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A grande epidemia de febre amarela em Belém do Grão Pará (1850)

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A grande epidemia de febre amarela

em Belém do Grão Pará (1850)

DIEGO SANTOS DA SILVA

1

*

Introdução

A capital da província de Belém e suas adjacências sofreram frequentemente com as mais diversas epidemias. Varíola (1660 e 1690), sarampo grande (1748-1750), na segunda metade do século XIX com o cholera-morbus (1855) e as fe-bres palustres no final do século oitocentos eram algumas das principais mazelas que acometiam grande parte da população, gerando grande preocupação por parte dos governantes. Estes morbos grassavam na província do Grão Pará, afe-tavam os cotidianos e modos de vida dos habitantes, contribuindo significativa-mente para importantes transformações e (re) arranjos populacionais, sociais e econômicos entre os séculos XVII e XIX.2

É possível perceber a incursão de várias epidemias, em distintas propor-ções, ao logo dos anos na província do Grão Pará. Especialmente ao longo da segunda metade do século XIX, parcelas da sociedade passavam por uma situação precária de higiene pública e precariedade nos sistemas de esgoto, com áreas que eram mais afetadas pelos surtos de doenças infecciosas, dentre elas a febre amarela. Além disso, havia ainda o desconhecimento popular sobre as formas de tratamento da enfermidade, o que aumentavam o índice de mor

1 *Bibliotecário – Documentalista/Universidade Federal do Pará/Núcleo de Medicina Tropical /Mestrando em História Social da Amazônia – PPHIST/UFPA.

2 Ver em: BELTRÃO, Jane Felipe. Cólera, o flagelo da Belém do Grão-Pará. Belém: MPEG/UFPA,

2004; COSTA, Magda Nazaré Pereira da. Caridade e saúde pública em tempos de epidemias: Belém 1850-1890. 2006. 108 f. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, Universidade Federal do Pará, Belém, 2006; SÁ, Magali Romero. A “peste branca” nos navios negreiros: epidemias de varíola na Amazônia colonial e os primei-ros esforços de imunização. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, v. 11, n. 4, p. 818-826, dezembro 2008 (Suplemento); MARTINS, Roberta Sauaia. “Do sarampão as perniciozissimas

be-xigas”: epidemias no Grão-Pará setecentista (1748-1800). Orientador: Antonio Otaviano Vieira

Jr. 2017. 256 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém, 2017.

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talidade. Foi em meio a esses cenários que a sociedade belenense chegou a entrar em pânico devido ao crescimento vertiginoso de casos de febre amarela naqueles tempos.3

No Brasil, em meados do século XIX, houve os primeiros casos de febre ama-rela no Rio de Janeiro e algumas cidades isoladas da Região Norte. Essa doença passou a preocupar os médicos e pesquisadores da área da saúde pública de-vido a sua expansão imediata e por apresentar sintomas fortes nos pacientes4.

No Pará, a febre amarela chegou na segunda metade dos oitocentos, um pouco antes do início do período do ciclo da borracha5, com os primeiros registros de

casos detectados em cidades do interior: Breves, Maracanã, São Caetano de Odi-velas, Soure e Vigia, além da capital Belém.

Seguindo as pistas dos desdobramentos da febre amarela no Pará,este tra-balho é um desdobramento das pesquisas em estágio de desenvolvimento a efeito de mestrado, junto ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará/UFPA. Nesse sentido, os resultados aqui apresentados ainda são parciais, porém, já bastante significativos no que diz respeito ao conhecimento histórico acerca da epidemia de febre amarela na Belém oitocentista.O repertório das fontes utilizadas para o desenvolvimento da pesquisa corresponde a documentos oficiais diversificados como: ofícios, corres-pondências, discursos médicos, leis, relatórios e falas da Presidência da Província do Pará e jornais referentes à década de 1850.

Um novo mal se aproxima na cidade de Belém:

da febre ao vômito negro (1850)

Para aqui foi ella importada (pela I. ª vez) da Bahia em Fevereiro de 1850 pelo brigue dinamarquez Polluz , e fui eu quem vio os dois primeiros doentes (marinheiros do dito navio) que ambos falleceram no hospital Caridade com vomitos negros, e os demais symptomas da febre amarela.6

3 ALVES, Laura Maria Silva Araújo. Abrigar, educar e instruir: a política higienista e a educação de meninas desvalidas nas instituições de assistência no Pará (1850-1910). Educar em Revista, Curitiba, Brasil, v. 34, n. 70, p. 137-152, jul./ago. 2018.

4 MIRANDA, Aristoteles Guilliod de. A epidemiologia das doenças infecciosas no inicio do

século XX e a criação da faculdade de medicina e cirurgia do Pará. 2013. 110 f. Tese (Doutorado

em Biologia de Agentes Infecciosas e Parasitários). Programa de Pós-Graduação em Biologia de Agentes Infecciosas e Parasitários, Universidade Federal do Pará, Belém, 2013.

5 Esta nova ordem econômica propiciou a composição de uma nova elite formada por com-ponentes seringalistas, financistas, com destaque para os profissionais liberais geralmente de famílias ricas e oriundas de universidades europeias. Este novo grupo dominante que, em nome do progresso, vai direcionar a remodelação da cidade imprimindo-lhe o brilho da “Belle Époque”. SARGES, Maria de Nazaré. 3. ed. Belém: riquezas produzindo a belle époque: 1870-1912. Belém: Paka-Tatu, 2010.

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O pequeno fragmento citado acima foi publicado no jornal Folha do Norte e corresponde a uma carta do Dr. Silva Castro7 endereçada Dr. Silva Lima8. A

mis-siva publicada no folhetim “O esculápio” apresenta apontamentos sobre a febre amarela e os meios de combatê-la e evitá-la. O Dr. Silva Castro data os primeiros registros da chegada da mazela amarílica na Província do Grão-Pará, moléstia que acometeu ferozmente a população da cidade de Belém a partir da segunda metade do século XIX.

No ano de 1850 se deu a chegada de uma nova enfermidade ate então des-conhecida pela população do Pará: a febre amarela9. No final do mês de

janei-ro se tem os primeijanei-ros registjanei-ros da doença na cidade de Belém. Os primeijanei-ros indícios do que poderia ser surtos amarílicos no Brasil datam do ano de 1686, o palco para a devastação foi à Província de Pernambuco segundo consta no trabalho memória histórica das epidemias, estudo produzido pelo esculápio Dr. José Pereira Rego, que ocupava o cargo de presidente da Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro e da Junta Central de Higiene Pública, conforme consta na fonte a mazela teria sido importada de um navio procedente da ilha de São Tomé.10 Um século depois o mal amarílico foi trazido para Província do Pará.

Os primeiros registros do flagelo na cidade de Belém datam do final do mês de janeiro de 1850. Segundo o relatório de Presidente da Província o Dr. Jero-nimo Francisco Coelho o então presidente do Grão Pará na época, relata que se desconhecia completamente a existência da Febre amarela no Pará, em Per-nambuco e no Rio de Janeiro; apenas tinha-se notícia da que a epidemia vinha assaltando a Província da Bahia. Com a chegada da Barca- Dinamarqueza Pollux, vinda do porto de Pernambuco, no dia 21 de Janeiro de 1850, de nada valeram

7 O Dr. Francisco da Silva Castro, nascido em Belém foi um medico que teve um papel rele-vante durante a epidemia de febre amarela e do cholera-morbus entre 1850-1855 na cidade de Belém para mais detalhes em: Castro, Francisco da Silva. Apontamentos para a história do

chole-ra-morbus no Pará em 1855: offerecido à junta central d’hygiene publica do Rio de Janeiro. Pará:

Typ. de Santos & Filhos,1855.

8 José Francisco da Silva Lima veio para o Brasil com 14 anos e se fixou na cidade de Salvador, na província da Bahia. Inicialmente trabalhou no comércio, mas depois realizou os cursos prepa-ratórios e ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia. Foi um dos fundadores e editores (de julho de 1866 a 1910) da Gazeta Médica da Bahia, periódico criado em 1866 e publicado por uma associação de facultativos, em Salvador, no qual foram divulgados muitos de seus estudos e dos demais integrantes da Escola Tropicalista Baiana. http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/ pt/pdf/limajossil.pdf

9 “A febre amarela é uma doença infecciosa aguda não contagiosa, cuja forma clássica se ca-racteriza por um quadro febril icteremorrágico, sendo causado por um arbovírus, o vírus da febre amarela; é a febre hemorrágica original. É transmitida em natureza por dípteros hematófagos da família culicidae, principalmente por espécies pertencentes aos gêneros Aedes, Haemagogus e Sabethes. Presentemente é endêmica na América do Sul e África intertropical, mas no passado também ocorreu na América do Norte e Central e na Europa”. LEÃO, Raimundo Nonato Queiroz de. (coord). Medicina tropical e infectologia na Amazônia.

10 REGO, José Pereira. Memoria histórica das epidemias da febre amarella e cholera – morbo: que tem reinado no Brasil, 1873.

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as medidas preventivas da polícia do porto e as práticas de quarentena que se haviam estabelecidas11.

Noticiava-se pelos folhetins, que após a chegada da embarcação os tripulan-tes acometidos pela mazela apresentavam os seguintripulan-tes sintomas: vômitos bilio-sos, dores em diversas partes do corpo, e prostração. Mesmo assim os médicos só classificaram tais sintomas como febres passageiras, pois eles não diagnosti-cavam uniformidades nos sintomas, entretanto pediam prudência e que os tripu-lantes doentes fossem postos em uma enfermaria separada.12

Da origem da febre amarela às ações da esfera de poder

para combater a enfermidade

Preambularmente a origem da febre amarela, seu conjunto de sintomas e sinais de sua primeira aparição, é um tanto confusa, gerando diversas controvér-sias. A sua origem está ligada a surtos epidêmicos, que vão do século XV ao sé-culo XVII. Todavia “A febre-amarela não era conhecida entre os povos antigos. Só depois da descoberta da América foi que passou a figurar nos quadros nosoló-gicos13”. Segundo Dr. José Pereira Rego, em 1494, uma moléstia grassou entre os

companheiros de Colombo durante a expedição a ilha de S. Domingos, causando grande mortandade entre a sua tripulação. As mortes eram atribuídas a grande humidade da ilha, no entanto, os que voltavam para Espanha retornavam com a tonalidade da pele amarelada, ou “com cor de açafrão14.”

Não obstante os primeiros registros amarílicos em terras brasileiras datam do ano de 1640, conforme fontes consulares.

M. Kinlay, citado na Cronologia de Béranger-Féraud, referiu-se, em 1852, à ocor-rência de febre-amarela no Brasil em 1640. Entretanto relatou Kinlay apenas que, de acôrdo com os documentos consulares de Pernambuco, podia-se admitir que a febre amarela reinava no Recife naquele ano. (FRANCO, 1969: p. 09).

Todavia esta referência e outras, também igualmente vagas, não passam de meras suspeitas, sem qualquer fundamento que nos permita confirmá-las ou que nos autorize a considerar aquelas supostas ocorrências como os primeiros casos observados no País.15

Na primeira metade do século XIX se da à primeira incursão, de que se tem registro, da febre amarela em terras do Grão Pará. Nada se sabia sobre etiologia do chamado mal de Sião16 e de seu modo de transmissão.

11 Relatório de Presidente da Província. 1 de agosto de 1850. 12 O treze de maio, n. 41,09 de fev. 1850. p. 02. GLRP

13 Franco O. História da febre amarela no Brasil. Rio de Janeiro; 1969. 14 REGO, José Pereira. Op. Cit. p. 07

15 Franco O. Op. Cit. p. 09

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Não se teve uma preocupação com a entrada da doença na cidade de Belém, pois em princípio de 1850 ignorava-se por completo a febre amarela nas Provín-cias de Pernambuco e Rio de Janeiro, sabendo-se apenas que a mesma devastava a Província da Bahia17. A falta de uma vigilância efetiva, aliada a sagacidade por

parte do mestre da Barca Dinamarqueza Pollux, o qual ocultou a real situação do contagio de febre amarela que já se lavrava em Pernambuco, contribuiu para o disseminar da enfermidade. O responsável pela embarcação ainda informou à Policia do Porto que o mal estava quase extinto na Bahia. Com a notícia de que havia na Barca três tripulantes doentes, o Doutor Provedor da Saúde, Camillo José do Valle Guimarães e o médico do Hospital da Caridade, o Dr. José da Gama Malcher18, foram examinar os fatos, os quais não julgaram perigosos e nem os

consideraram infectados da moléstia reinante que vinha grassando a Província da Bahia. Em um primeiro momento o quadro nosológico feito pelo Dr. Gama Malcher, em um dos pacientes, foi de “supressão de transpiração, e colite aguda, e a de outro gastro – hepatite aguda.”

Por se tratar de uma enfermidade nova e da imprecisão dos diagnósticos e da mazela se tratada como boato tanto por parte dos governantes e da imprensa19

acreditava-se que tais boatos tinham interesses econômicos o objetivo era de as-sustar os habitantes do interior para não virem com seus gêneros para cidade, e assim os comerciantes de Belém poderiam vender os seus por preços encarecidos.

No último dia de janeiro e início de fevereiro se revelaram os dois primeiros casos funestos de febres e vômitos negros: dois tripulantes da barca Pollux sucumbirão de febre amarela no Hospital da Santa Casa de Misericórdia e adoecendo quase subitamente grande parte da tripulação da barca. Com o alarme dado, medidas preventivas foram adotadas pelo presidente da província. Em 24 horas a barca

Pollux fez-se seguir viagem e a Charrua Pernambucana foi imediatamente

manda-da para cumprir quarentena no ancoradouro do Lazareto de Tatuoca20.

De nada valeram as medidas de combate utilizadas pela policia do porto, pois as atividades sanitárias não possuíam recursos financeiros que as fizesse ir além da aplicação da quarentena. A forte transmissibilidade da doença fazia com que a mesma se instalasse com veemência e se propagasse com certa rapidez.

das Antilhas.

17 No folhetim o Planeta de inicio de janeiro já se noticiava casos de uma suposta epidemia na província da Bahia “Em vista do que publicamos em o numero 81 deste Diario, os leitores já sabem que aquella província já esta sendo flagellada por uma epidemia, cujos signaes característicos são febre intensa e vômitos negros; bem como que sob a denominação de polcka, semelhante peste há levado alli muita genta à sepultura[...]” Jornal o Planeta, n. 34, 13 de jan. 1850. p. 03. GLRP. 18 Nascido em Monte Alegre, PA em 1814. Cursou medicina na Bahia, formando-se em 1840. Praticou misericórdia na Santa Casa de Belém, atendia também no hospital da Beneficente Portu-guesa. Além de médico, foi deputado provincial, vereador e presidente da Câmara municipal de Belém. MOREIRA, Manoel. Nome de ruas, avenidas e logradouros de Belém: justa homenagem da população aos paraenses médicos famosos da cidade. Revista Pará – Medico. Belém, PA, v. 8, n. 1, set/out. 2001. (edição histórica).

19 O treze de maio, n. 41,09 de fev. 1850. p. 03. GLRP 20 Relatório de Presidente da Província. Op. Cit. p. 09.

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As instituições públicas passaram a controlar a entrada e saída de transeun-tes e o governo provinciano iniciou um processo de higienização social por meio de políticas públicas de controle das doenças infecciosas, principalmente a febre amarela. Vale ressaltar que os registros de instalação da infecção amarílica na província do Pará denotam do mesmo período que a doença eclodiu na província do Alagoas. A mazela amarílica chegou ferozmente na província ceifando a vida da população, as autoridades estavam defrontando-se com um mal de rápida e devastadora ação, no qual não se tinha o mínimo de conhecimento para trata-mentos e prevenções.21

A preocupação com a propagação da doença fez com que o presidente da Província do Pará, Francisco Coelho, adotasse medidas preventivas para amainar a situação. A primeira diretriz da administração foi escolher o local que devia servir como lazarento da quarentena. Foi nessa discussão que se ocupou a junta de salubridade, decidindo que os vapores e navios vindos dos portos da Bahia e Pernambuco deveriam ancorar em frente ao arsenal da marinha, nas confluências do Rio Guamá e Guajará.22 No entanto, essa decisão não foi bem recebida pelos

habitantes que ali próximo residiam, haja vista que as margens dos Rios Guamá e Guajará eram cheias de sítios, fazendas e engenhos. Os moradores que ali es-tanciavam tinham medo da exposição à epidemia23.

Vale ressaltar que as doenças durante esse período eram relacionadas ao “ar pestilencial” nesse período reinava a teoria miasmática de transmissão “segun-do sua concepção antológica, a “segun-doença era um ser com existência própria, uma entidade concreta que vinha do exterior, do ar, dos outros indivíduos e objetos e que não faziam parte da natureza do homem.”24 tanto que a junta de

salubrida-de pública em sua própria salubrida-defesa publicou no jornal o Planeta: “que por ventura

viesse transportada dos indicados porto, porque os ventos soprão quasi sempre do norte, e nordeste, e estes rios estão ao sul e sudeste do local designado25” as praticas

de saúde pública se concentravam basicamente no controle do meio ambiente. (COSTA et al, 2011).

Outra medida foi à nomeação de duas comissões médicas, a primeira com três médicos, incumbida de propor todas as medidas sanitárias “precisas”, e a se-gunda com quatro facultativos destinados para assistir os indigentes.26 Tal medi-21 Franco O. Op. Cit. p. 29.

22 O treze de maio, n. 23, 23 de mar. 1850. p. 02. GLRP 23 Ibidem. p. 02. GLRP

24 COSTA, Zouraide Guerra Antunes et al. Evolução histórica da vigilância epidemiológica e do controle da febre amarela no Brasil. Revista Pan-Amazônica de Saúde, v. 2, n. 1, p. 11-26, 2011. 25 Jornal o Planeta, n. 34, 13 de jan. 1850. p. 04. GLRP

26 Para Freguesia da Sé o Snr. Manoel Monteiro de Azevedo, Cirurgião Mor do 4º batalhão de caçadores; Para Freguesia da Campina o Snr. Francisco Xavier Pereira de Moraes, Cirurgião da di-visão naval; Para Freguesia da Santíssima Trindade o Snr. José Soares de Souza, engajado adjunto ao Cirurgião da divisão naval; E o Snr. Dr. Camillo José do Valle Guimarães, medico da Câmara e Provedor de Saúde, incubido de inspecionar o curativo nos 3 respectivos Distritos. O treze de

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da de higienização tinha como objetivo “curar” a pobreza enferma dos diferentes bairros da cidade, esse discurso de cura dos pobres, levantado pelo estado, está diretamente ligado com o surgimento da ideologia da higiene que vinha vigoran-do no século XIX, na qual relacionava os pobres enquanto vetores de contágio.

Segundo Chalhoub:

Os pobres passaram a representar perigo de contágio no sentindo literal mesmo. Os intelectuais – médicos grassavam nessa época como miasmas na putrefação, ou como economistas em tempo de inflação: analisavam a “realidade”, faziam seus diagnósticos, prescreviam a cura, e estavam sempre inabalavelmente convencidos de que só a sua receita poderia salvar o paciente. E houve então o diagnostico de que hábitos de moradia dos pobres eram nocivos à sociedade, e isto porque as habi-tações coletivas seriam focos de irradiação de epidemias, além de, naturalmente, ter-renos férteis para a propagação de vícios de todos os tipos (CHALHOUB, 2017: p. 33).

Os discursos higienistas justificavam mudanças tanto na estrutura física dos espaços da cidade como nas habitações e nos costumes individuais dos cida-dãos27. Essas mudanças podiam ser vistas pelo código de posturas municipais

conforme os artigos 14 e 15.

Artigo 14. – Quem tiver terreno pantanozo dentro dos limites das cidades, villas, e suas imediações, ou nas freguesias e povoados, onde se conservem agoas estag-nadas, será obrigado a aterra – lo, ou a dar esgotamento as agoas, sendo possível, dentro do praso que a câmara ordenar, em consequência do exame, que o fiscal tiver feito com os dous peritos, lavrando – se disso auto circunstanciado. Findo o prazo será o infractor condemnado em dez mil réis, ou quatro dias de prizão, e se lhes prorrogará o tempo, que a câmara julgar necessário para concluir uma outra obra: depois d’ este se julgará ter reincidido, e então mandará a câmara fazer a obra a custa do possuidor do terreno.

Artigo 15. – Os proprietários de terrenos, ou foreiros d’entro dos limites das cidades, villas, ou freguezias deverão conservar sempre os ditos terrenos limpos, e livres de immundices, sob pena de incorrerem na multa de duzentos réis por cada braça de frente, ou dous dias de prizão.

§ Único. – A inspeção sobre esta limpeza deverá ser feita no ultimo dia de cada mêz, a qual hão de proceder editaes, oito dias antes. – Conforme o Secretario, Gama e Silva.28

O governo buscava agir diretamente sobre os focos das doenças, a comis-são de salubridade estabelecia um conjunto de regras de higiene que visavam sanear os espaços públicos e privados da cidade, além de corrigir os hábitos e o modo de vida dos seus habitantes. Não obstante, é notório que tais medidas se-guiam as teorias médicas da época, nas quais se acreditava que os miasmas eram

27 EDUARDO, Ana Rachel Baracho; FERREIRA, Angela Lucia de Araújo. As Topografias Médicas

no Brasil do início do Século XX: aportes históricos ao estudo da relação meio ambiente e

socie-dade (o caso de Natal-RN). Disponível em: http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/ GT/GT16/gt16_anna_rachel.pdf. Acesso em: 18 de mar. 2020.

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produzidos nesses lugares insalubres. Segundo os olhos das ciências medicas, es-ses lugares em geral eram identificados pela concentração de águas estagnadas e pelo acumulo de sujeiras promovendo assim uma corrupção do ar atmosférico, tornando-se um perigo à saúde pública29.

Outra medida da câmara municipal para socorro dos amarelentos foi a or-denação para que as boticas da capital atendessem as receitas para os pobres assinadas por qualquer esculápio, ou facultativo com licença para curar. Também estipulou-se que todas as despesas ficariam por conta do erário público30.

“Por ordem do Exm.º Sñr. Conselheiro Presidente e Commandante das Armas da Provincia se faz publico o seguinte”:

Havendo – se agravado o mal epidemico de febres, que tem atacado grande parte da população desta Capital o mesmo Exm.º Sñr. Presidente resolveo a bem de so-corros publicos aos enfermos pobres, e desvalidos, fazer adoptar diferentes medidas a saber:

1.º Em todas as boticas desta Capital há ordem de se prepararem as receitas de qual-quer facultativo legalmente autorizado para curar, declarando na mesma receita, que o medicamento e destinado para enfermo pobre, com designação do nome do enfermo e lugar de residencia.

2.º Para curativos dos mencionados enfermos nos destrictos das 3 freguezias da Capital, achaõ – se contractados por conta da Fazenda Publica:

Para a Fraguezia da Sé o Snr. Manoel Monteiro de Azevedo, Cirurgiaõ mór do 4.º Batalhão de Caçadores.

Para a Freguezia da Campina o Snr. Francisco Xavier Pereira de Moraes, Cirurgiaõ da Divizaõ Naval.

Para a Freguezia da Santissima Trindade o Snr. José Soares de Souza, Engajado Ad-junto ao Cirurgiaõ da Divizaõ Naval.

O Snr. Dr. Camillo José do Valle Guimarães, Medico da Camara e Provedor de Saúde, é incumbido de inspeccionar o curativo nos 3 respectivos Destrictos, e todos obriga-dos ao tratamento obriga-dos enfermos pobres, sempre que forem chamaobriga-dos.

3.º Aos enfermos pobres e desvalidos se fornecerá a dieta, que precisarem á vista do bilhete ou pedido de qualquer dos 4 facultativos nomeados.

4.º O Snr. Chefe de Policia acha – se incumbido de fiscalisar e expedir as necessárias ordens e instrucções sobre os detalhes da execução das medidas supramencionadas, e á sua disposição ficaõ postos os necessários fundos.

Secretaría do Governo da Provincia do Pará 20 de Março de 1850.31

Com o mal amarílico lançado na capital da província a medicina da época permanecera de mãos atadas, pois padecia de diagnósticos precisos para tratar

29 COSTA, Magda Nazaré Pereira da. op. Cit., p. 43

30 COSTA, Carlos Alberto Amaral. Oswaldo Cruz e a febre amarela no Pará. Belém, PA: Conse-lho estadual de cultura, 1973.

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os enfermos. Os conjuntos de sintomas atribuídos à febre amarela se davam pri-meiramente por: dores de cabeça mais ou menos intensa, onde sempre ocupando

as regiões supra – orbitarias, dores nos membros inferiores, e nas regiões dorsal e lombar, câimbras, frios nos pés e mãos, “horripilações” os quais se seguia de calor mais ou menos forte, febre, ansiedade, dor no ventre na região do fígado e estô-mago, náuseas, e algumas vezes vômitos ora brancos, ora bilioso, pele seca, olhos avermelhados, rosto “afogueado”, hálito forte, língua saburrosa e húmida com bor-das avermelhabor-das, urina escassa e carregada. Este estado inicial de sintomas dura

de três a cinco dias com declinação gradual dos sintomas.32

Em alguns casos esses sintomas iniciais se agravavam, se manifestando de forma aterradora, se constituindo na forma clássica da febre amarela que geral-mente vinha a levar a óbito, os sintomas são: prostração geral, icterícia, o vomito

negro semelhante a borras de café, diarreia da mesma cor, manchas arroxeadas por toda pele, delírio, e finalmente as hemorragias fétidas pelo nariz, língua, gengivas, anus, uretra, e em geral por toda abertura naturais do corpo. Todos esses sintomas

graves podem aparecer logo no começo, perdurando de um a nove dias.33

Não sendo ainda conhecida a transmissibilidade da doença pelo mosquito, a febre amarela era um verdadeiro mistério para os esculápios da capital da pro-víncia do Grão Pará, os mesmos recorriam, desesperadamente as mais diversas formas e possibilidades possíveis de combate e tratamento.

Era notório que não havia uma uniformidade terapêutica em relação a febre amarela. Porém o tratamento mais vantajoso de combate a mazela noticiado no fo-lhetim 13 de maio quando se manifestada de forma mais grave convém dar:

“cozi-mento de quina, de calumba, de geneciana, de valeriana, sulfato de quinine em dozes de grãos de hora em hora, calomelanos em dozes elevadas amiúdo, comphora, agua de labarraque [meia onça]para duas onças d’agua commum de duas em duas horas tanto pela boca, como pelo anus; ajudas ou clysteres de malaguetas com limão.34

O emprêgo do sulfato de quinina foi muito discutido, dividindo-se a classe médica em dois campos: os “quinistas” e os “ não quinistas” Alguns médicos pre-conizavam também que, antes do uso da quinina, devia ser empregada a tríade medicamentosa: vomitório, suador e purgativo.35

Diante de vários tratamentos36 ambíguos e confusos e providências

ineficien-tes por parte do governo não foi contido o progresso da febre amarela na capital do Grão Pará, a cidade Belém entrou em um estado de consternação pela cala-midade pública de que tem sido vitimada pela com a epidemia de febre amarela.

32 Ibidem. p. 03. GLRP 33 Ibidem. p. 03. GLRP 34 Ibidem. p. 03. GLRP

35 FRANCO, Odair. Op. Cit. p.42.

36 Existiam outros tratamentos lançados de combate a febre amarela na época, entre bebidas emolientes, como seja o cozimento de grama cevada. Os seguintes tratamentos estão sendo elu-cidados com mais detalhe na pesquisa que se encontra em andamento.

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Conforme consta no relatório de Presidente da Província, Jeronimo Francisco Coelho estimou em 12.000 mil o numero de enfermos correspondendo a ¾ de uma população de 16.000 mil habitantes. Foi elaborado um quadro com relação a mortalidade nos 7 primeiros meses.37

Quadro 1: Indice de mortalidade de febre amarela janeiro a julho de (1850)

Fonte: Relatório de Presidente da Província do Pará (1850). p. 10 – 11

O numero de 506 mortos pela epidemia segundo o presidente da Província equivalia a 4% total dos enfermos38 de primei de janeiro a 31 de julho, pereceu

em Belém, vitimadas por moléstias diversas, 304 pessoas que juntas aos 506 mor-tos até ai feimor-tos pela febre amarela, produzem um total de 810 óbimor-tos para os 212 dias daqueles meses.39

A epidemia não escolheu vitimas atacou tanto ricos e pobres indistintamente no ano de 1850, passando a primeira onda avassaladora da epidemia, a doença tornou-se endêmica. Entre os anos de 1851 e 1863 houve apenas um pico acen-tuado da epidemia quando faleceram 130 pessoas.40

Passando o ano de 1850, a capital da Província do Grão Pará gozou de relati-va tranquilidade, caindo a intensidade de pessoas acometidas pela febre amarela, ocupando pouco espaço no obituário da cidade, somente em 1871, a mazela amarílica voltou com proporções devastadoras.

37 Relatório de Presidente da Província. 1 de agosto de 1850 38 Relatório de Presidente da Província. Op. Cit. p. 11.

39 VIANNA, Arthur. As epidemias no Pará. Belém: Imprensa Oficial, 1906.

40 COSTA, Carlos Alberto Amaral. Oswaldo Cruz e a febre amarela no Pará. Belém, PA: Conse-lho estadual de cultura, 1973. Op. Cit. p. 42.

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Referências

Fontes primarias

Jornais

Biblioteca do Grêmio Literário e Recreativo Português – GLRP

Folha do Norte, 19 de Fevereiro de 1896 Jornal o Planeta, n. 34, 13 de jan. (1850). O Treze de maio /janeiro a maio (1850)

Impressas

Castro, Francisco da Silva. Apontamentos para a história do

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Referências

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