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Estenose Aórtica no Recém-Nascido. Importância da Perfusão Miocárdica no seu Prognóstico

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Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras

Correspondência: Marco Aurélio Santos - Rua Bulhões de Carvalho, 245/301 21081-000 - Rio de Janeiro, RJ - E-mail: masantos@cardiol.br

Recebido para publicação em 12/6/01 Aceito em 14/11/01

Objetivo - Analisar a nossa experiência com a valvulo-plastia aórtica percutânea com cateter balão na estenose aórtica do recém-nascido, enfatizando a importância da perfusão miocárdica.

Métodos - Num período de 10 anos, 21 recém-nasci-dos foram submetirecém-nasci-dos à valvuloplastia aórtica percutânea. A idade variou de 2-27 dias, o peso 2,2-4,1Kg e 19 eram do sexo masculino. Todos se apresentaram com quadro de insu-ficiência cardíaca congestiva, clinicamente intratável. Em nove pacientes o início das manifestações se deu durante a 1ª semana de vida: estenose aórtica crítica. Nos 12 restan-tes, a idade de apresentação foi a partir da 2ª semana de vida: estenose aórtica grave.

Resultados - A mortalidade foi de 100% para os paci-entes com estenose aórtica crítica. O procedimento foi considerado efetivo nos 12 pacientes com estenose aór-tica grave. As complicações vasculares foram perda de pulso em 12 pacientes e ruptura de artéria femoral em dois. As complicações cardíacas foram regurgitação aór-tica aguda em dois pacientes e perfuração miocárdica em um. Num seguimento de 8,2±1,3 anos, cinco dos 12 paci-entes faleceram (dois por septicemia e três por insuficiên-cia cardíaca congestiva). Dos sete pacientes restantes, cinco realizaram novo procedimento e dois foram encami-nhados para cirurgia.

Conclusão - A valvuloplastia aórtica percutânea no recém-nascido não é um procedimento efetivo na 1ª sema-na de vida, já que a forma de apresentação é o choque cardiogênico. É possível que, naqueles pacientes com estenose aórtica crítica, a valvuloplastia ainda durante a vida fetal, possa mudar sua história natural.

Palavras-chave: fibroelastose endocárdica, isquemia

miocárdica, valvuloplastia por cateter balão, estenose aórtica.

Arq Bras Cardiol, volume 79 (nº 3), 245-50, 2002

Marco Aurélio Santos, Vitor Manuel Pereira Azevedo

Rio de Janeiro, RJ

Estenose Aórtica no Recém-Nascido. Importância da Perfusão

Miocárdica no seu Prognóstico

A estenose aórtica no recém-nascido é uma enfermida-de fatal que, em enfermida-decorrência enfermida-de fenômeno obstrutivo à eje-ção do ventrículo esquerdo, presente já durante a vida in-tra-uterina, está associada a disfunção miocárdica conse-qüente a isquemia subendocárdica ou fibroelastose endo-cárdica1.

O prognóstico da estenose aórtica no recém-nascido vem sofrendo grandes mudanças nestes últimos anos, pela possibilidade de alternativas terapêuticas. Estas alter-nativas vão desde uma valvuloplastia percutânea com ca-teter balão até o transplante cardíaco ou o procedimento de Norwood 2. Esta última possibilidade sacrifica o ven-trículo esquerdo passando o venven-trículo direito a assumir a circulação sistêmica. Esta é uma situação de difícil decisão tendo que ser tomada muitas vezes nas primeiras horas de vida.

A valvuloplastia percutânea com cateter balão tem demonstrado ser um método efetivo na abolição do gra-diente entre o ventrículo esquerdo e a aorta em crianças com estenose aórtica congênita 3-6, com pequena fre-qüência de reestenose 7-9 a médio prazo. Entretanto, quando realizada no período neonatal, a experiência é li-mitada, embora crescente 10-14. Como o tratamento cirúrgi-co da estenose aórtica no recém-nascido está associado com morbidade e mortalidade significativa 15-19, embora tenha-se tornado mas promissor nesta última década20-23, o tratamento através da valvuloplastia com cateter balão poderá ter um importante papel terapêutico neste grupo especial de pacientes.

O objetivo deste trabalho é relatar a nossa experiência com a valvuloplastia percutânea com cateter balão na es-tenose aórtica do recém-nascido focalizando a extraordi-nária importância da perfusão miocárdica (fluxo corona-riano subendocárdico) que já durante a vida fetal encon-tra-se anormal.

Estas informações vão permitir entender as repercus-sões deletérias que a estenose aórtica produz sobre a mus-culatura ventricular esquerda destes pacientes e que nos parece ser um dos pontos fundamentais no prognóstico e conduta terapêutica.

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Métodos

De janeiro/90 até dezembro/99, 25 pacientes recém-nascidos, 19 do sexo masculino, foram admitidos no Institu-to Nacional de Cardiologia Laranjeiras, Rio de Janeiro, com o diagnóstico de estenose aórtica congênita.

Todos apresentavam quadro de insuficiência cardíaca clinicamente intratável, mas com formas de apresentação distintas. O 1º grupo (grupo I) composto de nove pacientes com início das manifestações clínicas ocorrido durante a primeira semana de vida, apresentando hipoxemia, necessi-tou de ventilação mecânica, de aminas vasoconstritoras e de prostaglandina E1 (PGE1), em decorrência do quadro clí-nico de choque, denominado de estenose aórtica crítica. O 2º grupo (grupo II), com idade de apresentação a partir da 2ª semana de vida, com quadro clínico de insuficiência cardíaca grave, sem hipoxemia, não necessitando de ventilação me-cânica, denominado de estenose aórtica grave. Também sob o ponto de vista hemodinâmico e ecocardiográfico os grupos apresentaram características completamente distintas.

Destes 25 recém-nascidos, 21 foram submetidos a valvuloplastia percutânea com cateter balão. Quatro pacien-tes não foram submetidos ao procedimento, dois pesaram menos de 2kg e dois tinham anel aórtico menor do que 5mm. A idade desses 21 recém-nascidos variou de 2 a 27 dias, sendo que nove foram submetidos ao procedimento com menos de 8 dias de vida. O peso desses 21 pacientes variou de 2,2 a 4,1kg com média de 2,9kg.

Lesões associadas estavam presentes em 17 pacien-tes, ductus arteriosus em 13, coarctação da aorta em quatro e regurgitação mitral em nove pacientes. A válvula aórtica foi considerada unicomissural em 10 pacientes e bicomis-sural em 11. A relação entre o diâmetro do balão utilizado e o diâmetro do anel aórtico, em todos os casos, foi inferior a 1 (0,84±0,06).

Todos os pacientes foram submetidos ao procedimen-to sob anestesia geral e entubação endotraqueal e recebe-ram anestesia local com xilocaína a 1%, para canulação dos vasos femorais. As artérias foram canuladas com cateter

pig tail 4F ou 5F. Em algumas situações, 1/3 da alça do

cate-ter pig tail era cortada para facilitar o adequado posiciona-mento do guia na aorta ascendente e, conseqüentemente, alcançar o ventrículo esquerdo através da válvula aórtica. Heparina era administrada via venosa (100UI/kg de peso). O cateterismo cardíaco esquerdo incluía o gradiente sistóli-co de pisistóli-co através da válvula aórtica e o estudo angiográfi-co incluía uma aortografia antes e após o procedimento, no sentido de avaliar regurgitação aórtica e defeitos associa-dos. Além disso, foram realizadas uma a duas ventriculogra-fias esquerdas para o estudo da função.

Para a dilatação, a válvula aórtica era inicialmente ultra-passada com um guia extremamente flexível de 0,015 a 0,021 polegada. Sobre o guia, o cateter pig tail era posicionado próximo à crossa da aorta. Através de manobras com o guia, este franqueava a válvula aórtica e finalmente alcançava o ventrículo esquerdo. Utilizando-se o guia como um trilho, o cateter pig tail era posicionado no ventrículo esquerdo.

Neste momento, o guia inicial era trocado por um guia mais rígido de 0,021-0,028 polegada já tendo previamente na sua extremidade distal uma curva pré-moldada, facilitando o seu posicionamento na ponta do ventrículo esquerdo. Em segui-da, o cateter pig tail era trocado por um cateter balão (Cook

Inc ou Tyshak Numed) posicionado sobre a válvula aórtica

e insuflado manualmente duas ou três vezes, até que o de-saparecimento da cintura do balão, produzido pela válvula, ocorresse. É importante salientar que pequenos aumentos no diâmetro do balão (1mm) podem ser obtidos pelo aumen-to da pressão de insuflação, evitando-se com isso trocas desnecessárias por um balão de maior diâmetro. Outra ob-servação importante é que, nos recém-nascidos, a cintura produzida pela válvula sobre o balão muitas vezes não é observada. O ciclo insuflação - desinsuflação nunca era superior a 15s.

Após a dilatação, era medido o gradiente entre o ven-trículo esquerdo e a aorta e em seguida realizada uma aorto-grafia. Os pacientes eram, por fim, encaminhados ao centro de cuidados intensivos neonatal.

Os dados contínuos foram expressos em média ± des-vio padrão (DP) e faixa de valores, sendo analisados pelo teste de Kruskal-Wallis para dois grupos. Os testes estatís-ticos foram realizados através do programa computacional EPI Info, 6,04 do CDC (Centers for Disease Control &

Pre-vention). Foi utilizado um valor alfa=0,05.

Resultados

Dos 21 pacientes submetidos à valvuloplastia percutâ-nea com cateter balão, somente em 12 o procedimento foi considerado efetivo. Assim, o gradiente entre o ventrículo esquerdo e a aorta caiu em média de 37% ou seja de 72mmHg para 45,5mmHg.

Todos os nove pacientes com estenose aórtica crítica, ou seja, os que se apresentaram criticamente enfermos na 1ª semana de vida, não sobreviveram após a valvuloplastia. Desses, oito apresentavam cavidade ventricular reduzida (fibroelastose) e somente em um a cavidade encontrava-se aumentada. Dos 12 sobreviventes, com estenose aórtica grave, e que se apresentaram a partir da 2ª semana de vida, 11 tinham cavidade ventricular aumentada por disfunção miocárdica (isquemia subendocárdica) (tab. I). É difícil neste grupo especial de pacientes separar as complicações ine-rentes ao procedimento, daquelas cujo estado crítico do paciente também concorreu para tal. Assim, as complica-ções vasculares foram perda de pulso em 12 pacientes e

rup-Tabela I - Estenose aórtica no recém-nascido resultados imediatos

VB VDF diminuído VDF aumentado Grupo Total

Não sobreviventes 8 1 I 9

Sobreviventes 1 11 II 12

VB- valvuloplastia por cateter balão; VDF- volume diastólico final do ventrículo esquerdo.

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tura da artéria femoral em dois. Já as complicações cardíacas foram regurgitação aórtica aguda em dois pacientes e perfu-ração miocárdica em um.

Além da diferente forma de apresentação clínica e da idade aos primeiros sintomas, também sob o ponto de vista ecocardiográfico e hemodinâmico esta divisão em dois gru-pos pode ser mantida (tabs. II e III). Assim, a pressão sistó-lica desenvolvida no ventrículo esquerdo foi de 97,4±26,6mmHg (N=9) naqueles estudados na primeira se-mana de vida e de 138,6±21,7mmHg (N=12) para os estuda-dos além desse período (p=0,005). O mesmo se dando em relação ao gradiente de pressão entre o ventrículo esquerdo e a aorta, ou seja, nos pacientes com menos de uma semana de vida o gradiente foi de 46,1±23,6mmHg (N=9) e já os estu-dados após a 1ª semana de vida tinham gradiente de 72,0±25,2mmHg (N=12), (p=0,04). Conseqüentemente, a pressão sistólica observada na aorta foi de 51,3±7,5mmHg (N=9) no grupo I e de 66,6±11mmHg no grupo II (p = 0,005). Com relação à fração de ejeção, também as diferenças foram significativas. Nos pacientes com menos de uma semana de vida, a fração de ejeção foi de 23,7±5,2% (N=8), já os estuda-dos a partir desta idade tiveram fração de ejeção de

41,1±11,4% (N=10), (p=0,003). O volume diastólico final no grupo I foi de 38,4±2,5ml/m² (N=7) e no grupo II foi de 51,5±25,1ml/m² (N=10), (p=0,28). A pressão diastólica final do ventrículo esquerdo observada foi de 16,3±5,5mmHg no grupo I e de 18,2±7,4mmHg no grupo II (p=0,50).

Dos nove pacientes do grupo I, a válvula aórtica foi unicomissural em cinco pacientes e bicomissural em quatro. Já no grupo II, cinco pacientes tinham válvula unicomis-sural e sete bicomisunicomis-sural.

Dos 13 pacientes portadores de ductus arteriosus as-sociado, nove pertenciam ao grupo I e quatro ao grupo II. No grupo I todos receberam PGE1. Coarctação da aorta asso-ciada foi observada em apenas um paciente do grupo I, já no grupo II ela foi observada em três pacientes. É possível que o uso de PGE1, mantendo o ductus arteriosus patente, te-nha mascarado o diagnóstico de coarctação da aorta. A in-suficiência mitral foi identificada em três pacientes do grupo I e em seis pacientes do grupo II.

As características morfológicas da válvula aórtica e as anomalias associadas não parecem ter relação com a gravi-dade do quadro clínico, embora possam atuar como fatores preditivos e cumulativos da má evolução.

Num seguimento de 8,2±1,3 anos, cinco dos 12 pacien-tes faleceram, dois por septicemia e três por insuficiência cardíaca. Dos sete pacientes sobreviventes, cinco foram submetidos a novo procedimento e dois encaminhados para tratamento cirúrgico.

Discussão

As alterações isquêmicas muitas vezes representadas pela inversão da onda T no eletrocardiograma de um recém-nascido com estenose aórtica têm sido interpretadas como conseqüência da tensão sobre as paredes do ventrículo es-querdo. Experimentalmente, se tem tentado estimar esse pa-râmetro, utilizando-se as pressões do ventrículo esquerdo e da aorta. Como já descrito, a oferta de oxigênio ao miocárdio é determinada não só pelo fluxo coronariano, como também pelo conteúdo de oxigênio arterial. As forças de compres-Tabela II - Estenose aórtica no recém-nascido - achados hemodinâmicos

e ecocardiográficos individuais por grupo de pacientes Grupo I: estenose aórtica crítica

Pt PSVE Pd2 PAo Gr VE-Ao FE (%) VDF (mmHg) (mmHg) (mmHg) (mmHg) (ml/m²) 5 75 13 50 25 22 38 6 76 13 50 26 26 39 7 75 20 45 30 14 40 10 100 10 48 52 - -13 75 16 45 30 29 33 14 140 15 60 80 29 40 16 110 28 42 68 21 40 18 88 20 62 26 21 -21 138 12 60 78 28 39 Média 97,4 16,3 51,3 46,1 23,7 38,4

Grupo II: estenose aórtica grave

pt PSVE Pd2 PAo Gr VEAo FE (%) VDF (mmHg) (mmHg) (mmHg) (mmHg) (ml/m²) 1 125 6 82 43 35 97 2 120 26 50 70 34 76 3 120 14 80 40 35 73 4 148 24 62 86 43 75 8 130 11 55 75 60 49 9 140 25 70 70 46 43 11 170 33 75 95 20 44 12 130 15 55 75 55 38 15 140 17 60 80 38 30 17 190 18 60 130 45 22 19 130 15 80 50 - 20 20 120 15 70 50 - -Média 138,6 18,3 66,6 72,0 41,1 51,5

Pt- paciente número; PSVE- pressão sistólica do ventrículo esquerdo; Pd2-pressão diastólica final do ventrículo esquerdo; Pao- Pd2-pressão sistólica na aorta; Gr VE-Ao- gradiente ventrículo esquerdo/aorta; FE- fração de ejeção do ventrículo esquerdo; VDF- volume diastólico final do ventrículo es-querdo; mmHg- milímetros de mercúrio; % - percentagem.

Tabela III - Estenose aórtica no recém-nascido - achados he-modinâmicos e ecocardiográficos, comparação entre grupos

e nível descritivo G I G II Nível descritivo# PSVE (mmHg) 97,4 ± 26,6 (n=9) 138,6 ± 21,7 (n=12) p = 0,005 Pd2 (mmHg) 16,3 ± 5,5 (n=9) 18,2 ± 7,4 (n=12) p = 0,50 PAo (mmHg) 51,3 ± 7,5 (n=9) 66,6 ± 11,0 (n=12) p = 0,005 Gr VE-Ao (mmHg) 46,1 ± 23,6 (n=9) 72,0 ± 25,2 (n=12) p = 0,04 FE (%) 23,7 ± 5,2 (n=8) 41,1 ± 11,4 (n=10) p = 0,003 VDF (ml/m²) 38,4 ± 2,5 (n=7) 51,5 ± 25,1 (n=11) p = 0,28

# teste de Kruskal-Wallis para 2 grupos; GI- estenose aórtica crítica; GII-estenose aórtica grave; PSVE- pressão sistólica do ventrículo esquerdo; Pd2- pressão diastólica final do ventrículo esquerdo; Pao- pressão sistólica na aorta; Gr VE-Ao- gradiente ventrículo esquerdo/aorta; FE- fração de ejeção do ventrículo esquerdo; VDF- volume diastólico final do ventrículo es-querdo; mmHg- milímetros de mercúrio; % - percentagem.

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são intramiocárdicas têm sido interpretadas como sendo mais elevadas na porção muscular subendocárdica do ven-trículo esquerdo numa situação na qual elas são iguais ou mesmo ultrapassam as pressões intracavitárias 24-26. Portan-to, o fluxo sangüíneo para a musculatura subendocárdica do ventrículo esquerdo é predominantemente diastólico nos corações normais27, porém deveria ser totalmente dias-tólico na estenose aórtica em que existe elevações das pres-sões sistólicas do ventrículo esquerdo.

O aumento das necessidades de oxigênio miocárdico em repouso ou com o exercício pode ser alcançado logo de início pela vasodilatação coronariana. Do momento em que a vasodilatação máxima tenha ocorrido, o fluxo sangüíneo para a musculatura subendocárdica torna-se dependente da baixa e fixa resistência vascular coronariana e da diferença entre a pressão diastólica arterial coronariana e a pressão o-ponente da musculatura subendocárdica do ventrículo es-querdo ou a pressão do seio coronariano. Na ausência de obstrução coronariana, estes determinantes do fluxo sub-endocárdico do ventrículo esquerdo podem ser representa-dos pela área entre as curvas de pressão do ventrículo es-querdo e a aorta na diástole. Esta área multiplicada pela fre-qüência cardíaca é denominada de índice diastólico de pres-são tempo 28, 29. Este índice é a medida do fluxo sangüíneo coronariano para a musculatura subendocárdica ventricular esquerda, já que os seus vasos estão dilatados ao máximo. Para avaliar o consumo de oxigênio do miocárdio, a área da curva de pressão ventricular esquerda e da aorta durante a sístole têm sido medidas e referidas por Sarnoff e cols. 29 como índice de tensão tempo. Esta área por minuto pode ser denominada de índice sistólico de pressão tempo. Com estes dois índices é possível relacionar a oferta e o consumo do miocárdio ventricular esquerdo, como índice diastólico de pressão tempo/índice sistólico de pressão tempo. Entretanto, o índice diastólico de pressão tempo é uma medida de fluxo coronariano e não de liberação de oxigênio. Se o conteúdo de oxigênio arterial está reduzido, então, a liberação de oxigênio para uma mesma faixa de fluxo estará reduzida.

Para permitir que este índice de oferta/consumo de fluxo sangüíneo coronariano possa ser convertido em um índice de oferta/consumo de oxigênio coronariano, multiplica-se o índice diastólico de pressão tempo pelo conteúdo de oxigênio arterial (C), ou seja, índice diastólico de pressão tempo x C/ índice sistólico de pressão tempo. O valor dessa relação me-nor do que 10 estaria experimentalmente associado a uma re-dução da oferta de oxigênio subendocárdico 29. Em algumas situações esta relação não é possível de ser determinada por-que alguns pacientes com estenose aórtica grave têm uma relação oferta/consumo de oxigênio adequada, enquanto que em outros esta relação sugere isquemia subendocárdica. A explicação parece estar na freqüência cardíaca, já que a libera-ção de oxigênio subendocárdica é inversamente proporcio-nal à freqüência cardíaca. Lactentes com freqüência cardíaca acima de 100bpm estariam todos no grupo isquêmico. O en-curtamento da diástole pela taquicardia produz acentuada diminuição no índice diastólico de pressão tempo e portanto na relação oferta/consumo de oxigênio.

Com o conhecimento dessas informações é fácil de se entender que a isquemia subendocárdica é uma manifesta-ção presente na totalidade dos pacientes que se apresenta no período neonatal com estenose aórtica e que é responsá-vel por um quadro de insuficiência cardíaca clinicamente in-tratável e cuja mortalidade é extremamente elevada.

A análise desse grupo de pacientes parece representar uma situação intermediária entre pacientes com atresia aórtica e síndrome de hipoplasia do coração esquerdo por um lado e aquelas situações de pacientes com válvula aórti-ca bicomissural, cujas manifestações clíniaórti-cas ocorrem tar-diamente por outro. Contrariamente aos pacientes com sín-drome do coração esquerdo hipoplásico, a aorta ascenden-te em todos os pacienascenden-tes submetidos ao procedimento tinha dimensões normais ou estava dilatada. Em oito dos 21 paci-entes a cavidade ventricular esquerda foi menor do que o normal, porém, em nenhum foi rudimentar.

Uma vez que esses pacientes se apresentam critica-mente enfermos, imediatacritica-mente após o nascimento, é fun-damental que se tenha noção de sua hemodinâmica fetal e pós natal. Trabalhos experimentais, utilizando-se fetos de ovelhas, demonstraram que normalmente no feto o ventrí-culo direito ejeta cerca de 66,6% (300ml/kg/min) do débito cardíaco combinado esquerdo e direito e que o volume de 265ml/kg/min atravessa o ductus arteriosus para a aorta descendente30. O fluxo placentário é de 200ml/kg/min (44,0% do débito ventricular combinado), a maioria do qual é derivado do débito ventricular direito. O ventrículo es-querdo ejeta somente cerca de 33,3% do débito ventricular combinado (150ml/Kg/min) a maior porção do qual (cerca de 26% do débito ventricular combinado) é desviada do fluxo da veia cava inferior que atravessa o foramen oval para o átrio esquerdo e alcança o ventrículo esquerdo 30. Sem essa contribuição do fluxo do lado esquerdo, o estímulo do volu-me para o desenvolvivolu-mento normal das cavidades atrial e ventricular esquerda pode faltar, possivelmente, resultando numa hipoplasia do coração esquerdo 31, 32. Então, seria lógi-co que, quanto menor o grau de obstrução do foramen oval, maior o desenvolvimento do coração esquerdo, com um lar-go espectro de dimensões ventriculares. O envolvimento primário da válvula aórtica durante a vida fetal talvez possa explicar esses achados morfológicos.

A gravidade da obstrução da válvula aórtica e o perío-do gestacional no qual ela se desenvolve poderia influenci-ar no desenvolvimento do ventrículo esquerdo. Experimen-talmente, durante a vida fetal, em ovelhas de 90 a 115 dias de gestação, a obstrução supravalvar moderadamente grave, produzida pela constrição da aorta, resulta numa acentuada diminuição no débito ventricular esquerdo 33. Além disso, a média dos volumes ventriculares são inferiores à metade daqueles utilizados como controle. O aumento da massa muscular desenvolvido em resposta a obstrução resultaria em uma diminuição da complacência ventricular esquerda, interferindo com o enchimento ventricular esquerdo. A pressão atrial esquerda e a pressão diastólica final do ven-trículo esquerdo aumentam, porém, o fluxo do átrio esquer-do através esquer-do foramen oval encontra-se reduziesquer-do.

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Com base nestas observações, é possível que a obs-trução aórtica grave produzida precocemente durante a vida fetal resulte no espessamento da parede do ventrículo es-querdo com redução do tamanho da cavidade ventricular, levando a um quadro de fibroelastose endocárdica e em ca-sos extremos numa verdadeira hipoplasia do coração es-querdo. Nesta casuística, os achados de hipoplasia do cora-ção esquerdo não foram observados, embora em nove paci-entes (um com cavidade aumentada) a forma e a idade de apresentação, comportamento clínico, hemodinâmico e prognóstico, foram completamente distintos dos outros 12 restantes. Se a obstrução da válvula aórtica for menos grave e ocorrer numa fase mais tardia da gestação, haverá também espessamento da parede do ventrículo esquerdo, porém, o tamanho da cavidade será normal ou poderá estar aumentada. O substrato anatomopatológico será de uma isquemia sub-endocárdica, com melhor prognóstico, com forma e idade de apresentação um pouco mais tardias e com um quadro clínico e hemodinâmico completamente distinto.

Após o nascimento, a sobrevida dos pacientes com es-tenose aórtica crítica dependerá da capacidade do ventrícu-lo esquerdo de manter o débito sistêmico. Se o ventrícuventrícu-lo es-querdo não pode mantê-lo, o ductus arteriosus poderá de-sempenhar uma importante função na manutenção do débi-to sistêmico.

Os resultados a curto prazo nesta amostra são desa-pontadores. Também os bons resultados cirúrgicos são pouco freqüentes. Certamente, a disfunção miocárdica de-corrente da perfusão subendocárdica anormal incapacita o ventrículo esquerdo na manutenção de um débito cardíaco normal.

Como se pode observar, a disfunção miocárdica é uma das principais variáveis no prognóstico dos pacientes com

estenose aórtica no período neonatal. Ela não é um fator iso-lado, porém é o produto final de um processo complexo que se originou na vida intra-uterina e que, dependendo da fase gestacional em que ocorreu o distúrbio e da gravidade do fenômeno obstrutivo, teremos um verdadeiro espectro mor-fofuncional que vai desde a hipoplasia do coração esquer-do até uma válvula congenitamente mal formada num aesquer-do- ado-lescente assintomático.

Uma outra observação encontrada nestes pacientes foi a idade de apresentação. Nenhum paciente que teve sua apresentação na 1ª semana de vida sobreviveu ao tratamen-to com cateter balão. Ao contrário, aqueles cuja forma de apresentação foi a partir da 2ª semana de vida, tiveram me-lhor prognóstico. As anomalias associadas e as caracterís-ticas morfológicas do ventrículo esquerdo podem ser fato-res preditivos e cumulativos da má evolução.

Então, como mudar a história natural da estenose aór-tica críaór-tica do recém-nascido? Certamente que a primeira me-dida seria a desobstrução da válvula aórtica o mais precoce-mente possível, ainda durante a vidafetal 1. Com isso, o ventrículo esquerdo estaria poupado das lesões irreversí-veis e fatais decorrentes do fenômeno obstrutivo. Para isso seria necessária uma maior difusão da ecocardiografia fetal, e um aprimoramento de técnicas na realização de procedi-mentos efetuados durante a vida intra-uterina.

Finalmente, é preciso se ter em mente que o sucesso da valvuloplastia pode concorrer para a sobrevida daqueles pacientes, mesmo com características anatômicas desfavo-ráveis. Neste sentido, é possível identificar pacientes cuja chance de sobrevida é maior com, por exemplo, o procedi-mento de Norwood, do que a valvuloplastia, mesmo em situ-ações em que o volume ventricular tenha valores próximos aos normais.

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