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TURISMO E DESENVOLVIMENTO: O papel do Estado na (re)estruturação do espaço no Nordeste

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TURISMO E DESENVOLVIMENTO: O papel do Estado na (re)estruturação do espaço no Nordeste

Ricardo Alexandre Paiva - Arquiteto e Urbanista, Mestre e Doutorando (FAUUSP)

1 - NORDESTE: DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO X DESENVOLVIMENTO ESPACIAL Schifer traça uma periodização em relação às transformações e estruturação do espaço nacional, estabelecendo como lastro teórico a consideração de que o espaço é transformado e recriado segundo os estágios do processo de acumulação (SCHIFFER, 1989). No caso específico brasileiro, este processo de acumulação se distingue pela existência de uma sociedade de elite (econômica e política) que emperra o processo de generalização da forma-mercadoria. Deák, (2004) qualifica este processo como “acumulação entravada”, conceituando-a como conceituando-a “bconceituando-ase mconceituando-atericonceituando-al dconceituando-a reprodução dconceituando-a sociedconceituando-ade de elite no Brconceituando-asil”, e conceituando-acrescentconceituando-a que trata-se de “uma reprodução ampliada, em que parte do excedente produzido anualmente é incorporado à produção -acumulado-, enquanto outra parte é expatriada”

O primeiro momento destacado pela autora se refere ao “período colonial-imperial”, e corresponde a herança histórica que fundamenta as bases para a compreensão do processo de “acumulação entravada”; o segundo momento, o “estágio de acumulação extensiva”, que já admite subdivisões e; finalmente o “estágio de acumulação intensiva”, que envolve a questão contemporânea. Esta abordagem, que considera a trajetória das transformações espaciais, portanto, inserida na esfera econômica, política e cultural, instrumenta uma análise da inserção do Nordeste na estruturação do espaço nacional, as diferenciações regionais e o processo de urbanização.

1.1 – COLÔNIA – IMPÉRIO (1500-1850)

O Nordeste brasileiro, a princípio, foi o protagonista dentro do território das relações econômicas assimétricas mantidas entre a Colônia e a Metrópole, marcada pela exploração da cultura da cana-de-açúcar, destacadamente na faixa litorânea, pontuando poucos e importantes núcleos urbanos, tendo na retaguarda a pecuária, atividade de caráter extensivo e de baixa produtividade. Estes sistemas produtivos, baseados no trabalho humano (escravo) e na transformação da natureza, geraram uma rede de cidades com núcleos rarefeitos na faixa litorânea, que assumiam na maioria das vezes o papel de distribuidores da produção e a uma escassa ocupação do interior face às condicionantes naturais.

Este período marca o início da existência de mercados regionais - que justificam a fragmentação territorial – e são condicionados pelos imperativos e oscilações dos mercados internacionais (SCHIFFER, 1999).

O Nordeste passou a assumir uma posição secundária, a partir da hegemonia do ciclo de mineração, e a conseqüente mudança da capital do país para o Rio de Janeiro e, posteriormente, a ascensão e importância da cultura cafeeira. Esta rivalidade entre os ciclos não significava substituição, pois o ciclo anterior, embora enfraquecido, permanecia.

Ao passo que há um desenvolvimento espacial no interior do país e, sobretudo na Região Sudeste, o Nordeste sofre poucas transformações espaciais. Neste sentido,

As regiões que não sediavam as atividades econômicas predominantes, face ao próprio isolamento, tiveram desenvolvimento diferenciados, cabendo-lhes essencialmente uma colonização destinada a marcar a ocupação do território ou defesa contra as invasões

(SCHIFFER, 1999:79).

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No estágio extensivo a “expansão da forma-mercadoria procede relativamente desimpedida, predominantemente mediante a extensão da produção de mercadorias às custas de formas não-capitalistas” (DEÁK, 2004a:31). Este estágio pode ser melhor compreendido a partir de subdivisões que demonstram a transição das formas “não-capitalistas” para capitalistas.

1.2.1 - Produção cafeeira x outras atividades agro-exportadoras no Nordeste

As transformações no plano político, com a Independência do Brasil, não foram suficientes para transformar a estrutura sócio-econômica brasileira:

Mantinha-se a primazia da produção monocultural de exportação de produtos primários baseada em latifúndios e trabalho escravo e totalmente voltada para os mercados externos, sem orientar-se para a formação e o fortalecimento de um mercado nacional, o que se refletiu na manutenção de regiões isoladas no território (SCHIFFER, 2004:80).

A emergência da cultura cafeeira se inicia no Rio de Janeiro e se expande para Minas Gerais e São Paulo. A partir da segunda metade do século XIX, a cultura do café contribuiu para a hegemonia econômica do estado de São Paulo e “seu controle no processo de acumulação nacional” (SCHIFFER, 1999:81). Além da Lei das Terras de 1850, a substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado impulsionou o estágio de acumulação extensiva no Brasil. A expressão territorial desta nova ordem era viabilizada, sobretudo, pelos portos e estradas de ferro a serviço desta economia de produção voltada para o estrangeiro com ausência de integração nacional, ao mesmo tempo em que se dava uma relativa integração no plano político e cultural (SANTOS e SILVEIRA, 2003), caracterizando uma estrutura insular, na qual cada região desempenhava uma função específica no fornecimento de matéria-prima para o mercado internacional. Acrescente-se a esta realidade o desenvolvimento urbano relativo de várias capitais regionais, inclusive no Nordeste, estimulado também pela inserção no mercado consumidor de produtos industrializados advindos da Europa.

1.2.2 – O início da industrialização e “unificação do mercado nacional”.

A partir do início da industrialização se anuncia um esboço de integração e unificação do mercado nacional, viabilizada pela efetivação dos sistemas de transportes, principalmente ferroviário e marítimo. Esta etapa caracteriza-se pelo início de uma rede urbana nacional e a emergência de São Paulo como centro hegemônico, embora herde tal posição dos impulsos da cultura cafeeira do período anterior, e a supremacia regional do Sudeste.

Este momento marca o início do processo de urbanização efetivo, provocado essencialmente pelo crescimento demográfico e a migração campo-cidade. Os fluxos migratórios acontecem, por um lado, na escala do território, representados principalmente pelos deslocamentos da Região Norte e Nordeste para as metrópoles da Região Sudeste, e por outro, na escala intra-regional, do campo em direção aos centros regionais.

A configuração territorial de independência das regiões brasileiras no relacionamento com os centros produtores do exterior é substituída pela criação de uma hierarquia entre elas, que implica em novas condições de dependência, legitimadas também no plano político pela centralização do poder do Estado Novo.

As antigas metrópoles costeiras foram, desse modo, reduzindo sua polarização frente às suas áreas tradicionais de influência, pois de um lado o novo sistema de transporte induzia os deslocamentos para São Paulo e Rio de Janeiro e, de outro, essas metrópoles regionais litorâneas tornaram-se incapazes de fornecer bens e serviços às suas regiões. Por essa razão os núcleos urbanos mais recentes ligaram-se a São Paulo. O antigo tipo de hierarquia desmoronou para dar origem a novas formas de dependência entre São Paulo e esses centros regionais e metrópoles incompletas (SANTOS e SILVEIRA, 2003: 46).

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1.2.3 – A consolidação do processo de industrialização.

Os países subdesenvolvidos se inserem neste período tendo como modelo de crescimento econômico a atividade industrial. No entanto, “à medida que o país se industrializava, porém, aumentava sua dependência econômica em face da tecnologia e da quantidade de capital estrangeiro, ali aplicado de forma seletiva e alocado” (LEITE, 2004:1).

A “industrialização pesada” se efetiva e tem como objetivo “incrementar a fabricação de bens de consumo e de produção” (SCHIFFER, 2004:89), caracterizando-se pela penetração de firmas estrangeiras, enormes desigualdades de renda e empobrecimento galopante. A conseqüência desta suposta maturidade industrial foi o agravamento das disparidades regionais no território brasileiro, pois “esse estágio da industrialização significou uma concentração de capital e atividades produtivas justamente onde já estava implantado o maior parque industrial do país” (SCHIFFER, 2004:89).

A tomada de consciência das desigualdades regionais1 fez surgir as agências de

desenvolvimento regional, que de certa maneira materializavam intenções integradoras. O momento emblemático pode ser identificado na década de 1950, na qual a pobreza da Região Nordeste se acentua em função das secas de 1950 e 1958. O problema da seca fragilizava ainda mais as discrepâncias regionais e intra-regionais. Os atributos naturais do Nordeste maximizavam a dificuldade da atividade agrícola, inclusive de subsistência, os baixos índices de renda, assim como os fluxos migratórios.

Neste contexto, foi criado o primeiro banco estatal de desenvolvimento regional do Brasil, o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e, segundo Dias (1999:844), “estava plantada a semente da mudança de clássico tratamento hídrico dos problemas regionais, a um moderno tratamento econômico”. Estas ações foram seguidas, em detrimento da seca de 1958, pela criação do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste - GTDN (1959), sob a liderança de Celso Furtado, representando a gênese da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste).

O plano de ação do documento do GTDN, com o intuito de criar o tão ambicioso projeto de equilíbrio regional, tinha entre as pretensões, a indústria como frente de ação, assimilando a idéia de que o desenvolvimento se sustentaria na industrialização (DIAS, 1999).

A atividade industrial se montava, a princípio, numa espécie de substituição de importações com o intuito de responder às demandas do consumo intra-regional. Conforme Dias (1999:845) houve um relativo fechamento da economia do Nordeste entre 1960 e 1967, sendo posteriormente encampado o “caminho de complementaridade à economia do eixo hegemônico”. Os incentivos fiscais foram os principais instrumentos para atração de investimentos no setor industrial, conduzindo uma política de desenvolvimento econômico industrial dependente, com a criação de empresas filiais, com matriz no centro-sul, concentrando o centro de decisões e o excedente.

A Região Nordeste, mesmo após a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) em 1959, cujos planos de desenvolvimento para a região elegeram primordialmente a industrialização como fator indutor capaz de minimizar as ‘desigualdades regionais’, não logrou desenvolvimento considerável (SCHIFFER, 2004:94).

2.3 – ESTÁGIO INTENSIVO? (MEADOS DA DÉCADA DE 1970 ...)

As principais transformações que caracterizam o estágio intensivo, ou seja, “a produção fica restrita essencialmente ao aumento da produtividade do trabalho” (CSABA, 2004a:31) se concentram basicamente na reestruturação e descentralização industrial, novas frentes na agricultura e expansão e especialização do comércio e serviços.

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diretamente com as mudanças no plano político.

A ascensão do neoliberalismo na década de 1970 e a penetração da sua ideologia no Brasil na década de 1990 - apesar das contradições contidas nas suas formulações ideológicas em relação às suas práticas efetivas, sobretudo no que se refere ao papel do Estado - favorece a atuação das iniciativas privadas (empresas, grupos específicos e indivíduos) também em escala internacional, consoante as necessidades contemporâneas de reprodução do modo de produção capitalista e a superação da crise no processo de acumulação. O neoliberalismo impulsiona a individualidade e a competitividade atrelada à liberdade de mercado em defesa de uma suposta liberdade individual, contraditória e restrita às classes dominantes (HARVEY, 2005a).

No Brasil, este estágio intensivo se esboça nos lugares onde a industrialização se concretizou, ratificando a importância do Estado de São Paulo, que a partir da década de 1970 - tendo como marco o II Plano de Desenvolvimento Nacional (II PND) - gerenciou a “reorganização da distribuição regional das atividades produtivas e da infra-estrutura” (SCHIFFER, 2004:107). O processo de “acumulação entravada”, que perpetua os interesses da sociedade de elite, não permite que se crie a uniformidade espacial capaz de permitir os fluxos de mercadorias, capital e força de trabalho em todo o território nacional. O resultado deste processo é a segmentação do território, com as disparidades regionais tomando uma proporção que obedece, cada vez mais, às determinações de ordem global.

Esta realidade repercute no Nordeste de forma negativa devido às heranças históricas do desenvolvimento econômico da Região. Neste contexto, surge um novo paradigma como propulsor do desenvolvimento do Nordeste na superação das desigualdades regionais: o turismo.

A articulação entre o turismo e a estruturação espacial - nas suas mais variadas escalas - tem se transformado em um dos principais exemplos de penetração da variedade de iniciativas neoliberais nas políticas, no planejamento e na gestão públicas (BRENNER e THEODORE, 2002:4), principalmente no que se refere à competitividade entre os lugares.

O receituário neoliberal incide no turismo na medida em que o mesmo, por sua dimensão espacial intrínseca, possibilita a absorção de novos territórios à lógica capitalista, favorecendo os fluxos de capitais (industriais, comerciais e financeiros) em escala global. Acrescente-se a isto, o fato de que o turismo constitui uma atividade econômica em si que gera uma diversidade de outros benefícios econômicos, consolidando-se como uma das principais atividades econômicas da contemporaneidade.

O potencial econômico do turismo não se limita exclusivamente ao uso do território como recurso. De modo diverso ao trabalho (elemento essencial nas relações de produção), o tempo livre dentro da sociedade contemporânea de consumo se converte em tempo produtivo, isto é, o tempo do ócio e do lazer, semelhante ao trabalho, “alimenta as engrenagens produtivas da sociedade” (BENEVIDES, 1998:26).

2 - O TURISMO COMO ATIVIDADE REDENTORA: A NATUREZA DE PROBLEMA PARA SOLUÇÃO

Verifica-se a inserção cada vez maior do setor turístico como propulsor do desenvolvimento material do Nordeste, inseridos nos planos governamentais federais, estaduais e municipais como prioritárias frente à realidade da Região.

O turismo surge como uma alternativa econômica para os estados, potencializada pelos elementos naturais, sobretudo o clima tropical (sol e mar) e o patrimônio histórico e cultural de herança colonial. A imagem turística dos estados do Nordeste se fundamenta, a priori, na tentativa de reverter o significado negativo dos imperativos do meio, os longos períodos de estiagem e a taxa de insolação, em atributos positivos para a prática do lazer e da atividade turística.

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intervenções no espaço, na escala regional e urbana, que sirvam simultaneamente aos interesses políticos e aos interesses econômicos da sociedade de elite.

Esse paradigma naturalista permeia as políticas de turismo do Nordeste, perpetuando uma história antiga e malfadada de desenvolvimento regional, apoiado em estratégias que tomam a natureza ora como problema ora como solução dos problemas regionais e desconsidera necessárias alterações na estrutura socioeconômica regional como condição sine qua non para qualquer possível desenvolvimento (CRUZ, 2000:11).

3 – TURISMO E PRODUÇÃO DO ESPAÇO: O PAPEL DO ESTADO NA ORGANIZAÇÃO ESPACIAL

O turismo tem impulsionado transformações substantivas no espaço3, não encontrando limites

para a sua penetração, uma vez que interfere na escala territorial, regional e urbana, agindo também na remodelação da paisagem.

As modalidades do turismo possibilitam o uso indiscriminado do espaço, avançando por várias frentes, tais como: o turismo urbano, o turismo rural, o turismo de “sol e mar”, o ecoturismo, o turismo de eventos e negócios, o turismo histórico, entre outras categorias. O que parece absolutamente surpreendente, ultimamente, é que o turismo não só se utiliza do espaço natural ou construído, mas passa a recriá-lo, consoante as necessidades do modelo contemporâneo de acumulação.

No entanto, é importante salientar que não existe processo de produção do espaço específico, ou um “espaço turístico” independente da produção do espaço em geral ou mesmo alheio ao processo de produção e reprodução do modo de produção capitalista, uma vez que:

O processo de produção do espaço se dá, a princípio, na apropriação e transformação de um espaço natural (território), o qual naquele momento é premissa condicionante da produção. A partir deste instante o espaço passa a ser produzido e é recriado sucessivamente segundo as necessidades do processo de produção (SCHIFFER, 1989:11).

Por outro lado, é necessário destacar que a produção do espaço destinado ao turismo se particulariza na medida em que “não se comercializa a terra, o recurso natural ou o local de qualidade singular, mas a mercadoria ou serviço produzido por meio de seu uso” (HARVEY, 2005a:28).

Inserido na lógica do capitalismo contemporâneo, as transformações espaciais decorrentes da atividade turística tem como um dos principais agentes o Estado, que opera na viabilização do processo de acumulação, intervindo nas seguintes instâncias: “instituições (propriedade), violência (monopólio), ideologia, infra-estrutura e indústrias nascentes e obsoletas” (DEÁK, 1989). Destaca-se na presente análise a questão da ideologia e da infra-estrutura quanto ao papel do Estado na (re)estruturação do espaço destinado ao turismo no Nordeste.

No que se refere à ideologia4, poderíamos admitir que o apelo ao turismo como propulsor do

desenvolvimento da Região por intermédio, principalmente, da reconversão da imagem do Nordeste como imagem da miséria em paraíso tropical não passa de uma construção ideológica veiculada e forjada como consenso pelo Estado, que por sua natureza intrínseca5

representa os interesses da sociedade de elite.

A questão da infra-estrutura é particularmente importante para compreender o papel do Estado na organização espacial, vinculado ou não ao turismo.

O Estado (...) deve desempenhar um papel importante no provimento de ‘bens públicos’ e infra-estruturas sociais e físicas; pré-requisitos necessários para a produção e troca capitalista, mas os quais nenhum capitalista individual acharia possível prover com lucro (HARVEY, 2005b:85).

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produção do espaço e conseqüentemente de localizações6. Esta relação entre o Estado e o

mercado pode ser percebida sob a seguinte lógica:

(...) quanto mais a organização do espaço for exercida através de intervenção estatal, menos sobra para ser organizado pelo preço – que será então mais baixo – e, reciprocamente, quanto menos intervenção direta houver na regulação espacial, maior a responsabilidade do preço das localizações o qual deverá então apresentar maiores diferenciais e, portanto, cobrirá um campo de variação maior – em outras palavras, o preço das localizações será mais elevado (DEÁK, 1989). Devido à heterogeneidade de provisão de infra-estrutura necessárias à fluidez da atividade turística (transportes, saneamento, energia, comunicações, etc), percebe-se que a intervenção do Estado favorece a atuação do mercado - o que não significa ausência do Estado - e que ao privilegiar interesses específicos, contribui para a fragmentação espacial, representada pelas localizações apropriadas pelo turismo. Estas, por sua vez, caracterizam-se pelo confinamento, pela segregação e exclusão social.

Para Ferraz (1992) a intervenção estatal se efetiva nas seguintes modalidades: participação, indução e controle. Na modalidade participação, o Estado exerce alguma atividade econômica. No setor turístico, este tipo de função é muito restrita (centro de convenções, por exemplo), evidenciando as tendências neoliberais de privatização. Na modalidade indução, o Estado cumpre o papel de orientador, através da concessão de incentivos (financeiros ou fiscais). Nesta modalidade a criação de infra-estrutura é um dos principais campos de atuação. Finalmente, em se tratando de controle, o Estado comparece na regulação, através da criação de regras a serem seguidas pela iniciativa privada. Cruz (2000) denuncia as conseqüências espaciais resultantes da ineficácia do Estado no (re)ordenamento do espaço, principalmente no que se refere às políticas de turismo, relegando ao mercado tal função.

4 – POLÍTICAS DE TURISMO E A (RE) ESTRUTURAÇÃO ESPACIAL NO NORDESTE. Dentre as atribuições do Estado podemos ainda destacar as políticas públicas específicas para o setor turístico. Historicamente, estas foram tomando importância consoante à notoriedade e desenvolvimento da atividade. Para Cruz:

Uma política pública de turismo pode ser entendida como um conjunto de intenções, diretrizes e estratégias estabelecidas e/ou ações deliberadas, no âmbito do poder público, em virtude do objetivo geral de alcançar e/ou dar continuidade ao pleno desenvolvimento da atividade turística num dado território (CRUZ, 1999:45).

Observa-se que o processo de fragmentação das políticas públicas compromete o planejamento na sua totalidade, embora não se possa restringir a ação do Estado às políticas públicas específicas, pois as ações intervencionistas do Estado no setor do turismo se insinuam também em planos governamentais (federal, estadual e municipal). A falta de concatenação entre as políticas setoriais se verifica principalmente entre as políticas urbanas e as políticas de turismo, ambas diretamente relacionadas à infra-estrutura.

Esta setorização das políticas públicas é fruto de uma postura ideológica que desconsidera a complexidade do espaço e do seu conteúdo social.

(...) o espaço e sobretudo o espaço urbano reproduzem o espectro da sociedade. E é por isso que surge um falso problema representado pela elaboração de planos e políticas de organização do espaço (as malfadadas políticas urbanas e regionais) de cunho quase sempre formalista, na maioria das vezes elaboradas, como se fosse possível moldar o espaço sem interferir na estrutura social (SOUZA, 1988:6).

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períodos, a saber:

- período “pré-história jurídico-institucional” das políticas nacionais de turismo, que se inicia em 1938 com o decreto-lei 406/1938 e se estende até 1966 e caracteriza-se pela desconexão dos instrumentos de regulação e fragmentação institucional, concentrando-se fundamentalmente no controle de agências de viagens.

- a segunda fase se inicia a partir do decreto-lei 55/1966 e caracteriza-se pela criação de um aparato institucional mais organizado, através da criação de uma “política nacional de turismo”. Este decreto estava em consonância com o Plano de Ação Econômica do Governo – PAEG (1964-66). Este período é marcado por políticas que valorizam prioritariamente a infra-estrutura hoteleira. As políticas voltadas para o Nordeste se inserem neste período obedecendo às mesmas proposições contidas na política nacional para o setor. De modo diverso, o II Plano de Desenvolvimento Nacional - II PND – estabelece estratégias mais abrangentes para o desenvolvimento da atividade no Nordeste em consonância com outras ações de planejamento, estabelecendo como objetivo: “a ordenação da ocupação da orla marítima, preservando-se o patrimônio histórico e valorizando-se a beleza paisagística, com vistas ao desenvolvimento do turismo interno e internacional” (II PND, 1974).

- O último período se inicia com a revogação da lei anterior e a sua substituição pela Lei 8181/1991, que reestrutura a EMBRATUR e absorve as mudanças do significado do turismo contemporâneo e seu apelo economicista.

As principais políticas setoriais de fomento da atividade turística no Nordeste são a “Política de Megaprojetos Turísticos” e o “Programa para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste” – PRODETUR-Ne.

A Política de Megaprojetos Turísticos se inicia em fins da década de 1970, tendo o setor público como principal empreendedor, consiste na urbanização turística de trechos da costa pouco ou nada urbanizados, com grande concentração de equipamentos, notadamente equipamentos hoteleiros. As transformações espaciais são concentradas, uma vez que se prioriza a infra-estrutura hoteleira em detrimento da infra-estrutura em geral, face ao menor custo de investimento, criando espaços confinados e apartados do espaço preexistente.

O Programa para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste – PRODETUR-Ne surge no início da década de 1990 no contexto da reestruturação da EMBRATUR. As proposições do programa são mais abrangentes e abarcam todos os estados da Região. Dentre os objetivos podemos destacar:

1 organização, desenvolvimento e promoção do turismo através de uma articulação entre governo e iniciativa privada; 2 instalação de infra-estrutura de base e de infra-estrutura turística adaptadas às potencialidades regionais; 3 formação profissional dos recursos humanos ligados ao setor (turismo); descentralização da gestão turística com o fortalecimento dos organismos estatais, a municipalização do turismo e a terceirização das atividades para o setor privado (DANTAS,

2002:56).

O principal foco de intervenção do PRODETUR-Ne se direciona para a implementação de infra-estrutura básica como suporte para o incremento do turismo. È importante salientar que tais objetivos não serão alcançados pelo programa se não houver articulação com outras políticas e inscritas em um modelo de planejamento mais amplo. Para Cruz:

A infra-estrutura urbana a ser implementada via PRODETUR-Ne não pode assegurar, nem direta, nem indiretamente, a ampliação dos fluxos de turistas ou de sua permanência nos lugares abarcados por essa política, bem como não pode garantir a geração de emprego e renda com a exploração direta e/ou indireta de atividade turística porque, como uma política de urbanização para o turismo, isto não lhe compete (CRUZ, 1999:133).

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A estruturação do espaço nacional é condicionada pelos diferentes contextos históricos do processo de “acumulação entravada”. As desigualdades regionais constituem um emblema deste processo.

Constata-se, no entanto, que apesar de ter havido um crescente alargamento do mercado interno em ambos os estágios de acumulação, com a crescente implantação de infra-estruturas regionais, (...) tais avanços não se distribuíram uniformemente no território (SCHIFFER, 2004:108).

Neste sentido, seria ilusório admitir que o turismo possa cumprir a função messiânica de promover o desenvolvimento do Nordeste de forma autônoma em relação às heranças históricas e ao atual estágio de acumulação. Assim sendo, verifica-se um processo de urbanização contraditório e excludente, uma vez que a (re)estruturação do espaço no Nordeste destinado ou apropriado pelo turismo ratifica as desigualdades regionais, a segregação sócio-espacial, porque obedece aos interesses da sociedade de elite, respaldada pelo Estado. As tensões sociais resultantes das transformações espaciais provocadas pelo turismo não podem ser ignoradas.

Essa nova organização socioespacial estabelecida pelo uso turístico do território dá-se sobre uma organização socioespacial preexistente e seria um engano crer que não há embates decorrentes do encontro dessas diferentes temporalidades. Os nexos antigos assimilam as novidades, mas forçam, no limite, a coexistência. É a força do local, do espaço contíguo, da co-presença, que se manifesta, que se impõe (CRUZ, 2000:12).

No que se refere às políticas de turismo é necessário haver uma articulação entre diversas ações por parte do poder público, principalmente no que se refere à concatenação entre política de turismo e política urbana.

A superação do problema é proporcional a sua complexidade. O desenvolvimento sócio-espacial da Região Nordeste está atrelado ao desenvolvimento nacional e a estrutura social que o justifica. Este pressuposto é a origem da transformação.

6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CRUZ, Rita de Cássia Ariza da. Política de turismo e (re) ordenamento de territórios no litoral do Nordeste do Brasil. Tese de Doutorado. Departamento de Geografia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999.

___________________________ Política de turismo e território. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2000. v. 1. 167 p.

DANTAS, Eustógio Wanderley Correia. A construção da imagem turística de Fortaleza/Ceará. In: MERCATOR (Revista de Geografia da UFC). Ano 1, número 01, 2002.

DEÁK, Csaba. O mercado e o estado na organização espacial da produção capitalista. In: Espaço & Debates 28, 1989, pp. 18-31.

____________ Acumulação entravada no Brasil e a crise dos anos 80. In: DEÁK, Csaba; SCHIFFER, Sueli Ramos. (Org.). O processo de urbanização no Brasil. São Paulo: Edusp, 2004.

FERRAZ, Joandre. Regime Jurídico do Turismo. Campinas: Papirus, 1992.

HARVEY, David. A Arte como renda: globalização e transformação da cultura em commodities. In: Desígnio: Revista de Arquitetura e do Urbanismo. São Paulo: Annablume, 2005 – n. 4 setembro de 2005a.

______________ Teoria Marxista do Estado. In: HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005b.

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASL. II PND. II Plano de Desenvolvimento Nacional (1975-1979). Brasília, Serviço Gráfico do IBGE, 1974.

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SCHIFFER, Suely. T. R. . As politicas nacionais e a transformação do espaço paulista: 1955-80. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1989.

____________________ . São Paulo como pólo dominante do mercado unificado nacional. In: Deak, C; Schiffer, Sueli. (Org.). O processo de urbanização no Brasil. 1 ed. São Paulo: FUPAM/EDUSP, 2004.

1 A Criação do Departamento Nacional de Obras contra Secas - DNOCS foi uma das únicas ações de

planejamento e intervenção no âmbito federal no Nordeste. Tais intervenções pautavam-se na “ideologia da pobreza” para reverter as conseqüências das condicionantes naturais (estiagem), sem no entanto alterar o quadro sócio-econômico da região.

2 “A globalização e seu conceito-irmão, o neoliberalismo, são, na Europa, uma reação à

social-democracia, ao prestígio do Estado de bem-estar e da democracia embasada em uma camada relativamente ampla de classe média. No Brasil, onde nunca houve social-democracia ou Estado de bem-estar, não passam de novas formas maldissimuladas de entreguismo”. (CSABA, 2004b:37)

3 O “espaço”, assim como a localização “...derivam da prática social da produção e reprodução dentro de

uma divisão de trabalho, característica de um modo de produção.”(DEÁK, 1989). “Designamos por ‘espaço’ no capitalismo, o território de um mercado unificado no qual a forma-mercadoria se generalizou. Tal espaço encerra localizações, uma localização sendo o lócus de um processo individual de produção (ou reprodução). A especificidade de um espaço concreto é definia pelas relações entre suas localizações. (DEÁK, 1989)

4 Os aparatos ideológicos do Estado podem ser compreendidos com base na seguinte assertiva: “Os

interesses de classe são capazes de ser transformados num ‘interesse geral ilusório’, pois a classe dirigente pode, com sucesso, universalizar suas idéias como ‘idéias dominantes’. Provavelmente, esse será o caso que resulta o processo real de dominação de classe” (HARVEY, 2005c:81)

5 “O Estado não tem autonomia em relação às classes sociais, e situando-se a nível da “superestrutura”,

é meio viabilizador do processo de acumulação que se dá, segundo as relações de produção do capitalismo, pela dominação de classe. O Estado por reproduzir a dominação de classe, não pode simultaneamente ser palco de disputas entre classes, pois jamais contribuiria à extinção desta dominação. Atribuir ao Estado papel de arena de luta de classes, nada mais é que atestar a tese da ideologia” (SCHIFFER, 1989:19 e 20).

6 “A produção do espaço gera localizações individualizadas no seu interior. Localizações estas que por

se constituírem em porções limitadas do território se alteram constantemente com a própria produção do espaço. Estas sim, possuem valor de uso e de troca quando podem ser colocadas no mercado como mercadorias” (SCHIFFER, 1989:15).

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