figuras da confissão, da desistência ou da transação, pois qualquer delas só pode recair sobre fatos relativos a direitos disponíveis.
Também o material probatório se encontra subtraído à disponibilidade das partes, visto que a Administração fiscal não só não está limitada aos meios de provas facultados pelo contribuinte, como não pode prescindir das diligências
probatórias previstas na lei como necessárias ao pleno conhecimento do objeto do procedimento, salvo quando a lei excepcionalmente autorize.” Assim, no exercício de sua função a administração fiscal tem o dever de provar a ocorrência do fato do qual decorreu a aplicação do Direito, é dele o ônus da prova. Vejamos o que doutrina Alberto Xavier (op. cit. pág. 144):
“Porque no procedimento administrativo de lançamento se tende à averiguação da verdade material quanto ao objeto do processo indispensável para a aplicação da lei de imposto nele não se coloca, em rigor, um problema de repartição do ônus da prova como critério de juízo sobre o fator incerto.” ...
“Que o encargo da prova no procedimento administrativo de lançamento incumbe à Administração fiscal, de modo que em caso de subsistir a incerteza por falta de prova (Beweislosigkeit), esta deve absterse de praticar o lançamento ou deve praticálo com um conteúdo quantitativo inferior, resulta claramente da existência de normas excepcionais que invertem o dever da prova e que são as presunções legais relativas.
Com efeito, a lei fiscal não raro estabelece presunções deste tipo em benefício do Fisco, liberandoo deste modo do concreto encargo probatório que na sua ausência cumpriria realizar; nestes termos, a Administração fiscal exonerarseá do seu encargo probatório pela simples prova do fato índice, competindo ao particular a demonstração do contrário.”
...
“Na ordem jurídica brasileira não pode duvidarse da solução a dar ao problema em causa: o respeito pela propriedade privada, consagrado constitucionalmente, e que em matéria tributária se reflete no princípio de uma rígida legalidade, revela só por si que no caso de incerteza sobre a aplicação da lei fiscal são mais fortes as razões de salvaguarda do patrimônio dos particulares do que as que conduzem ao seu sacrifício . ( in dubio pro
libertate; melhor est conditio possidentis).”
Nunca é demais repetir os ensinamentos do doutrinador Paulo Celso B. Bonilha, em sua obra "Da Prova no Processo Administrativo Tributário"( Ed. Dialética, São Paulo, 1997, 2ª edição) ao tratar do ônus da prova na relação processual tributária, conclui que:
"Se é verdade que a conformação peculiar do processo administrativo tributário exige do contribuinte impugnante, no início, a prova dos fatos que afirma, isto não significa, como vimos, que, no decorrer do processo, seja de sua incumbência toda a carga probatória. Tão pouco a presunção de legitimidade do ato de lançamento dispensa a Administração do ônus de provar os fatos de seu interesse e que fundamentam a pretensão do crédito tributário, sob pena de anulamento do ato."
Ora, ainda que possível a revisão aduaneira das importações realizadas pela Contribuinte, no período em que se baseou a fiscalização, inclusive com a exigência de tributos
recolhidos a menor, cabe ao Fisco apresentar prova da materialidade do erro na clssificação fiscal, ou seja, prova de que os produtos importados se enquadram em posição tarifária diversa da indicada nas Declarações de Importação.
A incerteza quanto à materialidade da aplicação da norma tributária pretendida pelo Fisco configura cerceamento ao direito de ampla defesa e do contraditório, uma vez que, o subsídio da exigência por meio de Laudo Técnico tornase indispensável à plena caracterização do produto objeto da revisão. Diante do exposto, por não ter sido produzida prova fundamental à alteração da classificação fiscal – laudo pericial – NEGO PROVIMENTO ao Recurso de Ofício. Luiz Roberto Domingo